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AS DECISÕES DO CONCILIO DE NICEIA.
Nicéia I, Concílio de.
Primeiro dos encontros ecumênicos do cristianismo, convocado pelo imperador Constantino e realizado em 325, na cidade de Nicéia, hoje Iznik, na Turquia. Condenou o arianismo e promulgou o credo conhecido como Símbolo de Nicéia. ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.
Heresia
Disputas cristológicas entre Oriente e Ocidente. O reconhecimento do cristianismo com o Edito de Milão e sua posterior conversão em religião oficial do Império Romano fizeram da igreja um centro de lutas políticas, especialmente entre Oriente e Ocidente. A primeira ocasião de controvérsia surgiu com a doutrina de Ário, sacerdote que, de sua comunidade em Alexandria, negava a natureza divina de Jesus Cristo. O imperador Constantino convocou o primeiro concílio ecumênico em Nicéia, no ano 325, e sugeriu a expressão “o Filho é consubstancial ao Pai”. Sufocado militarmente, o arianismo difundiu-se entre os povos germânicos mas, na Espanha visigoda, chegou a perdurar como doutrina oficial até o ano 589. Durante o século V, de fato, o problema de como conciliar a natureza divina com a humana na pessoa de Cristo dividiu as duas grandes escolas teológicas. A de Antioquia, mais racionalista e realista, insistiu no aspecto humano; a de Alexandria, propensa à especulação mística, no lado divino. A disputa entre Antioquia e Alexandria sofreu a interferência das flutuações do patriarcado de Constantinopla e do imperador, que temia a fragmentação do império. Na linha da escola de Antioquia, Nestório defendeu com tal ênfase a tese das duas naturezas de Cristo que o apresentou como duas pessoas, de onde se deduz que Maria não era mãe de Deus (theotokos). Essa doutrina foi condenada pelo Concílio de Éfeso (431). Entre os séculos V e VIII a escola de Alexandria, que impusera suas teses em Éfeso, acentuou sua posição até o ponto de defender que em Cristo só havia uma natureza, a divina (monofisistas), ou uma vontade (monoteletas). Essas doutrinas foram condenadas nos concílios de Calcedônia (451) e Latrão (649). ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.
Nicéia II, Concílio de.
Sétimo concílio ecumênico das igrejas cristãs, realizado em 787 na antiga cidade de Nicéia, atualmente Iznik, na Turquia. Convocado para resolver a Controvérsia Iconoclasta, iniciada em 726, disciplinou o sentido da veneração das imagens. ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.
Não devemos nos esquecer de que a Igreja cristã deve os seus Evangelhos canônicos atuais e, por conseguinte, todo o seu dogmatismo religiosos, ao Sortes Sanctorum. Incapaz de se pôr em acordo sobre quais eram os mais inspirados divinamente, dentre os numerosos Evangelhos existentes à sua época, o misterioso Concílio de Nicéia resolveu deixar à intervenção miraculosa da decisão sobre essa questão embaraçante. Esse Concílio de Nicéia pode muito bem ser chamado de misterioso. Havia mistério, em primeiro lugar, no número místico dos seus 318 bispos, a que Barnabé (Epístola de Barnabé, VIII, 11-3; ed. por Hone, Londres, 1820.) deu muita importância; além disso, não há concordância entre os escritores antigos quanto à época e ao local de realização dessa reunião, nem mesmo sobre quem seria o bispo que a presidiu.(Mosheim, An Eccl. Hist., cent. IV, parte II, cap. V, inciso 12.)
Não obstante o grandiloqüente elogio de Constantino (Socrates Scholasticus, Eccl. Hist., I, IX.), Sabino, o Bispo de Heracléia, afirma que, “exceto Constantino, o imperador, e Eusébio Panfílio, esses bispos eram um conjunto de criaturas iletradas, simples, que não compreendiam coisa alguma” (Ibid., I, VIII.) – o que equivale a dizer que eram um bando de imbecis. Essa era aparentemente a opinião de Papus, que nos conta do pouco de magia executada para saber quais eram os Evangelhos verdadeiros. No seu Synodicon desse Concílio, Papus diz [que], tendo “posto promiscuamente todos os livros apresentados à escolha do Concílio sob a mesa da comunhão de um igreja, eles [os bispos] pediram ao Senhor que os escritos inspirados fossem deixados sobre a mesa, ao passo que os espúrios ficassem sob ela – e isso realmente aconteceu” (Fabrício, Bibl. graeca, livro VI. cap. III, 34, “Synodus Nicaena”). Mas ninguém nos diz quem ficou com as chaves da câmara conciliaria durante aquela noite!
Com base na autoridade das testemunhas eclesiásticas, portanto, tomamos a liberdade de dizer que o mundo cristão deve sua “Palavra de Deus” a um processo adivinhatório, pelo qual a Igreja, em seguida, condenou vítimas infelizes como conjuradores, encantadores, mágicos, feiticeiros e vaticinadores e os queimou aos milhares! Falando desse fenômeno verdadeiramente divino da escolha dos manuscritos, os padres da Igreja dizem que o próprio Deus preside as Sortes. Agostinho confessa que ele próprio usou essa espécie de adivinhação. Mas as opiniões, como também as religiões reveladas, estão aptas a se modificarem. Aquele que por quase mil e quinhentos anos foi imposto à cristandade como um livro em que toda e qualquer palavra foi escrita sob a supervisão direta do Espírito Santo e onde nenhuma sílaba, nenhuma vírgula, poderia ser modificada sem o cometimento de um sacrilégio – esse livro está agora sendo retratado, revisado, corrigido e tosquiado em versículos inteiros, em alguns casos em capítulos inteiros. E, assim, tão logo uma nova edição venha a lume, seus doutores o aceitarão como uma nova “Revelação” do século XIX, sob o risco de serem considerados infleis. Assim, vemos que, tanto no interior quanto no exterior dos seus recintos, a Igreja infalível deve ser acreditada mais do que seria razoavelmente conveniente. Os ancestrais dos nossos teólogos modernos encontraram justificativa para as Sortes no versículo que diz que “A sorte é lançada, mas toda decisão vem do Senhor” (Provérbios, XVI, 33. No Egito Antigo e na Grécia, bem como entre os israelitas, varetas e bolas chamadas “sortes adivinhatórias sagradas” eram usadas para essa espécie de oráculos nos templos. O sacerdote interpretava o desejo do deus segundo as figuras pela justaposição acidental dessas sortes.), e agora os seus herdeiros diretos afirmam que “o Diabo é quem decide”.
OS SÍMBOLOS DA CRUZ E DO PEIXE.
De acordo com King e com outros numismatas e arqueólogos, a cruz foi colocada naquele lugar como um símbolo da vida eterna. Como um Tao, ou cruz egípcia, era utilizada nos mistérios báquicos e eleusinos. Símbolos do duplo poder gerador, era colocada sobre o peito do iniciado, após o cumprimento do seu “novo nascimento”, e depois que os mystai retornassem do seu batismo no mar. Era um sinal místico de que seu nascimento espiritual se regenerara e unira sua alma astral com seu espírito divino e de que ele estava pronto para ascender em espírito às moradas bem-aventuradas da luz e da glória – as Eleusinia.(Os Mistérios ELESIANOS, remonta ao ano de 1.800a.C., e segundo Epifânio, era praticado nos dias de Inaco.) O Tao era um talismã mágico, ao mesmo tempo que um emblema religioso. Foi adotado pelo cristãos através dos gnósticos e dos cabalistas, que o usaram corretamente, como suas jóias testemunham, e que tinham o Tao (ou cruz ansata) dos egípcios e a cruz latina dos missionários budistas que a haviam trazido da índia (onde ela ainda pode ser encontrada) dois ou três séculos a.C. Os assírios, os egípcios, os americanos antigos, os hindus e os romanos possuíam-na com várias, mas muito pequenas modificações de forma. Até uma época muito avançada na Idade Média, foi considerada um encanto poderoso contra a epilepsia e a possessão demoníaca; e o “signo de Deus vivo”, trazidos na visão de São João pelo anjo que vinha do Este “para marcar os servidores de nosso Deus em suas testas”, era o mesmo Tao místico – a cruz egípcia. No vitral de Saint-Dénis (França), esse anjo está representado marcando com esse sinal a fronte do eleito; a legenda diz: SIGNUM TAY. King, o autor de Gnostics, lembra-nos nesse livro que “essa marca é geralmente trazida por Santo Antônio, um recluso egípcio”. O verdadeiro significado do Tao nos é dado pelo São João cristão, pelo Hermes egípcio e pelos brâmanes hindus. É evidente que, para o apóstolo, pelo menos, ele significava o “nome Inefável”, como ele denomina esse “sinal do Deus vivo” poucos capítulos adiante, o “nome do Pai escrito em suas frontes”.
O Brahmâtma, o chefe dos iniciados hindus, possuía sobre a cobertura da sua cabeça suas chaves cruzadas, símbolo do mistério da vida e da morte; e, em alguns pagodes budistas da Tartaria e da Mongólia, a entrada de uma câmara no templo, que geralmente continha a escada que leva ao dagoba interior (Dagoba é um pequeno templo de forma globular em que são preservadas as relíquias de Gautama.), e os pórticos de alguns prachidas (Os prachidas são construções de todas as formas e dimensões, como os nossos mausoléus, e são consagrados a oferendas votivas aos mortos.) estão ornamentados com uma cruz formada de dois peixes, que se encontra também em alguns zodíacos budistas. Não nos espantaríamos em saber que o emblema sagrado dos túmulos das catacumbas, em Roma, a vesica piscis, deriva desse mesmo signo zodiacal budista. É fácil formar uma idéia do quanto essa figura geométrica se difundiu nos símbolos mundiais pelo fato de que há uma tradição maçônica segundo a qual o templo de Salomão foi construído sobre três fundações que formavam o “Tao triplo”, o três cruzes.
No seu sentido místico, a cruz egípcia deve a sua origem, como emblema, à compreensão, pela filosofia primitiva, de um dualismo andrógino de toda manifestação da natureza, que procede do ideal abstrato de uma divindade igualmente andrógina, ao passo que o emblema cristão é um simples efeito do acaso. Se a lei mosaica tivesse prevalecido, Jesus teria sido apedrejado (Os registros talmúdicos afirmam que, após ter sido enforcado, ele foi apedrejado e sepultado sob a água, na junção de dois rios. Mishnah Sanhedrin, VI, 4; Talmude da Babilônia, mesma cláusula, 48a, 67a [citado por E. Renan]). O crucifixo era um instrumento de tortura e tão comum entre os romanos, quanto desconhecido das nações semíticas. Era chamado “Árvore da Infância”. Só mais tarde é que ele foi adotado como símbolo cristão; mas, durante as duas primeiras décadas, os apóstolos olhavam para ele com horror. Não é certo que João tivesse em mente a cruz cristã quando falava do “sinal do Deus vivo”, mas o Tao místico – o Tetragrammaton, ou nome poderoso, que, nos talismãs cabalísticos mais antigos, era representado pelas quatro letras hebraicas que compõem a Palavra Sagrada. (N. C. – Tetragrammaton – “Quando, no princípio, o seu Pai \ …, o Inconcebível, o Sem-Existência e em Sexo \ o Ain-Soph cabalístico \, desejou que o seu Inefável \ o Primeiro Logos ou Æon \ nascesse, e que o seu Invisível se revestisse de uma forma, sua boca se abriu e pronunciou o Verbo, semelhante a Ele mesmo. Este Verbo (Logos), como permanecesse próximo, manifestou-se sob a forma do Uno Invisível, demostrando assim o que era. O Nome \ Inefável \ foi articulado \ por meio do Verbo \ da seguinte maneira. Ele \ o Supremo Logos \ pronunciou a primeira Palavra de seu Nome… que era uma combinação \ sílaba \ de quatro elementos \ letras \. Depois foi acrescentada a segunda combinação, também composta de quatro elementos. Em seguida, a terceira de dez elementos, que foi sucedida pela quarta, com doze elementos. A pronúncia de todo o nome compreende, portanto trinta elementos e quatro combinações. Cada elemento tem suas próprias letras, seu caráter, pronúncia, agrupamento e semelhanças peculiares; mas nenhum deles percebe a forma daquilo de que é o elemento, nem entende a voz do seu vizinho ; contudo, o som que cada um emite diz tudo \ o possível \ quando ele julga ser bom chamar ao todo… E são estes sons que manifestam na forma de Æon Sem Existência e Não-Gerável; e são estas formas que se chamamos Anjos que perpetuamente contemplam a Face do Pai \ o Logos, o “Segundo Deus”, que permanece próximo a Deus, o “Inconcebível”, segundo Filon \”. do Libro A Doutrina Secreta de H. P. B.Volume II.)
Sabe-se que os emblemas cristãos mais antigos – antes da representação da aparência corporal de Jesus – foram o Carneiro, o Bom Pastor e o Peixe. A origem deste último emblema, que tanto embaraçou os arqueólogos, torna-se, assim, compreensível. Todo o segredo repousa no fato, facilmente perceptível, de que, ao passo que na Cabala o Rei Messias é chamado de “Intérprete ou Revelador do Mistério e mostrado como a quinta emanação, no Talmude – por razões que explicaremos agora -, o Messias é muito freqüentemente designado como “DAG” ou Peixe. Trata-se de uma herança dos caldeus e tem relação – como o próprio nome indica – com o Dagon babilônio, o homem-peixe, que foi o instrutor e o intérprete do povo, a quem ele apareceu. Abarbanel explica o nome, dizendo que o sinal de sua vinda (do Messias) “é a conjunção de Saturno e Júpiter no signo de Pisces”. Em conseqüência, na medida em que os cristãos queriam a todo preço identificar o seu Cristos com o Messias do Velho Testamento, eles o adotaram tão prontamente, que se esqueceram de que a sua verdadeira origem datava de uma época bastante anterior ao Dagon babilônico. Para termos uma idéia da extensão em que os cristãos primitivos confundiam o ideal de Jesus com qualquer dogma cabalístico, basta consultar a linguagem com que Clemente de Alexandria se dirigiu a seus irmãos em religião.
Quando debatiam sobre a escolha do símbolo mais apropriado para lhes lembrar Jesus, Clemente os advertiu com as seguintes palavras: “Gravai sobre a gema do vosso anel uma pomba, ou um barco empurrado pelo vento [o Argha], ou um peixe”. Estava o bom padre, ao escrever essa sentença, obsedado pela lembrança de Josué, filho de Nun (chamado Jesus nas versões gregas e eslava); ou havia ele esquecido a interpretação real desses símbolos pagãos? Josué, filho de, ou Nave (Navis), poderia com absoluta propriedade adotar a imagem de um barco, ou mesmo a de um peixe, pois Josué significa Jesus, filho de deus-peixe; mas era realmente muito arriscado conectar os emblemas de Vênus, de Astartê e de todas as deusas hindus – o argha, a pomba e o peixe – com o nascimento “imaculado” de seu deus! Parece que nos primeiros dias do Cristianismo existia uma diferença muito pequena entre Cristo, Baco, Apolo e Krishna hindu, a encarnação de Vishnu, cujo primeiro avatar originou este símbolo do peixe.
No Bhâgavata-Purâna bem como em muitos outros livros, mostra-se o deus Vishnu assumindo a forma de um peixe com uma cabeça humana, a fim de reencontrar os Vedas perdidos durante o dilúvio. Tendo ajudado Vaivasvata a escapar com toda a sua família na arca, Vishnu, tomado de piedade pela Humanidade fraca e ignorante, permaneceu com eles durante algum tempo. Foi esse deus que os ensinou a construir casas, a cultivar a terra e a agradecer à Divindade desconhecida, que ele representava, por meio da construção de templos e da instituição de uma adoração regular; e, como ele continuasse metade peixe, metade homem, todo o tempo, a cada pôr-do-sol ele voltava ao oceano, onde passava a noite.
“Foi ele”- diz o livro sagrado – “que ensinou os homens, após o dilúvio, tudo o que era necessário à sua felicidade.
“Certa vez ele mergulhou na água e nunca mais voltou, pois a terra se cobrira novamente com vegetação, frutos e gado.
“Mas ele ensinara aos brâmanes o segredo de todas as coisas” (Bhâgavata-Purâna, VIII, 24).
Até aqui, vemos nessa narrativa o duplo da história fornecida pelo babilônico Berosus sobre Oannes, o peixe-homem, que não é outro senão Vishnu – a menos, na verdade, que admitamos que foi a Caldéia que civilizou a Índia!
Talvez possamos lançar luzes adicionais sobre essa embaraçante questão do peixe-símbolo se lembrarmos ao leitor que, de acordo com o Gênese, o primeiro dos seres vivos criados, o primeiro tipo de vida animal, foi o peixe. “E Elohim disse: `Que as águas produzam em abundância criaturas que possuem vida’ (…) e Deus criou grandes baleias (…) e a manhã e a tarde construíram o quinto dia” [Gênese, I, 20-3]. Jonas foi engolido por um grande peixe e lançado para fora três dias depois. Os cristãos consideram esse fato como uma premunição dos três dias de sepultura de Jesus que precederam a sua ressurreição – embora a afirmação dos três dias seja tão fantasiosa quanto todo o resto e também seja adotada para enquadrar com a ameaça de destruição do templo e de sua reconstrução em três dias. Entre o sepultamento e a alegada ressurreição transcorreu apenas um dia – Sabbath judaico -, pois ele foi enterrado na tarde da sexta-feira, ressuscitado na aurora do domingo. Todavia, sejam quais forem as circunstâncias que devam ser tomadas com uma profecia, a história de Jonas não pode ser considerada uma delas.
É significativo que essa dupla denominação de “Messias” e “Dag” (peixe), dos talmudistas, pudesse ser aplicada ao Vishnu hindu, o Espírito “Conservador” e a segunda pessoa da trindade bramânica. Essa divindade, que já se havia manifestado, ainda é considerada como o futuro Salvador da Humanidade e Redentor escolhido, que ressurgirá em sua décima encarnação ou avatâra, como o Messias dos judeus, para conduzir os bem-aventurados e restituir-lhes os primeiros Vedas. No seu primeiro avatar, pretende-se que Vishnu tenha aparecido à Humanidade sob a forma de um peixe. No templo de Râma, há uma representação desse deus que corresponde perfeitamente à de Dagon, tal como Berosus no-lo apresenta. Ele possuía o corpo de um homem que saía da boca de um peixe e segura em suas mãos o Veda perdido. Vishnu, além disso, é o deus da água, em certo sentido, o Logos do Parabrahman, pois, como as três pessoas da divindade manifestada intercambiam constantemente seus atributos, vemo-lo, no mesmo templo, representado reclinado sobre a serpente de sete cabeças, Ananta (eternidade) e se movendo, como o Espírito de Deus, sobre a superfície das águas originais.
Vishnu é, evidentemente, o Adão-Cadmo dos cabalistas, pois Adão é o Logos ou o primeiro Ungido, da mesma maneira que o segundo Adão é o Rei Messias.
Lakshmî, a contrapartida passiva ou feminina de Vishnu, o criador e o conservador, também é chamada Âdi-Mâyâ. Ela ‘[e a “Mãe do Mundo”, Devamatrî, a Vênus-Afrodite dos gregos; também Ísis e Eva. Ao passo que Vênus nasceu da espuma do mar, Lakshmî brota da água, quando da agitação do mar; nascida, ela é tão bela, que todos os deuses se apaixonam por ela. Os judeus, emprestando os seus tipos onde os pudessem conseguir, calcaram a sua primeira mulher no padrão de Lakshmî. É curioso que Viracocha, o Ser Supremo do Peru, significa, literalmente, “espuma do mar”.
Já dissemos acima que, de acordo com os cálculos secretos peculiares aos estudiosos da ciência oculta, Messias é a quinta emanação, ou potência. Na Cabala judaica, em que os dez Sephiroth emanam de Adão-Cadmo (colocado abaixo da coroa), ele vem em quinto lugar. Assim também no sistema gnóstico; assim também no budista, em que o quinto Buddha – Maitreya – aparecerá em seu último advento para salvar a Humanidade antes da destruição final do mundo. Se Vishnu é representado em sua futura e última aparição como o décimo avatar ou encarnação, é apenas porque cada unidade, considerada como um andrógino, manifesta-se duplamente. Os budistas que rejeitam essa encarnação bissexual reconhecem apenas cinco. Assim, ao passo que Vishnu fará sua última aparição na sua décima encarnação, Buddha cumprirá o mesmo em sua quinta. (Os Sephiroth cabalísticos são dez, ou cinco pares).
TRANSCRIÇÃO DE PASSAGEM DE ESCRITURA HINDU.
“Quando este mundo saiu das trevas, os princípios elementares sutis produziram a semente vegetal que animou as plantas em primeiro lugar; das plantas, a vida passou para corpos fantásticos que nasceram do ilus das águas; depois, através de uma série de formas e de animais diversos, ela chegou ao HOMEM.” (Bhâgavata-Purâna, livro XII, cap. 9 e 10).
“Ele [o homem, antes de sê-lo] passara sucessivamente através das plantas, dos vermes, dos insetos, dos peixes, das serpentes, das tartarugas, do gado e dos animais selvagens; esse é o grau inferior.”
“Essas são, desde Brahmâ até os vegetais, as transmigrações que ocorrem neste mundo.” (Manu, livro XII, 42; livro I, 50).
Na cosmogonia de Sanchoniathon, os homens também evoluíram do ilus do caos, e aí encontramos a mesma evolução e transformação das espécies.
E agora daremos a tribuna ao Sr. Darwin: “Eu acredito que os animais descendem, no máximo, de quatro ou cinco progenitores”.
E ainda: “Posso inferir, por analogia, que provavelmente todos os seres orgânicos que viveram sobre esta terra descenderam de uma mesma forma primordial. (…) Considero todos os seres, não como criações especiais, mas como os descendentes lineares de alguns poucos seres que viveram muito tempo antes do depósito da primeira camada do sistema siluriano.
E ainda: “Posso inferir, por analogia, que provavelmente todos os seres orgânicos que viveram sobre a terra descenderam de um mesma forma primordial. (…) Considero todos os seres, não como criações especiais, mas como os descendentes lineares de alguns poucos seres que viveram muito tempo antes do depósito da primeira camada do sistema siluriano”. (Período do Paleozóico, precedido pelo Ordoviciano e seguido pelo Devoniano. O Período Siluriano ocorreu aproximadamente à 30 milhões de anos, segundo a ciência atual.).
Em suma, viveram no caos de Sanchoniathon e no ilus de Manu. Vayâsa e Kapila vão mais além de Darwin e Manu. “Eles vêem em Brahmâ apenas o nome do germe universal; eles negam a existência de uma Causa Primaria e pretendem que tudo o que existe na natureza se desenvolveu apenas em conseqüência de forças materiais e fatais”, diz Jacolliot.
Afirmações do Sr. Jacolliot:
“Perguntamos um dia a um brâmanes do pagode de Chidambaram, que pertence à escola cética dos naturalistas de Vyâsa, se ele acreditava na existência de Deus, Ele nos respondeu, sorrindo: `Aham eva Parabrahman’ – `Eu mesmo sou um deus’.
“`O que quereis dizer com isto?’
“`Quero dizer que tudo que existe sobre a terra, por mais humilde que seja, é uma porção imortal da matéria imortal'”.
Essa teria sido a resposta que acudiria a todo filósofo antigo, cabalista ou gnóstico, dos primeiros tempos. Ela contém o espírito mesmo dos mandamentos délficos e cabalísticos, pois a filosofia esotérica resolveu, séculos atrás, a questão de saber o que o homem era, é e será. Se as pessoas que acreditam no versículo da Bíblia que ensina que “O Senhor Deus formou o homem da poeira do chão e soprou em suas narinas o alento da vida”, rejeitam ao mesmo tempo a idéia de que todo átomo dessa poeira, como toda partícula dessa “alma viva”, contêm “Deus” me si mesma, então lamentamos a lógica desse cristão. Ele ignora os versículos que precedem. Deus abençoa igualmente todas as feras dos campos e toda a criatura viva, na água, como no ar, e Ele a todas elas dota de vida, que é um sopro de Seu próprio Espírito, e da alma do animal. A Humanidade é o Adão-Cadmo do “Desconhecido”, Seu microcosmo e Seu único representante na Terra, e todo homem é um deus na Terra.
Poderíamos perguntar a esse erudito francês, que parece tão familiarizado com todos os slokas dos livros de Manu e de outros escritores védicos, o significado dessa frase que ele conhece tão bem:
“As plantas e a vegetação revelam um grande número de formas por causa das suas ações precedentes; estão cercadas pela escuridão, mas, não obstante, estão dotadas de uma alma interior e sentem igualmente o prazer e a dor”.
Se a Filosofia hindu ensina a presença de um grau de alma nas formas mais inferiores da vida vegetal, e mesmo em todos os átomos do espaço, como é possível que ela recusasse o mesmo princípio ao homem? E se ela admite o espírito imortal no homem, como pode ela logicamente negar a existência da fonte original – não direi a primeira, mas a Causa eterna? Nem os racionalistas, nem os sensualistas, que não são capazes de compreender a metafísica indiana, deveriam julgar a ignorância dos metafísicos hindus segundo os seus próprios critérios.
O grande ciclo, como observamos anteriormente, inclui o progresso da Humanidade desde seu germe no homem primordial sob a forma espiritual, até o abismo mais profundo da degradação a que ele puder chegar – cada etapa sucessiva na descida sendo caraterizada por uma força e consistência da forma física maiores do que o anterior – e termina com o Dilúvio. Mas enquanto o grande ciclo, ou idade, cumpre o se curso, sete ciclos menores são percorridos, cada um deles marcando a evolução de uma nova raça que procede da raça anterior, num mundo novo. E cada uma dessas raças, ou grandes tipos da Humanidade, se subdivide em famílias, e estas em nações e tribos, como vemos hoje os habitantes da Terra divididos em mongóis, caucasianos, indianos, etc.
PARA OS ANTIGOS A CIÊNCIA ERA ESPIRUTAL, E A RELIGIÃO CIENTÍFICA.
Antes de mostrar, por meio de diagramas, a semelhança estreita que existe entre as filosofias esotéricas de todos os povos antigos, por meio de diagramas, a semelhança estreita que existe entre as filosofias esotéricas de todos os povos antigos, embora geograficamente remotos uns dos outros, seria útil explicar brevemente as idéias reais que estão na base de todos esses símbolos e de todas essas representações alegóricas que tanto têm embaraçado os comentadores não-iniciados. Melhor do que qualquer outra coisa, isso pode mostrar que Religião e Ciência estavam mais intimamente ligadas do que gêmeos, nos dias de outrora; que as duas formavam um só corpo desde o momento da concepção. Com atributos mutuamente conversíveis, a Ciência era espiritual e a Religião era científica. Como o homem andrógino do primeiro capítulo do Gênese -“macho e fêmea”, passivo e ativo; criado à imagem do Elohim. A Oniciência desenvolveu a onipotência, essa última exigia o exercício daquela, e assim o gigante possuía domínio sobre todos os quatro reinos do mundo. Mas, como o segundo Adão, esses andróginos estavam destinados a “cair e perder os seus poderes” tão logo as duas metades da dualidade se separassem. O fruto da Árvore do Conhecimento dá a morte sem o fruto da Árvore da Vida. O homem deve conhecer a si mesmo antes de poder conhecer a gênese última, mesmo dos seres e poderes cuja natureza é ainda menos desenvolvida do que a sua. O mesmo acontece com a Religião e a Ciência; unidas elas eram infalíveis, pois a intuição espiritual estava ali para confirmar as limitações dos sentidos físicos, a ciência exata rejeita o auxilio da voz interior, ao passo que a religião se torna simplesmente teologia dogmática – cada uma delas é um cadáver sem alma.
O CICLO DA CIÊNCIA ESOTÉRICA.
A doutrina esotérica, então, ensina, como o Budismo e o Bramanismo, e até mesmo a perseguida Cabala, que a Essência una, infinita e desconhecida existe desde toda a eternidade e que, em sucessões regulares e harmoniosas, ela é passiva ou ativa. Na fraseologia poética de Manu, essas contradições são chamadas o “Dia” e a “Noite” de Brahmâ. Este pode estar “desperto” ou “adormecido”. Os Svâbhâvikas, ou filósofos da mais antiga escola de Budismo (que ainda existe no Nepal), especulam apenas sobre a condição ativa dessa “Essência”, que eles chamam de Svabhavat, e consideram insensato teorizar sobre o poder abstrato e “incognoscível” em sua condição passiva. Eis por que são chamados de ateus tanto pela Teologia cristã, quanto pelos cientistas modernos nenhum dos dois é capaz de entender a lógica profunda da sua filosofia. Aquela não admitirá nenhum outro Deus que não os poderes secundários personificados que edificaram às cegas o universo visíveis e que se transformou no Deus antropomórfico dos cristãos e o Jeová troando entre relâmpagos e trovões. Por sua vez, a ciência racionalista saúda os budistas e os Svâbhâvikas como os “positivistas” dos tempos arcaicos. Se nos inclinarmos a um ponto de vista parcial da filosofia destes últimos, talvez os nossos materialistas estejam corretos em suas opiniões. Os budistas pretendem que não haja um Criador, mas uma infinidade de poderes criadores, que formam coletivamente a substância única eterna, cuja essência é inescrutável – e, portanto, não é um assunto apropriado para a especulação de uma verdadeiro filósofo. Sócrates recusou-se invariavelmente a discutir o mistério do ser universal, e, entretanto, ninguém o acusaria de ateísmo, exceção feita aos que procuraram a sua destruição. Ao inaugurar um período ativo, diz a Doutrina Secreta, uma expansão dessa essência Divina, que age de dentro para fora, ocorre em obediência à lei eterna e imutável, e o universo fenomenal ou visível é o resultado de uma longa cadeia de forças cósmicas colocadas progressivamente em movimento. Da mesma maneira, quando a condição passiva é retomada, ocorre uma contradição da essência Divina e a obra anterior da criação é aniquilada gradual e progressiva. O universo visível se desintegra, seu material se dispersa – e a “escuridão”, solitária e abandonada, recobre uma vez mais a superfície do “abismo”. Para empregar uma metáfora que poderia comunicar mais claramente a idéia, uma exalação da “essência desconhecida” produz o mundo e uma inalação o faz desaparecer. Esse processo tem-se repetido desde toda a eternidade e nosso universo atual é apenas um, de uma série infinita que não teve começo, nem terá fim.
Não podemos, por conseguinte, construir nossas teorias baseadas nas manifestações visíveis da Divindade, nos seus fenômenos naturais objetivos. Aplicar a esses princípios viradores o nome de Deus é pueril e absurdo. Também se poderia dar o nome de Benvenuto Cellini ao fogo que funde o metal, ou ao ar que esfria depois de ter passado pelo molde. Se a Essência espiritual íntima sempre oculta, e abstrata para as nossas mentes, que age nessas forças deve ser relacionada com a criação do universo físico, ela só o pode ser no sentido que lhe deu Platão. Ela poderia ser chamada, no melhor dos casos, de edificador do universo abstrato que se desenvolveu gradualmente no Pensamento Divino em que ela jazia em estado latente.
Tentaremos mostrar, o significado esotérico de Gênese e a sua concordância perfeita com as idéias de outras nações. Veremos que os seis dias de criação possuem um significado insuspeitado por muitos comentadores, que exercitam as suas habilidades até o ponto máximo tentando reconciliá-las com a Teologia cristã e a Geologia não-cristã. Por mais desfigurado que possa estar o Velho Testamento, ele ainda conserva em seu simbolismo o suficiente do original, em seus pontos principais, para mostrar sua semelhança com as cosmogonias das nações mais antigas do que a dos judeus.
Reproduzimos aqui os diagramas das cosmogonias hindu e caldaico-judaica. A antigüidade do diagrama dos primeiros pode ser inferida do fato de que muitos dos pagodes bramanicos foram desenhados e construídos com base nessa figura, chamada de Srî-Yantra”. E contudo, vemos que os cabalistas judeus e medievais o tinham em grande estima e que lhe deram de “selo de Salomão Seria muito fácil encontrar a sua origem, uma vez que somos lembrados da história do rei-cabalista e das suas relações com o Rei Hiram e com Ophir – o país dos pavões, do ouro e do marfim -, cujas terras devemos procurar na Índia Antiga.
EXPLICAÇÃO DOS DOIS DIAGRAMAS
QUE REPRESENTAM:
OS PERÍODOS CAÓTICOS E FORMADORES, ANTES E DEPOIS QUE NOSSO UNIVERSO COMEÇASSE A EVOLUIR.
DO PONTO DE VISTA ESOTÉRICO BRAMÂNICO, BUDISTA E CALDAICO, QUE CONCORDAM EM TODOS OS PONTOS COM A TEORIA EVOLUTIVA DA CIÊNCIA MODERNA.
A DOUTRINA HINDU O Triângulo Superior Contém o Nome Inefável. É o AUM que só deve ser pronunciado Mentalmente, sob pena de morte. O Parabrahman Não-revelado, o Princípio Passivo; o “mukta” absoluto e incondicionado, que não pode entrar na condição de um Criador, pois este, a fim de pensar, querer e agir, deve ser finito e condicionado (baddha); por conseguinte, em um sentido, deve ser um ser finito. “ELE (Parabrahman) foi absorvido no não-ser, imperceptível , sem qualquer atributo distinto, inexistente para os nossos sentidos. Foi absorvido no seu sono (para nós) eterno e (para ele) periódico”, pois era uma das “Noites de Brahmâ”. Portanto, ele não é a Primeira, mas a Causa Eterna. Ele é a Alma das Almas, que nenhum ser pode compreender nesse estado. Mas “aquele que estuda os Mantras secretos e compreende a Vâch (o Espírito ou voz oculta dos Mantras, a manifestação ativa da Força latente) aprenderá a compreendê-lo em seu aspeto “revelado”. |
A DOUTRINA CALDAICA O Triângulo Superior Contém o Nome Inefável. É Ain-Soph, o, Ilimitado, o Infinito, cujo nome só é conhecido pelos iniciados e não pode ser pronunciado em voz alta sob pena de morte. Não mais do que Parabrahman, Ain-Soph não pode criar, pois ele está na mesma condição de não-ser; ele é [Ain] inexistente enquanto se encontra em seu estado latente ou passivo em Olam (o tempo ilimitado e infinito); como tal, não é o Criador do universo visível, nem é o Or (Luz). Transformar-se-à nele mais tarde, quando o período de criação o tiver compelido a expandir a Força dentro de si, segundo a Lei de que é a essência corporificadora. “Aquele que aprende a conhecer, o Merkabah e o la’hash (fala secreta ou encantação) aprenderá o segredo dos segredos .”
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Tanto “Ele, quanto Ain-Soph, em sua primeira manifestação de Luz, emergindo da Escuridão, podem resumir-se no Svabhavat, a Substância Eterna Auto-existente não-criada que produz tudo; ao passo que tudo o que for de sua essência é produzido por sua própria natureza.
O Espaço que Circunda o Triângulo Superior
Quando a “Noite de Brahmâ” chegou ao fim e soou a hora de o Auto-existente manifestar-Se por revelação, ele tornou sua glória visível ao enviar de sua Essência um Poder ativo, que, feminino no começo, torna-se subseqüentemente andrógino. Ë Aditi, o “Infinito”, o Ilimitado, ou antes o “Desmedido”. Aditi é a “mãe” de todos os deuses, e Aditi é o Pai e Filho. “Quem nos levará de volta ao Grande Aditi, para que eu possa ver pai e mãe?” É em conjunção com essa Força Feminina que o Pensamento Divino mas latente produz a grande “Profundidade” – água. “A água nasceu de uma transformação da luz (…) e de uma modificação da água nasceu a terra, diz Manu (livro I, 78).”Sóis filhos de Aditi, nascida da água, vós que sóis nascidos da terra, ouvi meu chamado. “Nessa água (ou caos primitivo) o andrógino “Infinito, que, com a Eterna, forma a primeira Tríada abstrata, representada por AUM, depositou a vida universal. É o Ovo Mundano, em que ocorre a gestação de Purusha, ou o Brahmâ Manifesto. O germe que fecundou o Princípio-Mãe (a água) é chamado Nara, o Espírito Divino ou Espírito Santo, e as próprias águas são uma emanação dela, Nârî, enquanto o Espírito que se move sobre as águas é chamado de Nârâyana. “Naquele ovo, o grande Poder permaneceu inativo todo o ano do Criador, a cujo Final, por seu próprio pensamento, fez com que o ovo se dividisse.” A metade superior tornou-se o céu, a inferior a terra (ambos em sua forma ideal, não em sua forma manifesta). Assim, essa segunda Tríada, apenas um outro nome para a primeira (nunca pronunciado em voz alta), e que é a Trimûrti secreta e primordial pré-védica verdadeira, consistia de Nara, Pai-Céu, A Trimûrti, que compreende Brahmâ, o Criador, Vishnu, o Conservador, e Shiva, o Destruidor e Regenerador, pertence a um Período posterior. É uma ilusão antropomórfica, inventada para uma compreensão popular das massas não-iniciadas. O Díkshita, o iniciado, conhecia muito mais e melhor. Assim, essa profunda alegoria – com cores de uma fábula ridícula, dada no Aitareya-Brâhmanam, que resultou nas representações, em alguns templos, de Brahmâ-Nara, sob a forma de um touro, e sua filha, Aditit-Nârî, na de uma bezerra – contém a mesma idéia metafísica da “queda do homem”, ou do Espírito na geração – a matéria. O Espírito Divino Que-tudo-impregna, personificado sob os símbolos do Céu, do Sol e do Calor (fogo) – a correlação das forças cósmicas – fecunda Matéria ou Natureza, filha do Espírito. E o próprio Brahmâ se vê forçado a se submeter, e a suportá-la, à penitência das maldições de outros deuses (Elohim) em razão desse incesto. (Ver Coluna correspondente.) De acordo com a lei imutável e, por conseguinte, fatal, Nara e Nârî são ao mesmo tempo Pai e Filha. A Matéria, por suas transformações infinitas, é o produto gradual do Espírito. A unificação de uma Causa Suprema Eterna exigiu essa correlação; e, se a natureza é o produto ou o efeito dessa Causa, ela deve, por sua vez, ser fecunda pelo mesmo Raio divino que produziu a própria natureza. As alegorias cosmogônicas mais absurdas, se analisadas sem preconceito, estão sempre baseadas numa necessidade estrita e lógica. “O ser nasceu do não-ser” diz um verso do Rig-Veda. O primeiro ser teve de se tornar andrógino e finito, em virtude mesmo da sua criação como um ser. E assim, mesmo a Trimûrti sagrada, que contém Brahmâ, Vishnu e Shiva, terá fim quando a “noite” de Parabrahman suceder ao “dia” atual, ou período de atividade universal. A segunda Tríada, ou antes a primeira – pois a mais suprema é apenas uma abstração pura -, é o mundo intelectual. A Vâch que a circunda é uma transformação mais definida de Aditi. Além da sua significação oculta no Mantra secreto, Vâch é personificada como o poder ativo de Brahmâ que procede dele. Nos Vedas ela fala de si mesma como a alma suprema e universal. “Trago o Pai sobre a cabeça [da mente universal]; e minha origem está no meio do oceano e, portanto, penetro todos os seres. (…) Dando origem a todos os seres, eu passo como a brida [Espírito Santo]. Estou acima desse céu, além dessa terra; e aquilo que o Grande Ser for, eu o sou”. Literalmente, Vâch é a fala, o, poder de despertar, por meio do arranjo métrico contido no número de sílabas dos Mantras, os poderes correspondentes no mundo invisível. Nos mistérios sacrificiais, Vâch desperta o Brahamâ (Brahmâ jinvati), ou o poder que repousa latente na base de toda operação mágica. Ela existe desde toda a eternidade como Yajña (sua forma latente), em estado dormente em Brahmâ desde o “não-começo” e procede dele sob a forma de Vâch (o poder ativo). É a chave da “Traividyâ”, a três vezes sagrada ciência que ensina os Yajus (os mistérios sacrificiais). Tendo falado da Tríada não-revelada e da primeira tríada dos Sephiroth, chamada de “mundo intelectual”, pouco resta a ser dito. Na grande figura geométrica que tem um triângulo duplo, o círculo central representa o mundo no universo. O triângulo duplo pertence a uma das mais importantes, senão a mais importante delas, figura mística da Índia. É o emblema da Trimûrti, ou três em um. O triângulo que tem o ápice voltado para cima indica o princípio masculino; voltado para baixo, o feminino; os dois tipificam, ao mesmo tempo, o espírito e a matéria. Esse mundo no universo infinito é o microcosmo no macrocosmo, como na Cabala judaica. É o símbolo do útero do universo, o ovo terrestre, cujo arquiteto é o ovo mundano dourado. É desse seio espiritual da mãe Natureza que procedem todas os grandes salvadores do universo – os avatares da Divindade invisível. “Daquele que é e que, portanto, não é, do não-ser, Caída Eterna, nasceu o ser Purusha”, diz Manu, o legislador. Purusha é o “macho divino”, o segundo deus, e o avatar, ou o Logos de Parabrahman e seu filho divino, que por sua vez produziu Virâj, o filho, ou o tipo ideal do universo. “Virâj inicia a obra da criação ao produzir os dez Prajâpati, `os senhores de todos os seres'”. De acordo com a doutrina de Manu, o universo está sujeito a uma sucessão periódica e interminável de criações e dissoluções, períodos de criação que são chamados Manvantaras. “É o germe [que o Espírito Divino produziu de sua própria substância] que nunca perece no ser, pois ele se torna a alma do Ser e, no período de pralaya [dissolução], torna a se absorver no Espírito Divino, que repousa desde toda a eternidade em Svayambhû, o Auto-existente'”. Como mostramos, nem os Svâbhavikas – filósofos budistas – nem os brâmanes acreditam numa criação do universo ex nihilo, mas acreditam na Prakriti, as indestrutibilidade da matéria. A evolução das espécies e o sucessivo aparecimento de diversos tipos novos estão claramente mostrados em Manu. “Da terra, do calor e da água nasceram todas as criaturas, animadas, produzidas pelo germe que o Espírito Divino extraiu de sua própria substância. Assim, Brahmâ estabeleceu as séries de transformações da planta até o homem, e do homem até a essência primordial. (…) Entre elas, cada ser (ou elemento) sucessivo adquire a qualidade do precedente; e, à medida que galga um dos graus, ele é dotado de novas propriedades”. Esta, acreditamos, é a verdadeira teoria dos evolucionistas modernos. |
O Espaço que Circunda o Triângulo Superior
Quando chegou o período ativo, Ain-Soph emitiu, de sua própria essência eterna, Sephirah, o Poder ativo, chamado de Ponto Primordial, e a Coroa, Kether. Foi só através dela que a “Sabedoria Desmedida” pôde dar uma forma concreta ao seu Pensamento abstrato. Dois lados do triângulo superior, o lado direito e a base, são formados de linhas interrompidas; o terceiro, o do lado esquerdo é formado por uma linha pontilhada. É através deste lado que emerge Sephirah. Espalhando-se em todas as direções, ela circunda finalmente todo o triângulo. Nessa emanação do princípio ativo feminino, a partir do lado esquerdo do triângulo místico, pressagia-se a criação de Eva a partir do lado esquerdo de Adão. Adão é o Microcosmo do Macrocosmo e é criado à imagem de Elohim. Na Árvore da Vida, (Etz Haiyim] a Tríada tripla está disposta de maneira que os três Sephiroth masculinos fiquem à direita, os três femininos à esquerda, e os quatro princípios que os unem no centro. Do Orvalho Invisível que cai da “Cabeça” Superior, Sephirah cria a água primordial, ou o caos assumindo forma. É o primeiro passo para a solidificação do Espírito, que, através de várias modificações, produzirá a terra. “É preciso terra e água para fazer uma alma vivente”, diz Moisés. Quando Sephirah emerge, da Divindade latente, como um poder ativo, ela é feminina; quando assume o papel de um Criador, torna-se masculino; eis por que é andrógina. Ela é o “Pai e a Mãe Aditi” da cosmogonia hindu. Após ter meditado sobre a “Profundidade”, o “Espírito de Deus” produz a sua própria imagem na água, o Útero Universal, simbolizado em Manu pelo Ovo Dourado. Na cosmogonia cabalística, Céu e Terra estão personificados por Adão-Cadmo e pelo segundo Adão. A primeira Tríada Inefável, contida na idéia abstrata das “Três Cabeças”, era um “nome de mistério”. Ela se compunha de Ain-Soph, Sephirah e Adão-Cadmo, o Protogonos, sendo este idêntico ao primeiro, pois que era bissexual. Em toda a Tríada existe um macho, uma fêmea e um andrógino. Adão-Sephirah é a Coroa (Kether). Ele se empenha na obra da criação, produzindo em primeiro lugar Hokhmah, Sabedoria Masculina, uma potência masculina ativa, representada por, Yãh, ou as Rodas da Criação, [Ophanim], das quais procedeu Binah, Inteligência, potência feminina e passiva, que é Yahveh, que vemos figurar na Bíblia como o Supremo. Mas este Yahveh não é o Yod-heva cabalístico. O binário é a pedra angular da Gnosis. Assim como o binário é a Unidade que se multiplica e que é autocriadora, os cabalistas mostram que o Ain-Soph passivo “Desconhecido” faz emanar de si mesmo Sephirah, que, tornando-se luz visível, produz, diz-se, Adão-Cadmo. Mas, no sentido oculto, Sephirah e Adão são uma mesma luz, latente e ativa, invisível e visível. O segundo Adão, como o tetragrama humano, produz por sua vez Eva, em um dos seus lados. É com essa segunda Tríada que os cabalistas se ocuparam, dificilmente fazendo uma referência ao Supremo e ao Inefável e nunca chegando a fazer qualquer declaração escrita. Todo conhecimento relativo a este último foi partilhado oralmente. É o segundo Adão, então, é a unidade representada por Yod, emblema do princípio cabalístico masculino, e, ao mesmo tempo, ele é Hokhmah, Sabedoria, enquanto Binah ou Yehovah é Eva; o primeiro Hokhmah emanado de Kether, ou o andrógino, Adão-Cadmo, e o segundo, Binah, de Hokhmah. Se combinarmos com Yod, as três letras que formam o nome de Eva, teremos o divino tetragrama, pronunciado IEVO-HEVAH, Adão e Eva, Jehovah, masculino e feminino, ou idealização da Humanidade corporificada no primeiro homem. É assim que podemos provar que, enquanto os cabalistas judaicos, em comum com os seus mestres iniciados, os caldeus e os hindus, adoravam o Deus Supremo e Desconhecido, no silêncio sagrado dos seus santuários, as massas ignorantes de todas as nações adoravam algo que era certamente menos do que a Substância Eterna dos budistas, os chamados ateus. Como Brahmâ, a divindade manifestada no Manu mítico, ou o primeiro homem (nascido de Svayambhû, ou o Auto-existente) é finito, assim também Jeová, corporificado em Adão e Eva, é apenas um deus humano. Ele é o símbolo da Humanidade, uma mistura do bem com uma porção do mal inevitável; de espírito caído na matéria. Adorando Jeová, simplesmente adoramos a natureza, corporificada no homem, metade espiritual e metade material, no melhor dos casos: somos panteístas, quando não adoradores de fetiches, como os judeus idólatras, que sacrificavam em lugares elevados, nos bosques, ao princípio masculino e feminino personificado, ignorando IAÔ, o “Nome Secreto” Supremo dos Mistérios Shekinah é a Vâch hindu, adorada nos mesmos termos. Embora seja mostrada na Árvore da Vida cabalística como procedente da nona Sephiroth, Shekinah é o “véu” de Ain-Soph e a “veste” de Jeová. O “véu”, que durante longas eras ocultou o verdadeiro Deus supremo, o Espírito universal, e mascarou Jeová, a divindade exotérica, fez com que os cristãos o aceitassem como o “pai” do Jesus iniciado. Todavia, os cabalistas, bem como os Dîkshita hindus, conheciam o poder de Shekînah ou Vâch e o chamavam de “sabedoria secreta” [Hokhmah nistharah]. O triângulo representou um papel importante no simbolismo religioso de toda grande nação, pois, em toda parte, ele representou os três grandes princípios -espírito, força e matéria; ou o princípio ativo (masculino), passivo (feminino) e o dual ou correlativo que participa de ambos e os mantém unidos. Era o Arba ou “quaternário” kabiri, sumariados na unidade da Divindade suprema. Encontra-se nas pirâmides egípcias, cujos lados iguais se elevam até se perderem num ponto culminante. No diagrama cabalístico, o círculo central da figura bramânica é substituído pela cruz; a perpendicular celestial e a linha de base horizontal terrestre. Mas a idéia é a mesma: Adão-Cadmo é o tipo da humanidade como uma totalidade coletiva, na unidade de Deus criador e do espírito universal. “Daquele que é sem forma, o inexistente (também a Causa eterna, mas não a Primeira), nasceu o homem celeste.” Mas após ter criado a forma do homem celeste [Adam Illa-ah], ele “usou-a como veículo no qual ele desceu”, diz a Cabala. Assim, Adão-Cadmo é o avatar do poder oculto. Após isso, Adão cria ou engendra, pelo poder combinado do Sephiroth, o Adão terrestre. A obra de criação também é iniciada por Sephirah na criação dos dez Sephiroth (que são os Prajâpati da Cabala, pois eles são igualmente os Senhores de todos os seres). O Zohar afirma a mesma coisa. Segundo a doutrina cabalística, houve mundos antigos (Zohar, III, p. 292b). Tudo retornará um dia àquilo de onde procedeu. “Todas as coisas de que este mundo consiste, tanto o espírito, quanto o corpo, voltarão ao seu princípio e às razões de onde precederam” (Zohar, II, 218b). Os cabalistas também defendem a indestrutibilidade da matéria, embora sua doutrina seja ainda mais cuidadosamente encoberta do que a dos hindus. A criação é eterna e o universo é a “veste” ou “o véu de Deus” – Shekinah; e este é imortal e eterno como Aquele no seio em que ele sempre existiu. Todo o mundo é estabelecido com base no padrão do seu predecessor, e cada vez mais grosseiro e material que o precedente. Na Cabala, todos eles tinham o nome de centelhas. [Zohar, III, p. 292.b] Finalmente, nosso mundo atual grosseiramente material foi formado. Na narrativa caldaica do período que precede à gênese de nosso mundo, Berosus fala de um tempo em que nada existia a não ser a escuridão, e um abismo de águas, povoado de monstros horríveis, “produziu um princípio duplo. (…) Naquelas criaturas estavam combinados os membros de todas as espécies de animais. Além delas, havia peixes, répteis, serpentes e outros animais monstruosos, que assumiam as formas e as feições uns dos outros”.
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DOUTRINA CABALISTA DA COSMOGONIA.
Temo a seguinte afirmação no primeiro livro de Manu: “Sabei que a soma de 1.000 eras divinas compõe a totalidade de um dia de Brahmâ; e que uma noite é igual a um dia”. Mil eras divinas são iguais a 4.320.000.000 anos humanos nos cálculos bramânicos.
“Na expiração de cada noite, Brahmâ, que estava adormecido, desperta e [pela energia do movimento] emana de si mesmo o espírito, que em sua essência É, e entretanto não É.”
“Movido pelo desejo de criar, o Espírito [a primeira das emanações] opera a criação e dá nascimento ao éter, no qual os sábios reconhecem a faculdade de transmitir o som.
“O éter engendra o ar, cuja natureza é tangível [e que é necessário vida].
“Por uma transformação do ar, a luz é produzida.
“[Do ar e] da luz [que engendra o calor], forma-se água [e a água é o útero de todos os germes vivos].
Durante todo o imenso período de criação progressiva, que se estende por 4.320.000.000 anos, o éter, o ar, a água e o fogo (calor) estão constantemente produzindo matéria sob o impulso do Espírito, ou do Deus não-revelado que preenche toda a criação, pois ele está em tudo, e tudo está Nele.
No Sepher Yetzîrah, o livro cabalístico da Criação, seu autor repetiu evidentemente as palavras de Manu. Nele, a Substância Divina está representada como se tivesse existido sozinha desde a eternidade, desmedida e absoluta; e fez emanar de si mesma o Espírito. “O Espírito de Deus vivo é Um, abençoado seja Seu nome, que vive para sempre! Voz, Espírito e Palavra – eis o Espírito Santo”; e esta é a Trindade cabalística abstrata, tão sem-cerimônia antropomorfizada pelos padres. Desse UM triplo emanou todo o Cosmo. Primeiramente, o elemento criador; e depois o número TRÊS, Água, que procede do ar; Éter ou Fogo completam o quaternário místico, o Arba-il. “Quando o Oculto quis revelar-Se, produziu primeiramente um ponto [ponto primordial, ou o primeiro Sephirah, ar ou Espírito Santo], deu-lhe uma forma sagrada [os dez Sephiroth, ou o homem celeste] e a recobriu com uma rica e esplêndida veste, que é o mundo. “Ele fez do vento os seus mensageiros, e, do Fogo flamejante, os seus servidores”, diz o Yetzîrah, mostrando o caráter cósmico dos anjos evemerizados posteriores, e que o Espírito permeia os mínimos átomos do Cosmo. (É interessante lembra Hebreus, I,7 em relação a essa passagem. “Aquele que faz dos seus anjos [mensageiros], espíritos, e dos ministros [servos, aqueles que prestam auxílio], chama de fogo”. A semelhança é demasiado viva para que deixemos de inferir que o autor de Hebreus estava tão familiarizado com a “Cabala” quando costumam os seus adeptos.)
Quando o ciclo da criação chega ao seu final, a energia da palavra manifesta está enfraquecida. Só ele, o Inconcebível, é imutável (sempre latente), mas a Força Criadora, embora também seja eterna, ela também, porque estive ali desde o “não-começo”, deve sujeitar-se aos ciclos periódicos de atividade e de repouso; como ela teve começo em um dos seus aspetos, quando de sua primeira emanação, ela também deve, por conseguinte, ter um fim. Assim, a tarde sucede o dia, e a noite da divindade se aproxima. Brahmâ está adormecido pouco a pouco. Em um dos livros do Zohar lemos a seguinte afirmação:
“Enquanto Moisés velava sobre o monte Sinai em companhia da Divindade, que uma nuvem ocultava à sua visão, sentiu uma grande temor se apoderar dele e perguntou repentinamente: `Senhor, onde estás (…) dormes, Senhor?’ E o Espírito lhe respondeu: `Eu nunca durmo; se eu dormir por um momento sequer antes da minha hora, toda a Criação entrará em dissolução em um instante’.” E Vâmadeva Modaliyar descreve a “noite de Brahmâ”, ou o segundo período da existência Divina Desconhecida, com as seguinte palavras:
“Estranhos rumores se fazem ouvir, os quais procedem de todos os lugares. (…) São os precursores da Noite de Brahmâ; o crepúsculo ergue-se no horizonte e o Sol desaparece atrás do trigésimo grau de Makara (signo do zodíaco) e não chega ao signo de Mina (o pisce zodiacal, o signo de peixes). Os gurus dos pagodes, designados para velar pelo râsi-chakra [Zodíaco], já podem quebrar seus círculos e instrumentos, pois são doravante inúteis.
“A luz enfraquece gradualmente, o calor diminui, os lugares inabitáveis multiplicam-se sobre a Terra, o ar torna-se mais e mais rarefeito; as fontes de água secam, os grandes rios vêem exaustas as suas ondas, o oceano mostra o seu leito de areia e as plantas morrem. Os homens e os animais diminuem de estatura dia-a-dia. A vida e o movimento perdem sua força, os planetas mal podem gravitar no espaço; extinguem-se um a um, como uma lâmpada que a mão do chokra [servo] não enche mais. Sûrya (o Sol) vacila e se apaga, a matéria entra em dissolução (pralaya) e Brahmâ retorna a Dyaus, o Deus Não-revelado, e, cumprida a sua tarefa, adormece. Outro dia passou, a noite se estende e continua até a futura aurora.
“Agora, os germes de tudo o que existe entram novamente no Ovo Dourado do Seu Pensamento, como nos diz o divino Manu. Durante Seu repouso pacífico, os seres animados, dotados dos princípios de ação, interrompem as suas funções e toda sensação (manas) adormece. Quando todos são absolvidos na ALMA SUPREMA, essa alma de todos os seres dorme em completo repouso, até o dia em que ela resume sua forma e desperta novamente de sua escuridão primitiva.”
OS DEZ AVATARAS MÍSTICOS DE VISHNU.
Se examinarmos os dez avataras místicos de Vishnu, nós os veremos relacionados na seguinte progressão:
1. Matsya-Avatâra: como peixe. Este será igualmente o seu décimo e último avatar, ao final do Kali-yuga.
2. Kûrma-Avatâra: como uma tartaruga.
3. Varâha: como um javali.
4. Nara-Sinha: como um homem-leão; último estágio animal.
5. Vâmana: como um anão; primeiro passo em direção à forma humana.
6. Parasu-Râma: como um herói, mas ainda um homem imperfeito.
7. Râma-Chandra: como o herói do Ramâyana. Um homem perfeito fisicamente; seu parente próximo, amigo e aliado Hanuman, o macaco-deus. O macaco dotado de fala.
8. Kisna-Avâtara: o Filho da Virgem Devakî, formado por Deus, ou antes pelo Deus Visnhu manifesto, que é idêntico a Adão-Cadmo. (A Essência Primacial ou Última não têm nome na Índia. É indicada às vezes por “Isso” ou por “Este”. “Este [Universo] em sua origem não era nada. Não havia céu, nem terra, nem atmosfera. Aquele ser inexistente (Asat) disse `Serei’.) Krishna também é chamado Kâneya, o Filho da Virgem.
9. Gautanma-Buddha, Siddhârtha, ou Sâkya-Muni. (Os budistas rejeitam a doutrina de que seu Buddha seria uma encarnação de Vishnu.)
10. Esse Avatar ainda não se cumpriu. É aguardado para o futuro, como o Advento dos cristãos, cuja idéia foi, sem dúvida alguma, copiada dos hindus. Quando Vishnu apareceu pela última vez, ele virá como um “Salvador”. De acordo com a opinião de alguns brâmanes, ele se manifestará sob a forma de Kalki (cavalo branco). Outros afirmam que ele o montará. Esse cavalo é o envoltório do espírito do mal, e Vishnu o montará, invisível a todos, até que o tenha conquistado pela última vez. O Kalki-Avatâra, ou a última encarnação, divide o Bramanismo em duas seitas. A dos Vaishnava recusa-se a reconhecer as encarnações do seu deus Vishnu sob formas literalmente animais. Eles afirmam que essas formas devem ser tomadas em sentido alegórico.
Nessa relação dos avatares, encontramos a evolução gradual e a transformação de todas as espécies desde o lado pré-siluriano de Darwin até o ilus de Sanchoniathon e Berosus. Começando com a era azóica, correspondente ao ilus em que Brahmâ implanta o germe criador, passamos pelas eras paleozóica e mesozóica, cobertas pelas primeira e pela segunda encarnações como o peixe e a tartaruga; e pela cenozóica, que abrange as encarnações nas formas animal e semi-humana do javali e do homem-leão; e chegamos ao quinto período, culminante com a “era da mente, ou idade do homem”, cujo símbolo na mitologia hindu é o anão – a primeira tentativa da natureza na criação do homem. Nessa relação é preciso considerar a sua idéia principal, e não julgar o grau de conhecimento dos filósofos antigos por meio da aceitação literal da forma popular em que ele nos é apresentado no grande poema épico Mahâbarata e num de seus capítulos, a Bhagavad-Gîtâ.
Até mesmo as quatro eras da cronologia hindu contêm uma idéia mais filosófica do que parece superficialmente. Elas as define de acordo com os estados psicológicos ou mental e físico do homem durante esse período. Krita-yuga, a idade de ouro, a “idade da alegria”, ou inocência espiritual do homem; Tretâ-yuga, a idade da prata, ou do fogo – o período da supremacia do homem e dos girantes e dos filhos de Deus; Dvâpara-yuga, a idade do bronze – uma mistura, já de pureza e de impureza (espírito e matéria), a idade da dúvida; e, finalmente, a nossa, a Kali-yuga, ou idade de ferro, ou escuridão, miséria e tristeza. Nessa idade, Vishnu chegou a se encarnar em Krishna, a fim de salvar a humanidade da deusa Kâlî, consorte de Shiva, o aniquilador de tudo – a deusa da morte, da destruição e da miséria humana. Kâlî é o melhor emblema para representar a “queda do homem”; a queda do espírito na degradação da matéria, com todos os seus resultados terríveis. Devemos nos livrar de Kâlî para conseguir o Moksha, ou Nirvana, a morada da Paz abençoada e do Espírito.
Para os budistas, a última encarnação é a quinta. Quando vier o Maitreiya-Buddha, então nosso mundo atual será destruído e um novo mundo, e melhor, o substituirá. Os quatro braços de toda Divindade hindu são os emblemas das quatro manifestações anteriores de nossa terra, após seu estado invisível, enquanto a cabeça tipifica o quinto e último Kalki-Avatâra, quando a terra será destruída e o poder de Budh – a Sabedoria (de Brahmâ, para os hindus)- será novamente chamada a se manifestar – como um Logos – para criar o mundo futuro.
Nesse esquema, os deuses masculinos tipificam o Espírito e seus atributos divinos, ao passo que suas contrapartes femininas – as Sakti – representam as energias ativas desses atributos. A Durgâ (virtude ativa) é uma força sutil, invisível, que corresponde a Shekînah – a vestimenta de Ain-Soph. Ela é a Sakti por cujo intermédio o “Eterno” passivo faz surgir o universo visível a partir da sua primeira concepção ideal. Cada um desses três personagens da Trimûrti exotérica utiliza a sua Sakti como um Vâhana (veículo). Cada um deles é, o momento, a forma que está sentada no carro misterioso de Ezequiel.
Não vemos menos claramente expressa, nessa sucessão de Avatares, a verdadeira idéia filosófica de uma evolução espiritual e física simultânea dos animais e do homem. A partir de um peixe, o progresso dessa transformação dual faz passar a forma física pela tartaruga, pelo javali e pelo homem-leão; e, depois, aparecendo no anão humano, mostra Parasu-Râma, uma entidade fisicamente perfeita e espiritualmente não-desenvolvida, até levar a Humanidade personificada num homem divino ao ápice da perfeição e espiritual – um deus sobre a Terra. Em Krishna e nos outros Salvadores do mundo reconhecemos a idéia filosófica do desenvolvimento dual progressivo compreendida pelo Zohar e tão claramente expressa por ele. O “Homem Celeste”, que é o Protogonos, Tikkun, o primogênito de Deus, ou a Forma ou Idéia universal, engendra Adão. Eis por que este é de nascimento divino na Humanidade e dotado dos atributos de todos os dez Sephiroth. São eles: Sabedoria, Inteligência, Justiça, Amor, Beleza, esplendor, Firmeza, etc. Eles fazem dele o Fundamento ou Base, “o poderoso ser vivo”, [El-Hay], e a coroa da criação, colocando-o assim como o Alfa e o Ômega para reinar sobre o “reino” – Malkhuth. “O homem é ao mesmo tempo a conseqüência e o mais alto grau da criação”, diz o Zohar. “Logo que o homem foi criado, tudo estava completo, inclusive os mundos superiores e os mundos inferiores, pois tudo está compreendido no homem. Ele reúne em si mesmo todas as formas.”
Mas isto não diz respeito à nosso Humanidade degenerada; é só ocasionalmente que nascem homens que são os tipos daquilo que o homem deveria ser e não é. As primeiras raças de homens eram espirituais e os seus corpos protoplásticos não eram compostos das substâncias grosseiras e materiais que entram na composição dos homens de hoje. Os primeiros homens foram criados com todas as faculdades da Divindade, com poderes bastante superiores aos das legiões angélicas, pois eles eram emanações diretas de Adão-Cadmo, o homem primitivo, o Macrocosmo; ao passo que a Humanidade atual é em muitos graus inferior mesmo à do Adão terrestre, que era o Microcosmo, ou “o mundo em miniatura”. Zeir-Anpîn, a figura mística do Homem, consiste de 243 números, e vemos nos círculos que se sucedem uns aos outros que foram os anjos que emanaram do “Homem Primitivo”, não os Sehpiroth dos anjos. Em conseqüência, o homem devia ser, desde o começo, um ser que possuía uma natureza ao mesmo tempo progressiva e regressiva. Tendo no ápice do ciclo divino, ele se afastou gradualmente do centro de Luz, adquirindo em cada esfera inferior a que chegava (mundos habitados por uma raça diferente de seres humanos) uma forma física mais sólida e perdendo uma parte das suas faculdades divinas.
Na “queda de Adão” devemos ver, não a transgressão pessoal do homem, mas apenas a lei da evolução dual. Adão, ou o “Homem”, dá início à sua carreira de existência com a sua permanência no jardim do Éden, “vestido de vestes celestiais, uma veste de luz celeste” (Zohar, II,229b); mas, quando foi expulso, é “vestido” por Deus, ou a Lei Eterna de Evolução ou necessitarismo, com túnicas de pele. Mas, mesmo sobre essa terra de degradação material – em que a centelha divina (Alma, uma corrupção do Espírito) devia começar a sua progressão física numa série de aprisionamentos a partir da pedra até o corpo de um homem -, se ele exercitar a sua VONTADE e chamar a sua divindade em seu socorro, o homem pode transcender os poderes do anjo. “Não sabeis que havemos de julgar os anjos?” pergunta Paulo (1 Corintos, VI,3). O homem real é a Alma (Espírito), ensina o Zohar. “O mistério do homem terrestre vem após o mistério do homem celeste (…) o sábio pode ler os mistérios na face humana” (II,76a).
Esta é outra das muitas frases pelas quais Paulo pode ser reconhecido como um iniciado. Por razões que já enunciadas, consideramos mais dignas de genuinidade certas Epístolas dos Apóstolos, agora consideradas como apócrifas, do que muitas passagens suspeitas dos Atos. E encontramos corroboração deste ponto de vista nas Epístolas de Paulo a Sêneca e de Sênaca a Paulo. Em uma mensagem, Paulo chama Sêneca de “meu respeitável mestre”, ao passo que Sêneca se dirige ao apóstolo simplesmente como “Irmão”.
Não temos mais direito de julgar o Bramanismo e o Budismo pelas formas absurdas e às vezes repugnante do culto popular, do que julgar a verdadeira religião da filosofia judaica pelos absurdos da Bíblia exotérica. Se quisermos procurar a essência verdadeira da filosofia de Manu e da Cabala, reconheceremos que Vishnu é, da mesma maneira que Adão-Cadmo, a expressão do próprio universo e que suas encarnações são personificações concretas e variadas das manifestações desse “Todo Assombroso”. “Eu sou a Alma, ó Arjuna. Eu sou a Alma que existe no coração de todos os Seres; e Eu sou o começo o meio, e também o fim das coisas existentes” – diz Krishna aos seu discípulo, na Bhagavad-Gîtâ (cap. X).
“Eu sou o Alfa e o Ômega, o começo e o fim (…) Eu sou o primeiro e o último”, diz Jesus a João (Apocalipse, I,8,17).
Brahmâ, Vishnu e Shiva são uma trindade numa unidade, e, como a trindade cristã, são mutuamente conversíveis. Na doutrina esotérica, eles são uma única e mesma manifestação daquele “cujo nome é sagrado demais para ser pronunciado e cujo poder é majestoso e infinito demais para ser imaginado”. Assim, descrevendo-se os Avatares de um deles, todos os outros estão incluídos na alegoria, com uma modificação de forma, mas não de substância. É dessas manifestações que emanaram os muitos mundos anteriores e que emanará aquele que deve vir.
Além do fato de o Râmâyana ser o maior poema épico do mundo – a fonte e a origem da inspiração de Homero -, esse Avatar oculta um dos problemas científicos dos tempos modernos. Os brâmanes cultos da Índia nunca compreenderam a alegoria da famosa guerra entre homens, gigantes e macacos, senão como uma alegoria da transformação das espécies. Estamos persuadidos de que se os acadêmicos europeus se dirigissem a alguns brâmanes culto nativos em busca de informações, em vez de rejeitar unânime e incondicionalmente a sua autoridade, e se eles, com Jacolliot – contra quem se ergueram – procurassem luz nos documentos mais antigos espalhados em profusão por todos os pagodes do país, eles aprenderiam lições curiosas, mas muito úteis. Se alguém perguntar a um brâmanes erudito sobre a razão do respeito devido aos macacos – respeito que se origina na história dos feitos valorosos de Hanunman, o generalíssimo e fiel aliado do herói do Râmâyana -, essa pessoa abandona imediatamente a idéia errônea de que os hindus atribuem honras divinas a um deus-macaco. Talvez aprendesse – se o brâmanes o julgasse digno de uma explicação – que os hindus vêem no macaco apenas aquilo que Manu queria que ele fosse: a transformação da espécie mais diretamente relacionada com a da família humana – uma ramo bastardo enxertado em seu próprio tronco antes da perfeição final desta última. (Um cientista de Hanover publicou recentemente uma obra intitulada Über die Auflösung der Arten durch natürliche Zuchtwahl, em que mostra, com grande ingenuidade, que Darwin estava completamente enganado ao remontar a origem do homem ao macaco. Ao contrário, ele afirma que é o macaco que se desenvolveu do homem. Que, no começo, a Humanidade foi, moral e fisicamente, os tipos e os protótipos da nossa atual raça e da dignidade humana, por sua beleza de forma, regularidade de traços, desenvolvimento craniano, nobreza de sentimentos, impulsos heróicos e grandeza de concepções ideais. Isso é pura filosofia bramânica, budista e cabalística. Seu livro é copiosamente ilustrado com diagramas, tabelas, etc. Ele afirma que o envelhecimento e a degradação do homem, moral e fisicamente, podem ser facilmente verificados através das transformações etnológicas até os nosso dias. E, como uma porção já degenerou em macacos, também o homem civilizado dos dias de hoje será sucedido, pelo menos, sob a ação da inevitável lei da necessidade, por descendentes semelhantes. Se pudermos julgar o futuro pelo presente, parece bastante possível que um corpo tão não-espiritual e materialista como o dos nossos cientistas termine como simiae e não como serafins.). Ele aprenderia, além disso, que aos olhos dos “gênios” cultos, o homem espiritual ou interior é uma coisa e que o seu envoltório físico, terrestre, é outra. Que a natureza física, a grande combinação de correlações físicas de forças que avançam em direção à perfeição, foi obrigada a se servir do material que tinha em mãos; ela modela e remodela enquanto prossegue e, terminado a sua obra no homem, apresenta-o apenas como um tabernáculo apropriado ao obscurecimento do espírito Divino. Mas este dá ao homem o direito de vida e de morte sobre os animais inferiores a ele, na escala da natureza, ou o direto de os torturar. Exatamente o contrário. Além de ser dotado de uma alma – que qualquer animal, e mesmo qualquer planta, também possui mais ou menos -, o homem tem uma alma imortal racional, ou Nous, que deveria torná-lo pelo menos igual em magnanimidade ao elefante, que caminha cuidadosamente para não esmagar os animais mais frágeis do que ele. É esse sentimento que faz com que os brâmanese e os budistas construam hospitais para animais doentes, e até mesmo para insetos, e a preparar refúgios onde eles possam terminar os seus dias. É esse mesmo sentimento, ainda, que faz com que o sectário jainista sacrifique metade da sua vida a varrer do seu caminho os insetos inúteis e impotentes e a não privar da vida mesmo os menores dos seres; e é ainda esse sentido da mais elevada benevolência e de caridade para com os fracos, por abjetos que possam parecer, que os faz honrar uma das modificações da sua própria natureza dual que posteriormente deu lugar, na crença popular, à metempsicose. Nenhum sinal dela existe nos Vedas; e, sendo a verdadeira interpretação dessa doutrina discutida extensamente em Manu e nos livros sagrados budistas e limitada desde o início às castas sacerdotais cultas, não devemos espantar com idéias absurdas do povo a seu respeito.
Houve evolucionistas antes do dia em que Noé mítico teve de, na Bíblia, flutuar em sua arca; e os cientistas antigos estavam mais bem informados, e tinham as suas teorias mais bem definidas, do que os evolucionistas modernos.
Platão, Anaxágoras, Pitágoras, as escolas eleatas da Grécia, bem como os antigos colégios sacerdotais caldaicos – todos eles ensinaram a doutrina da evolução dual; a doutrina da transmigração das almas referia-se apenas ao progresso do homem de um mundo a outro, após a morte nessa Terra. Toda filosofia digna desse nome ensinava que o espírito do homem, se não a alma, era preexistente. “Os Essênios”, diz Josefo, “acreditavam que as almas eram imortais e que elas desciam dos espaços etéreos para se acorrentarem aos corpos”. Filon, o Judeu, por sua vez, diz que “o ar está cheio delas [das almas]; aquelas que estão próximas da Terra, descendo para se ligarem aos corpos mortais, retornam a outros corpos, desejosas que são de viver neles”. No Zohar, a alma implora a sua liberdade diante de Deus: “Senhor do Universo! Estou feliz neste mundo, e não quero ir para outro mundo, onde eu serei uma criada e estarei exposta a todas as espécies de poluições” A doutrina da necessidade fatal, a Lei eternamente imutável, é afirmada na resposta da Divindade: “Contra a tua vontade tornar-te-ás um embrião e contra a tua vontade tu nascerá”. A luz seria incompreensível sem a escuridão, para torná-la manifesta por contraste; o bem não seria o bem se não existisse o mal, para mostrar a natureza sem preço de benefício; é assim que a virtude pessoal não teria nenhum direto ao mérito, se ela não atravessasse a fornalha da tentação. Nada é eterno e imutável, exceto a Divindade Oculta. Nada do que é finito – seja porque teve um começo ou porque terá um fim – pode permanecer estacionário. É preciso avançar ou recuar; e uma alma que tem sede de reunir-se ao seu espírito, o único a lhe conferir imortalidade, deve purificar-se através de transmigrações cíclicas, avançando para a única Terra da Bem-aventurança e do Repouso Eterno, chamada de “O Palácio do Amor”, [hekal ahabah], no Zohar; de “Moksha”, na religião hindu; de “Pleroma da Luz eterna, entre os gnósticos e de Nirvana, pelos budistas. Os cristãos chamam-na de “Reino dos Céus” e pretendem terem sido os únicos a encontrar a verdade, ao passo que não fizeram mais do que inventar um novo nome para uma doutrina que é tão velha como o homem.
Está no Zohar a prova de que a transmigração da alma não tem relação alguma com a condição do homem sobre essa Terra após a morte, não obstante os numerosos erros de seus tradutores. “Todas as almas que se alienaram do Santo Ser – louvado seja Seu nome – no céu, lançaram-se a um abismo no momento mesmo da sua existência e anteciparam o momento de seu retorno a esta Terra. (…) Vinde e vede quando a alma chega à morada do Amor. (…) A alma não pode enfrentar essa luz sem vestir o manto luminoso. Pois, exatamente como a alma enviada para a Terra veste uma veste terrestre para aqui se preservar, também ela recebe uma veste brilhante para ser capaz de olhar sem perigo no espelho cuja luz procede do Senhor da Luz.” Além disso, o Zohar ensina que a lama não pode chegar à Terra da Bem-aventurança se não tiver recebido o “beijo sagrado”, ou a reunião da alma com a substância de que ela emanou – o espírito. Todas as almas são duais, e, ao passo que são o princípio feminino, o espírito é masculino. Enquanto aprisionado no corpo, o homem é uma trindade, a menos que a sua poluição seja tal, que tenha provocado seu divórcio do espírito. “Infeliz da alma que prefere para seu divino marido [espírito] o casamento terrestre com seu corpo terrestre”, recorda um texto do Livro das Chaves.
Essas idéias sobre as transmigrações e a trindade do homem eram sustentadas por muitos dos padres cristãos primitivos. Foi a confusão entre alma e espírito, feita pelos tradutores do Novo Testamento e pelos antigos tratados filosóficos, que ocasionou tantos mal-entendidos. Foi também uma das muitas razões por que Buddha, Plotino e muitos outros iniciados são agora acusados de desejar a extinção total de suas almas – “absorção na Divindade” ou “reunião com a alma universal” – que, segundo as idéias modernas, significa aniquilação. A alma animal deve, naturalmente, ser desintegrada em suas partículas, antes de ligar a sua essência pura ao espírito imortal. Mas os tradutores, tantos dos Atos quanto das Epístolas, que fixaram as bases do Reino dos Céus, e os comentadores modernos do Sûtra da Fundação do Reino da Retidão budista, malbarataram o sentido do grande apóstolo do Cristianismo e do grande reformador da Índia. Os primeiros suprimiram a palavra, de maneira que nenhum leitor imagina que ela tenha alguma relação com a alma; e, com esta confusão entre alma e espírito, os leitores da Bíblia só podem formar uma idéia errada desse assunto; e os intérpretes do sûtra não conseguiram compreender o significado e o objeto dos quatro graus do Dhyâna budista.
A TRINDADE DO HOMEM ENSINADA PELO APOSTOLO PAULO.
Nos escritos de Paulo, a entidade do homem está dividida em uma Trindade – carne, existência psíquica ou alma e a entidade obscurecedora e ao mesmo tempo interior ou ESPÍRITO. A sua fraseologia é muito clara quando ele ensina a anastasis, ou a continuação da vida daqueles que morrem. Ele afirma que há um corpo psíquico semeado no corpo corruptível e um corpo espiritual que se eleva em substância incorruptível. “O primeiro homem é da Terra e o segundo é celeste.” Mesmo Tiago (III, 15) identifica a alma ao dizer que “sua sabedoria não vem lá do alto, mas é terrena, psíquica, demoníaca (ver texto grego). Platão, falando da Alma (psichê), observa que, “quando ela se alia ao Nous [substância divina, um deus, assim como psychê é uma deusa], ela faz tudo bem e felizmente; mas é diferente quando ela se liga a anoia” (Quando está ligada a Mente Inferior. N.C.). Àquilo que Platão chama Nous, Paulo chama de Espírito; e Jesus faz do coração aquilo que Paulo diz da Carne. A condição natural da Humanidade é o que: Por intermédio de Adão veio a primeira (a morte) e por Cristo, a última (ressurreição), pois foi ele o primeiro a ensinar publicamente à Humanidade o “Caminho Nobre” para a vida Eterna, como Gautama ensinou o mesmo Caminho para o Nirvana. Para cumprir os dois objetivos há apenas um caminho, segundo os ensinamentos de ambos. “Pobreza, castidade, contemplação ou prece íntima; desdém para com a riqueza e as alegorias ilusórias desse mundo.”
“Entrai nesse Caminho e ponde um fim à tristeza; em verdade o Caminho foi proclamado por mim, que descobri como amortecer os golpes da aflição. Vós deveis, por vós mesmos, fazer esse esforço; os Buddhas são apenas pregadores. Os avisados que adentrem o Caminho estão livres da servidão do Impostor (Mâra). (Mâra – O Deus da Tentação, o Sedutor, que tratava de afastar Buddha de seu Sendeiro. É denominado “Destruidor” e “Morte” (da Alma).
Entrai pela porta estreita: porque larga é a porta e espaçoso o caminho que leva para a destruição. (…) Segui-me. (…) Todo aquele que ouve estas palavras e não as observa será comparado ao homem insano” (Mateus, VII, 13-26). “Eu não posso fazer de mim mesmo coisa alguma” (João, V, 30). “Os cuidados deste mundo e o engano das riquezas sufocam as palavras” (Mateus XII, 22)., dizem os cristãos; e é só se desembaraçar de todas as ilusões que o budista entra no “Caminho” que o levará “para longe das vagas agitadas do oceano da vida” e o conduzirá “Para a calma Cidade da Paz, à alegria verdadeira e ao repouso do Nirvana”.
Também os filósofos gregos foram tornados mais obscuros do que místicos pelos seus tradutores muito sábios. Os egípcios adoravam o Espírito Divino, o Um Único, sob a forma de NOUT. É incontestável que foi dessa palavra que Anaxágoras tirou seu denominativo Nous, ou, como ele o chama, – a Mente ou Espírito autopotente. “Todas as coisas”, diz ele, “existiam no caos; então veio Nous e introduziu a ordem”. Ele também denomina de Nous o Um que governava os muitos. Segundo ele Nous era Deus; e o Logos era o homem, a emanação daquele. Os poderes externos perceberam os fenômenos; só o Nous reconheceu os noumena, ou coisas subjetivas. esta é uma noção puramente budista e esotérica.
Foi aí que Sócrates encontrou seu fio condutor e o seguiu, e Platão depois dele, assim como todo o mundo do conhecimento interior. Onde o antigo mundo jônico-italiano culminou em Anaxágoras, o novo mundo começou com Sócrates e Platão. Pitágoras fez da Alma uma unidade automotora, com três elementos – o Nous , o phrên e o thumos; ela partilha esses dois últimos com os animais; só o primeiro é seu eu essencial. Assim se refuta a acusação de que ele ensinava a transmigração; ele não a ensinava mais do que Gautama-Buddha, apesar de a populaça hindu o ter transformado [o ensinamento de Buddha] numa superstição popular, após a sua morte. se Pitágoras a emprestou de Buddha, ou se Buddha a emprestou de qualquer outro – isto não tem a mínima importância; a doutrina esotérica é a mesma.
A escola platônica é ainda mais explicada em relação a esse tema.
O verdadeiro eu está na base de tudo. Sócrates ensinava, portanto, que ele possuía um (daimonion), um algo espiritual que o punha na trilha para a sabedoria. Ele próprio não sabia nada, mas esse algo o colocou no caminho do tudo aprender.
Platão veio depois dele com uma investigação completa do princípios do ser. Havia um Agathon, Deus Supremo, que produziu em sua própria mente um Paradeigma (latim), “ou seja um modelo ou padrão” de todas as coisas.
Ele ensinou que no homem estava “o princípio imortal da alma”, um corpo mortal e uma espécie de alma mortal distinta”, que estava colocada num receptáculo do corpo, separada da outra; a parte imortal estava na cabeça, a outra estava no tronco.
É evidente que Platão considerava o homem interior como constituído de duas parte – uma era sempre a mesma, formada da mesma entidade da Divindade, e a outra era mortal e corruptível.
“Platão e Pitágoras” – diz Plutarco – “dividem a alma em duas partes, a racional (noética) e a irracional (agnoia)”; “a parte da alma do homem que é racional é eterna, pois embora ela não seja Deus, é o produto de uma divindade eterna; mas a parte da alma que é desprovida de razão (agnoia) morre”.
“O homem, diz ainda Plutarco, “é composto, e estão errados aqueles que pensam que ele é composto de apenas duas partes. Pois eles imaginam que a compreensão faça parte da alma, mas eles se enganam nisso não menos do que aqueles que fazem da alma uma parte do corpo; pois a compreensão (Nous) é muito superior à alma, assim como a alma é melhor e mais divina do que o corpo. Ora, essa composição da alma com a compreensão produz a razão; e, com o corpo, a paixão; desta, uma é o começo ou princípio do prazer e da dor e a outra, da virtude e do vício. Dessas três partes reunidas e compactadas, a Terra forneceu o corpo, a Lua, a alma, e o Sol, a compreensão para a geração do homem.
“Ora, das mortes que morremos, uma faz do homem dois de três, e a outra um de [sobre] dois. A primeira ocorre na região e na jurisdição de Ceres (Ceres – Lat. – Em grego, Demeter. Como aspecto feminino do Pai-Éter, Júpiter, é esotericamente o princípio produtor do Espírito onipenetrante, que anima todo germe no Universo material.). Os atenienses dizem ainda que os mortos são consagrados a Ceres. Quanto à outra morte, ela ocorre na Lua ou na região de Prosérpina. É assim que o que é terrestre permanece com uma e é o celeste Hermes (Divino) que habita a outra. Este arranca violentamente a alma do corpo; mas Prosérpina, suavemente e durante muito tempo, separa a compreensão da alma. Por essa razão ela é chamada de Monogenês, unigênita, ou antes que-engendra-apenas-um, pois a melhor parte do homem torna-se isolada quando é separada por ela. Ora, uma e outra acontecem de acordo com a natureza. Ordena a Sorte quer toda alma, com ou sem compreensão (Nous), uma vez retirada do corpo, vague durante algum tempo, mas não o mesmo tempo para todas, na região situada entre a Terra e a Lua. Pois aqueles que foram injustos e dissolutos sofrem aí a punição devida às suas ofensas; mas os bons e virtuosos são aí retidos até que sejam purificados e tenham, por expiação purgado todas as infeções que possam ter contraído com o corpo, como por exemplo pela doença, vivendo na parte mais doce do ar chamada Campinas de Pluto, onde permanecem durante algum tempo determinado e fixado anteriormente. E então, como se retornassem de uma peregrinação ou de um longo exílio de sua pátria, têm um gosto de alegria, como o que era experimentado principalmente por aqueles que se iniciavam nos Mistérios sagrados, misturando com temor, admiração e esperança a cada um”.
O daimonion de Sócrates era esse Nous, mente ou compreensão do divino. “O Nous de Sócrates”, diz Plutarco, “era puro e não estava misturado com o corpo mais do que a necessidade exigisse. (…) Toda alma possui alguma parcela de Nous, razão, um homem não pode ser um homem sem ela; mas, de conformidade com a proporção em que cada alma está misturada com a carne e o desejo, ela se transforma e se torna irracional em conseqüência da dor e do prazer. Cada alma não se mistura de uma única maneira; algumas mergulham no corpo e, assim durante essa vida, seus corpos são corrompidos pelo desejo e pala paixão; outras estão parcialmente misturadas, mas a parte mais pura [Nous] permanece sempre fora do corpo. Ela não mergulhou no corpo, mas paira acima dele e troca [obscurece] a parte mais externa da cabeça do homem; ela cumpre o efeito de uma corda que sustentaria e dirigiria a parte rebaixada da alma, enquanto esta for obediente e não se deixar dominar pelos desejos da carne. A parte que mergulhou no corpo é chamada de alma. Mas a parte incorruptível é chamada Nous e o vulgo pensa que ela está neles, como também imagina que a imagem refletida por um espelho está naquele espelho. Mas os mais inteligentes, que sabem que ela está fora, chamam-na Daemon”(um deus, um espírito).
“A alma, como um sonho, escapa-se rápida, mas não imediatamente após ter-se separado do corpo, porém mais tarde, quando está só e separada da compreensão (Nous). (…) A alma – moldada e formada pela compreensão (Nous), e moldado e formando o corpo, abraçando-o por todos os lados – recebe dele uma impressão e uma forma; de maneira que, embora separada da compreensão e do corpo, ela conserva ainda a sua figura e a sua semelhança por longo tempo, a ponto de poder, com razão, receber o nome de imagem.
“E a Lua é o elemento dessas almas, porque as almas se dissolvem nela, como os corpos dos mortos o fazem na Terra. Na verdade, dentre estes, aqueles que foram virtuosos e honestos, que viveram uma vida quieta e filosófica, sem se meterem em questões inoportunas, dissolvem-se rapidamente; porque, abandonados pelo Nous compreensão, e não fazendo uso das paixões corporais, desaparecem rapidamente.”
Até mesmo Irineu, inimigo mortal e infatigável de toda heresia grega e “pagã”, explica a sua crença na trindade do homem. O homem perfeito, segundo ele, consiste de carne, alma e espírito. “)…) carne, anima et spiritu: el altero quidem salvante et figurante, qui est spiritus; altero quod unitur et formatur, quod est caro; id vero quod inter haec est duo, quod est anima; quae aliquando quidem subsequens spiritum, elevatur ab eo; aliquando autem consentiens carni, decidit in terrenas concupiscentias”.
E Orígenes, no seu Comentário Epistolar aos Romanos, diz: “Há uma divisão tríplice no homem – o corpo ou carne, a parte mais baixa de nossa natureza, sob a qual a antiga serpente inscreveu por meio do pecado original a lei do pecado e pela qual somos tentados para as coisas vis e todas as vezes em que somos vencidos pela tentação, associados ao Diabo; o espírito, no qual ou pelo qual exprimimos a semelhança da natureza divina em que o Melhor Criador, a partir do arquétipo da sua própria mente, gravou com seu dedo (isto é, seu espírito) a Lei eterna da honestidade; por ele estamos reunidos (aglutinados) a Deus e feitos um com Deus. Na terceira, a alma é o mediador entre esses dois, mas, do mesmo modo que, numa república facciosa, só se pode ser aliado de um ou de outro partido, ela é chamada de um lado e de outro e é livre para escolher o partido ao qual deve aderir. Se, renunciando à carne, ela tende para o partido do espírito, torna-se espiritual; mas, se inclina para os desejos da carne, ela se degenera em corpo”.
Platão define a alma como “o movimento que é capaz de se mover”. “A alma é a mais antiga de todas as coisas e o começo do movimento.” “A alma foi gerada antes do corpo, e o corpo é posterior e secundário, pois ele é, de acordo com a natureza, governado pela alma governante.” “A alma que administra todas as coisas que são movidas em todos os sentidos, administra também os céus.”
“A alma, então, dirige todas as coisas no céu, e na Terra, e no mar, por seus movimentos – cujos nomes são desejar, considerar, cuidar de, consultar, formar opiniões verdadeiras e falsas, estar em estado de alegria, tristeza, confiança, temor, ódio, amor, bem como todos os outros movimentos primários acrescentados a estes (…) sendo ela uma deusa , sempre escolhe como um aliado o NOUS, um deus, e disciplina todas as coisas correta e felizmente; mas quando se associa a anoia – e não a Nous – faz tudo exatamente ao contrário.”(Platão, As leis, X, 896-897B.)
O VERDADEIRO BUDISMO.
Nessa linguagem, como nos textos budistas, o negativo é tratado como existência essencial, A aniquilação inclui-se numa exegese similar. O estado positivo é um ser essencial, mas não se manifesta como tal. Quando o espírito, segundo a tese budista, entra no Nirvana, perde a sua existência objetiva, mas conserva a subjetiva. Para as mentes objetivas, isto é tornar-se absolutamente nada; para as subjetivas, coisa-alguma, nada que possa ser manifestado pelos sentidos.
Essas citações, embora longas, são necessárias ao nosso propósito. Melhor do que tudo, elas mostram a concordância existente entre as mais antigas filosofias “pagãs” – não “iluminadas pela luz da revelação divina”, para usar essa curiosa expressão de Laboulaye em relação a Buddha – e o Cristianismo primitivo de alguns padres. A filosofia pagã, bem como o Cristianismo, todavia, devem suas idéias elevadas sobre a alma e o espírito do homem e sobre a Divindade desconhecida ao Budismo e ao Manu hindu. Não espanta que os maniqueus afirmassem que Jesus era uma permutação de Gautama; que Buddha, Cristo e Mani eram uma e a mesma pessoa, pois os ensinamentos dos dois primitivos eram idênticos. Foi a doutrina da Índia antiga que Jesus professou quando pregava a renúncia completa ao mundo e às suas vaidades, a fim de chegar ao reino dos Céus, Nirvana, onde “nem se casa, nem se dá em casamento, mas onde se vive como os anjos”.
Foi ainda a filosofia de Siddhârthra-Buddha que Pitágoras expôs, quando dizia que o ego era eterno com Deus e que a alma atravessa vários estágios (os Rûpa-lokas hindus) para chegar à excelência divina; entretanto, o thumos voltava à Terra e o phrên era ilimitado. Assim, a metempsicose era apenas uma sucessão de disciplinas através dos refúgios celestes, para que se desembaraçasse da mente exterior, para separar o Nous do phrên, ou alma, o “Viññâna-skandha” budista, o princípio que vive do Karma e dos skandhas (grupos). É este último – a personificação metafísica das “ações” do homem, boas ou más – que, após a morte do seu corpo, se encarnam, por assim dizer, e reúnem os seus compostos invisíveis e imortais num corpo novo, ou antes num ser etéreo, o duplo do que o homem era moralmente. É o corpo astral do cabalista e as “ações encarnadas” que formam o novo eu consciente, pois seu Ahamkara (o ego, autoconsciência), dado a ele pelo Mestre soberano (o sopro de Deus), [que] nunca pode perecer, pois é imortal per se na qualidade de um espírito; donde o sofrimento do eu recém-nascido, até que se liberte de todo pensamento, desejo ou paixão terrenos.
Vemos agora que os “quatro mistérios” da doutrina budista foram pouco compreendidos e apreciados como a “sabedoria” de que fala Paulo e pregada “entre aqueles que são perfeitos” (iniciados), a “sabedoria-mistério” que “nenhum dos Arcontes desse mundo conheceu”. O quarto grau do Dhyana budista, o fruto do Samâdhi, que leva à perfeição última, ao Visodhana (termo traduzido corretamente por Burnouf como “aperfeiçoado”), foi totalmente mal-interpretado por outros, e mesmo por ele próprio. Definindo a condição de Dhyana, Saint-Hilaire afirma que:
“Finalmente, tendo chegado ao quarto grau, o asceta não possui mais sentimento de beatitude, por obscuro que ele possa ser (…) ele também perdeu toda a memória (…) atingiu a impassibilidade, tão próxima do Nirvana quanto possível (…) Todavia, essa impassibilidade absoluta não impede que o asceta adquira, nesse momento preciso, a Oniciência e o poder mágico; uma flagrante contradição, com que os budistas se preocupam tanto quanto muitos outros”.
E por que eles haveriam de se preocupar com ela, quando essas contradições não são, de fato, contradições? Não nos convém falar agora das contradições nas religiões de outros povos, quando as da nossa suscitaram, além dos três grandes corpos conflitantes – Romanismo, Protestantismo e Igreja Oriental -, mil e uma seitas minúsculas muito curiosas. Seja como for, eis aqui um termo aplicado à mesma coisa pelos “mendicantes” sagrados budistas e por Paulo, o Apóstolo. Quando este último diz”: “Se eu puder conseguir a ressurreição dos mortos [o Nirvana], será porque já paguei o seu preço ou atingi a perfeição” (fui iniciado), utilizando assim uma expressão comum entre os iniciados budistas. Quando um asceta budista chega ao “quarto grau”, ele é considerado um rahat. Produz toda a sorte de fenômenos apenas com o poder de seu espírito liberado. Um rahat, dizem os budistas, é aquele que adquiriu o poder de voar pelo ar, de se tornar invisível, de comandar os elementos e de executar todo tipo de maravilhas comum e erradamente chamadas de meipo (milagres). Ele é um homem perfeito, um semideus. Ele se tornará um deus quando alcançar o Nirvana; pois, como os iniciados de ambos os Testamentos, os adoradores de Buddha sabem que eles “são deuses”.
“O Budismo genuíno, franqueando as barreiras entre a mente finita e infinita, estimula os seus seguidores a aspirar, por seus próprios esforços, àquela perfectibilidade divina – de que o homem é capaz, segundo o seu ensinamento e que, conquistada, torna o homem um deus”, diz Brian Houghton Hodgson.
Tristes e desolados foram os caminhos e cobertas de sangue as trilhas tortuosas por que o mundo dos cristãos foi levado a abraçar o Cristianismo de Irineu e de Eusébio. E, no entanto, a menos que aceitemos os pontos de vista pagãos, como a nossa geração poderia ter resolvido o problema dos mistérios do “reino dos céus”? O que mais o mais piedoso e culto dos cristãos sabe do destino futuro e do progresso dos nossos espíritos imortais do que o filósofo gentio de outrora ou o “pagão” moderno que vive além do Himalaia? Pode ele se gabar de saber tanto, embora trabalhe na chama brilhante da revelação “divina”? Vimos um budista fiel à religião dos seus pais, tanto em teoria quanto na prática; e, cega, quanto pudesse ser a sua fé, absurdas que fossem as suas noções sobre alguns pontos doutrinais particulares, enxertos posteriores de um clero ambicioso – apesar de tudo isso o seu Budismo, nos trabalhos práticos, é muito mais semelhante à imagem de Cristo em ação e em espírito, do que vemos na vida média dos nossos padres e ministros cristãos. Só o fato de que sua religião lhe ordena “honrar sua própria fé e jamais denegrir a de outros” é suficiente. Ele coloca o lama budista infinitamente mais alto do que qualquer padre ou clérigo que creia ser seu dever sagrado amaldiçoar o “gentio” publicamente e sentenciá-lo e à sua religião à “condenação eterna”. O Cristianismo torna-se, a cada dia, uma religião de puro emocionalismo. A doutrina de Buddha baseia-se inteiramente em obras práticas. Um amor geral para com todos os seres, humanos e animais, é o seu núcleo. Um homem que sabe que, se não trabalhar, morrerá de fome, e compreende que não há um bode expiatório para carregar por ele as suas iniqüidades – este homem está dez vezes mais certo de se tornar um homem virtuoso, do que aquele a quem se ensina que o assassínio, o roubo e a libertinagem se lavam (brancos como a neve) num instante, se ele acreditar num Deus que, para usar uma expressão de Volney, “já tomou alimentos na Terra e agora se converteu no alimento de seu povo”.
Isis Sem Véu – VOLUME III – TEOLOGIA I
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