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Introdução ao Ritual da Alta Magia – Dogma e Ritual da Alta Magia

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Conheceis a velha soberana do mundo, que sempre caminha e nunca se cansa?

Todas as paixões desregradas, todas as voluptuosidades egoístas, todas as forças desenfreadas da humanidade e todas as fraquezas tirânicas precedem a proprietária avarenta do nosso vale de lágrimas, e, com a foicinha na mão, estas operárias infatigáveis fazem uma eterna colheita.

A rainha é velha como o tempo, mas esconde o seu esqueleto sob os restos da beleza das mulheres que ela rouba à sua juventude e aos seus amores.

A sua cabeça é coberta de cabelos frios que não lhe pertencem. Desde a cabeleira de Berenice, toda brilhante de estrelas, até os cabelos encanecidos precocemente, que o algoz cortou da cabeça de Maria Antonieta, a espoliadora das frontes coroadas enfeitou – se com os despojos das rainhas.

O seu corpo pálido e gélido está coberto de enfeites desbotados e mortalhas de trapos.

Suas mãos ósseas e cheias de anéis seguram diademas e ferros, cetros e ossos, pedrarias e cinzas.

Quando ela passa, as portas se abrem por si mesmas; entra através das pareces, penetra até nas alcovas dos reis, vem surpreender os despojadores do pobre nas suas mais secretas orgias, assenta- se à sua mesa e lhes dá de beber, sorri aos seus cantos com seus dentes sem gengivas, e toma o lugar da cortesã impura que se esconde sob as suas saias.
Gosta de andar junto dos voluptuosos que se adormecem; procura as carícias como se esperassem aquecer- se nos seus abraços, porém geral tudo o que toca e não se aquece nunca. Todavia, às vezes, diríamos que está com vertigem; ela não passeia mais com lentidão, corre; e se os seus pés não são muito rápidos chicoteia as ancas de um cavalo pálido e o lança todo estafado através das multidões. Com ela galopa o assassinato num cavalo russo; o incêndio, estendendo sua cabeleira de fumaça, voa diante dela, movendo suas asas vermelhas e negras, e a fome e a peste a seguem passo a passo, em cavalos doentios e descarnados, catando as raras espigas que ela esquece para completar sua ceifa.

Depois deste cortejo fúnebre, vêm duas crianças radiantes de sorriso e de vida, a inteligência e o amor do século futuro, o duplo gênio da humanidade que vai nascer.

Diante deles, as sombras da morte recuam como a noite diante das estrelas da aurora; lavram a terra com ligeireza e semeiam nela, a mancheias, a esperança de um outro ano.

Porém, a morte não virá mais, implacável e terrível, roçar, como mato seco, as espigas maduras do século vindouro; ela cederá o lugar ao anjo do progresso que desprenderá suavemente as almas da sua cadeia mortal, para deixá- las subir para Deus.

Quando os homens souberem viver, não morrerão mais; transformar – se- ão como a crisálida que se torna uma borboleta brilhante.

Os terrores de morte são filhos da nossa ignorância, e a própria morte não é tão horrenda senão pelos restos de que se cobre e as cores sombrias com que se rodeiam suas imagens. A morte é verdadeiramente o trabalho da vida.
Existe na natureza uma força que não morre, e esta força transforma continuamente os seres para os conservar. Ela é a razão ou o verbo da natureza.

Existe também no homem uma força análoga à da natureza, e esta força é a razão ou o verbo do homem. O verbo do homem é a expressão da sua vontade dirigida pela razão.

Este verbo é onipotente quando é razoável, porque então é análogo ao próprio verbo de Deus.

Pelo verbo da sua razão, o homem faz – se conquistador da vida e pode triunfar da morte.

A vida inteira do homem é somente parturição ou abortamento do seu verbo. Os entes humanos que morrem sem ter entendido e sem ter formulado a palavra de razão, morrem sem esperança eterna.

Para lutar com vantagem contra o fantasma da morte é preciso ter- se o homem identificado com as realidades da vida.
Que importa a Deus um aborto que morre, desde que a vida é eterna? Que importa à natureza um desvario que perece, desde que a razão sempre viva conserva as chaves da vida?

A força terrível e justa que mata eternamente os abortos foi chamada, pelos hebreus, Samael; pelos orientais, Satã; e pelos latinos, Lúcifer.

O Lúcifer da cabala não é um anjo maldito e fulminado, é o anjo que ilumina e que regenera queimando; é para os anjos de paz o que o cometa é para as tranqüilas estrelas das constelações da primavera.

A estrela fixa é bela, radiante e calma; ela respira os celestes aromas e olha com amor as suas irmãs; vestida com sua roupagem esplêndida e a fronte ornada de diamantes, ela sorri, cantando o seu cântico da manhã e da tarde; goza um repouso eterno que nada poderia perturbar, e caminha solenemente, sem sair do lugar que lhe é determinado entre as sentinelas da luz.

Contudo, o cometa errante, todo ensangüentado e desgrenhado, acorre das profundezas do céu; precipita – se através das esferas tranqüilas, como um carro de guerra entre as fileiras de uma procissão de vestais; ousa afrontar a espada flamejante dos guardas do sol, e, como uma esposa apaixonada que procura o esposo sonhado pelas suas noites de viuvez, penetra até o tabernáculo do rei dos dias, depois foge, exalando os fogos que o devoram e arrastando após si um longo incêndio; as estrelas empalidecem ao seu aproximar, os rebanhos constelados que pastam flores de luz nas vastas campinas do céu parecem fugir do seu sopro terrível. O grande conselho dos astros se reúne, e a consternação é universal: a mais bela das estrelas fixas é, enfim, encarregada de falar em nome de todo o céu e propor a paz ao mensageiro vagabundo.

Meu irmão – diz ela – por que perturbas a harmonia das nossas esferas? Que mal te fizemos nós e por que, em vez de errar ao acaso, não te fixas no teu lugar na corte do sol? Por que não vens cantar conosco o hino da tarde, enfeitado, como nós, com uma roupa branca que se prende no peito por um broche de diamante? Por que deixas flutuar, através dos vapores da noite, a tua cabeleira, da qual escorre um suor de fogo? Oh! Se tomasses um lugar entre os filhos do céu, quanto parecerias mais belo! A tua fronte não ficaria mais inflamada pela fadiga da tua carreira inaudita; teus olhos seriam puros e tua fronte sorridente seria branca e avermelhada como a de tuas felizes irmãs; todos os astros te conheceriam, e, longe de temer a tua passagem, se alegrariam ao teu aproximar; porque estarias ligado a nós pelos laços indestrutíveis da harmonia universal, e a tua existência seria mais uma voz no cântico do amor infinito.
E o cometa responde à estrela fixa:

Não creias, ó minha irmã, que possa errar ao acaso e perturbar a harmonia das esferas; Deus traçou meu caminho como o teu, e se a minha carreira te parece incerta e vagabunda, é porque os teus raios não poderiam estender – se tão longe para abarcar o contorno da elipse que me foi dada por carreira. A minha cabeleira inflamada é o fanal de Deus; sou o mensageiro dos sóis e fortaleço – me nos seus fogos para os partilhar no meu caminho aos novos mundos que ainda não têm bastante calor, e aos astros envelhecidos que têm frio na sua solidão. Se me afadigo nas minhas longas viagens, se sou de uma beleza menos atrativa do que a tua, se o meu enfeite é menos virginal, não deixo, por isso, de ser, como tu, um nobre filho do céu. Deixa – me o segredo do meu destino terrível, deixa-me o espanto que me rodeia, amaldiçoa -me, se não podes compreender-me: não deixarei, por isso, de realizar a obra que me foi imposta e continuarei a minha carreira sob o impulso do sopro de Deus! Felizes das estrelas que repousam e que brilham, como jovens rainhas, na sociedade tranqüila dos universos! Eu sou o proscrito que viaja sempre e tem o infinito por pátria. Acusam – me de incendiar os planetas que aqueço e de atemorizar os astros que ilumino; censuram -me de perturbar a harmonia dos universos porque não giro ao redor dos seus centros particulares e os prendo uns aos outros, fixando meus olhares no centro único de todos os sóis. Fica, pois, sossegada, bela estrela fixa, não quero tirar a tua luz tranqüila; pelo contrário, esgotarei por ti a minha vida e o meu calor. Poderei desaparecer do céu quando me tiver consumido; a minha sorte terá sido tão bela! Saiba que no templo de Deus ardem fogos diferentes que lhe dão glória; tu és a luz dos candelabros de ouro, e eu a chama do sacrifício: realizemos os nossos destinos.

Acabando estas palavras, o cometa sacode a sua cabeleira, cobre – se com a sua couraça ardente e se lança nos espaços infinitos em que parece desaparecer para sempre.

É assim que aparece e desaparece Satã, nas narrações alegóricas da Bíblia.

Um dia, diz o livro de Jó , os filhos de Deus tinham vindo para se apresentarem ao Senhor e, entre eles, também estava Satã, a quem o Senhor perguntou: Donde vens?

E ele respondeu: Fiz a volta da terra e a percorri.

Eis como um evangelho gnóstico, encontrado no Oriente por um sábio viajante, nosso amigo, explica, em proveito do simbólico Lúcifer a gênese da luz:

“A verdade que se conhece é o pensamento vivo. A verdade é o pensamento que está em si mesmo; e o pensamento formulado é a palavra. Quando o pensamento eterno procurou uma forma, disse: “Faça – se a luz! ”

Ora, este pensamento que fala é o Verbo; e o Verbo diz: “Faça – se a luz, porque o próprio Verbo é a luz dos espíritos ”.
A luz incriada, que é o Verbo divino, irradia porque quer ser vista; e quando diz: “Faça- se a luz! ”, ordena aos olhos que se abram; criam inteligências.

E quando Deus disse: “Faça – se a Luz! ”, a inteligência foi feita e a luz apareceu.

Ora, a inteligência, que Deus tinha vertido do sopro da sua boca, como uma estrela desprendida do sol, tomou a forma de um anjo esplêndido e o céu o saudou com o nome de Lúcifer.

A inteligência despertou- se e compreendeu totalmente a si mesma ao ouvir esta palavra do Verbo divino: “Faça- se a luz! ”

Ela sentiu – se livre, porque Deus lhe tinha ordenado de o ser; e respondeu, levantando a cabeça e estendendo as suas asas:

– Não serei a escravidão!
– Serás, pois, a dor? – perguntou- lhe a voz incriada.
– Serei a Liberdade! – respondeu a voz.
– O orgulho te seduzirá – retrucou a voz suprema – e produzirás a morte.
– Tenho necessidade de lutar contra a morte para conquistar a vida – disse ainda a luz criada.

Deus, então, desprendeu do seu seio o fio de esplendor que retinha o anjo soberbo e, vendo – o lançar- se na noite que assinalava de glória, amou o filho do seu pensamento e, sorrindo com inefável sorriso, disse a si mesmo: “Como a luz era bela! ”

Deus não criou a dor; é a Inteligência que a aceitou para ser livre. E a dor foi a condição imposta ao ser livre, por

aquele que é o único que se não pode enganar, porque é infinito.

Porque a essência da inteligência é o juízo; e a essência do juízo é a liberdade.

O olho percebe realmente a luz exclua pela faculdade fechar- se e abrir- se. Se fosse forçado a estar sempre aberto, seria escravo e vítima da luz; e, para fugir desse suplício, cessaria de ver.

Assim, a Inteligência criada não só é feliz de afirmar a Deus pela liberdade que tem de negar a Deus. Ora, a Inteligência que nega, afirma sempre alguma coisa, pois afirma a sua liberdade.

É por isto que o blasfemo glorifica a Deus; é por isso que o inferno era necessário à felicidade do céu.
Se a luz não fosse repelida pela sombra, não haveria formas visíveis.

Se o primeiro dos anjos não tivesse afrontado as profundezas da noite, a parturição de Deus não teria sido completa e a luz criada não teria podido separar- se da luz por essência.

Jamais a Inteligência teria sabido quanto Deus é bom, se nunca o tivesse perdido!

Jamais o amor infinito de Deus teria brilhado nas alegrias da sua misericórdia, se o filho pródigo do céu tivesse ficado na casa de seu pai.

Quando tudo era luz, a luz não estava em parte alguma; ela estava contida no seio de Deus que estava em trabalho para a produzir. E quando disse: “Faça- se a luz! ”, permitiu que a noite repelisse a luz e o universo saiu do caos.
A negação do anjo que, ao nascer, recusou ser escravo, constituiu o equilíbrio do mundo e o movimento das esferas começou.

E os espaços infinitos admiraram este amor da liberdade, tão imenso para encher o vácuo da noite eterna e tão forte para suportar o ódio de Deus.

Mas Deus não podia odiar o mais nobre de seus filhos, e só o experimentava, pela sua cólera, para confirmá- lo no seu poder.

Por isso, o próprio Verbo de Deus, como se tivesse inveja de Lúcifer, quis descer do céu e atravessar triunfalmente as sombras do inferno.

Quis ser proscrito e condenado; e meditou adiantadamente a hora terrível em que exclamaria, no extremo do seu suplício: “Meu Deus! Meu Deus! por que me abandonaste? ”

Como a estrela da manhã precede o sol, a insurreição de Lúcifer anunciou à natureza nascente a próxima encarnação de Deus.

Talvez Lúcifer, caindo na noite, arrastou uma chuva de sóis e estrelas por atração da sua glória!

É por isso que, sem dúvida, fica calmo ao alumiar as horríveis angústias da humanidade e a lenta agonia da terra, porque é livre na sua solidão e possui sua luz.

Tais eram as tendências dos heresiarcas dos primeiros séculos. Uns, como os outros, adoravam o demônio sob a figura da serpente; outros, como os Cainitas, justificaram a revolta do primeiro anjo como a do primeiro assassino. Todos estes erros, todas estas sombras, todos estes ídolos monstruosos da anarquia que a Índia opõe, nos seus símbolos, à mágica Trimurti, tinham encontrado, no cristianismo, padres e adoradores.

Em nenhuma parte do Gênese se fala do demônio. É uma serpente alegórica que engana nossos primeiros pais. Eis o que a maioria dos tradutores fazem o texto sagrado dizer:

“Ora, a serpente era mais sutil que qualquer animal do campo que o Senhor Deus tinha feito ”.

E eis o que diz Moisés:

 

V ’há -Nahasch haîath harum micol háîath hachadeh asher hashah Ihôah Ælohîm.

Isto é, conforme Fabre d’Olivet:

“Ora, a atração original (a cupidez) era a paixão arrastadora de toda vida elementar (a moda interior) na natureza, obra de Ilhôah, e Ente dos Entes ”.

Mas, aqui, Fabre d’Olivet está fora da verdadeira interpretação, porque ignorava as grandes chaves da Cabala. A palavra Nahasch, explicada pelas letras simbólicas do Tarô, significa rigorosamente:

14 n Nun – A força que produz as misturas.
5  h Hê – O recipiente e o produtor passivo das formas.
21 c Schin – O fogo natural e central equilibrado pela dupla polarização.

A palavra empregada por Moisés, lida cabalisticamente, nos dá, pois, a descrição e definição deste agente mágico universal, figurado em todas as teogonias pela serpente e ao qual os hebreus davam também o nome de Od , quando manifesta a sua força ativa; o nome de Od, quando deixa aparecer a sua força passiva, e de Aur, quando se revela inteiramente no seu poder equilibrado, produtor da luz no céu e do ouro entre os metais.

É, pois, esta antiga serpente que envolve o mundo e apazigua a sua cabeça devoradora sob o pé de uma Virgem, figura da iniciação; desta Virgem, que apresenta uma criança recém – nascida à adoração dos reis magos e recebe deles, em troca deste favor, ouro, mirra e incenso.

O dogma serve, assim, em todas as religiões hieráticas, para encobrir o segredo das forças na natureza de que pode dispor o iniciado; as fórmulas religiosas são os resumos destas palavras cheias de mistério e forças que fazem os deuses descerem do céu e os submetem à vontade dos homens. A Judéia tirou os segredos disso do Egito, a Grécia enviou os seus hierofantes, e mais tarde, os seus teósofos à escola dos grandes profetas; a Roma dos Césares, minada pela iniciação cristã das catacumbas, desmoronou – se um dia na Igreja e refizeram um simbolismo com os restos de todos os cultos que a rainha do mundo tinha submetido.

Conforme a narração do Evangelho, a inscrição pela qual estava declarada a realeza espiritual do Cristo era escrita em hebraico, grego e latim; era a expressão da síntese universal.

O helenismo, com efeito, esta grande e bela religião da forma, não tinha menos do que os profetas do judaísmo anunciado a vinda do Salvador; a fábula de Psiquê é uma abstração mais do que cristã, e o culto dos panteus, reabilitando Sócrates, preparava os altares para esta unidade de Deus, de que Israel foi o misterioso conservador.
Mas a Sinagoga renegou o seu Messias e as letras hebraicas foram apagadas aos olhos cegos dos judeus.
Os perseguidores romanos desonraram o helenismo, que a falsa moderação de Juliano, o filósofo, não pode reabilitar, o qual foi chamado, talvez injustamente, Apóstata, porque o seu cristianismo nunca foi sincero. A ignorância da Idade Média veio, depois, opor os santos e as virgens aos deuses, deusas e ninfas; o sentido profundo dos símbolos helênicos ficou mais incompreendido do que nunca; a própria Grécia, não somente perdeu as tradições do seu antigo culto, mas também se separou da Igreja latina; e assim, aos olhos dos latinos, as letras gregas foram apagadas, como as letras latinas desapareceram aos olhos dos gregos.

Assim, a inscrição da Cruz do Salvador desapareceu totalmente e só ficaram iniciais misteriosas.

Mas quando a ciência e a filosofia, reconciliadas com a fé, reunirem, num só, todos os diferentes símbolos, então todas as magnificências dos cultos antigos florescerão de novo na memória dos homens, proclamando o progresso do espírito humano na intuição da luz de Deus.

Porém, de todos os progressos, o maior será o que, pondo as chaves da natureza entre as mãos da ciência, prenderá para sempre o horrendo fantasma de Satã e, explicando todos os fenômenos excepcionais da natureza, destruirá o império da superstição e da tola credulidade.

É para a realização deste progresso que consagramos nossa vida e que passamos o nosso tempo nas investigações mais

laboriosas e mais difíceis. Queremos libertar os altares, derrubando os ídolos; queremos que o homem de inteligência se torne o padre e rei da natureza, e queremos conservar, explicando -as, todas as imagens do santuário universal.
Os profetas falaram por parábolas e imagens, porque a linguagem abstrata lhes faltou e porque a percepção profética, sendo o sentimento da harmonia ou das analogias universais, se traduz naturalmente por imagens, as quais, tomadas materialmente pelo vulgo, se tornaram ídolos ou mistérios impenetráveis.

O conjunto e a sucessão destas imagens e destes mistérios são o que chamamos simbolismo, que vem, pois, de Deus, embora seja formulado pelos homens.

A revelação acompanhou a humanidade em todas as suas idades e se transfigurou com o gênio humano; mas sempre exprimiu a mesma verdade.

A verdadeira religião é uma e seus dogmas são simples e ao alcance de todos. Todavia, a multiplicidade dos símbolos apenas foi um livro de poesia necessário para a educação do gênio humano.

A harmonia das belezas exteriores e a poesia da forma deviam revelar Deus à infância humana; mas Vênus teve logo Psique como rival, e Psique seduziu o amor.

É assim que o culto da forma devia ceder a estes sonhos ambiciosos da alma que já embelezava a eloqüente sabedoria de Platão. A vinda de Cristo era assim preparada, e é por isso que era esperada; veio porque o mundo o esperava, e a filosofia se transformou em crença para se popularizar.

Mas, libertado por esta mesma crença, o espírito humano protestou logo contra a escola que queria materializar os seus sinais, e a obra do catolicismo romano foi unicamente preparar, sem o saber, a emancipação das consciências e lançar as bases da associação universal.

Todas estas coisas foram somente o desenvolvimento regular e normal da vida divina na humanidade; porque Deus é a grande alma de todas as almas, é o centro imutável ao redor do qual gravitam todas as inteligências, como uma imensidade de estrelas.

A inteligência humana teve a sua manhã; o seu meio – dia virá; depois, em seguida, o seu declínio, e Deus será sempre o mesmo.

Mas, parece aos habitantes da terra, que o sol se levanta novo e tímido, que brilha ao meio – dia em toda a sua força, e que à tarde deita fatigado. Contudo, é a terra que gira, e o sol é imóvel.

Tendo, pois, fé no progresso humano e na estabilidade de Deus, o homem livre respeita a religião nas suas formas passadas e não blasfemaria mais Júpiter do que Jeová; saúda ainda com amor a irradiante imagem do Apolo Pythio, e lhe acha uma semelhança fraterna com o rosto glorioso do Redentor ressuscitado.

Crê na grande missão da hierarquia católica e se compraz em ver os pontífices da Idade Média oporem a religião como dique ao poder absoluto dos reis; mas protesta, com todos os séculos revolucionários, contra a escravidão da consciência que as chaves pontifícias queriam prender: é mais protestante que Lutero, porque nem mesmo crê na confissão de Augsburgo, e mais católico do que o papa, porque não tem medo que a unidade religiosa será rompida pela malevolência das cortes.

Confia em Deus mais do que na política de Roma para a salvação da idéia unitária; respeita a velhice da Igreja, mas não teme que morra; sabe que a sua morte aparente será uma transformação e uma assunção gloriosa.

O autor deste livro faz um novo apelo aos magos do Oriente para que venham reconhecer, ainda uma vez, no Mestre divino, cujo berço saudaram, o grande iniciador de todos os tempos.

Todos os seus inimigos caíram; todos os que o condenavam morreram; os que o perseguiam estão deitados para sempre, e ele sempre está de pé!

Os homens de inveja se coligaram contra ele e concordaram num só ponto; os homens de divisão se uniram para destruí – lo; fizeram – se reis, e os proscreveram; fizeram – se juízes, e lhe deram a sua sentença de morte; fizeram – se algozes, e o executaram; fizeram – lhe beber a cicuta, crucificaram – no, lapidaram -no e deitaram suas cinzas ao vento; depois, coraram de espanto: ele estava de pé, diante deles, acusando – os pelas suas chagas e fulminando – os com o brilho das suas cicatrizes.

Crêem degolá- lo no berço de Belém, e está vivo no Egito! Arrastam -no sobre a montanha para o precipitar; a multidão dos seus assassinos o rodeia e já triunfa da sua perda certa: um grito se faz ouvir; não é, então, ele que acaba de quebrar- se nos rochedos do precipício? Empalidecem e olham – se; mas ele, calmo e sorridente, passa no meio deles e vai – se embora.

Eis uma outra montanha que acabam de tingir com o seu sangue; eis uma cruz e um sepulcro, e soldados guardam o seu túmulo. Insensatos! O túmulo está vazio, e aquele que julgavam morto, caminha tranqüilamente, entre dois viajantes, no caminho de Emmaús.

Onde está ele? Aonde vai? Adverti os senhores da terra! Dizei aos Césares que o seu poder está ameaçado! Por quem? Por um pobre que nem tem uma pedra para descansar sua cabeça, por um homem do povo, condenado à morte dos escravos. Que insulto ou que loucura! Não importa, os Césares vão desenvolver todo o seu poder: sangrentos editos proscrevem o fugitivo, em toda parte se levantam cadafalsos, abrem – se circos repletos de leões e gladiadores, acendem – se fogueiras, correm torrentes de sangue, e o Césares, que se crêem vitoriosos, ousam acrescentar um nome àqueles com que blasonam seus troféus, depois morrem, e sua apoteose desonra os deuses que acreditaram defender. O ódio do mundo confunde, num mesmo desprezo, Júpiter e Nero; os templos, de que a adulação fez túmulos são derrubados sobre cinzas proscritas, e sobre os restos dos ídolos, sobre as ruínas dos impérios, ele só , aquele que os Césares proscreviam, aquele que tantos satélites perseguiam, aquele que tantos algozes torturavam, ele só está de pé, ele só reina, ele só triunfa!

Não obstante, os seus próprios discípulos logo abusam do seu nome; o orgulho penetra no santuário; os que deviam anunciar a sua ressurreição querem imortalizar a sua morte, a fim de se nutrir, como corvos, da sua carne sempre renascente. Em vez de imitá – lo no eu sacrifício e dar seu sangue para seus filhos na fé, prendem – no no Vaticano, como num novo Cáucaso, e fazem – se abutres deste divino Prometeu. Mas que lhe importa do seu mau sonho? Só prenderam a sua imagem; quanto a ele, sempre está de pé, e caminha de exílio em exílio e de conquista em conquista.
É que se pode prender um homem, mas não se retém cativo o Verbo de Deus. A palavra é livre e nada pode comprimi – la.

Esta palavra viva é a condenação dos maus, e é por isso que queriam fazê- la morrer; mas, enfim, são eles que morrem, e a palavra de verdade fica para julgar a sua memória!

Pôde Orfeu ser despedaçado pelas bacantes; Sócrates bebeu o copo de veneno; Jesus e seus apóstolos morreram pelo último suplício; João Huss, Jerone de Praga e tantos outros foram queimados; a noite de São Bartolomeu e os massacres de setembro fizeram, por sua vez, mártires; o imperador da Rússia tem ainda à sua disposição cossacos, cnutes e os desertos da Sibéria; mas o espírito de Orfeu, Sócrates, Jesus e todos os mártires fica sempre vivo, no meio dos perseguidores, mortos por sua vez; fica de pé no meio das instituições que caem e dos impérios que se desmoronam!

É este espírito divino, o espírito do Filho único de Deus, que São João representa, no seu Apocalipse, de pé, no meio dos candelabros de ouro, porque é o centro de todas as luzes, tendo sete estrelas na sua mão, como a semente de um céu inteiramente novo, e fazendo descer a sua palavra à terra sob a figura de uma espada de dois gumes.
Quando os sábios, desanimados, adormecem na noite da dúvida, o espírito do Cristo está em pé e vigia.

Quando os povos, cansados do trabalho que liberta, se deitam e se enfraquecem nos seus grilhões, o espírito do Cristo fica de pé e protesta.

Quando os sectários cegos das religiões já estéreis se prosternam no pó dos velhos tempos e se arrastam servilmente num temor supersticioso, o espírito do Cristo fica de pé e ora.

Quando os fortes se enfraquecem, quando as virtudes se corrompem, quando tudo se inclina e se envilece para procurar um mísero alimento, o espírito do Cristo fica de pé, olhando para o céu e espera a hora do seu Pai.
Cristo quer dizer sacerdote e rei por excelência.

O Cristo, iniciador dos tempos modernos, veio ao mundo para formar, pela ciência e principalmente pela caridade, novos reis e novos sacerdotes. Os antigos magos eram sacerdotes e reis.

A vinda do Salvador tinha sido anunciada aos antigos magos por uma estrela. Esta estrela era o pentagrama mágico que traz em cada uma das suas pontas uma letra sagrada.

Esta estrela é a figura da inteligência que rege, pela unidade da força, as quatro forças elementares. É o pentagrama dos magos. É a estrela flamejante dos filhos de Hiram. É o protótipo da luz equilibrada. Para cada uma das suas pontas um raio de luz sobe. De cada uma das suas pontas um raio de luz desce.

Esta estrela representa o grande e supremo athanor da natureza, que é o corpo humano.

A influência magnética parte em dois raios da cabeça, de cada mão e de cada pé.

Um raio positivo é equilibrado por um raio negativo.

A cabeça corresponde aos dois pés; cada mão com uma das mãos e um pé, os dois pés com a cabeça e uma das mãos.
Este signo regular da luz equilibrada representa o espírito de ordem e harmonia. É o sinal da onipotência do mago.
Por isso, este mesmo signo, quebrado ou irregularmente traço, representa a embriaguez astral, as projeções anormais e desregradas do grande agente mágico, por conseguinte, os enfeitiçamentos, a perversidade, a loucura, e é o que os magistas chamam a assinatura de Lúcifer.

Existe uma outra assinatura que representa também os mistérios da luz: – é a assinatura de Salomão.

Os talismãs de Salomão traziam, de um lado, a impressão do seu selo, cuja figura demos no final do 5 º capítulo do nosso Dogma . Do outro lado, estava a assinatura, cuja forma é figurada na página precedente.

Esta figura é a teoria hieroglífica da composição dos ímãs e representa a lei circular do raio.

Prendemos os espíritos desregrados, mostrando – lhes, quer a estrela flamejante do pentagrama, quer a assinatura de Salomão, porque fazemos ver, assim, a prova da sua loucura, ao mesmo tempo em que os ameaçamos com um poder soberano capaz, de os atormentar, chamando – os à ordem.

Nada atormenta os maus como o bem. Nada é mais odioso à loucura do que a razão.

Mas se um operador ignorante se servir destes signos sem os conhecer, é um cego que fala da luz aos cegos. É um burro que quer ensinar a ler às crianças.

Se o cego guiar o cego, disse o grande e divino Hierofante, ambos cairão no fosso.

Uma última palavra para resumir toda esta introdução.

Se fordes cegos como Sansão, quando sacudirdes as colunas do templo, as ruínas vos esmagarão.

Para mandar na natureza, é preciso ter- se tornado superior à natureza pela resistência às suas atrações.
Se vosso espírito está perfeitamente livre de todo preconceito, toda superstição e de toda incredulidade, mandareis nos espíritos.

Se não obedecerdes às forças fatais, as forças fatais vos obedecerão.

Se fordes sábios como Salomão, fareis as obras de Salomão.

Se fordes santos como Cristo, fareis as obras do Cristo. Para dirigir as correntes da luz móvel, é preciso estar fixo numa luz imóvel. Para mandar nos elementos, é preciso ter dominado seus furacões, seus raios, seus abismos e suas tempestades.

É preciso saber para ousar .
É preciso ousar para querer .
É preciso querer para ter o Império.
E para reinar, é preciso calar .

Eliphas Levi – Dogma e Ritual da Alta Magia


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