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Alta Magia Bruxaria e Paganismo

Desmascarando a farsa do Ocultismo Nazista

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por Herman Faulstich

O esoterismo[1], assim como as religiões, influencia a sociedade. É certo que a segunda recebe mais atenção do que a primeira, principalmente devido ao número de praticantes ser maior e do vínculo com governos e estados, todavia o esoterismo possui a sua parcela e relevância na dinâmica social seja de forma espontânea seja de forma coordenada como nas religiões. Na forma espontânea como influência cultural de ordens e grupos como Rosacrucianistas, Maçonaria, Martinismo, Perenialismo, Sociedade Teosófica e Ordem Hermética da Aurora Dourada; na segunda maneira pode ser usado para fins de manipulação ideológica cuja aplicação mais abrangente acontece na política — aqui descarto as teorias da conspiração fantasiosas que envolvem a Maçonaria, Iluminatti, Satanistas, Globalistas e afins. Não há o que se fazer juízo de valor do esoterismo aqui uma vez que, da mesma forma que as religiões, pode ser manipulado para satisfazer desejos pessoais, será tratado apenas como instrumental ideológico. Porém cabe ressaltar que, sob a ótica cristã fornecida pela Igreja Católica, ao longo dos séculos, quaisquer disciplinas outras que lidem com o transcendente ou são falsas ou malignas e essa visão, inevitavelmente, ajuda a turvar quaisquer análises imparciais do fenômeno esotérico. Neste artigo irei focar no fenômeno do “ocultismo” nazista.

I_I Nazismo

Uma das supostas associações mais conhecidas do esoterismo com a política aconteceu entre as décadas de 20 e 40 do século passado na Alemanha através do Partido Nazista. Foi um caso de mistura de ideologias supremacistas raciais com conceitos pagãos nórdicos aliados a uma visão pseudocientífica da evolução humana. Tudo atrelado ao instinto gregário (senso de pertencimento) e ao desejo pelo poder.

A Alemanha como conhecemos hoje surgiu em 1871 e até então havia diversos estados germânicos distintos como a Áustria e a Prússia. Há tempos objetivava-se uma unificação desses povos que compartilhavam semelhanças linguísticas e culturais. Esse movimento foi chamado de Pan Germanismo e, somado a isso, havia o processo disruptivo de transformação econômica através da Revolução Industrial que alterava radicalmente as relações sociais demandando novos valores morais para adequação do trabalho. Tudo envolto pelo zeitgeist romântico da época que envolvia o nacionalismo dos estados europeus e uma ideologia utópica de passados míticos que abriu espaço para um crescimento das filosofias esotéricas em setores mais populares da sociedade. O esoterismo fornecia uma visão do transcendente distinta do Cristianismo que era considerado, por determinados grupos, como um dos fatores que contribuiu para a desagregação dos povos germânicos impedindo-os de desenvolverem-se como seria de direito. A busca por uma identidade cultural e geográfica ganhou um componente do mesmo nível que o religioso através de um sentimento de nostalgia.

Raça e Utopia

O termo völkisch é essencial para entender o fenômeno nazista. A palavra “völk” significa “povo” e “völkisch”, por sua vez, é “popular”, todavia está incluído um sentimento profundo ligado à história dos germânicos, a sua cultura e, inevitavelmente, a aparência física. É inegável que um dos critérios de identidade cultural é o fenótipo, algo que remete às nossas origens tribais, uma vez que a distribuição geográfica das populações sendo mais restrita a reprodução era feita com menos variedade genética. Então o componente étnico tornou-se um dos critérios para diferenciação dos povos, logo também de avaliação moral, baseados na reação instintiva humana do diferente ser desconhecido, sendo assim, possível fonte de perigo. Assim, ideias racistas, baseadas em identidade cultural, cresceram por toda a história e com os germânicos da época não foi diferente. No final do século XIX dois indivíduos tiveram destaque unindo a questão völkisch com a mítica: Guido von List e Jörg Lanz von Liebenfels.

O austríaco Guido von List (1874–1920) formulou pioneiramente um influente pensamento völkisch de bases neopagãs. List tomou algumas ideias da Sociedade Teosófica e as torceu para caberem em uma visão germano-mítica. A Teosofia era um conjunto filosófico e prático esotérico com forte componente hindu. Foi, talvez, a ordem esotérica de maior sucesso no mundo contanto no seu auge com mais de 400 filiais pelo mundo. Fundada em 1875 por Helena Blavatsky, a S.T. escancarou para o ocidente muitas ideias místicas orientais além de apresentar algumas fantasiosas sobre a evolução humana, uma especulação histórica-mítica-pseudocientífica. Envolvia a ideia de “raças raízes” que formavam a humanidade e uma delas chamava-se “ariana”. Vendo relação com os germânicos, List tratou de misturar o sentimento völkisch e o folclore nórdico com a sua visão teosófica misturada com terminologias cristãs [2]

Concebeu ideias que perdurariam na Alemanha nazista décadas mais tarde, como as que vieram de um documento chamado “O Segredo das Runas” (“Das Geheimnis der Runen”) enviado para a Academia de Ciências de Viena em 1903 tratando de linguística e simbologia alemãs. Focado nas runas e antigos emblemas e glifos germânicos, List alegava que as runas possuíam um significado oculto e sagrado transmitido por uma fictícia linhagem ariana pré-cristã. Academia devolveu sem quaisquer comentários. List teve uma visão de Wotan que o fez conceber alterações que, ironicamente, afastou o seu estudo da ancestralidade que buscava resgatar. Outra significativa contribuição à problemática foi a criação da “Sociedade de List” em 1908, um grupo formado por acadêmicos, antissemitas, editores de periódicos völkisch e “ocultistas” — estes apenas teóricos longe de terem quaisquer práticas efetivas — cujas ideias forma bem recebidas por pessoas das classes media e alta austríacas e alemãs. O braço alemão forneceu material que alimentou a ideologia que comporia a Sociedade Thule e o  Partido Nazista.

Jörg Lanz von Liebenfels (1872–1954) por sua vez foi contribui com a problemática nacionalista racial concebendo uma religião neognóstica unindo o romantismo templário com a ciência através da antropologia, zoologia e a física numa “Teozoologia”. Juntou ao caldo uma ficção científica onde os biotipos brancos/louros e os negros descendiam de seres espaciais em guerra e uma civilização primordial associada com dominação sexual, rituais orgiásticos cuja localização seria no Oriente Médio. Com a descoberta da radiação acompanhado do advento das comunicações de rádio atiçando a imaginação popular, Liebenfels tratou de adicioná-los a sua fantasia divina. Os deuses eram seres antigos e superiores chamados “Teozoa” distintos das crias de Adão, homens-fera chamadas de “Antropozoa”. Tais deuses possuíam extraordinários órgãos sensoriais capazes de transmitir e receber sinais elétricos dotando-os de capacidades telepáticas, todavia atrofiaram-se restando as glândulas pineal e pituitária após a miscigenação com os homens-fera. Liebenfels, porém, afirmou que os antigos poderes poderiam ser restaurados nos arianos através de um programa universal de segregação racial. No final, Cristo retornaria para redimir os arianos através do seu gnosticismo racista.

Guido von List e Jörg Lanz von Liebenfels

Em 1905 juntou tudo e publicou o fundamento da sua doutrina em um livro cujo título refletia o conteúdo eclético: “Teozoologia ou A Tradição do Apelo Sodômico e o Elétron de Deus”. A desordem sócio-cultural europeia era fruto das raças inferiores alimentadas pela frustração pela grandeza germânica e teriam de ser exterminadas. Liebenfels criticava o cristianismo da época por favorecer os inferiores com o seu senso de piedade além de atacar o socialismo, feminismo e a democracia — mulheres eram um problema especial por serem mais susceptíveis à bestialidade dos filhos de Adão. Preconizava uma guerra apocalíptica para corrigir as coisas. O resultado seria uma fusão dos povos germânicos que marchariam em direção a uma tradição pré-industrial em um paraíso religioso tendo como símbolos o Santo Graal, o elétron e a Igreja do Espírito Santo.

Colaborou com periódicos völkisch e teve o seu próprio chamado “Ostara” (uma deusa da primavera) que tratava de política e economia onde escreveu sobre tudo um pouco: teorias econômico-raciais, filosofia, hermetismo, comércio, antifeminismo, sobre diferenças entre louros e negros nos campos do comportamento sexual e as leis das castas hindus. Entre 1908 e 1918 escreveu 71 edições.

A contribuição esotérica de Liebenfels ao völkisch veio das publicações que fez no “Ostara” relativas a material astrológico de seus pares alemães que faziam um “revival” do tema. Ele adaptou a disciplina às suas fantasias da supremacia germânica e guerra santa.

“Saudades do que não vivemos”

Outra das suas aplicações baseadas no romantismo racial foi a concepção de uma ordem baseada nos cavaleiros templários como um culto eugênico nostálgico. Quando mais jovem, Liebenfels quis ser um noviço na Ordem de Cistre e o romantismo relativo à cavalaria não diminuiu com o tempo. Fantasiando ser parte de uma família aristocrata o austríaco mergulhou na literatura da idade média em especial nas lendas de Parsival e os Cavaleiros do Graal. Trata-se de um conto de tom místico envolvendo heroísmo de cavalaria, peregrinos onde o cavaleiro do Graal exemplifica um homem espiritualizado em busca de valores elevados em uma sociedade contemporânea devota do materialismo. Os Cavaleiros Templários reuniram a imagem heroica com o pan-germanismo, romantismo, elementos teosóficos, ideias de salvação racial e elitismo. A supressão deles pela Igreja Católica abriu espaço para o crescimento dos “povos inferiores” na Europa que corromperam a civilização “cristã-ariana” criado a desordem do mundo moderno. Nessas bases, Liebenfels resolveu fundar, em 1907, a sua própria “Ordo Novi Templi” para uma nova cruzada. Na prática a ordem possuía uma liturgia envolvendo leitura de salmos cristão-arianos ao som de um órgão e rituais de base católica e cistrense, os membros escreviam versos e pintavam temáticas afins. Oravam principalmente a “Cristo Frauja” (um nome gótico de Jesus) pela salvação racial e extermínio das “raças inferiores”. A ordem teve popularidade na Europa principalmente pelas publicações no “Ostara”. No caos político e econômico pós Primeira Guerra Mundial a ordem apresentava valores de reconstrução aos desorientados.

Bandeira da Ordo Novi Templi.

Todas essas ideias, basicamente, aglutinaram-se em um movimento austríaco chamado Ariosofia ou Armanismo, que foi a base para o que aconteceria na Alemanha décadas depois – o próprio nome já diz tudo, pois “Ario” é de “Ariano”; as conclusões sobre misticismo, runas etc. eram voltados apenas à raça ariana. A ponte foi Rudolf von Sebottendorff (Adam Alfred Rudolf Glauer), um admirador de List e Liebenfels, que fundou em Munique a Sociedade Thule de onde saiu o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, o Partido Nazista.

A capital Viena foi o centro ariosófico, um local que reunia com força o sentimento de um império passado (Habsburgo) decaído ante a inevitável passagem do tempo.

O Nazismo Esotérico

De modo geral, os grupos völkisch apoderaram-se de ideias das religiões pagãs germânicas (Áustria, Alemanha e países nórdicos), esoterismo diverso, um passado nostálgico fantasioso com um toque de ciência tendenciosa. A aplicação era ideológica e não mágica visando influenciar as massas.

As religiões nórdicas foram utilizadas não apenas por serem germânicas, mas devido a visão não cristã dos ariosofistas. A perseguição cruel que os cultos pagãos sofreram por causa do cristianismo foi um tempero extra. Quem lesse runas, por exemplo, era morto; os feitos de Odinn e das völvas (sacerdotisas/feiticeiras nórdicas) passaram para o deus cristão e os santos.

A parte nostálgica foi representada de forma mais intensas por lugares míticos como Atlântida, Hiperbórea e Thule cujas civilizações eram de super-humanos, viviam uma filosofia melhor do que a dos tempos atuais, eram prósperas e poderosas segundo a visão ariosófica. A base dessa mitificação encontra-se no movimento sueco chamado Goticismo, surgido no sec. XV com o auge no seguinte com reflexos no XIX. Tratava-se na crença de um passado glorioso da Suécia, pois uma das suas ilhas, a Gotlândia, teria sido o berço cultural de grandes civilizações e alguns adeptos a relacionavam com a Atlântida e a Hiperbórea. Os germânicos, assim, possuiriam uma ancestralidade quase divina. As runas reforçavam o aspecto ancestral, pois são um elemento culturalmente germânico, daí a atenção que ganharam. Mitos, tradições e símbolos pagãos eram os elementos principais, nada de invocações espirituais e manipulação de forças ocultas, muito menos o Diabo (tradição judaico-cristã). O irônico era que os germânicos tratavam-se de um povo tecnológica e socialmente menos desenvolvido em relação a certas civilizações quando do contato com os romanos por volta do século I a.C. e mesmo a suméria e a egípcia, mais de 3.000 anos antes, possuíram desenvolvimento e sociedades mais complexas do que as tribos do norte europeu. As runas, por exemplo, datam de aproximadamente 200 d.C. baseadas no alfabeto latino, informação que Guido von List questionou afirmando existir uma escrita ariana pré-histórica.

O ocultismo nazista é fruto do pós-Segunda Guerra Mundial em várias frentes. As ideias hostis vieram em um esforço crítico à (equivocada) doutrina e também para ocultar certos fatores que a compuseram, como apoio de empresários, políticos e das bases ideológicas cristãs que saíram ilesos, dentro e fora da Alemanha. Há as ditaduras e a “mão invisível” que as apoia, onde ideais políticos e religiosos encobertam a ganância, como pelo patrimônio dos judeus. Interessante como os E.U.A. e a União Soviética absorveram cientistas alemães imprescindíveis para a corrida espacial e os resultados dos execráveis experimentos médicos recolhidos pelos aliados para estudo. Tais atrocidades também foram cometidas pelos japoneses na China através da Unidade 731 mas, curiosamente, ouve-se falar menos dessas. Talvez pelo Japão ter papel geopolítico importante tornando-se um posto avançado dos E.U.A. na Ásia. A questão eugênica, um dos pilares nazistas, não foi exclusividade germânica. Circulava por todo o ocidente até mesmo nos E.U.A. que foram visitados por representantes do Partido Nazista para estudar suas políticas raciais contra negros e aplicá-las na questão judaica — a África do Sul também recebeu a mesma visita. O Partido Nazista tinha apoio dentro de países aliados como os mesmos E.U.A., Inglaterra, Brasil entre outros não sendo uma questão localizada — ou resolvida, vide os movimentos neonazistas. A cultura pop viu elementos dramáticos interessantes no esoterismo nazista para utilizar em quadrinhos, livros, séries de TV, filmes e videogames — para uma sociedade predominantemente cristã, preconceituosa em relação às outras religiosidades, elementos pagãos e diabólicos são afins sendo excelente insumo ficcional.

Indiana Jones ajudou a solidificar o mito do ocultismo nazista

Alguns pontos merecem destaque:

1.Hiperbórea: terra descrita por geógrafos greco-romanos como situada no extremo norte ou Escandinávia. A lenda chegou até o sec. XIX e compôs a narrativa teosófica das Raças-raiz até ser adotada pelos grupos nacionalistas germânicos. É usada hoje por grupos neonazistas como identificação (“Hiperbóreos”) para não usarem os nomes corretos já associados com racismo;

2. Thule: mais conhecida pela “Sociedade Thule”, um “grupo de estudos para a antiguidade alemã” que de onde saiu o Partido Nazista. O nome veio do latim “Ultima Thule”, uma ilha ao norte e capital da Hiperbórea. Hoje relaciona-se com ficção científica nazista envolvendo discos voadores movidas a “energia” Vril entre outras. Tinha como elementos esotéricos os pagãos nórdicos. Uma grande influência no Terceiro Heich em relação ao vínculo dos germânicos com esses mitos veio de um historiador holandês chamado Herman Wirth, defensor de teses rejeitadas pela academia científica, porém adotadas pelo comandante da SS Heinrich Himmler, que colocavam Atlântida como berço ariano;

3. Terra Oca. É milenar a ideia da existência de um local habitável dentro do planeta, seja por motivos religiosos (Hades, Hel, Duat, Sheol, Inferno etc) seja por imaginação. Depois do sec. XVII ganhou uma forma pseudocientífica com noções de túneis e camadas separadas por atmosfera. Teóricos da conspiração pós-segunda Guerra afirmam que dentro da Terra existe um refúgio para os nazistas e tecnologia avançada como discos voadores cuja entrada seria pelo ártico unindo as visões do passado mítico com contemporâneas de OVNIs;

4. Vril – em 1871 foi lançada uma obra de ficção chamada “Vril, The Coming Race” de Edward Bulwer-Lytton (1803–1873). A estória se passa em um mundo subterrâneo habitado por uma civilização avançada chamada “Vril-ya”. Esse povo controla uma energia poderosa chamada “Vril”, usada para curar, destruir ou realizar outros feitos extraordinários. Em 1947 um engenheiro de foguetes alemão chamado Willy Ley publicou um artigo chamado “Pseudoscience in Naziland” na revista “Astounding Science Fiction” onde escreveu sobre supostos grupos pseudocientíficos da época mencionando um que procurou o Vril chamado “Sociedade pela Verdade”. A ideia ganhou mais força em 1960 no livro chamado “O Despertar dos Mágicos” ajudando a consolidar a invenção de Ley;

5. Sociedade Teosófica — teve suas ideias usadas pelos ariosofistas e adaptadas à visão völkisch, principalmente a questão de Raças-raiz[3];                                                                                             

6. Revisionismo völkisch — No pós-guerra houve necessidade revisar a visão völkisch o que levou a produção de ficções que ajudaram a dar o tom ocultista. Destaque para o chileno Miguel Serrano que atuou nessa frente através de um nazismo místico. Entrando em uma ordem esotérica chilena em 1942, fundada por um alemão, que misturava tantra, yoga, despertar da kundalini e magia cerimonial, o grupo relacionava a expansão da consciência diretamente a Hitler. Após o fim da guerra, Serrano acreditou que o líder nazi havia fugido para o subterrâneo da Antártica e atribuiu a ele qualidades arquetípicas. Ao longo da vida, introduziu conceitos gnósticos, de origem extraterrestre da humanidade, a América do Sul como herdeira da Hiperbórea, a SS como ordem iniciática em busca do sangue hiperbóreo com direito a rituais e OVNIs sendo fruto de avançada tecnologia nazi. Tudo com base antissemita. Serrano foi diplomata e relacionou-se com personalidades como Jung, Dalai Lama, Hermann Hesse e Indira Gandhi sendo um autor influente e longevo (1917–2009);

7. O Círculo de Viena (Landing Group): fundado pelo ex-SS Wilhelm Landig (1909–1997) em 1950, o grupo reviveu a mitologia ariosófica de Thule e substituiu a suástica pelo Sol Negro (um desenho presente no piso do castelo Wewelsburg de Heinrich Himmler). Daí saíram ideias da terra oca e tecnologia avançada nazista. Julius Evola, um importante autor tradicionalista, apoiador do nazismo e guru de grupos terroristas, adotava essas ideias sendo o seu livro, “A Revolta Contra o Mundo Moderno”, referência para os adeptos do pensamento landiniano ou melhor, neonazista.

Sol Negro – símbolo neonazista confundido com símbolo viking

8. Sociedade Cristã: o antissemitismo teve como maior das fontes ao longo da história o cristianismo. Nos primeiros séculos dessa religião houve a necessidade de diferenciar-se do judaísmo e passagens do Novo Testamento foram interpretadas de forma a culpar os judeus pela crucificação de Jesus; na Idade Média decretos de concílios cristãos impuseram restrições aos judeus; nas Cruzadas, comunidades judaicas na Europa foram massacradas; durante a Inquisição, especialmente na Espanha e Portugal, os judeus foram perseguidos e, muitas vezes, forçados a se converter ou a fugir; a doutrina teológica da “Substituição” (“Supersessionismo”) afirmava que o cristianismo substituíra o judaísmo como o “verdadeiro povo de Deus”; Martinho Lutero (expoente da Reforma Protestante e ex clérigo católico) era antissemita. O nazismo nasceu numa sociedade cristã; a racista Ku Klux Klan só aceita cristãos; o tráfico de escravizados africanos foi fruto de estados católicos (reis ungidos pelo deus cristão); os horrores no Congo foram perpetuados pelo rei cristão belga Leopoldo II e por aí vai. O exclusivismo monoteísta/monolátrico deságua em intolerância com outras formas de religião e espiritualidade moldando por séculos o pensar de sociedade – ainda que os nazistas renegassem, de certa forma, o cristianismo, o estrago já estava feito.                            

Ouve-se muito de um “círculo ocultista” de Heinrich Himmler, todavia o comandante da SS nunca foi um praticante de magia; o seu talento estava na burocracia e fixação em uma “história genética” germânica. Ele criou uma organização estatal chamada “Ahnenerbe” (“Herança Ancestral”) destinada a comprovar cientificamente a superioridade da raça ariana. O que se fazia ali eram estudos neopagãos germânicos de caráter racial. O guru esotérico de Himmler, Karl Maria Wiligut, estava dentro do Ahnenerbe e era especialista em runologia, porém escreveu textos inexpressivos sobre o assunto e nada do que fez é utilizado por praticantes atualmente. Wiligut foi internado em um hospício em 1939, logo no começo da guerra tendo sido diagnosticado com esquizofrenia e megalomania 15 anos antes. Outro nome associado ao tema é o do general Karl Ernst Haushofer, responsável por estratégias geopolíticas alemãs que dizem ter sido iniciado no budismo tibetano. Na verdade ele serviu no Japão e levou para a Alemanha conhecimentos sobre a estrutura de sociedades secretas criminosas que obteve lá sendo usadas depois na SS. Relacionado a isso, o budismo tibetano também é mencionado na época uma vez que Himmler patrocinou uma expedição ao Tibete para rastrear a origem da raça ariana. Outras expedições pelo mundo foram patrocinadas, porém o interessado por questões pagãs tendendo ao misticismo era de Himmler, Hitler pouco interessava-se pelo assunto vendo utilidade apenas como instrumental ideológico. O Führer era anticristão, porém econômico quanto a expressar a opinião por questões estratégicas, uma vez que grande parcela do povo germânico ainda seguia essa religião. Houve uma tentativa de monopólio estatal do cristianismo através do “Cristianismo Positivo”, mas falhou.

Além disso, o nazismo perseguiu todos os grupos esotéricos e sociedades secretas iniciáticas. Por exemplo a Maçonaria, Fraternitas Saturni e o futuro herdeiro de Aleister Crowley, o alemão Karl Germer por associação com a Besta 666, que ficou em campos de concentração até a esposa conseguir a libertação em 1935. Da mesma forma que fizeram com cientistas judeus afastando talentos que poderiam contribuir em várias áreas do saber. O ápice da perseguição ocorreu depois que Rudolph Hess, um dos próximos a Hitler e adepto do esoterismo völkisch, foi aos aliados secretamente, motivado por questões astrológicas, propor uma aliança para a Alemanha não atuar em duas frentes: a ocidental e a Soviética. Nunca acharam documentos relacionados às práticas realmente ocultistas (invocação de demônios não fazia sentido no pensamento antijudaico e anticristão, muito menos “forças invisíveis” que demoram anos para manipular e é algo sempre limitado) nem mesmo depoimentos sobre rituais do tipo, apenas de iniciação na SS. O Nazismo sempre foi um pensamento segregador, desprezando outras culturas (magias) que não a ariana. A confusão entre “ocultismo” e “neopaganismo” é patente.

O verdadeiro “ocultismo nazista” veio do encantamento da oratória de Adolf Hitler, dos visuais hipnotizantes de Albert Speer na arquitetura, de Karl Diebitsch na indumentária militar, da cineasta Leni Riefenstahl e Joseph Goebbels na propaganda. O Partido Nazista estava mais preocupada com estética, genética, armas, política e os bens dos judeus do que com um “departamento estatal ocultista”. É fruto de desinformação pós-guerra; tem características de “Pânico Satânico”[4] sendo cortina de fumaça para questões ideológicas, religiosas, políticas e geopolíticas além de insumo dramático para obras da cultura pop e teorias da conspiração[5], tratando-se, na verdade, de elementos culturais utilizados ideologicamente através de propaganda estatal. Além disso, ideias científicas, ainda que equivocadas, também compuseram o pacote e não apenas as “esotéricas”.


Herman Faulstich (Frater Keron-E/Kalimann) é mago, buxo, xamã, desenhista industrial e campeão mundial de Jiu Jitsu. É também autor do autor do livro Thelema, uma introdução à obra de Aleister Crowley


NOTAS

[1] Por esoterismo refiro-me ao conjunto de disciplinas filosóficas e práticas mágicos e místicos que vão desde a Yoga até o Ocultismo passando pelo Hermetismo.

[2] Por exemplo: no seu livro “O Segredo das Runas”, List escreveu sobre a quinta runa, “Raidô” “Rita”,”Rod”, “Recht (Direito)”, numa linha gnóstica interessante, mas servindo apenas à raça ariana:

A três vezes sagrada ‘Rita’, a roda solar, o próprio Urfyr (o fogo primordial, Deus)! A consciência introspectiva exaltada ou a subjetividade dos Arianos que era a consciência da sua própria divindade, pois a ‘internalização’ é apenas ‘estar consigo mesmo’, estar com Deus. Enquanto um povo possuir intacta a sua internalização original, como um povo natural*, ele também não tem motivo para adorar uma divindade externa, pois um serviço divino externo, vinculado à cerimônias, só se torna perceptível quando não existe a capacidade de encontrar Deus em seu ser mais íntimo, e começa a vê-lo fora do próprio ego e fora do mundo — acima, no céu estrelado. Quanto menos internalizada é uma pessoa, mais exterior a sua vida se torna. Quanto mais um povo perde a sua internalização, mais pomposas e cerimoniais suas manifestações externas tornam-se no perfil do governo, leis e cultos, onde começarão a emergir como ideias separadas. Mas eles devem permanecer uno no conhecimento: ‘O que eu acredito é o que eu sei, e então eu também vivo isso’. Por esta razão, a internalização divina ariana também é a base para um orgulhoso desdém pela morte e para a própria autoconfiança e à confiança ilimitada em Deus que se expressa, gloriosamente, em ‘Rita’  (a lei primordial dos Arianos) e que tem essa quinta runa como símbolo. Assim, a runa diz: eu sou o meu Rod (direito) e este Rod é indestrutível, logo, eu mesmo, pois eu sou o meu Rod.”                

* “Um povo natural não está em uma condição selvagem, pois selvagens incivilizados vivem na escravidão do mais horrível xamanismo; o povo como, um povo natural, ao contrário, estipula um alto nível de cultura, porém livre de todo tipo de falsa sofisticação.”

[3] Raças-Raiz — segundo a Teosofia, são as raças que evoluem em uma ronda de um globo (veja também Cadeia Planetária). Em cada ronda evoluem sete raças-raiz, e cada raça-raiz produz sete sub-raças, que são ramos derivados da raça-raiz. Na atual ronda terrestre já se desenvolveram as seguintes cinco raças-raiz: “Nascidos por Si Mesmos”, “Nascidos do Suor”, “Nascidos do Ovo” ou “Lemuriana”, “Atlante” e “Ariana”. Wikipedia.

[4] Pânico Satânico — é um pânico moral envolvendo acusações infundadas de abuso em ritual satânico que se originou nos Estados Unidos na década de 1980. Em sua forma mais extrema, envolvia numa suposta conspiração mundial com ricos e poderosos da elite mundial no qual crianças eram raptadas ou criadas para sacrifícios humanos, pornografia e prostituição. Wikipedia.

[5] Por exemplo: a “Lança de Longinus” ou “Lança do Destino”, suposto artefato que teria perfurado Jesus Cristo e afirmado foco de busca Nazi. Encontrava-se no tesouro do Sacro Império Romano-Germânico na casa dos Habsburgo. Quando a Áustria foi anexada, Hitler mandou trazer o tesouro para Alemanha e junto a lança – na verdade a ponta metálica. Nenhuma busca aventuresca, apenas procedimento burocrático.

BIBLIOGRAFIA
  • A Revolta Contra o Mundo Moderno — Julius Evola, Publicações Dom Quixote.                                     
  • Contra o Mundo Moderno: Tradicionalismo e a História Secreta do Século XX — Mark Sedgwick, Editora Trotzdem.
  •  Himmler´s Crusade: The Nazi Expedition to Find the Origins of the Aryan Race — Christopher Hale, Castle Books.
  •  The Secret King: Karl Maria Wiligut, Himmler’s Lord of the Runes — Runa-Raven.
  •  Sol Negro: Cultos Arianos, Nazismo Esotérico e Políticas de Identidade — Nicholas Goodrick-Clarke, Editora Madras.
  • The Occult Roots of Nazism – Nicholas Goodrick-Clarke, New York Universety Press.
  • As Relíquias Sagradas de Hitler — Sidney D. Kirkpatrick, Editora Sextante.

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