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Stephen Flowers
Poucas figuras foram mais responsáveis pelo renascimento ocultista do século XX do que a poderosa figura de Helena Petrovna Blavatsky. Nascida na Ucrania em 1831, filha de um oficial do exército russo e uma mãe que lhe deu um modelo a seguir em termos de gosto pela leitura e não-conformismo com os valores aristocráticos. Sua mãe escreveu alguns romances com o pseudônimo Zenaida R’Va. Também de sua avó Helena Pavolvna de Fadeef herdou a curiosidade e o gosto pelo conhecimento científico, uma vez que ela se correspondia com vários cientistas da época, era uma expert em geologia e botanica e teve inclusive um fóssil batizado com seu nome: A Venus Fadeef. Aos 17 anos seu casamento foi arranjado com Nikifor Vlavatsky, um homem de 40 anos que estava aprestes a tornar-se o vice-governador de Yerivan na Arménia. Entretanto em pouco tempo Helena abandonou Nikifor e mudou-se para Constantinopla.
Os próximos 25 anos de Helena são assunto de controvérsia entre seus biógrafos, uma vez que há pouca evidências documentais de onde ou o que exatamente estava fazendo nesse período. Seja como for, foi aqui que ocorreu seu maior desenvolvimento intelectual. Bruce Campbell em Ancient Wisdom Revived, destaca quatro fatos mais concretos desse período:
1. Ela viajou pela Europa, Oriente Médio e América do Norte
2. Ela envolveu-se com espiritualismo e conheceu Paulus Metamon no Cairo e D.D. Holm na Inglaterra.
3. Ele teve algumas fases “bohemias” onde experimentou drogas (especialmente haxixe), e teve relacionamentos com vários homens e teve pelo menos dois filhos fora do casamento.
4. Ela adquiriu um certo sentimento de que tinha uma missão para sua vida.
Em 1871 fundou sua primeira organização, a Societé Spirite no Cairo. Após algumas viagens emigrou para os Estados Unidos em 1873. Em Nova York teve vários empregos incluindo um trabalho em uma fábrica de flores de plástico. No ano seguinte ela conheceu Henry Steel Olcott, um jornalista e ocultista, em uma casa em Chittenden, Vermont, conhecida por seus fenômenos “espiritualistas”. Olcott e Blavatsky tornaram-se amigos, e em 187 fundaram a Theosophical Society com um número de outros interessados em espiritualismo e conhecimentos tradicionais. HPB não era apenas a líder do grupo, mas também sua Secretária Correspondente. Seus talentos não era administrativos, mas seu carisma e sua redação arariam muitos outros Teosofistas para “a causa”.
Isis sem Véu
Logo depois de fundar sua sociedade HPB conheceu Prof Hiram Carson em sua casa em Ithica, New York. Ela foi lá para ajudar o professor a fazer contato mediúnico com sua filha que havia morrido a pouco tempo. Foi lá que ela começou a escrever seu trabalho mais conhecido Isis sem Véu. Junto com Olcott ela continuou o segundo volume e o trabalho foi publicado em 1877. Pouco depois de sua publicação houveram denuncias de que a obra era uma série de plágios sem referencias de mais de 100 outros livros de ocultismo que circulavam na época. William E. Coleman descobriu mais de 2000 passagens que repetiam letra por letra alguns desses livros (3)
Após os primeiros dois ou três anos a Sociedade Teosófica estagnou, o número de membros diminuiu enquanto o grupo tentava encontrar uma identidade própria que o destacasse do espiritismo já dominante. Em 1878 houve uma fusão da Sociedade Teosófica com o Arya Smaj, uma organização indiana que promovia o retorno aos valores e costumes dos Vedas e dos Arianos (Indo-Europeus). Este foi o início de uma longa relação da ST com a política e a sociedade indiana. Por fim em 1878, Blavatsky e Olcott se mudaram para a Índia e em fevereiro de 1879 o quartel general da ST mudou-se para Bombaim, e sem seguida para Adyar, A teosofia se tornou mais e mais aberta aos ensinamentos indianos, tanto budistas como hindus. Mais de 100 lojas da sociedade foram abertas na Índia naquela época.
Foi apenas neste época (1897) que os Mahatmas (Grande Almas) ou Mestres se tornaram parte integral dos ensinamentos teosóficos, apesar de HPB depois afirmar que ela encontrou em contato com eles no Tibe, durante seus anos obscuros pré-1973. Mas é razoável conclui que toda essa história de Magatmas tenha sido uma fabricação para ganhar prestigio, poder e carisma, não diferente do que fez Anton Lavey em 1960 e Carlos Castanheda em 1970.
Blavatsky direcionou seu talento mediúnico de falar com parentes mortos das pessoas para se comunicar agora com os “Mestres Ocultos”, uma prévia de uma prática comum na mania esotérica do século XX de canalizar mestres e inteligências extraterrestres. Um artificio também usado por Alester Crowley em 190009. Em 1884 os fenômenos de Blavatsky foram investigados pela relativamente cética Society for Psychical Research que a declarou como fraudulenta. Também, em uma passagem pela Inglaterra Blavatsky foi acusada de charlatanismo por um membro antigo em Adyar.
Blavatsky eventualmente se mudou para a Inglaterra em cerca de 1887. Seus cinco últimos anos de vida foram dedicados a escrever A Doutrina Secreta (1888) e artigos para seu jornal Lúcifer, criado naquele período. Também aqui ela criou a ‘Esoteric Section” como um círculo interno dentro da Sociedade Teosófica,
Em maio de 1891 HPB morreu, mas sua voz e visão foram o farol e os princípios guias da ST por vária gerações seguintes. Uma das principais colaborações da Sociedade Teosófica para o renascimento do ocultismo foi suas profundas conexões entre as várias religiões e tradições ocultas do oriente e do ocidente. Em várias ocasiões Blavatsky afirmou que todas essas escolas derivam de uma única e mais antiga ‘Doutrina Secreta” anterior as escolas de sabedoria Gregas e Hindus (4), curiosamente isso é verdade embora a linhagem Indo-Europeia de amvos os povos não fosse conhecida cientificamente na época. Blavatsky teria gostado disso uma vez que outro legado da TS no ocultismo foi uma tentativa de criar pontes entre as descobertas do método cientifico e os conhecimentos das “sabedorias ocultas”
Lúcifer na Loja Branca
A relação da Teosofia com o caminho da mão esquerda é altamente ambígua e de muitas formas antecipou as ambiguidades na carreira oculta de Aleister Crowley, que tinha 16 anos quando HPB faleceu. Blavatsky prontamente identificava suas ações com a “Loja Branca” ou “A Grande Fraternidade Branca”, que ocasionalmente comparava com a “Loja Negra”. Era também comum que declarasse ser parte da Fraternidade Branca ao mesmo tempo que muitas obras suas fazem referencias bastante positivas a Satan. Sua revista publicada em seus últimos anos recebeu o nome de Lúcifer.
Mas importante do que estes nomes e notar o contraste entre a pratica e a teoria do seu sistema que tinha como objetivo final o desenvolvimento humano ou iniciação. Isso ocorreria pela transcendência do ego em uma realidade superior como uma centelha da individualidade em um imenso fogo ou uma gota em um oceano. A individualidade deve ser superada como o “eu da matéria” e o “botão da personalidade” é esmagado para que o EU do espírito – além de individualmente – possa florescer, como está colocado em A Voz do Silêncio.
Quando vemos esse sistema em ação não temos – nem teoricamente – almas sem ego e sem personalidade, mas sim Mestres Ascensos e ‘Ocultos” – e diga-se de passagem, mostrando-se com corpos humanos e na companhia de grandes indivíduos da história da humanidade como Pitágoras, Jesus, Confúcio e Mesmer. Assim a realidade implícita do mito Teosófico é por suas próprias definições um caminho da mão esquerda. A personalidade e consciência do individuo não é obliterada, mas estes indivíduos ascendem a um nível de consciência, individuação e imortalidade, antes reservada a deuses e deusas.
Somos lembrados com isso que as raízes históricas da Teosofia foi o Espiritualismo, um tipo de culto de personalidades semi-imortais. No espiritualismo estas entidades são em geral impotentes para afetar os seres vivos, mas os Mestres Ascensos virtualmente controlam os vivos e poderiam fazê-lo a qualquer momento que desejassem.
Qualquer praticante tradicional do caminho da mão direita, seja Hindu, Cristão ou Budista rapidamente enxerga Teosofia como um sistema que glorifica o individuo, promove os interesses Indo Europeus e propõe uma método racionalizado de autotransformação que não destrói o Eu, mas o eleva. – e todos eles teriam suas razões para se opor a estes métodos e os condená-los como um caminho sinistro. Apesar disso, há o medo inato que muitos humanos tem das implicações do caminho da mão esquerda – conhecimento (pois ignorância é benção ), consciência, poder (pois com ele vem responsabilidade) e imortalidade individual ( pois nela não há paz) e talvez por isso as estruturas do caminho da mão esquerda são ocultas e disfarçadas na teosofia em feitiçarias semânticas como as que encontramos na Doutrina Secreta “E agora seu eu é perdido no EU. Ti mesmo no TI MESMO, mergulhado naquele EU de onde primeiro se irradiou.”
O Portador da Luz
O fato de Blavatsky nomear sua revista como Lúcifer é uma indicação positiva de sua atitude para com essa figura nas tradições da humanidade. Lúcifer foi publicado na mesma época em que ela escrevia “A Doutrina Secreta”, nos ápice de seu conhecimento nos últimos anos de sua vida de modo que este título não pode ser renegado coo uma mera indiscrição da juventude.
Seu entendimento de Lúcifer-Satan, tal como revelado em (7) é claramente uma variação da interpretação Ofita-Gnóstica desses mitos. Quando se refere as tradições hebraicas ela compara Jehovah Elohim com o demiurgo que criou o mundo e o aspecto físico do homem e que o verdadeiro deus que pode libertar a humanidade retomando seus aspectos divinos com Lúcifer-Satan.
Este aspecto divino é a imortalidade espiritual e dinâmica (DS I , 193) em oposição a imortalidade física e estática que Jehovah oferece (DS II , 242). HPB não tem melindres em expressar sua valorização daquilo que os teólogos cristãos ortodoxos chamam de “demônios” nem sua opinião detratora dos “ignorantes e maliciosos ” destes teólogos, seu Deus e seus anjos. Os “demônios” ela vê como os aspectos mais verdadeiros, elevados e espirituais dos deuses (ou Deus) (DS II , 475)
O Deus dos teólogos ortodoxos é, para Blavatsky, a fonte do verdadeiro mal no mundo que é comparada com “a fora cega e antagonista da natureza, sua reação, oposição e contraste”, mas mesmo nisso ela pode ver que na realidade estas coisas podem ser “más para alguns, boas para outros” (SD,II, 413). Das doutrinas esotéricas do Hinduísmo e Budismo ela parece ter absorvido o principio de que o “bem” envolve um entendimento da dualidade e a necessidade de preservação enquanto “mal” é entendido como a destruição de um ou mais destes aspectos pelos outros:
Na Doutrina Secreta (I 416), lemos:
“Na natureza humana, o mal denota apenas uma polaridade da Matéria e Espírito, um esforço da vida entre dois Princípios manifestos no Tempo e Espaço, que por princípios são um per sé, tanto quanto enraizados no Absoluto. No Kosmos, o equilíbrio deve ser preservado. A operação de dois contrários produz harmonia, como as forças centrípetas e centrifugas que são necessárias uma a outra – mutuamente interdependente – para que ambas possam viver. Se uma é eliminada, a ação da outra ira imediatamente se autodestruir.
Anjos caídos, deuses em ascensão
HPB vê a humanidade – ou pelo menos uma parte dela – como a verdadeira encarnação da centelha divina. Em sua interpretação do conflito entre Satan e Jehovah ela diz que que Satan “Clamou e impôs seu direito de uma vontade e julgamento independente, seu direito de livre-agência e responsabilidade”. Esta é, segundo ele, a verdadeira natureza dos “anjos caídos” (DS II, 193). Um “anjo caído” é portanto um agathodaimon (um bom espirito) em oposição a Jehovah e seus anjos autômatos obedientes que são kakodaimon (maus-espíritos). Os “anjos caídos” são uma criação mais antiga, possuem livre arbítrio e se rebelaram contra a ordem natural de Jehovah (DS II, 60) Uma das ideias revolucionárias contidas na Doutrina Secreta é que o dom da centelha divina é o resultado da encarnação destes “anjos caídos” em corpos humanos – por meio da reprodução sexual. Algumas dessas ideias foram mais tarde expandidas por Jorg Lanz von Liebefels (Adolf Joseph Lanz) em trabalhos como Theozoologie.
Seja nas tradições hebraicas onde ela interpretou o mito do Eden contido em Genesis ou no mito de Prometeus dos gregos, HPB enxerga metáforas retratando a transformação de “anjos caídos” em corpos físicos e assim inseminando a humanidade carnal com a faísca divina. Jehovah ou Zeus, criaram a carne – sem consciência ou mente – mas Lúcifer ou Prometeus, ‘representam o intelecto infuso na humanidade (DS II, 421). Desta maneira o homem terreno é (ou pode ser) feito divino (DS II, 198).
Prometeus (e Satan) é visto quebrando a ordem natural do desenvolvimento estritamente cíclico e colocando seu presente divino em veículos físicos mais frágeis. Isso cria uma tensão entre os veículos físicos e o espírito divino (DS II, 420). Novamente a desarmonia entre estes dois polos dualísticos é enfatizada.
Blavatsky deixa claro que a centelha divina é mais forte em algumas pessoas do que em outras. Ela diz ainda que em uma certa parcela da humanidade “a faísca sagrada” está faltando.. a humanidade tem um mesmo sangue, mas não uma mesma essência (DS II, 421). A porção da humanidade em que os “anjos caídos” encarnaram prefere o livre-arbítrio a escravidão passiva, a dor da auto-consciência individual e mesmo a tortura do que futilidade imbecil e instintiva da beatitude” (DS II, 421). Tudo isso se relaciona com os aspectos essencialmente evolucionários dos ensinamentos esotéricos da Teosofia.
A Doutrina Secreta contem toda uma cosmologia que delineia a evolução pré-determinada das “raças-raiz” deste planeta. Haverá sete delas. O ápice da atual evolução humana está na Quinta Raça-raiz,- Os Arianos. Mas estamos já no crepúsculo da época Ariana, governados pelos Anglo-Saxões – mas virá desse grupo a raiz que formará a próxima raça que necessariamente aparecerá. A propósito ela localiza o aparecimento da próxima etapa evolucionária como sendo a América do Norte (DS II, 444). A história da primeira raça-raiz foi a dos que “desceram a matéria”, mas só durante o curso da Quarta Raça o equilíbrio foi quebrado em favor de uma evolução espiritual – conforme a humanidade definida por sua centelha divina começou a ascender a seu estado divino. Para Helena, isso descreve o caminho evolucionário de cada indivíduo, assim como da espécie como um todo.
Mestra da via Sinistra
A retórica teosófica – especialmente dos anos seguintes a atuação de HPB – foi certamente temperada com um certo gosto de “magia negra” e “via sinistra”. Estes autores são hoje tão pouco mencionados e mal são reconhecidos como teosóficos. Seja como for está claro que para HPB, Lúcifer (qualquer que seja seu nome) era seu Deus e modelo de comportamento e que a evolução para um estado imortal de existência iluminada pela independência era sua meta. Isso basta para que possamos considerar ela uma verdadeira Mestra do caminho da mão esquerda – mesmo se ela em sua época usasse este termo.
O impacto da Teosofia e a Doutrina Secreta criou ondas ainda não mapeadas em todo renascimento ocultista da época. Ideias teosóficas, ainda que se por sua própria natureza se alterem, evoluam ou degenerem, foram absorvidas em diversos graus direta ou indiretamente por várias escolas ocultistas da América e da Europa Central. Os trabalhos deixados por iniciados da Golden Dawn mostram uma extensa compreensão das ideias teosóficas entre seus membros, e portanto na própria carreira de Aleister Crowley. Na Alemanha, não apenas o secretário local da sociedade Rudolf Steiner, criou sua própria e bem sucedida Sociedade Antroposófica, mas temos ainda o exemplo da Fraternitas Saturni que também tem uma influencia teosófica significativa.
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