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Alta Magia

O deus que morre

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excerto de O Ramo de Ouro
Sir James George Frazer.  Trad. Waltensir Dutra.

Numa fase inicial de seu desenvolvimento inte- lectual, o homem considera-se naturalmente imortal e imagina que, não fossem as artes maléficas dos feiticeiros, que cortam prematu- ramente o fio da vida, poderia viver para sempre. Essa ilusão, tão cara aos desejos e esperanças humanas, ainda predomina entre muitas tribos selvagens de hoje, e podemos supor que prevaleceu também universalmente naquela Idade da Magia que parece ter antecedido, por toda parte, a Idade da Religião. Mas, com o tempo, a triste verdade da mortalidade humana impôs-se ao nosso filósofo primitivo com uma força de demonstração a que nenhum preconceito podia resistir e nenhum sofisma podia disfarçar. Entre as múltiplas influências que se combinaram para dele arrancar uma relutante aceitação da necessidade da morte é preciso incluir a crescente influência da religião, que, denunciando a vaidade da magia e de todas as extravagantes pretensões sobre ela construídas, moderou gradualmente o orgulho do homem e a sua atitude desafiadora para com a natureza, ensinando-lhe a acreditar que há mistérios no universo que o seu frágil intelecto jamais poderá solucionar e forças que suas débeis mãos jamais poderão controlar. Assim, pouco a pouco, ele foi aprendendo a aceitar o inevitável e a consolar-se da brevidade e das dores da vida na terra com a esperança de uma eternidade cheia de bênçãos no outro mundo. Mas, se aceitava com relutância a existência de seres ao mesmo tempo sobre-humanos e sobrenaturais, estava ainda longe de suspeitar da amplitude e da profundidade do abismo que o separava de tais seres. Os deuses com os quais a sua imaginação passou a povoar as trevas do desconhecido eram realmente considerados por ele como seus superiores em conhecimento e em poder, no alegre esplendor de suas vidas e na extensão da duração destas. Mas, embora ele não o soubesse, esses seres gloriosos e terríveis eram apenas, como o espectro de Broc- ken, os reflexos de sua própria e insignificante personalidade, exagerados em proporções gigantescas pela distância, pela bruma e pelas nuvens da ignorância sobre as quais esses reflexos se delineavam. O homem realmente criou deuses à sua semelhança e, sendo mortal, naturalmente supôs que suas criaturas estivessem sujeitas à mesma triste condição. Assim, os groenlandeses acreditavam que um vento podia matar o seu deus mais poderoso, e que ele certamente morreria se tocasse em um cachorro. Quando ouviram falar no Deus cristão, logo perguntaram se ele nunca morria e, sendo informados de que não, ficaram muito surpresos, dizendo que deveria ser um deus realmente muito bom.

Até mesmo os grandes deuses do Egito não estavam a salvo da sorte comum. Também eles envelheciam e morriam, pois, como os homens, eram formados de um corpo e uma alma e, como os homens, estavam sujeitos a todas as paixões e fraquezas da carne. É certo que seus corpos eram modelados de matéria mais etérea e duravam mais do que os nossos, mas não podiam resistir para sempre ao assédio do tempo. A idade convertia seus ossos em prata, sua carne em ouro e seus cabelos azuis em lapis lázuli. Quando chegava a sua hora, deixavam o animado mundo dos vivos para reinar como deuses mortos sobre homens mortos no melancólico mundo de além- túmulo. Até mesmo suas almas, como as almas dos homens, só podiam resistir depois da morte enquanto seus corpos não se decompusessem; era portanto tão necessário preservar-lhes os corpos quanto os cadáveres dos homens comuns para que, com a matéria divina, o espírito divino também não chegasse a um fim prematuro. Os supremos   deuses   da   Babilônia,   embora aparecessem aos seus fiéis só em sonhos e visões, também eram concebidos como humanos em sua forma corpórea, humanos em suas paixões e humanos em seu destino, pois, como os homens, nasciam no mundo e, como os homens, amavam, lutavam e morriam.

Uma das mais famosas histórias da morte de um deus é contada por Plutarco. No reinado do Imperador Tibério, um certo mestre-escola, chamado Epiterse, navegava da Grécia para a Itália. Viajava em um navio mercante com muitos outros passageiros a bordo. À noite, quando estavam ao largo das ilhas Equina des, o vento amainou, e o navio, à deriva, aproximou-se da ilha de Paxos.

O homem e o universo

A maioria dos passageiros ainda estava acordada e bebia vinho após o jantar quando, subitamente, uma voz vinda da ilha gritou para o navio, chamando por Tâmus. Os tripulantes e os passageiros surpreenderam-se, pois, embora houvesse um piloto egípcio a bordo, poucos o conheciam pelo nome. O grito foi repetido duas vezes, mas Tâmus guardou silêncio. Ao terceiro chamado, porém, respondeu, e a voz da ilha, mais alto do que antes, disse: “Quando chegares a Palodes, anuncia que o Grande Pã está morto”. O espanto apossou-se de todos, e perguntaram-se mutuamente se seria melhor atender, ou não, ao pedido da voz. Finalmente, Tâmus decidiu que, se o vento se mantivesse, ele passaria por aquele lugar em silêncio, mas, se diminuísse quando estivessem ao largo de Palodes, transmitiria a mensagem. Bem, quando se aproximaram dali, houve uma grande calmaria, de modo que Tâmus, de pé na proa e olhando para a terra, gritou, de acordo com as instruções: “O Grande Pã está morto!” Mal as palavras lhe deixaram os lábios, grandes lamentos proferidos em elevado tom de voz prorromperam pelos ares, como se uma multidão estivesse chorando.

Histórias do mesmo tipo circularam na Ásia ocidental até a Idade Média. Um autor árabe conta que, no ano 1063 ou 1064 da era cristã, durante o reinado do Califa Caiem, circulou em Bagdá um boato, que logo se espalhou por toda a província do Iraque, de que alguns turcos que caçavam no deserto haviam visto uma tenda negra onde muitos homens e mulheres batiam no próprio rosto e lançavam gritos terríveis, como é hábito no Oriente quando morre alguém. Entre os gritos distinguiram as seguintes palavras: “O grande rei dos djins está morto, a desgraça caiu sobre este país!” Em conseqüência disso, uma misteriosa ameaça circulou da Armênia ao Cuzistão, segundo a qual toda cidade que não lamentasse o falecido rei dos djins estaria fadada a perecer.


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