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Austin Osman Spare, meados de 1930
Austin Osman Spare fez para a magia o que o movimento punk fez para a música: rompeu as tradições anteriores e com um estilo sarcástico e niilista aplicou o princípio de autonomia do “faça você mesmo” à magia. Assim como os grande mestres da pintura de vanguarda do século XX, ele dominou completamente as técnicas clássicas antes de subvertê-las, nas inovações criativas de seus próprios rabiscos. Foi iniciado tanto na A Ordem Hermética da Aurora Dourada (Golden Dawn) quanto na OTO e na Astrum Argentum, e depois de absorver tudo o que pode se afastou para desenvolver seu sistema pessoal.
Sua pena não poupava críticas nem mesmo aos próprios magistas cerimoniais, caracterizados pelos membros médios destas ordens acima citadas, dos quais ele escreveu em O Livro do Prazer: “Outros glorificam a magia cerimonial e acreditam que passam assim por grande êxtase! Nossos hospícios estão lotados, o palco já está cheio! É simbolizando que nos tornamos simbolizados? Onde eu corôo a mim mesmo, me torno Rei? Ao contrário eu deveria ser objeto de repulsa e pena. Estes magistas, de quem a falta de sinceridade é o abrigo, não passam de dendês desempregados dos prostíbulos.”
Spare sinceramente se incomodava quando o simples teatro substituía a grande obra. Como alternativa ele propôs uma abordagem muito mais atávica. Seu sistema mágico nasceu de seus próprios estudos psicológicos e principalmente de sua experiência pessoal, nas palavras de Austin: “Se a mente reprime certos impulsos, desejos, medos e similares e estes possuem o poder de serem tão efetivos a ponto de moldar e determinar inteiramente a personalidade consciente de uma pessoa até seus níveis mais sutis, isso significa então que o simples fato de reprimir (esquecer) os impulsos, desejos, etc.. possui a habilidade de criar uma realidade para qual tenha sido negado acesso desde que, de alguma forma, ela esteja presente na mente consciente. Sob certas condições aquilo que é reprimido se torna ainda mais poderoso do que o que sobrou na mente consciente.”
Em resumo ele defendia que pensamentos intencionalmente reprimidos se tornam enormemente efetivos na proporção direta com que são rejeitados. Concluía que se complexos psicológicos possuem tanto poder em formar a realidade das pessoas então a conclusão lógica é que a mente subconsciente é a verdadeira fonte de todo poder mágico. Todas as suas técnicas tinham portanto como objetivo tornar um desejo uma parte orgânica da mente subconsciente. Foi desta maneira que surgiram seu Alfabeto dos Desejos, seu processo de sigilização, sua Postura da Morte e seus desenhos automáticos.
A busca pela realidade última, tradicionalmente simbolizada pela comunhão como Sagrado Anjo Guardião, foi substituída por Spare pelo culto de Zos e Kia, uma versão sinceramente mais sexualizada e carnal onde onde Zos é o corpo considerado como um todo e Kia é o Eu superior acima de todo rótulo. A grande influência dos escritos de Austin Osman Spare é portanto fazer a grande separação entre magia e religião. Se por um lado seu antecessor Aleister Crowley possuía uma postura profana e defendia a magia como uma busca individualizada pelo sagrado, a partir de Spare palavras como Sagrado e Profano perderam o significado dentro do ocultismo.
O estilo da escrita deste autor é divertido, mas ao mesmo tempo esquisito e provocador. Enquanto outros autores conseguem expor as idéias de Spare de forma mais clara e didática, os escritos aqui reunidos servem para ensinar o magista a perceber diferentes estados de ser, e a forma com que Spare conseguia isto para si. Este livro é um dos melhores manuais sobre guerrilhas mágicas. Se por um lado o autor não estava interessado em ensinar ninguém por outro ele nos dá acesso completo a sua mente, que escreve quase como se estivesse pensando sozinho. Existem diversas compilações do seu trabalho em língua inglesa, sendo que ‘Ethos, the Magical Writings of Austin Osman Spare’ foi a selecionada para nossa biblioteca por conter as suas principais referências diretas a prática mágica, incluindo Micrologus, the Book of Pleasure, the Witches Sabbath, Mind to Mind e How by a Sorcero.
Em Micrologus encontramos uma coleção de idéias e pontos de vista de Spare. Logo em seguida, com o Book of Pleasure, encontramos o texto base para o sistema criado por ele, onde discorre sobre sua filosofia a respeito de crenças e como elas afetam nossa vida e nosso livre arbítrio, a origem de nossos desejos mais íntimos e como nossa visão e percepção da realidade é afetada por nossa condição dual e então nos ensina a como deixar essa ilusão para trás. Também encontramos aqui teorias a respeitos do ciclo de encarnações, o subconsciente, simbolismo, desenho automático e sigilização, além dos conceitos sobre Kia e Auto-Amor.
Os outros dois escritos, The Witche’s Sabbath e Mind to Mind trazem, respectivamente, uma fórmula mágica assim como o ritual apropriado para utilizá-la e instruções práticas para a prática da divinação.
Apesar de sua ousadia e criatividade, Spare nunca teve muito talento para vender suas próprias idéias. Talvez o próprio cenário ocultista não estivesse, em seu tempo, pronto para digerir muitos dos conceitos que ele abordou. Coube aos magistas vindouros (especialmente Peter Carroll e Ray Sherwin) algumas décadas depois sistematizar as propostas de Austin na corrente ocultista libertária conhecida como Magia do Caos.
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