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Eduardo Berlim[1]
É natural que a busca pela magia se inicie com o intuito de resolver pequenos e grandes problemas da vida cotidiana, carregando o aprendiz por uma longa jornada inimaginável de autoconhecimento e descoberta de todo um mundo por trás dos véus da existência. Essa é a “saída da Matrix”, tão aclamada por magistas de todos os cantos do mundo, que guarda em si as armadilhas do ego.
Não são incomuns as correntes religiosas, místicas, ocultistas e esotéricas que trabalham com uma realidade ilusória, a ideia de Maya em relação à verdadeira existência, buscando a revelação do verdadeiro mundo espiritual e da proximidade com o Altíssimo. Muitos magos buscam viabilizar este caminho para adentrar uma verdadeira senda de crescimento e evolução sobre o ser, pois nos é dito que somente os seres que habitam Maya são realmente capazes de evoluir. No entanto, ao mesmo tempo, é-nos ocultado que outras armadilhas obstruem este caminho com muito mais intensidade do que a própria realidade.
Seria lógico pensar que uma realidade física e palpável, criada apenas para nos fazer tatear pelas ilusões do verdadeiro mundo, fosse apenas uma etapa. Um mundo criado para nos forçar a sair dele, como um verdadeiro labirinto de Creta, seria a única provação criada pelo Criador para observar a evolução de seus filhos espirituais?
Parem para pensar por um momento: se somos cocriadores de toda a manifestação universal, somos também cocriadores de nossas próprias provações e armadilhas. E, se é o mago aquele capaz de alterar a realidade em que vive, é ele o maior criador de novas armadilhas para si mesmo, fazendo-o constantemente através de seu próprio ego.
Vou trazer para esta análise o santo nome de Tomás de Aquino e sua visão sobre os sete pecados capitais, apoiando-me nos filósofos modernos Luiz Felipe Pondé (e seu curso sobre os Sete Pecados Capitais) e Lúcia Helena Galvão (e muitos de seus conteúdos para a Nova Acrópole). Tento, desta forma, diminuir um pouco a soberba de meu próprio ego, sabendo que as glórias das minhas conclusões neste artigo dependem, primeiramente, da glória daqueles que são mais sábios e santos do que eu.
Orgulho
Superbia é o pecado predileto do mundo e é através de sua manifestação que o mago constantemente cai em desgraça. Desrespeitar a si mesmo através da corrupção de Tiferet é certamente o que mais vemos fragilizar o ego dos magistas antigos e modernos, sendo frequentemente a causa de sua queda.
Cabe mencionar os “magos de apartamento” que teorizam e não praticam, assim como os discursos de “herdei uma tradição secreta e universal”. Esta é a origem de toda e qualquer discórdia entre magos e tradições, pois é o orgulho que nos impede de realmente perceber nossas falhas no caminho de uma verdadeira evolução. Mais ainda: é o orgulho que nos impede de perceber que toda evolução é perante e somente comparativa entre o mago e ele mesmo no passado, e jamais com os outros.
A soberba nos faz mentir e julgar, nos faz apontar dedos para dizermos que somos melhores que os outros, fazendo com que dediquemos horas a tolas discussões para mantermos pontos de vista que são, no mínimo, passíveis de crítica. Não há tradição perfeita, magia perfeita, religião perfeita, espiritualidade perfeita: não existe via única capaz de abarcar todos os seres humanos singulares. O mago que recai sobre este pecado possui uma constante necessidade de mostrar sua superioridade ilusória, enquanto é deixado para trás por aqueles que ignoram esta armadilha e seguem em sua constante evolução.
Inveja
Naturalmente, Invidia é o passo seguinte para Tomás de Aquino, justamente na medida em que percebe que o orgulhoso, inócuo de sua própria soberba, é, acima de tudo, aquele que inveja o outro. Este pecado é terrível para o ser humano comum, pois, como diz Luiz Felipe Pondé, é extremamente insuportável conviver com alguém que é mais bonito, mais inteligente, mais rico, mais sagaz, mais bem-humorado, mais amável e mais humilde que você; em suma, é insuportável conviver com quem é melhor (ou lhe parece melhor) que você em todos os aspectos.
Para o mago, este pecado é ainda mais aterrorizante, já que é causador das mais diversas “guerras mágicas”, com trocas de maldições e trabalhos entre seus pares. Magos que buscam apenas notoriedade por seus feitos (e fábulas) tendem a invejar aqueles que realmente trilham em paz sua senda e recebem uma notoriedade merecida por seus próprios feitos e estudos. Dedos são apontados em redes sociais e nos mais diversos chats de grupos de ocultismo, ao mesmo tempo em que despachos, maldições e daemons (será?) são convocados ao ataque daquele que se almeja destruir. O que não me parece uma boa ideia a se fazer com quem verdadeiramente trilha o caminho do mago…
Ira
A Ira ocorre quando as expectativas do frágil ego são frustradas, e este é certamente um dos pecados mais difíceis de se controlar nos dias de hoje. Precisamos ter razão em tudo para não sermos frustrados por nossas próprias expectativas e recairmos no pecado da ira: o frágil ego do mago não aguenta ouvir que está errado. Sombrios são os tempos em que temos medo de admitir que ainda não estudamos o suficiente, que ainda não temos idade o suficiente e que ainda não temos prática e sabedoria o suficientes e que podemos (e devemos!) ser corrigidos.
A ira acontece com o mago pela incapacidade de compreender que o aprendizado demanda tempo; seja paciente, que o tempo chega. Até mesmo para amaldiçoar alguém, a ira deve ser contida e exaurida, para que não haja influência e conexão de si com o alvo, e isso se dá justamente pelo fato de que ela nada mais é do que uma frustração pela quebra do próprio ego frágil: quem amaldiçoa através da ira está amaldiçoando apenas a si mesmo.
Acídia
A Acedia é outro desses pecados que mantém o frágil ego do magista, na mesma medida em que cresce a incapacidade de seguir adiante: é confortável estar inerte. Cabem os magos teóricos aqui, mas acima deles cabem os “repetidores de fórmula”, que conhecem apenas duas ou três feitiços prontos para resolver situações cotidianas. Percebam, sobretudo, que o problema não está em resolver tudo com apenas duas ou três fórmulas, mas em não buscar conhecer outras formas e nuances do que há no mundo lá fora, tornando-se endurecido e paralisado apenas no pouco que sabe.
É este pecado que gera magistas incapazes de compreender outras visões e sistemas, que debatem como se tudo fosse um ataque à sua (única) tradição e que impede que pessoas saiam da piscina rasa das crianças (e talvez nem tirem as boias dos braços). Quando muito, um mago preso a este pecado terá uma tradição bem fundamentada e capacitada para lhe atender, mas o mais comum é estarem presos aos influenciadores da espiritualidade fast-food, cheia de “palavras-chave” e tentativas tolas de usar termos científicos para validar o espiritual.
Também estão aqui os magos que “só leram metade do livro” e tentam praticar tudo pela metade, os “copiadores de sigilos” e todos aqueles incapazes de fundamentar ou explicar corretamente os motivos de estarem fazendo certa prática de certa forma.
Avareza
Avaritia é a principal responsável pelos “perdedores de dinheiro” da magia. Afinal, para que gastar dinheiro comprando tantas edições do Zohar apenas para conhecer Kabbalah, se eu posso gastar metade disso para um pacto de prosperidade que me deixará rico para comprar todos os livros que eu quiser, não é mesmo?
A avareza nos levará constantemente ao gasto de forma estúpida, buscando conseguir larga vantagem sobre os outros ao mesmo tempo em que nos impede de perceber que somos nós os tolos. Além disso, é este pecado que nos entrega de bandeja para a ganância desmedida, pois o avaro não está restrito às suas posses, mas às suas ideias: a avareza de pensamento é causadora da pequenez do ser voltado apenas ao próprio ego, e aqui o mago está acorrentado aos dogmas que criou para si mesmo.
O mago avarento busca ter um rebanho para chamar de seu e não permite que a riqueza de ideias se prolifere dentro de sua própria tradição. Nos seus extremos, podemos encontrar os mais estranhos cultos à personalidade e idolatrias sem tamanho.
Gula
Gula é a necessidade de absorver para si tudo aquilo que se encontra ao seu redor e é mais um dos pecados que parece fortalecido nos últimos anos. São os “supermagos de mil e uma tradições”, que estudam tudo e não estudam nada ao mesmo tempo, buscando colecionar “livros que já li” em uma lista infinita de leituras dinâmicas que pulam os parágrafos mais importantes de uma tradição. É quem lê grimórios pulando as orações com o único intuito de dar um check verde em sua lista do Excel.
A voracidade desta gula gerará, a princípio, retorno aos outros pecados, pois é da natureza de Chesed distribuir tudo aquilo que tem: a gula distribuirá suas posses com o orgulho, a acídia, a avareza e com a ira (e não se preocupe com a luxúria e com a inveja, pois o orgulho entregará tudo a elas no final das contas!).
Há, contudo, outras variações comuns no meio mágico: o colecionador de artefatos mágicos sem uso, os colecionadores de estantes cheias e não lidas, e mesmo aquele que tudo aprende e nada ensina aos seus pares. A gula passeia consumindo a prosperidade dos céus na mesma medida em que Júpiter é capaz de despejá-la sobre nós.
Luxúria
Por fim, mas não menos importante, um dos pecados mais ignorados no meio mágico: a Luxúria. Contudo, vale o lembrete de que este pecado jamais deve ser ignorado. Em Bhagavad Gita, o Senhor Krishna disse: “É a luxúria, nascida da paixão, que se transforma em ira quando insatisfeita. A luxúria é insaciável e é um grande demônio. Conheça-a como o inimigo”.
Somos, acima de tudo, animais sem pelos abarrotados de instintos buscando se manifestar, e é justamente por ignorarmos estes instintos, ao invés de compreendê-los e adequá-los à realidade de nossas vidas, que somos constantemente vítimas de nós mesmos e de nosso ego. Seres humanos são seres sexuais por natureza, e muitos dos impulsos básicos que sentimos têm origem neste fato, mas é nossa capacidade racional que nos permite viver socialmente com a compreensão de que não devemos atender a todo instinto sexual primitivo de nossos corpos. Contudo, ignorar completamente sua existência é possivelmente um dos maiores responsáveis pelos inúmeros escândalos sexuais da Igreja Católica.
Para o mago, ignorar completamente o impulso sexual é um caminho sem volta para a luxúria, na mesma medida em que se entregar totalmente a ela. O asceta sem isolamento completo é quase uma fantasia, e sabemos que rabinos e sacerdotes das igrejas ortodoxas e de ritos orientais podem (e muitas vezes devem!) se casar, justamente para compreender que o sexo é parte da manifestação divina na comunhão entre os seres vivos e sua perpetuação.
Mas engana-se aquele que acredita que o caminho para a luxúria só desanda quando buscamos ativamente inibir por completo nossos impulsos, pois mesmo em meio aos magos existem aqueles cuja principal válvula motora é (ou se torna) ampliar sua própria vida sexual. Não é de hoje que encontramos as mais esfarrapadas desculpas para o uso da magia sexual como um convite ao libidinoso desconexo, da mesma forma em que os rockstars atraíam groupies aos seus camarins. Fama e fortuna na magia frequentemente são acompanhadas da luxúria e do desejo sexual pelo outro, e há quem diga que nem mesmo John Dee escapou de um estranho desejo do vidente Edward Kelley por sua esposa…
Eduardo Berlim é músico, tarólogo e estudante de hermetismo com vasta curiosidade. Tem apetite por uma série de correntes diferentes de magia e se considera um eterno principiante. Assumidamente fanboy dos projetos da Daemon e das matérias do Morte Súbita inc.
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