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Paracelsus, Excerto de capítulo da obra Opera Omnia
Até agora falei sobre muitas coisas sem alcançar e nem chegar a me aproximar do maior motivo de minha prática, ou melhor, sobre como a fé pode ser causa de doença e ao que se refere ao mau uso das coisas que a fé pode causar em nós.
Da mesma forma que pode administrar a erva cidreira, que lhes devolve a saúde, ou o arsênico, que Ihes trará a morte. Conforme for um médico, do bem ou do mal, poderá cooperar ou não com o seu poder de fé e com as suas medicinas para curar ou matar seus pacientes. Como podemos explicar isto?
Simplesmente porque por meio da fé deixamos agir o nosso poder para o bem ou para o mal, uns contra o outros, assim como dono do terreno, consentindo ou não que o carpinteiro construa uma casa.
A fé atua em nós como um artesão que depois de ter feito uma faca pode ferir com ela o seu próximo ou não, conforme foi a intenção que teve ao fazê-la.
Convém meditar e compreender bem isto, especialmente quando se trata de fazer um mau emprego da fé, usando-a contra os princípios para os quais foi dada, dirigindo sua força por um caminho falso, acreditando que a verdade e mentira e vice-versa.
O emprego inconveniente das forças da nossa fé faz com que aceitemos essas situações indevidas e que usemos nossas armas contra o que que acreditamos que existe, sem ser assim de modo nenhum.
Saibam que esta mesma coisa que forjamos (fabricatum) a que chamamos de arma na nossa linguagem corporal, também podemos chamá-la perfeitamente de espírito, já que os espíritos podem fazer o que o homem faz sem usar os pés ou as mãos, o que explica de certo modo nossa mútua semelhança.
Como a fé precisa que todas as coisas possuam uma certa ordem, será bom que recebam uma instrução sumária, ao menos sobre a fabricação destas armas.
Quando em um determinado país aparece uma doença em forma de epidemia, significando a sua presença uma expiação, vingança ou flagelo, pensam que seguramente é assim mesmo. Nestes casos, apesar de tudo parecer natural e logico, a fé nos faz julgá-lo não natural. O resultado disto é que as pessoas não querem concordar e relacionar estes sinais entre si, com o que tendem a desaproveitar todas as ajudas verdadeiras contra o mal. Ainda que a fé nos permita fazer o bem, também consente que nos conduzamos mal. E assim como a montanha que precipita-se no mar, o gérmen da fé também pode desaparecer.
A fé também pode produzir todas as espécies de ervas: a urtiga invisível, a celidônia invisível etc. E tudo quanto cresce sobre a terra é pela força da fé. Assim, ela pode se tornar responsável também por uma série de doenças.
O impedimento para que os humanos empreguem livremente a força e o poder da fé está precisamente na vontade de Deus.
É certo que podemos matar e provocar-nos mutuamente uma infinidade de males mas não devemos fazê-lo. E se as coisas corporais não dão toda hora o testemunho do seu poder e dos males que podem nos trazer, o mesmo podemos esperar e pensar da fé, porque isto somos como os espíritos. E como eles, podemos fazer invisivelmente tudo que o corpo faz de maneira visível.
Não é possível, com efeito, repelir a fé de nós mesmos nem prescindir do instrumento que nos dá como uma verdadeira arma. Digo que a mesma força que lança a montanha ao mar pode fazer com que a terra nos ofenda ou nos envenene.
O uso deturpado da força da fé nos levara a desejar o mal aos nossos semelhantes e a condenar os homens a morte, ou a serem coxos e aleijados. As doenças naturais tomam-se assim sobrenaturais. Quando essas superstições invadem e tomam conta de um pais, acontece que seus próprios médicos — como Cristo em sua terra* — não podem compreender nem explicar um grande número dos seus sinais pois chegam a perder a fé, acreditando-se condenados a desgraça que tal estado consome.
*(“Nemo propheta acceptus est in patria sua”, São Lucas, IV. 24. Quer dizer: ‘ninguém e profeta em sua terra”)
Deus quer que nos mantenhamos na verdadeira fé, com a qual podemos curar e curar-nos. Levando esta fé dentro de nós acreditaremos que tudo pode ser possível através dela, ainda que nada se traduza exteriormente diante dos nossos olhos.
Por isso Deus quer que isto seja guardado em segredo na fé, sem nenhuma espécie de demonstração exterior.
Os verdadeiros médicos são aqueles que trazem para nós as obras da caridade divina, não perturbando com suas obras a fé que guardamos no fundo do nosso ser e com a qual podemos caminhar sobre as águas.
A razão porque Deus permite que a força da nossa fé seja usada as vezes para fazer doentes, e que sobreviva a superstição, está fora do alcance do nosso entendimento; sobre isto Ele e o único juiz.
Tradução: Tamosauskas
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