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Quando olha ao redor, você pode pensar: “Uau! eu sou o máximo!”. Claro que não me refiro a ser o máximo enquanto ser humano, dificilmente uma pessoa é, a não ser que seja Charles Bronson ou o Homem do Trolóló ou Nikolai Tesla; o problema é que todos eles estão mortos já, o que indica que o número de seres humanos que são o máximo está muito próximo do zero. Quando digo que você pode pensar que é o máximo me refiro enquanto espécie.
É quase certeza que neste instante você está diante de um computador. E é muito provável que esse computador se alimente de eletricidade que sai da sua parede. Você mora em um lugar feito de concreto, tem acesso a água, não precisa conviver com suas fezes e urina e se tem fome pode colocar seus crocks e ir até um supermercado comprar uma alcatra para fazer bifes, que serão fritos no seu fogão – alimentado por gás que sai de uma parede ou de um botijão – enquanto você navega em seu tablet, um objeto com mais tecnologia do que o foguete que levou o homem à lua, ou joga algo no seu PS3/X-Box/CUBE/Super Nintendo (se você for dessa raça de moderninhos retrô). De fato, nenhuma outra espécie chegou tão longe quanto nós, não existem saunas turcas de cupins ou montanhas russas de salmões, e não se sabe de um urso panda que fique puto quando a operadora de celular top da China perde o sinal.
Somos evoluídos, Apex Predators, a boca dentada no alto da pirâmide alimentar, e tudo isso graças a nosso cérebro e a nossa inteligência, que nos coloca em vantagem sobre as garras do leão, a força do urso e os espinhos do porco-espinho, certo?
Não, não tão certo assim.
Desde o dia que seus antepassados resolver descer das árvores, não havia muita coisa para se fazer. Com certeza andar ereto deixou de ser uma novidade divertida em alguns meses e durante alguns milhões de anos a vida foi bem tediosa, até que algo aconteceu mais ou menos 5000 anos atrás. Até então, o equivalente de um iPhone 5 era um pedaço de pedra lascada que podia cortar carne e vegetais, inclusive é por causa disso que chamamos essa época de Idade da Pedra. Aquelas pessoas não tinham muito o que fazer, além de ficarem lascando pedaços de rochas para criar ferramentas – ao menos é o que os Steve Jobs da época faziam. Aquilo era o que havia de mais avançado em termos tecnológicos, e provavelmente permaneceríamos assim se não fosse pelo fogo.
O fogo pode ser descrito como a rápida oxidação de um material combustível liberando calor, luz e produtos de reação, tais como o dióxido de carbono e a água. O fogo também pode ser descrito como uma forma de vida inorgânica ou como uma mistura de gases a altas temperaturas, formada em reação exotérmica de oxidação, que emite radiação eletromagnética nas faixas do infravermelho à faixa visível. É por isso que podemos afirmar que o fogo é uma entidade gasosa emissora de radiação e decorrente da combustão, e, se ele for bastante quente, os gases podem se tornar ionizados para produzir plasma.
Tecnicamente o fogo esquenta coisas. Isso implica que agora aquele bando de humanos que estavam começando a usar roupas podiam esquentar sua comida, acender cigarros e torturar uns aos outros em nome de Deus. Isso também implica em outra coisa que normalmente passa desapercebida por um monte de gente.
Veja, com a exceção de alguns metais como o ouro, a prata, o cobre, a platina e o mercúrio, todos os metais que existem na natureza existem na forma de minérios. Quando o universo era uma massa gasosa de átomos, resultante da explosão de estrelas, os átomos de metais se combinavam e esfriavam, aqui em nosso planeta especialmente eles se oxidaram após se combinar e, livre as exceções citadas acima, não sabíamos o que eram metais. Agora com o fogo uma mágica sinistra começava a acontecer. Você podia fazer uma fogueira, colocar pedras nela e as pedras começavam a suar e a derreter. Uma simples fogueira pode não parecer muito, mas com um calor de 200ºC, que pode ser produzido com carvão, você consegue derreter chumbo e quando ele se esfria assume a forma que você quiser.
O problema com o chumbo, e esses outros metais, é que eles são moles! O mercúrio é líquido pelo amor de Mendeleiev! Então não tinham muita utilidade além de enfeites. Mesmo com as fundições caseiras e fabricação de pulseiras e estátuas esses metais não eram muito práticos, para que construir uma faca que se dobrava quando você tentava atacar um boi, ou flechas que não perfuravam nem uma pomba?
Mesmo com o fogo e a fundição, permaneceríamos um bando de macacos, cheios de anéis e brincos brilhantes, adorando estátuas brilhantes de deuses, se não fosse por um elemento.
O Cobre e o Estanho
O cobre é um metal que surge naturalmente em pepitas, é maleável e pode ser derretido e moldado. Existem pingentes de cobre datados de 10.000 anos a.C., e ele se tornou extremamente popular a partir de 6.500 a.C. Com o controle do fogo começaram a surgir fornos que atingiam temperaturas de 1000ªC para a fundição de cobre, que já podia ser extraído de outros minerais como a malaquita ou a calcopirita. Começaram a surgir ferramentas de cobre, capacetes de cobre… e viram que o cobre era uma porcaria.
Mas por sorte, graças aos métodos primitivos de purificação de metais da época, o cobre conseguido vinha com muitas impurezas e uma dessas impurezas era o estanho, o elemento 50 da tabela periódica. Foi graças ao estanho que pulamos diretamente da Idade da Pedra para a idade mais tecnologicamente doida da história.
Apesar do cobre ser considerado o primeiro metal a ser de fato trabalhado pelo homem, foi o estanho que deu status de avanço tecnológico para todo aquele negócio de fundição. O cobre, quando fundido com estanho, dá origem a uma liga metálica muito mais resistente. Com uma resistência mecânica muito maior sem contar muito mais dura. Uma liga que, se transformada em facas, espadas e escudos, teriam uma utilidade prática muito boa. Essa liga é o bronze. É por isso que muita gente nem situa uma idade do cobre – ou calcolítica como preferem chamar – entre a pedra e o bronze, já que o bronze chegou roubando a cena. É por causa do estanho que agora descem a cortinas e acaba a pré-história.
O bronze logo se tornou tão importante que na datação clássica dos gregos, a raça humana passou por 5 idades: a do ouro, a da prata, a do bronze, a dos heróis – os semi-deuses – e a do ferro. E durante a era dos heróis, todas as suas armas e indumentárias eram feitas de bronze. Milhares de anos depois a DC Comics usaria a mesma classificação para mostrar como seus quadrinhos foram perdendo a criatividade.
O bronze ergueu impérios e destruiu reinos. Nos ensinou a fundir ligas cada vez mais resistentes e a criar armas cada vez melhores. Criou uma reviravolta na economia e nos ensinou a matar melhor. E isso tudo graças ao estanho, se infiltrando no cobre derretido. Foi graças a este elemento que perdemos o tatus de macacos vaidosos e nos lançamos para o espaço e para o Facebook. Não seria exagero afirmar que o Estanho fez mais pela raça humana do que qualquer outro messias, inclusive Cristo, enviado para nos libertar de nosso estado de cegueira primitiva. Caralho o estanho mudou tudo.
Mas claro que nem tudo que é bom dura, e tantos séculos de exploração e abuso chegariam a um fim. Por milênios o estanho planejou. No recôndito mais profundo do seu núcleo atômico ele planejou e esperou, até que chegasse o momento.
Gott ist Tot
A Idade do Bronze foi substituída pela Idade do Ferro, Osiris foi destronado e uma série de Deuses assumiu seu posto para depois serem abandonados. A família imperial chinesa se trancou na cidade proibida. O cristianismo virou a última moda da Europa. A fome, a guerra e a pestilência eram as baladas mais concorridas. Mesmo que hoje olhemos para trás e chamemos a época de Idade das Trevas, esse termo não é exato. Ok, os padres eram os pop stars. Ok, não havia muita higiene. Ok, o conhecimento não estava ao alcance de todos, mas isso não era culpa da igreja. Era bem o oposto, ela se tornou o centro do desenvolvimento tecnológico da época, e não apenas em tópicos como genética, astronomia, literatura e química, mas também de engenharia.
O equivalente medieval dos super-computadores eram os órgãos das igrejas. Eram peças de engenharia extremamente complexas e trabalhosas de se construir. Quanto maior o órgão, mais caro. Isso significava que não eram todas as igrejas que podiam ter um aparelho desses, só as maiores e mais saudáveis – financeiramente se falando. Eram as igrejas populares, famosas e temidas. Centenas de pessoas se acotovelavam nos fins de semana para assistir a missas e para temer a Deus, e como já disse, existiam motivos de sobra para isso. Os antibióticos não haviam sido descobertos, nem os fertilizantes, quando tentavam se aquecer em suas pequenas casas as pessoas sufocavam, ninguém lavava as mãos antes de comer, era uma desgraça. E igrejas grandes e equipadas davam a impressão de que, no meio daquilo tudo, algo estava ok. Era uma época de privações, mas o rebanho crescia, Deus estava feliz com algo.
E no inverno era ainda pior, mas a igreja estava lá, para confortá-los. E naquela época, em que Deus era a única certeza das pessoas, foi justamente onde o estanho decidiu atacar.
Era domingo, igreja cheia, o padre preparado para mais uma missa, todos dentro, se espremendo por causa do frio e da falta de espaço, a missa estava para começar. O organista erguia as mãos, já tento estalado discretamente os dedos, e assim que pressionou as primeiras teclas, o órgão gritou e se despedaçou! Silêncio na nave. O que aquilo significaria? Teria Deus ficado insatisfeito ou bravo com a congregação? Ou pior… teria o diabo se infiltrado na igreja e estaria escarnecendo de Deus?
Seja o que fosse, o pânico e a desconfiança estavam instalados. Quando relatos de outras igrejas chegavam de muitos outros órgãos se despedaçando, tivemos a certeza de que o pior estava por vir. Agora, o que eles não sabiam era que o estanho, assim como o simpático e aflito Dr. Jeckyll, possui um lado sinistro, escuro e maléfico. Um lado que começa a surgir quando ele é resfriado a temperaturas inferiores a 13.2 ºC, e acredite, o inverno medieval europeu era bem mais frio do que isso.
O estanho sólido tem dois alótropos nas condições normais de temperatura e pressão. Normalmente dizemos que o Estanho se encontra em sua forma “branca”, também conhecida como estanho beta – ou estanho-β. Sua estrutura atômica assume uma estrutura cristalina tetragonal. Agora, quando a temperatura cai, ele começa a se tornar cinzento, sua estrutura assume uma forma diferente, cúbica, semelhante ao silício ou ao germânio – seus vizinhos do andar de cima da coluna periódica – e ele se transforma no estanho-α. Esta transformação, lenta no início, começa a se acelerar, ela se torna uma catalizadora de si mesma, uma vez que tem início ela não pára. Como parte desta mudança o volume do estanho aumenta em até 27%. Eventualmente o estanho-α se esfarela. Este processo é conhecido como lepra do estanho, ou praga do estanho.
Desta forma, assim que os canos dos órgãos, feitos com estanho, começavam a se decompor, tudo o que precisavam para desabar e causar a impressão que desejavam era que uma boa quantidade de ar passasse por eles. Claro que o Estanho não estava satisfeito ainda. A religião do homem era apenas um de seus alvos. O estanho também quis se envolver em nossa política, e mostrar como nossas ambições são toscas e nossa capacidade de planejar não nos difere de meros cupins sem cérebro.
France, armée, Joséphine…
Em 1812, Napoleão juntamente com um exército de quase meio milhão de homens entraram na Russia com o objetivo de obrigar o imperador da Rússia Alexandre I a permanecer no Bloqueio Continental do Reino Unido e de quebra por um fim à ameaça de uma invasão russa à Polônia. Napoleão batizou sua empreitada de Segunda Guerra Polaca, o governo russo designou a campanha de Napoleão como um pedido por chineladas e proclamou uma Guerra Patriótica. Napoleão era tido como um gênio militar invencível, a França possuía alianças com o Reino da Prússia e com o Império Austríaco, diabos, Napoleão tinha se proclamado imperador. Mas isso tudo mudou naquele ano.
A campanha começou em 24 de junho de 1812, quando as forças de Napoleão atravessaram o rio Neman. Em 6 meses o resultado não poderia ser outro: a tropa napoleônica consistia de apenas 27 mil soldados, 380.000 homens haviam morrido e mais de 100.000 eram prisioneiros. Napoleão abandonou os seus homens e voltou para Paris para proteger a sua posição como Imperador e preparar-se para resistir aos avanços dos russos. E o resto é história.
Claro que os russos tinham estratégias. Claro que os russos eram russos. Mas havia mais um detalhe nesta história. Os botões dos uniformes dos soldados franceses eram de estanho. Não importa o quão difícil seja uma batalha, ela sempre pode piorar se você tem que lutar segurando uma espada em uma mão e as calças na outra enquanto seus botões se esfarelavam no frio e gelado inverno russo.
Mas como se isso não bastasse, 100 anos depois, o nosso elemento 50 riu novamente de nossas vãs tentativas de nos mostrarmos superiores ao mundo que nos cerca.
O Sol da Meia Noite
O início do século XX parecia promissor para os aventureiros. A ciência havia evoluído muito com o iluminismo do século XVII, a revolução industrial havia sido responsável por inovações tecnológicas jamais pensadas. O homem voava em máquinas, decifrava o mistério dos átomos, mas havia lugares onde ainda não era capaz de chegar. O pólo sul era um deles. Era como um farol brilhando no escuro, atraindo exploradores e homens de coragem, daqueles que andam descalços em salas cobertas de peças de lego sem nem piscar. Robert Falcon Scott era um desses homens. Durante sua vida liderou duas expedições rumo ao polo sul, a Expedição Discovery – nos anos 1901 e 1904 – e a expedição Terra Nova – nos anos 1910 e 1913.
Em sua mais ousada e famosa expedição, Scott liderou um grupo de 5 homens com o objetivo de atingir o ponto mais extremo da terra antes de qualquer outro homem. Foram feitos arranjos e planos. Bases ao longo do caminho foram estabelecidas. Cachorros e assistentes contratados. A idéia era simples, seguir rumo ao sul. Em pontos chave mantimentos e combustível eram enterrados na neve para serem utilizados no trajeto de volta. Homens ficariam aguardando no navio e em algumas bases para dar assistência. E eles iriam a pé e em trenós até o polo sul para cravar lá sua bandeira.
Quando chegou lá, depois de semanas sendo judiado pelo terreno e pelo clima, Scott teve sua primeira surpresa. Ao invés de um montinho de neve para colocar sua bandeira ele encontrou… uma bandeira. Ela havia sido cravada lá apenas algumas semanas antes por uma expedição norueguesa, liderada por Roald Amundsen. A sua segundo surpresa foi ainda mais aterrorizante!
Quando começaram a voltar, com a moral lá em baixo, Scott e seus homens descobriram que algo muito sinistro tinha acontecido com as provisões. Os containers pareciam ter se desintegrado, deixando a querosene vazar. A querosene era importante porque ela faria seus geradores funcionarem. Os geradores fariam os trenós funcionarem, e o aquecimento e as luzes funcionarem. Sem querosene eles estavam basicamente sem condução, sem luz e sem calor. Claro que isso por si só já seria uma merda, mas imagine que a querosene que vazou dos containers acabou ensopando os mantimentos. Então eles também não tinham comida. Acredita-se que ele tenha morrido no dia 29 ou 30 de Março de 1912, sua última entrada no diária da expedição dizia o seguinte:
“Nós assumimos riscos, nós sabíamos que os tínhamos assumido; as coisas se voltaram contra nós e, portanto, não temos nenhum motivo de queixa, devemos apenas nos curvar perante a vontade da Providência, determinados a fazer o melhor para resistirmos… Tivéssemos sobrevivido, eu teria histórias sobre coragem, resistência e determinação de meus companheiros que teriam tocado o coração de cada inglês que as ouvisse. Estas notas canhestras e nossos corpos mortos devem contar estas histórias, mas certamente, certamente, um grande país próspero como o nosso irá se certificar de que aqueles que dependem de nós tenham seu sustento.”
Claro que não foi exatamente a vontade da Providência a responsável por seu maior fracasso. Aquela expedição era muito importante, por isso muitos cuidados foram tomados em seu planejamento, inclusive os novos containers que tinham soldas de estanho e eram muito mais resistentes – a não ser nas temperaturas do ártico. Scott se tornou um herói nacional, mas não o símbolo mundial que desejava – além do fato de morrer sozinho, de fome, sede, gangrena e frio.
Até hoje existem aqueles que tentam abafar este vexame afirmando que o estanho por si só não teria sido o responsável por órgãos se esfarelando dentro de igrejas, que os botões franceses eram feitos de madeira, ou que Scott era experiente o suficiente para não usar containers que vazassem. Curiosamente assim como as investigações dos anos 1980, que buscavam evidências de abusos satânicos em crianças, nunca conseguiram uma prova concreta, apenas afirmam hoje que muito provavelmente o estanho é inocente. Provavelmente…
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