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Submeter as coisas da fé aos preceitos da ciência é uma coisa tão ridícula como submeter as ciências às obediência cega da fé; não cabe ao teólogo a demonstração de um teorema como a um sábio não convém discutir, em nome da ciência, pró ou contra os mistérios do dogma. Pergunta à Academia das Ciências se é matematicamente verdadeiro que há três pessoas em Deus e se pode ser provado por meio das ciências que Maria, mãe de Deus, foi concebida sem pecado? A Academia das Ciências recusará e com razão; os sábios não têm nada a ver com isso, que é do domínio da fé. Um artigo de fé não se discute, crê-se ou não nele; mas ele é de fé porque escapa ao exame da ciência.
A verdade em ciência se prova por demonstrações exatas; a verdade em religião se prova pela unanimidade da fé e a santidade das obras. …A prova da fé são as obras. O cristianismo constituiu uma sociedade imensa de homens, tendo a hierarquia por princípio, a obediência por regra e a caridade por lei. …A Caridade! Grande palavra e grande coisa, palavra que não existia antes do Cristianismo, coisa que é a verdadeira religião no seu todo. O espírito de caridade não é o espírito divino tornado visível sobre a Terra?
O espírito de caridade é Deus, é imortalidade da alma, é a hierarquia, é a obediência, é o perdão das injúrias, é a simplicidade e a integridade da fé. …A fé que transporta montanhas e que faz suportar o martírio, a generosidade que dá, a eloqüência que fala a linguagem dos homens e dos anjos, tudo isso não é nada sem caridade, diz São Paulo. A ciência pode falhar, ajunta o mesmo apóstolo, a profecia pode cessar, a caridade é eterna.
A magia de luz, a magia do verdadeiro Zoroastro, de Melquisedeque e Abraão, devia cessar com a vinda do grande realizador. Num mundo de milagres os prodígios não deviam ser mais um escândalo, a ortodoxia mágica se transfigurava em ortodoxia religiosa; os dissidentes não podiam ser mais que iluminados ou feiticeiros; o nome mesmo “Magia” devia ser tomado em mau sentido. É sob esta maldição que seguiremos de agora em diante as manifestações mágicas através das idades.
A Lenda de Simão, o Mago
O primeiro heresiarca de que fazem menção as tradições da Igreja foi um taumaturgo chamado Simão, o Mago. Judeu na origem, supõe-se que nasceu no burgo de Giton no país de Samaria. Teve por mestre o sectário Dositeu, que se dizia enviado de Deus e o Messias anunciado pelos profetas. Simão aprendeu não somente a arte dos prestígios mas ainda certos segredos naturais que pertencem à tradição secreta dos magos: ele possuía a ciência do fogo astral (luz astral). Tinha também o poder de elevar-se no ar (levitação). Ele magnetizava à distância os que nele acreditavam e lhes aparecia sob diversas figuras. As coisas naturalmente inanimadas moviam-se ao redor dele …e muitas vezes, quando ele queria entrar em uma casa ou dela sair, as portas rangiam, agitavam-se e acabavam abrindo-se por si mesmas.
Simão operou estas maravilhas diante dos nobres do povo de Samaria; elas foram exageradas e o taumaturgo passou por um ser divino. Como ele alcançou tal poder por excitações que perturbavam sua razão, ele mesmo julgou-se digno de honras divinas e desejou as adorações do mundo inteiro. Suas crises, ou êxtases, produziam sobre seu corpo efeitos extraordinários. Ora viam-no pálido, encovado, alquebrado, qual um velho que vai morrer; ora, um fluido luminoso revigorava seu sangue tornando suave seu rosto de modo que parecia rejuvenescido de repente. …Por toda parte só se falava de seus milagres e ele tornou-se um ídolo dos judeus de Samaria e dos padres circunvizinhos.
Mas os adoradores do maravilhoso são geralmente ávidos de emoções novas …O apóstolo São Felipe foi pregar o Evangelho em Samaria e angariou uma nova corrente de entusiasmo. Simão perdeu todo o seu prestígio e sentindo-se abatido por sua moléstia, que tomava por uma impotência. Julgando-se superado por magos mais sábios que ele, decidiu unir-se aos apóstolos para estudar e apoderar-se de seus segredos. Simão, certamente, não era iniciado em Alta Magia; se fosse, saberia que para dispor das forças secretas da Natureza, de modo a dirigí-las sem ser quebrado por elas, é preciso ser um sábio e um santo.
Privado de suas vertigens, Simão estava infeliz. Ninguém se conforma em voltar a ser um simples mortal depois de ter se sentido como um Deus. Para recuperar os poderes perdidos, o feiticeiro submeteu-se a todos os rigores da austeridade apostólica: fez vigílias, orou, jejuou, mas os prodígios não voltaram. Finalmente, ofereceu dinheiro a São Pedro. O chefe dos apóstolos o repeliu com indignação. O mago deixou depressa esta sociedade de homens tão desinteressados e com o dinheiro que São Pedro recusou, comprou uma escrava chamada Helena.
Ele se apaixonou intensamente pela mulher e a paixão, enfraquecendo-o e exaltando-o, fez voltar suas catalepsias e seus fenômenos mórbidos. Foi assim que Simão forjou, sobre si mesmo, uma mitologia cheia de reminiscências mágicas misturada a devaneios eróticos. Põs-se a viajar, como os apóstolos, levando consigo sua Helena. A doutrina do novo “iluminado” pregava que a primeira manifestação de Deus fora um esplendor perfeito, reflexo do Criador. Este sol de almas era ele, Simão, e reproduzindo a criação de seu Pai, seu reflexo era Helena, que ele chamava Selene, para significar Lua.
…Simão fazia-se chamar “santo”; tornou-se um “personagem” e voltou à Roma, onde o imperador, curioso de todos os espetáculos extraordinários, estava disposto a acolhê-lo. Este imperador era Nero. …Segundo as lendas, foi para preservar os judeus da dourina de Simão que São Pedro dirigiu-se para Roma. Nero soube depressa …que um novo taumaturgo israelita chegava para fazer guerra ao feiticeiro e resolveu confrontar os dois, porque deleitava-lhe a idéia do embate.
— Que a paz esteja convosco! diz entrando o príncipe dos apóstolos.
— Nada temos a fazer com tua paz — responde Simão — é pela guerra que a verdade se descobre. A paz entre adversários é o triunfo de um e a derrota do outro.
Pedro replicou
— Por quê recusas a paz? Foram os vícios dos homens que criaram a guerra; a paz acompanha sempre a virtude.
— A virtude é a força e a destreza — diz Simão. Eu afronto o fogo, elevo-me nos ares, ressucito as plantas, mudo a pedra em pão; e tu, que fazes?
— Oro por ti — responde São Pedro — para que não pereças vítima de teus prestígios.
— Guarda tuas preces; elas não subirão no mesmo instante que eu aos céus.
Neste momento, o Mágico precipita-se por uma janela, elevando-se nos ares. São Pedro estava de joelhos e orava; de súbito, Simão grita e cai; levantaram-no ainda vivo, com as coxas quebradas; mas não se recuperou e morreu em decorrrência da gravidade do acidente. Nero mandou encarcerar São Pedro, que lhe parecia ser um mago menos divertido que Simão.
Herança de Simão: a seita dos menandrinos
A seita de Simão não se extinguiu com ele. Seu sucessor foi um de seus discípulos, chamado Menandro de onde derivou o nome destes sectários: são os menandrianos. Menandro contentava-se com o papel de profeta; quando batizava seus prosélitos um fogo visível descia sobre a água; ele lhes prometia a imortalidade da alma e do corpo por meio deste banho mágico. Ainda no tempo de São Justino, havia meandrinos que se julgavam imortais. A morte de uns não desenganava aos outros, porque o defunto era imediatamente excomungado e considerado como falso irmão. Os menandrinos consideravam a morte como verdadeira apostasia. …Os que sabem até onde pode chegar a loucura humana, não se admirarão se lhes informarmos que neste mesmo ano, de 1858, existiam ainda na América e na França da seita dos menandrinos.
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