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Como Anular os Poderes Maléficos dos Raios

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Tempestades de verão. Ruas inundam, barracos caem, árvores tombam, infiltrações surgem nas coberturas. Morros se dissolvem em lama. Riachos transbordam, invadem residências. Estamos nos acostumando. Entra governo, sai governo, a situação é a mesma. Dois prefeitos inventaram os tais piscinões. Adiantou? Quem lucrou com a construção foi o empreiteiro, o único a quem o piscinão fez bem. No entanto, um fato novo, entrou para o noticiário. São os raios que, como nunca, estão matando a torto e a direito.

Outro dia, cientistas desmentiram a crença de que raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Cai sim. Cai duas, três, quatro, porque nunca é o mesmo raio e como um vai saber onde o outro caiu? Quem é o senhor dos raios? Quando criança, sair na tempestade de guarda-chuva era proibidérrimo. A ponta de ferro poderia atrair o raio. A gente achava que era implicância de mãe, porque bom era brincar na enxurrada. Ou enxurrasco, como dizia minha filha, ainda bebê. O melhor era não sair, ficar quieto em casa. Hoje, dizem, raios podem vir pelos fios telefônicos, pela TV, pelo computador. Tenho um parente que acredita piamente, de maneira que duando chove nem precisa ligar para a casa dele, não atende. Ele desliga a televsão, vai ler um livro.

Os raios me levaram a viver um episódio dos mais insófitos de minha vida, nos anos 70. Eu era editor da revista Planeta, pioneira em assuntos paranormais. falando de auras, universos paralelos, civilizações extraterrestres, mistérios dos povos desaparecidos. Havia uma imensidão de pessoas preocupadas com o tema, o esoterismo, o poder da mente, a magia. Eram tantos os que me procuravam, que institui um dia apenas para atender leitores. Nas quartas-feiras. A recepção enchia de gente, o que alegrava a recepcionista Betty que ficava abismada e encantada com o que ouvia. Certa tarde, ela comduziu à minha sala uma velhinha nervosa, agitada. A mulher trazia uma sacola e a depositou ao pé da cadeira.

– Vim falar com o senhor sobre os raios. O poder dos raios. A ameaça que representam. Estão irados e vão destruir tudo.

Eu tinha aprendido a levar a sério as conversas. A não duvidar, colocar em questão. Porque eram pesquisadores que se debruçaram, com seriedade e fé, por anos e anos sobre assuntos os mais variados.

– Vão destruir tudo? Tem certeza? Baseada em quê?

– Meu marido estudou os raios durante 3l anos. Estudou, afundo, a sua força, seu poder, suas quafidades malignas. Sabia por que eles agem, como matam, por que destroem. Foram anos sem dormir, esperando a queda de um raio em um lugar, examinando cadáveres de mortos por raios, casas, árvores partidas ao meio. Anos lendo livros e se correspondendo com cientistas do mundo…

– Finalmente, meu marido descobriu a forma de anular o poder dos raios. Seria a sua consagração.

– É possível?

– É. Está no livro que trouxe. Era o sonho dele publicar. Custou muito caro, muita dor. Os raios mataram meus sogros, dois cunhados, dois filhos, uma tia querida. E mataram meu marido, uma semana atrás.

– Ele não sabia anular o poder?

– Sabia Só que aconteceu num dia calmo e limpo,de sol brilhante,
não havia uma só nuvem no céu. Ele estava no campo e um raio coriscou, caiu sobre a cabeça dele, partiu-o ao meio; reduziu-o a um montinho negro de cinzas.

– Posso ver o livro?

Emocionada, ela puxou a sacola, e retirou uma bolsa, garrafas, folhetos, revistas, colares. Foi ficando assustada, e quando não havia mais nada na sacola, começou a gritar, desesperada. Precisamos pedir à Rosa, japonesa que era enfermeira na Editora Três, que lhe desse um calmante. Foi colocada no elevador e conduzida a um táxi por conta da empresa. Voltei e ao passar pela recepção, Betty quis saber o que tinha se passado. Contei, acrescentando que ela se esquecera de trazer o livro, não o colocara na bolsa, estava muito ansiosa. E Betty:

-Mas, eu vi o livro! Enquanto esperava, ela me deu. Era sobre raios, tinha fotos, desenhos, fórmulas, cartas em inglês e russo, casas destruídas, gente morta. Quando o senhor mandou-a entrar, entreguei o livro, ela colocou na bolsa e foi para sua sala.

O livro desapareceu no percurso de 20 metros entre a recepção e minha sala. Cada vez que chove, neste verão, me afasto da mesa, do telefone, do computador. E se eles vierem pela janela?

Publicada originalmente no jornal O Estado de São Paulo, no suplemento Caderno 2
09/02/2001


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