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A SEMELHANÇA ENTRE O CRISTIANISMO PRIMITIVO E O BUDISMO. AS PRIMEIRAS SEITAS.
Clemente descreve Basilides, o gnóstico, como “um filósofo devotado à contemplação das coisas divinas”. Essa muito apropriada expressão poderia ser aplicada a muitos fundadores das seitas mais importantes que mais tarde foram englobadas numa única – esse estupendo composto de dogmas ininteligíveis forjado por Irineu, Tertuliano, e outros, que agora recebe o nome de Cristianismo. Se tais seitas devem ser chamadas de heresias, então o Cristianismo primitivo deve ser incluído entre elas. Basilides e Valentino precederam a Irineu e Tertuliano; e os dois últimos padres tiveram menos fatos do que os dois primeiros gnósticos para mostrar que sua heresia era plausível. Nem o direito divino, nem a verdade asseguraram o triunfo de seu Cristianismo; apenas o destino lhes foi favorável. Podemos afirmar, com toda razão, que não há nenhuma de todas essas seitas – o Cabalismo, o Judaísmo, e inclusive o nosso atual Cristianismo – que não tenha nascido dos dois ramos principais desse tronco-mãe, a outrora religião universal, que precedeu a época védica – falamos do Budismo pré-histórico que se fundiu mais tarde no Bramanismo.
A religião que mais se assemelhou aos ensinamentos dos poucos numerosos apóstolos primitivos – religião pregada pelo próprio Jesus – [e a mais antiga de ambas, o Budismo. Este, tal como foi ensinado em sua pureza primitiva, e levado à perfeição pelo último dos Buddhas, Gautama, baseava sua ética moral em três princípios fundamentais. Ele afirmava: 1º: que todas as coisas existem como resultado de causas naturais; 2º: que a virtude acarreta a sua própria recompensa, e o vício e o pecado sua própria punição, e o 3º: que o estado do homem neste mundo é de provação. Neste três princípio se fundamentam todos os credos religiosos, que podem resumir-se em Deus e a imortalidade individual do espírito. Apesar da confusão dos dogmas teológicos posteriores; apesar da aparente incompreensibilidade das abstrações metafísicas que convulsionam a Teologia de cada uma das grandes religiões da Humanidade, assim que estas forem estabelecidas em base seguras, descobrir-se-á que a religião acima mencionada é a essência de toda filosofia religiosa, com exceção do Cristianismo moderno. Foi ela a religião de Zoroastro, de Pitágoras, de Platão, de Jesus, e mesmo de Moisés, embora os ensinamentos do legislador judeu tenham sofrido piedosas falsificações.
Faremos um breve estudo das numerosas seitas que se reconheceram a si mesma como cristã; quer dizer, que acreditaram num Cristos, ou num UNGIDO. Procuraremos também explicar esta última expressão do ponto de vista cabalístico, mostrando-lhe o reaparecimento em todo sistema religioso. Seria proveitoso, ao mesmo tempo, observar até que ponto os primeiros apóstolos, Paulo e Pedro, concordavam em suas pregações sobre a nova Revelação.
Muitas e boas obras foram escritas recentemente, refutando essa absurda pretensão. Entre outras, assinalamos The Christ of Paul, que a demole de modo muito engenhoso. O autor prova: 1º:que nenhuma Igreja foi estabelecida em Roma antes do reino de Antônio, o Pio; 2º: que, como Eusébio e Irineu concordam em que Lino foi o segundo Bispo de Roma, em cujas mãos “os abençoados apóstolos” depuseram a Igreja após havê-la fundado, isto só pode ter ocorrido entre os anos 64 e 68; 3º: que esse intervalo de anos caiu durante o reino de Nero, pois Eusébio afirma que Lino manteve seu ofício durante doze anos, tendo começado seu episcopado em 69, um ano após a morte de Nero, e vindo a morrer em 81. Em seguida, o autor prova, com argumentos irrefutáveis, que Pedro não poderia estar em Roma no ano 64, uma vez que se encontrava então na Babilônia, de onde escreveu sua primeira epístola, cuja data é fixada, pelo Dr. Lardner e outros críticos, nesse exato ano. Mas acreditamos que o seu melhor argumento consiste na prova de que não estava no caráter do covarde Pedro arriscar-se numa vizinhança tão estreita com Nero, que “alimentava as feras do Anfiteatro com a carne e os ossos dos cristãos” àquela época.
Talvez a Igreja de Roma não tenha estado de acordo ao escolher como seu fundador titular o apóstolo que negou por três vezes o seu Mestre no momento de perigo; e que, além disso, com exceção de Judas, provocou o Cristo de tal modo a ponto de receber o epíteto de “Inimigo”. “Afasta-te de mim, SATÔ, exclama Jesus, reprovando o insultuoso apóstolo. (Marcos, VIII, 33).
Existe uma tradição grega que jamais foi aceita no Vaticano. Essa Igreja remonta sua origem a um dos chefes gnósticos – Basilides, talvez -, que viveu sob Trajano e Adriano, ao fim do século I e início do II. No que respeita a essa tradição particular, se o gnóstico é Basilides, então deveremos aceitá-lo como uma autoridade suficiente, pois ele pretende ter sido discípulo do Apóstolo Mateus, e pupilo de Gláucias, este um discípulo do próprio São Pedro. Se o relato que se lhe atribui é autêntico, o Comitê Londrino para a Revisão da Bíblia faria bem em acrescentar um novo capítulo aos Evangelhos de Mateus, Marcos e João, contando a história da negação de Cristo por Pedro.
A tradição de que estamos falando afirma que, quando, apavorado pela acusação do servidor do sumo-sacerdote, o apóstolo negou por três vezes o seu Mestre, e o galo cantou, Jesus, que então atravessava a galeria sob a guarda dos soldados, virou-se e, encarando a Pedro, disse: “Em verdade, Pedro, eu te digo que me negarás por todos os séculos vindouros, e jamais pararás enquanto não te tornares velho, e estenderás as mãos e um outro te cingirá e te levará para onde não queres” (João XXI, 18.). A última parte desta sentença, dizem os gregos, está relacionada com a Igreja, e profetiza a sua constante apostasia de Cristo, sob a máscara da falsa religião. Mais tarde, a passagem foi inserida no cap. XXI de João, mas todo esse capítulo foi denunciado como falsificação, antes mesmo de se ter descoberto que esse Evangelho jamais foi escrito em suma pelo Apóstolo João.
O simples fato de que Pedro permaneceu até o fim como um “apóstolo da circuncisão” fala por si mesmo. Quem quer que tenha edificado a Igreja de Roma, não foi Pedro. Se fosse esse o caso, os sucessores desse apóstolo deveriam se submeter à circuncisão, ao menos por amor à fidelidade, e para mostrar que as afirmações dos Papas não carecem de fundamento. O Dr. Inman afirma que o relato diz que “em nossos tempos cristãos, os Papas devem ser perfeitos em sua vida privada”, mas não sabemos se eles devem se submeter às exigências da lei levítica judaica. Os primeiros quinze bispos cristãos de Jerusalém, a começar de Tiago e incluindo Judas, foram todos judeus circuncidados.
O SIGNIFICADO DO TERMO NAZAR E NAZARENO.
Podemos de fato dar crédito a essa amizade entre Pedro e seus antigos correligionários, uma vez que descobrimos em Theodoret a seguinte afirmação: “Os nazarenos são judeus, que veneravam o UNGIDO [Jesus] como um homem justo e que utilizam o Evangelho segundo Pedro”. (Theodoret, Haeret. fabul., II,II.) Pedro era um nazareno, de acordo com o Talmude. Ele pertencia à seita dos nazarenos mais recentes, que discordavam dos seguidores de João, o Batista, e que vieram a constituir uma seita rival; a qual – como reza a tradição – foi instituída pelo próprio Jesus.
A história diz que as primeiras seitas cristã eram nazarenas, como João Batista, ou ebionitas, entre os quais se acham inúmeros parentes de Jesus; ou essênias (iessaens), os therapeutae, de que os nazarenos eram um ramo. Todas essa seitas, que apenas na época de Irineu começaram a ser consideradas como heréticas, eram mais ou menos cabalísticas. Elas acreditavam na expulsão dos demônios por meio de encantamentos mágicos, e praticavam esse método; Jervis aplica aos nabateanos e a outra seitas similares o epíteto de “errantes exorcistas judeus”, significando a palavra árabe nabae “errar” e a hebraica, naba, “profetizar”. O Talmude chama indiscriminadamente a todos os cristãos de Nozari. Todas as seitas gnósticas acreditavam igualmente na Magia. Irineu, ao descrever os seguidores de Basilides, diz: “Eles utilizam imagens, invocações encantamentos, e todas as outras coisas que pertencem à Magia”. Dunlap, como base na autoridade de Lightfoot, mostra que Jesus era chamado de Nazaraios, por referência a seu exterior pobre e humilde; “pois Nazaraios significa separação, alienação de outros homens”.
O verdadeiro significado da palavra nazar, é devotar-se ou consagrar-se ao serviço de Deus. Como substantivo, significa uma diadema ou um emblema de tal consagração, uma cabeça assim consagrada. Afirma-se que José era um nazar. “A cabeça de José, o vértice do nazar entre seus irmãos.” Sansão e Samuel, Shimshôn e Shemûêl) são descritos como nazars. Porfírio, ao tratar de Pitágoras, diz que este foi purificado e iniciado na Babilônia por Zar-adas, o chefe do colégio sagrado. Não se poderia supor, por conseguinte, que Zoro-Aster era o nazar de Ishtar, tendo Azr-adas ou Na-Zar-Ad o mesmo significado na troca de idiomas? Esdras, era um sacerdote e escriba, um hierofante, e o primeiro colonizador hebreu da Judéia foi Zoro-Bel ou o Zoro ou nazar da Babilônia.
As Escrituras judias indicam dois cultos e religiões distintos entre os israelitas; o culto de Baco sob a máscara de Jeová, e o dos iniciados caldeus a que pertenciam alguns dos nazars, os teurgistas, e uns poucos profetas. As sedes de todos esses cultos localizavam-se todas na Babilônia e na Caldéia, onde se reconhecem claramente duas escolas rivais de magos. Aqueles que duvidarem desta afirmação terão nesse caso de explicar a discrepância entre a história e Platão, que, de todos os homens de sua época era, sem dúvida, um dos mais bem informados. Referindo-se aos magos, ele os mostra instruindo os reis persas (a respeito de) Zoroastro, como filho ou sacerdote de Oromasdes; e no entanto, Dario, na inscrição de Behistun, vangloria-se de ter restaurado o culto de Ormasde e de ter destruído os ritos mágicos! Evidentemente, havia duas escolas mágicas distintas e antagônicas. A mais antiga e a mais esotérica de ambas era a que, satisfeita com seus conhecimentos inexpugnáveis e com seu poder secreto, consentia em aparentemente renunciar à sua popularidade exotérica, depondo sua supremacia nas mãos do reformador Dario. Os gnósticos posteriores mostraram a mesma prudente política, acomodando-se em todas os países às formas religiosas predominantes, mas permanecendo secretamente fiéis às suas próprias doutrinas essenciais.
MOISÉS UM INICIADO. OS ENSINAMENTOS MINISTRADOS POR JESUS.
Seja o que for que agora se acredite ter sido Moisés, demonstraremos que ele era um iniciado. A religião mosaica era, na melhor das hipóteses, um culto do Sol e da serpente, diluído, por algumas poucas nações monoteístas, antes que estas fossem introduzidas à força nas chamadas Escrituras inspiradas” por Esdras, ao tempo em que ele pretendia ter reescrito os livros mosaicos. Seja como for, o Livro dos números foi escrito mais tarde; e é tão fácil seguir nele o culto do Sol e da serpente, quanto em qualquer história pagã. O relato das serpentes de fogo é uma alegoria, em mais de um sentido. As “serpentes” eram os levitas ou os ofitas, que formavam a escola de Moisés (ver Êxodo, XXXII, 26); e a ordem do “Senhor” a Moisés, para dobrar a cabeça do povo “diante do Senhor contra o Sol”, que é o emblema desse Senhor, não deixa margem e equívocos.
Os nazars ou profetas, assim como os nazarenos, eram uma casta oposta ao culto de Baco, de modo que, em comum com todos os profetas iniciados, eles se mantinham fiéis ao espírito das religiões simbólicas e ofereciam uma forte oposição às práticas idólatras ou exotéricas da letra morta. Essa a razão pela qual os profetas foram, com tanta freqüência, lapidados pelo populacho, sob a instigação dos sacerdotes que tinham todo o interesse em favorecer as superstições populares. Ottfried Müller mostra quanto os mistérios órficos diferiam dos ritos populares de Baco, embora os Orphikoi sejam conhecidos por terem seguido o culto de Baco. O sistema de puríssima moralidade e de severo ascetismo promulgado nos ensinamentos de Orfeu, e seguido estritamente por seus partidários, é incompatível com a lascívia e a grosseira imoralidade dos ritos populares. A fábula de Aristeu que persegue Eurídice na floresta, onde há uma serpente que lhe causa a morte, é uma alegoria muito clara, que foi, em parte, explicada nos tempos primitivos. Aristeu é a força bruta, que persegue Eurídice, a doutrina esotérica, na floresta em que a serpente (emblema de todos os deuses solares, e cultuado sob seu aspecto grosseiro mesmo pelos judeus) a mata; ou seja, força a verdade a tornar-se ainda mais esotérica, e a buscar proteção no mundo inferior, que não é o inferno de nossos teólogos. Além disso, a sorte de Orfeu, estraçalhado pelas bacantes, é outra alegoria para demonstrar que os ritos grosseiros e populares são sempre mais bem-vindos do que a verdade divina mais simples, provando a grande diferença que deve ter existido entre o culto esotérico e o popular. Visto que os poemas de Orfeu e de Museu foram perdidos desde os tempos mais recuados, de modo que nem Platão nem Aristóteles reconheceram qualquer coisa autêntica nos poemas que ainda existiam em seu tempo, é difícil dizer com precisão em que consistiam seus ritos peculiares. Temos, no entanto, a tradição oral, e dela podemos tirar várias inferências; essa tradição assinala que Orfeu trouxe sua doutrina da Índia, sendo a sua religião a dos antigos magos – aquela à qual pertencem os iniciados de todos os países, a começar de Moisés, os “Filhos dos Profetas”, e os ascéticos nazars (que não devem ser confundidos com aqueles contra os quais trovejaram Oséias e outros profetas) e terminando com os essênios. Esta última seita era composta de pitagóricos, antes que seu sistema tivesse sido mais degenerado do que aperfeiçoado pelos missionários budistas, que, como Plínio nos diz, se estabeleceram nas costas do Mar Morto, muitos séculos antes de seu tempo, “per saeculorum millia (Plínio, Nat. Hist., V. XV)”. Mas se, por um lado, esses monges budistas foram os primeiros a estabelecer comunidades monásticas e inculcar a estrita observância das regras monacais dogmáticas, por outro lado, foram também os primeiros a impor e popularizar as severas virtudes exemplificadas por Sâkyamuni (o fundador do Budismo, o Senhor Gautama), e que foram anteriormente exercitadas em casos isolados de bem conhecidos filósofos e seus seguidores; virtudes pregadas dois ou três séculos depois por Jesus, praticadas por uns poucos ascetas cristãos, gradualmente abandonadas e inteiramente esquecidas pela Igreja cristã.
Os nazars iniciados sempre obedeceram a essa regra, que havia sido seguida antes deles pelos adeptos de todos os tempos; e os discípulos de João foram apenas um ramo dissidente dos essênios. Por conseguinte, não podemos confundi-los com todos os nazars mencionados no Velho Testamento, e que são acusados por Oséias de se terem separado ou se consagrado a Bosheth; o que implicava a maior abominação possível. Inferir, como o fazem alguns críticos e teólogos, que isto significa abandonar a castidade ou a continência, é perverter seu verdadeiro significado ou ignorar totalmente a língua hebraica. O décimo primeiro verso do primeiro capítulo de Miquéias explica parcialmente o termo, em sua velada tradução: “Passai, ó habitante de Saphir, etc.” e no texto original a palavra é Bosheth. Certamente, nem Baal, nem Iahoh Kadosh, com seu Kadeshim, eram deuses de ascética virtude, embora a Septuagint os chame, assim como aos galli – os sacerdotes perfeitos -, de iniciados e consagrados. O grande Sod do kadeshim, traduzido nos Salmos LXXXIX, 7, como “assembléia de santos”, não era senão um mistério dos “santificados” no sentido dado a esta palavra por Webster.
A seita dos anziretas existiu muito tempo antes das leis de Moisés (Cf. Números, VI,2; Munk, Palestina, p.169), e teve origem entre o povo, em guerra aberta contra os “escolhidos” de Israel, a saber, o povo da Galiléia, a antiga olla-podrida das nações idólatras, onde foi erguida Nazara, a atual Nasra. Foi em Nazara que os antigos naziretas mantiveram seus “mistérios de vida” ou “assembléias” (como figura agora a palavra na tradução), que não passavam de mistérios secretos de iniciação, totalmente distintos em sua forma prática populares que eram realizadas em Biblos em honra de Adónis. Visto que os verdadeiros iniciados da Galiléia desterrada adoravam o verdadeiro Deus e desfrutavam visões transcendentais, o que faziam os “escolhidos” nesse mesmo tempo? Ezequiel no-lo diz (cap. VIII) quando, ao descrever o que viu, ele diz que a forma de uma mão o pegou pelos cabelos e o transportou da Caldéia a Jerusalém. “E lá estavam setenta dos senadores da casa de Israel. (…) `Filho do Homem, viste o que os anciões (…) estão fazendo no escuro?”, pergunta o “Senhor”. “Na porta da casa do Senhor (…) estavam as mulheres sentadas a chorar por Tamuz” (Adónis). Não podemos realmente supor que os pagãos jamais ultrapassaram o povo “escolhido” em certas vergonhas abominações de que os seus próprios o acusavam com tanta freqüência. Não é preciso ser um erudito em língua hebraica para admitir essa verdade; basta ler a Bíblia na tradução e meditar sobre as palavras dos “santos” profetas.
Tal foi a razão do ódio dos nazarenos posteriores aos judeus ortodoxos – seguidores da Lei Mosaica exotérica – externo, aquilo que o vulgo conhece; público, exterior. O oposto a esotérico ou oculto -, que foram sempre acusados de adorar a Iurbo-Adunai, ou Senhor Baco. Passando sob o disfarce de Adoni-Iahoh, (testo original, Isaías, LXI,1), Iahoh e Senhor Tsavaötih, o Baal-Adônis, ou Baco, cultuado nos bosques e nos Jardins ou mistérios públicos, transforma-se enfim, sob a mão polidora de Esdras, no Adonai de Masorah – o Deus Único e Supremo dos cristãos!
“Não adorarás o Sol cujo nome é Adunai”, diz o Codex dos nazarenos; “cujo nome é também Kadesh [Salmos,XXXXIX,7.] e El-El. Esse Adunai elegerá para si uma nação, a qual se reunirá em multidões [seu culto será exotérico] (…) Jerusalém tornar-se-á o refúgio e a cidade dos Abortivos, que se aperfeiçoarão [circuncidarão] por meio da espada (…) e adorarão a Adunai [Codex nazaraeus, I,p.47]”.
Os nazarenos mais antigos, que eram os descendentes dos nazars da Escrituras, e cujo último líder proeminente foi João Batista, embora considerados pouco ortodoxos pelos escribas e fariseus de Jerusalém, eram, não obstante, respeitados, nunca tendo sido molestados. Mesmo Herodes “temia a multidão” porque considerava João um profeta (Mateus, XIV, 5). Mas os seguidores de Jesus pertenciam, evidentemente, a uma seita que se tornou um espinho ainda mais exasperante em seu flanco. Ela surgia como uma heresia dentro de outra heresia; pois enquanto os nazars dos tempos antigos, os “Filhos dos Profetas eram cabalistas caldeus, os adeptos da nova seita dissidente revelaram-se reformadores e inovadores desde o início. A grande semelhança observada por alguns crítico entre os ritos e as observações dos cristãos primitivos e os dos essênios pode ser explicada sem a menor dificuldade. Os essênios, como já observamos, eram missionários budistas convertidos que, ao mesmo tempo, invadiram o Egito, a Grécia e mesmo a Judéia, a partir do reino de Asoka, o zeloso propagandista; e ao passo que é evidentemente aos essênios que pertence a honra de terem tido o reformador nazareno Jesus como pupilo, descobrimos que este, no entanto, discordou de seus primeiros mestres quando a inúmeras questões de observância formal. Não podemos chamá-lo de essênio, pelas razões que indicaremos mais adiante, nem de nazar ou de nazário da seita mais antiga. O que Jesus foi podemos descobri-lo no Codex nazaraeus, nas injustas acusações dos gnósticos de Bardesane.
“Jesu Mesio é Nebu, o falso Messias, o destruidor da religião antiga”, diz o Codex. Ele é o fundador da seita dos novos nazars, e, como o indicam claramente as palavras, um seguidor da doutrina budista em hebraico, a palavra naba, significa “falar com inspiração”; e, nebo é um deus de sabedoria. Mas Nebo é também Mercúrio, e Mercúrio é Buddha no monograma hindu dos planetas. Além disso, descobrimos que os talmudistas afirmavam que Jesus era inspirado pelo gênio de Mercúrio.
O reformador nazareno pertencia, sem duvida alguma, a uma dessas seitas; embora seja talvez impossível decidir absolutamente a qual delas. Mas o que é plenamente evidente é que ele pregava a filosofia de Buddha-Sâkyamuni – nome do fundador do budismo o Senhor Gautama -. Denunciados pelos últimos profetas, amaldiçoados pelo Sanhedrim, os nazars – que se confundem com os outros do mesmo nome, “que se consagraram à vergonha” – foram secreta, se não abertamente, perseguidos pela sinagoga ortodoxa. Torna-se então claro por que Jesus foi tratado com tanto desdém desde o começo, e chamado depreciativamente de “o Galileu”. Nataniel pergunta – “De Nazaré pode sair algo de bom?” (João, I,46), no início de sua carreira, e apenas porque ele sabe que se trata de um nazar. Não indica isto claramente que mesmo os nazars mais antigos não eram realmente hebraicos, mas antes uma classe de teurgistas caldeus? Além disso, visto que o Novo Testamento é conhecido por seus erros de tradução e falsificações transparentes dos textos, podemos como razão suspeitar que a palavra Nazaré substituiu o termo nasaria ou nazari; e que o texto original rezava: “De um nozari, ou um nazareno pode sair algo de bom?”, isto é, de um seguidor de São João Batista, com o qual nós o vemos associado desde o início de sua entrada em ação, após ter estado desaparecido por um período de aproximadamente vinte anos. Os equívocos do Velho Testamento nada são comparados aos dos Evangelhos. Nada mostra melhor do que essas evidentes contradições o sistema da piedosa fraude sobre o qual repousa a doutrina do Messias. “Este é o Elias que deve vir”, diz Matheus de João Batista, forçando assim uma antiga tradição cabalística no quadro das evidências (XI, 14). Mas quando, ao se dirigirem ao próprio Batista, eles lhe perguntam (João, I, 21), “És tu o Elias?”, ele diz “Não sou!” Quem sabe mais – João ou seu biógrafo? Qual é a revelação divina?
O objetivo de Jesus, como foi evidentemente o de Gautama Buddha, consistia em prestar um largo benefício à Humanidade, produzindo uma reforma religiosa que lhe daria uma religião de pura ética; até então, o verdadeiro conhecimento de Deus e da Natureza permaneciam exclusivamente nas mãos das seitas esotéricas e de seus adeptos. Visto que Jesus utilizava óleo e que os essênios nunca usaram senão água pura, não se pode dizer que ele foi um essênio no sentido estrito da palavra. Por outro lado, os essênios foram também “postos de lado”; eles eram curadores (asaya) e habitavam no deserto como todos os ascetas. Mas, embora não se abstivesse de vinho, Jesus poderia se manter um nazareno. Pois no cap. VI de Números, vemos que, após o sacerdote ter agitado a cabeleira de um nazarita em oferenda diante do Senhor, “em seguida, um nazarita pode beber vinho” (VI, 20). a severa reprimenda do reformador ao povo que não se satisfazia com nada é expressa na seguinte sentença: “Veio João, que não come e não bebe, e dizeis: `O demônio está nele’. (…) Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizeis: `Eis aí glutão e beberrão [Lucas, VII,33-4]”. Apesar disso, ele era um essênio e um nazareno, pois podemos vê-lo enviando uma mensagem a Herodes para dizer que era alguém que expulsava demônios e que realizava curas, mas na verdade chamando-se a si mesmo de profeta e declarando-se igual aos outros profetas.
BATISMO, UM DIREITO DERIVADO.
O batismo é um dos ritos mais antigos e foi praticado por todas as nações em seus mistérios, como abluções sagradas (Banho de todo o corpo ou parte dele.) Dunlap parece derivar o nome dos nazars de nazah, “aspersão”; Bahâk-Ziwa é o gênio que chamou o mundo à existência tirando-o da “água obscura”, dizem os nazarenos; e o Persian, Arabic asd English Lexicon de Ricahardson afirma que a palavra Bahãk significa “chuva”. Mas o Bahâk-Ziwa dos nazarenos não pode ser confundido tão facilmente com Baco, que “era e deus da chuva”, pois os nazars foram os maiores adversários do culto de Baco. “Baco foi criado pelas Hyades, as ninfas da chuva”, diz Preller; e Dunlap mostra, ademais, que, ao término dos mistérios religiosos, os sacerdotes batizavam (lavavam) seus monumentos e os untavam com óleo. Mas tudo isso é apenas uma prova indireta. Não é preciso provar que o batismo do Jordão era apenas um substituto dos ritos exotéricos de Baco e das libações em honra de Adónis ou Adónis – de quem os nazarenos tinham horror -, no propósito de demonstrar que essa seita nasceu dos “mistérios” da “Doutrina Secreta”; e seus ritos não podem em absoluto ser confundidos com os do populacho pagão, que simplesmente caiu na fé idólatra e irracional de todas as multidões plebéias. João foi o profeta desses nazarenos, e na Galiléia ele foi chamado de “Salvador”; mas não foi ele quem fundou essa seita cujas tradições remontam à mais alta antigüidade da teurgia caldaico-acadiana. “Os primeiros israelitas plebeus eram cananitas e fenícios, com o mesmo culto de adoração aos deuses fálicos – Baco, Baal ou Adon, Iacchos – Iao ou Jeová;” mas mesmo entre esses sempre houve uma classe de adeptos iniciados. Depois, o caráter dessa plebe foi modificado pelas conquistas assírias; e, finalmente, as colonizações persas superpuseram as idéias e os costumes fariseus e orientais, de que derivam o Velho Testamento e as instituições mosaicas. Os reis-sacerdotes asmoneus promulgaram o cânone do Velho Testamento em oposição aos Livros Secretos ou Apocrypha dos judeus alexandrinos – os cabalistas. Até a época de João Hircano eles foram asideus (chasidim) e fariseus (pârsîs), mas tornaram-se saduceus ou zadoquitas – partidários da regra sacerdotal em oposição à regra rabínica. Os fariseus eram dóceis e intelectuais; os saduceus, intolerantes e cruéis.
Diz o Codex: “João, filho de Aba-Saba-Zacharia, conhecido por sua mãe Anasabet em seu centésimo ano, batizou durante quarenta e dois anos, quando Iesu Messias veio ao Jordão a fim de ser batizado por João. Mas ele perverterá a doutrina de João, alterando o batismo do Jordão, e pervertendo as sentenças da justiça.” O batismo de água transformou-se no do Espírito Santo, em conseqüência, decerto, da idéia predominante entre os padres de instituir uma reforma e tornar os cristãos diferentes dos nazarenos de São João, dos nabateanos e dos ebionistas, a fim de dar lugar aos novos dogmas. Não apenas os sinóticos nos dizem que Jesus batizava como João, mas os próprios discípulos de João se queixavam disso, embora Jesus não possa ser certamente acusado de seguir um rito puramente báquico. Os parênteses no verso 2 de João IV: “(…) ainda que o próprio Jesus não batizasse”, são tão canhestros que indicam uma evidente interpolação. Mateus faz João dizer que aquele que viria depois não os batizaria com água, “mas com o Espírito Santo e com fogo”. Marcos, Lucas e João corroboram essas palavras. Água, fogo e espírito, ou Espírito Santo, todos têm sua origem na Índia, como iremos demonstrar.
Mas tal sentença apresenta uma estranha peculiaridade. Ela é abertamente negada em Atos, XIX, 2-5. Apollos, um judeu de Alexandria, pertencia à seita dos discípulos de São João; foi batizado e instruía a outros nas doutrinas do Batista. E não obstante, quando Paulo, aproveitando habilmente sua ausência em Corinto, encontra alguns discípulos de Apollos em Éfeso, e lhes pergunta se haviam recebido o Espírito Santo, recebe ele essa ingênua resposta: “Nunca ouvimos dizer que há um Espírito Santo”. “Em que fostes batizados?”, pergunta ele. “No batismo de João”, dizem eles. Faz-se então Paulo repetir as palavras atribuídas a João pelos sinóticos, e esses homens “foram batizados em nome de Jesus”, exibindo, além disso, no mesmo instante, o usual dom poliglota que acompanha a descida do Espírito Santo.
Qual a conclusão a tirar? São João Batista, que é chamado de “percussor”, para que “a profecia pudesse ser cumprida”, o grande profeta e mártir, cujas palavras tinham um significado tão importante aos olhos de seus discípulos, anuncia o “Espírito Santo” aos seus ouvintes; faz as multidões se reunirem à margens do Jordão, onde, na grande cerimônia do batismo de Cristo, o prometido “Espírito Santo” aparece por entre os céus abertos, e a multidão ouve a voz, e no entanto ainda há discípulos de São João que “nunca ouviram dizer que há um Espírito Santo”!
Na verdade, os discípulos que escreveram o Codex nazaraeus estavam certos. Mas não foi Jesus, e sim aqueles que vieram depois dele e tergiversaram a Bíblia para servir aos seus objetivos, que “perverteram” a doutrina de João, modificaram o batismo do Jordão e perverteram as sentenças da justiça”.
É inútil objetar que o Codex atual foi escrito séculos depois de os apóstolos diretos de João Batista terem feito seu trabalho de pregação. Tal é o caso dos nossos Evangelhos. Quando esse espantoso diálogo entre Paulo e os “batistas” teve lugar, Bardesanes ainda não havia feito a sua aparição e a seita não era considerada uma “heresia”. Além disso, podemos julgar quão pouco a promessa de São João Batista referente ao “Espírito Santo” e a própria manifestação do “Espírito” afetaram seus discípulos, pela animosidade que estes mostraram para com os discípulos de Jesus, e por certa espécie de rivalidade manifestada desde o princípio. Ou melhor, tão pouco está João Batista seguro da identidade de Jesus como o esperado Messias que, depois da famosa cena do batismo no Jordão, e da confirmação oral do próprio Espírito Santo de que “Este é o meu Filho amado” (Matheus, III,17), descobrimos “o Precursor”, em Mateus, XI, 3, enviando de sua prisão dois discípulos para perguntar a Jesus: “És tu aquele que há de vir, ou deveremos esperar outro?”!
Essa flagrante contradição deveria, por si só, já ter satisfeito às mentes esclarecidas quanto à putativa inspiração divina do Novo Testamento. Mas podemos perguntar ainda: Se o batismo é um sinal de regeneração, e uma prática instituída por Jesus, por que os cristãos não batizam tal como Jesus aqui o faz, “com o Espírito Santo e com fogo”, em vez de seguir o costume dos nazarenos? Ao fazer essas evidentes interpolações, que possível motivo teria tido Irineu para fazer as pessoas acreditarem que o epíteto de nazareno, dado a Jesus, provinha apenas da residência de seu pai em Nazaré, e não de sua filiação à seita dos nazaria, os curadores?
Esse expediente de Irineu foi muito infeliz, pois desde tempos imemoriais os profetas dos tempos antigos haviam trovejado contra o batismo de fogo, tal como praticado por seus vizinhos, que comunicava o “espírito da profecia”, ou o Espírito Santo. Mas o caso era de desespero; os cristãos eram universalmente chamados de nazarenos e iessênios (segundo Epifênio), e Cristo se alinhava simplesmente como um profeta e
curador judeu – pois era assim que seus discípulos a si mesmo chamavam, e como tal eram vistos por seus seguidores. Em tal situação, não havia lugar, seja para uma nova Divindade; e como Irineu se entregou à tarefa de manufaturar a ambas, teve de dispor dos materiais disponíveis, preenchendo as lacunas com as suas próprias férteis invenções.
JESUS UM VERDADEIRO NAZARENO. BATISMO COMO RITO DE INICIAÇÃO.
Se queremos nos assegurar de que Jesus era um verdadeiro nazareno – embora com idéias de uma nova reforma -, não devemos buscar a prova nos Evangelhos traduzidos, mas nas versões originais de que dispomos. Tischendorf, em sua tradução do grego, da passagem de Lucas, IV, 34, chama-o “Iesou Nazarene”; e no texto siríaco lê-se “iasua, tu o nazaria”. Portanto, se levarmos em conta tudo o que é enigmático e incompreensível nos quatros Evangelhos, revisados e corrigido em sua forma atual, veremos facilmente por nós mesmos que o verdadeiro e original Cristianismo, tal como pregado por Jesus, encontra-se apenas chamadas heresias sírias. Somente delas podemos extrair noções claras sobre o que era o Cristianismo original. Tal era a fé de Paulo, quando Tertulo, o orador, acusou o apóstolo diante do governador Félix. Ele se queixava de que “encontramos esse homem (…) suscitador de tumultos (…) chefe da seita dos nazarenos”; e, ao passo que Paulo nega todas as outras acusações, confessa que “segundo o caminho que chamam de heresia, sirvo ao Deus de meus pais”. Essa confissão vale por toda uma revelação. Ela mostra 1º: que Paulo admitia pertencer à seita dos nazarenos; 2º: que ele servia ao Deus de seus pais, não ao Deus cristão trinitário, de quem ele nada sabe, e que só foi inventado depois de sua morte; e 3º: que essa infeliz confissão explica satisfatoriamente que o tratado dos Atos dos Apóstolos, juntamente com o Apocalipse de João, que num dado momento foi completamente rejeitado, ficaram ambos fora do cânone do Novo Testamento durante um longo período de tempo.
Em Biblos, os neófitos, assim como os hierofantes, após terem participado dos mistérios, eram obrigados a jejuar e a ficar em solidão por algum tempo. Um jejum e uma preparação muito rigorosa eram exigidos, tanto antes como depois das orgias báquicas e eleusinas; e Heródoto menciona, com medo e veneração, o LAGO de Baco, no qual “eles [os sacerdotes] davam, de noite, representações de sua vida e de seus sofrimentos Nos sacrifícios mítricos, durante a iniciação, uma cena preliminar de morte era simulada pelo neófito, que precedia à cena que o mostrava “renascendo pelo rito do batismo”. Uma parte dessa cerimônia ainda é encenada nos dias de hoje pelos maçons, quando o neófito, qual o seu Grande Mestre Hiram Abiff, jaz morto, sendo despertado pelo forte aperto da garra do leão.
Os sacerdotes eram circuncidados. O neófito não podia ser iniciado sem ter participado dos mistérios solenes do LAGO. Os nazarenos eram batizados no Jordão, e não podiam ser batizados em qualquer outro lugar. Eles também eram circuncidados, e deviam jejuar antes e depois da purificação pelo batismo. Afirma-se que Jesus jejuou no deserto durante quarenta dias, imediatamente após o seu batismo. Até os dias de hoje há, na parte exterior de todos os templos na Índia, um lago, uma corrente ou um reservatório cheio de água sagrada, no qual os brâmanes e os devotos hindus se banham diariamente. Tais locais de água consagrada são necessários em todos os templos. Os festivais de banho, ou ritos batismais, ocorrem duas vezes por ano; em outubro e abril. Cada um dura dez dias; e, como no Egito e na Grécia antiga, as estátuas de seus deuses, deusas e ídolos são imersas nas águas pelos sacerdotes, sendo o objetivo da cerimônia livrá-las do pecado de seus adoradores, com os quais elas são carregadas e poluídas, até serem purificadas pela água sagrada. Durante o ârati, a cerimônia de banho, o deus principal de todos os templos é transportado em solene profissão para ser batizado no mar. Os sacerdotes brâmanes, que carregam as imagens sagradas, são seguidos geralmente pelo Mahârâja – os pés descalços, e quase nu. Por três vezes os sacerdotes entram no mar; na terceira vez, levam consigo todas as imagens. Erguendo-as com orações repetidas por toda a congregação, o Sumo Sacerdote mergulha as estátuas dos deuses por três vezes, em nome da Trindade mística, na água, após o que ficam todos purificados. O hino órfico afirma que a água é o maior purificador dos homens e dos deuses.
Nossa seita nazarena, como se sabe, organizou-se por volta de 150 d.C., e viveu nas margens do Jordão, e na costa ocidental do Mar Morto, de acordo com Plínio e Flávio Josefo. Mas no Gnostics de King descobrimos, citada, outra afirmação de Josefo (Antiq., XV, 15), que diz que os essênios se haviam estabelecido nas costas do Mar Morto “milhares de séculos” antes do tempo de Plínio.
ZOROASTRO UM NOME GENÉRICO.
É natural, por conseguinte, que vejamos no nome de Zoroastro não um nome, mas um termo genérico a descoberta de cujo significado deixamos aos filósofos. Guru, em sânscrito, é um mestre espiritual; e, como Zaruastara significa, na mesma língua, aquele que reverencia Sol, por que seria impossível que, graças a algumas mudanças natural da linguagem, devido ao grande número de diferentes nações que se converteram ao culto do Sol, a palavra guru-astara, o mestre espiritual do culto do Sol, que se assemelha estreitamente ao nome do fundador dessa religião, se transformou gradualmente em sua forma primitiva Zuryastara ou Zoroastro? Opinam os cabalistas que houve apenas um Azaratusta e muitos guruastaras ou mestres espirituais, e que apenas um desses guru, ou antes, huru-aster, como é chamado nos antigos manuscritos, foi o instrutor de Pitágoras. À filosofia e aos nossos leitores deixamos a explicação pelo que ela vale. Pessoalmente, acreditamos nela, como acreditamos, quanto a esse assunto, muito mais na tradição cabalística do que na explicação dos cientistas, que até hoje ainda não conseguiram entrar em acordo sobre qualquer tema.
Aristóteles afirma que Zoroastro viveu 6.000 anos antes de Platão; Hermippus de Alexandria, que teria lido os livros genuínos dos zoroastrianos, embora Alexandre Magno seja acusado de tê-los destruído, mostra Zoroastro como pupilo de Agonaces (Agon-ach, ou o Deus Ahon), vivendo 5.000 anos antes da queda de Tróia. Er ou Eros, cuja visão é relatada por Platão, na República, teria sido, segundo Clemente de Alexandria, Zardosht. Embora o mago que destronou Cambises tenha sido um meda, e Dario proclame que aboliu os ritos mágicos para estabelecer os de Ormasde, Xanthus de Lídia declara que Zoroastro havia sido o chefe dos magos!
Qual dos dois está errado? Ou ambos certos, falhando os intérpretes modernos em explicar a diferença entre Reformador e os seus apóstolos e seguidores? Esse lapso de nossos comentaristas lembra-nos o de Suetônio, que confundiu os cristãos com um certo Cristos, ou Cresto, como o grafa, e informa a seus leitores que Cláudio o baniu por causa da agitação que provocara entre os judeus.
Finalmente, e para voltar outra vez ao nazars, Plínio faz menção a Zaratus nas seguintes palavras: “Ele era Zoroastro e Nazareno”. Visto que Zoroastro é chamado de princeps dos magos, e que nazar significa separado ou consagrado, não é tal palavra uma tradução hebraica de mag? Volney assim o crê. A palavra persa na-zaran significa milhões de anos, e diz respeito ao “Ancião dos Dias” caldeu. Daí o nome de nazars ou nazarenos, que se consagraram ao Deus Supremo, o Ain Soph cabalístico, ou o Ancião dos Dias, o “Ancião dos Anciãos”.
Mas a palavra nazar pode ser encontrada também na Índia. No hindustani, nazar é a visão interna ou sobrenatural; nazar-bandî significa fascinação, um encantamento mesmérico ou mágico; e nazarân é a palavra para visão.
Contudo nosso ponto de vista de que as doutrinas secretas dos magos, dos budistas pré-védicos, dos hierofantes do Thoth ou Hermes egípcio, e dos adeptos de qualquer século ou nacionalidade, incluindo os cabalistas caldeus e os nazars judeus, eram idênticos desde o início. Quando empregamos o termo budistas, não fazemos em absoluto menção ao Budismo exotérico instituído pelos seguidores de Gautama Buddha, nem à moderna religião budista, mas à filosofia secreta de Sâkyamuni, que em sua essência é certamente idêntica à antiga religião da sabedoria do santuário, o Bramanismo pré-védico. O “cisma” de Zoroastro, tal como é chamado, é uma prova direta disso. Pois não houve um cisma, estritamente falando, mas apenas uma exposição parcialmente pública de verdade religiosas estritamente monoteísta, até então ensinadas apenas nos santuários, e que ele havia aprendido dos brâmanes. Zoroastro, o fundador original do culto solar não pode ser chamado de fundador do sistema dualista, nem foi ele o primeiro a ensinar a unidade de Deus, visto que nada ensinou além do que os brâmanes lhe haviam comunicado.
Se agora podemos provar – e podemos fazê-lo com base na evidência da Cabala e das tradições mais antigas da religião da sabedoria, a filosofia dos antigos santuários – que todos esses deuses, seja os dos zoroastristas, seja os do Veda, são apenas poderes ocultos da natureza personificados, servidores fiéis dos adeptos da sabedoria secreta – a Magia -, estaremos em terra firme.
Por conseguinte, quando dizemos que o Cabalismo e o Gnosticismo procedem do asdeísmo ou do Zoroastrimo, queremos afirmar a mesma coisa, a menos que lhes demos o significado de oculto exotérico – o que não é o caso. Assim também, e nesse mesmo sentido, fazemos eco a King, o autor de The Gnostics, e a diversos outros arqueólogos, afirmando que as duas primeiras escolas procedem do Budismo, que é ao mesmo tempo a mais simples e a mais satisfatória das filosofias, e que resultou numa das mais puras religiões do mundo. É apenas uma questão de cronologia decidir qual dessas religiões, que diferem apenas na forma externa, é a mais antiga, e, por conseguinte, a menos adulterada. Mas mesmo isso só toca indiretamente no assunto de que aqui tratamos. Já há muito tempo antes de nossa era, os adeptos, exceto na Índia, haviam cessado de se congregar em grandes comunidades; mas seja entre os essênios, seja entre os neoplatônicos, seja, ainda, entre as inúmeras seitas dissidentes que nasceram para morrer, as mesmas doutrinas, idênticas em substância e espírito, se não sempre em forma, são sempre encontradas. Por Budismo, por conseguinte, entendemos a religião que significa literalmente a doutrina da sabedoria e que precede em muitos séculos à filosofia metafísica de SIDDHÂRTHA-SÂKYAMUNI (Nome do fundador do Budismo).
A DOUTRINA DA TRANSMIGRAÇÃO PREGADA POR JESUS.
Após dezenove séculos de forçadas eliminações dos livros canônicos de toda sentença que poderia instalar o investigador no caminho correto, tornou-se muito difícil mostrar, para satisfação da ciência exata, que os adoradores “pagãos” de Adónis, seus vizinhos, os nazarenos, e os essênios pitagóricos, os terapeutas curadores, os ebionitas e outras seitas foram todos, com pouquíssimas diferenças, seguidores dos antigos mistérios teúrgicos. No entanto, graças à analogia e a um firme estudo do sentido oculto de seus ritos e costumes, podemos traçar-lhes as afinidades.
Foi dada a um contemporâneo de Jesus a possibilidade de mostrar à posteridade, interpretando a literatura mais antiga de Israel, a que ponto a Filosofia Cabalística concordava em seu esoterismo com a dos mais profundos pensadores gregos. Esse contemporâneo, ardente discípulo de Platão e Aristóteles, foi Fílon, o Judeu. Porque explica os livros mosaicos de acordo com um método puramente cabalístico, ele é o famoso escritor hebreu a quem Kingsley chama de Pai do Novo Platonismo.
É evidente que os terapeutas de Fílon são um ramo dos essênios. Seu nome o indica – médicos. Daí, as contradições, as falsificações e outros desesperados expedientes para reconciliar as profecias do cânone judaico com a natividade e a divindade do Galileu.
Lucas, que era médico, é designado nos textos siríacos como Asaya, o essaiano ou essênio. Josefo e Fílon descreveram bastante essa seita para não deixar nenhuma dúvida em nossa mente de que o Reformador nazareno, após ter recebido sua educação nas moradas essênias do deserto, e ter sido profundamente iniciado nos mistérios, preferiu a vida livre e independente de um nazaria errante, e assim se separou ou se desnazarianou deles, tornando-se um terapeuta viajante, um nazaria, um curador. Todo terapeuta, antes de deixar sua comunidade, tinha de fazer o mesmo. Tanto Jesus como João Batista pregaram o fim da Idade (O significado real da divisão em eras é esotérico e budista. Os cristãos não iniciados tão pouco o compreenderam que aceitaram as palavras de Jesus literalmente e acreditaram firmemente que ele falava fim
do mundo. Já antes houvera muitas profecias sobre a era vindoura. Virgílio, na quarta Écloga, faz menção a Metatron – uma nova prole que terminará com a idade de ferro para renascer com a idade de ouro.), o que prova seu conhecimento da computação secreta dos sacerdotes e dos cabalistas, que partilhavam com os chefes das comunidades essênias o segredo exclusivo da duração dos ciclos. Esses últimos eram cabalistas e teurgistas; “tinham seus livros místicos, e prediziam os eventos futuros”, diz Munk.
Dunlap, cujas pesquisas pessoais parecem ter sido coroadas de sucesso nessa direção, constata que os essênios, os nazarenos, os dositeus e algumas outras seitas já existiam antes de Cristo: “Elas rejeitavam os prazeres, desprezavam as riquezas, amavam uns aos outros em mais do que outras seitas, desprezavam o matrimônio, considerando o domínio sobre as paixões como uma virtude”, diz ele.
Todas essas virtudes era pregadas por Jesus; e se devemos aceitar os Evangelhos como um padrão de verdade, Cristo era um partidário da metempsicose, um reencanacionista – tal como esses mesmos essênios, que eram pitagóricos em todos os seus hábitos e doutrinas. Jâmblico afirma que o filósofo sammiano passou algum tempo com eles no monte Carmelo. Em seus discursos e sermões, Jesus sempre falou por parábolas e empregou metáforas com seus ouvintes. Esse hábito é também característico dos essênios e dos nazarenos; os galileus que habitavam em cidades e aldeias jamais foram conhecidos por empregarem tal linguagem alegórica. Na verdade, sendo alguns de seus discípulos galileu, como ele próprio, ficaram estes surpresos ao vê-lo empregar tal modo de expressão com o público. “Por que lhes falas por parábolas?”, perguntavam com freqüência. “Porque a vós foi dado conhecer os mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não”, foi a resposta, que era a de um iniciado. “É por isso que lhes falo por parábolas: porque vêem sem ver, e ouvem sem ouvir, nem entender.” (Mateus, XII, 10-3) Além disso, vemos Jesus expressando ainda mais claramente seus pensamentos – e em sentenças que são puramente pitagóricas – quando, durante o Sermão da Montanha, diz:
“Não deis o que é sagrado aos cães,
Nem atireis as pérolas aos porcos;
Pois os porcos as pisarão
E os cães se voltarão e vos morderão.”
O Prof. A. Wilder, o editor de Eleusinian and Bacchic Mysteries, de Taylor, observa “uma idêntica disposição da parte de Jesus e Paulo para classificar suas doutrinas como esotéricas e exotéricas, `os mistérios do Reino de Deus para os apóstolos e `parábolas’ para a multidão. `Pregamos a sabedoria’, diz Paulo, `àqueles dentre eles que são perfeitos’ (ou iniciados)”.
Nos mistérios de Elêusis e em outros, os participantes eram sempre divididos em duas classes: os neófitos e os perfeitos. Os primeiros eram às vezes admitidos na iniciação preliminar: a representação dramática de Ceres, ou a alma, que desce ao Hades (Essa descida ao Hades significa a sina inevitável de toda alma que se une por algum tempo a um corpo terrestre. Essa união, ou essa sombria perspetiva para a alma de se ver aprisionada na sombria morada de um corpo, era vista por todos os filósofos antigos, e ainda hoje pelos budistas modernos, como uma punição.). Mas só aos “perfeitos” era concedido desfrutar dos mistérios do divino Elysium, a morada celestial do abençoado, sendo o Elísio inquestionavelmente um correlato do “Reino dos Céus”. Contraditar ou rejeitar o que está acima seria apenas fechar os olhos à verdade.
A narrativa do Apóstolo Paulo, em sua segunda Epístola aos Coríntios (XII,2-4), impressionou a vários eruditos, bem versados nas descrições dos ritos místicos da iniciação dados por alguns clássicos, e que fazem alusão, sem nenhuma dúvida, à Epopteia final. “Conheci um certo homem que foi arrebatado ao Paraíso – se em seu corpo, se fora do corpo, não sei: Deus o sabe – e que ouviu palavras inefáveis, que não é lícito ao homem repetir.” Essas palavras raramente foram consideradas pelos comentaristas, ao que saibamos, como uma alusão às visões beatíficas de um vidente “iniciado”. Mas a fraseologia é inequívoca. Essas coisas “que não é lícito ao homem repetir” são sugeridas pelas próprias palavras, e a razão que se dá para isso é a mesma que vemos repetida muitas vezes por Platão, Proclo, Jâmblico, Heródoto e outros clássicos. “Pregamos a SABEDORIA [apenas] àqueles que são PERFEITOS”, diz Paulo [I Coríntios, II, 6.), sendo a seguinte a tradução clara e inegável dessa frase: “pregamos as doutrinas esotéricas mais profundas (ou finais) dos mistérios (que foram denominados sabedoria) apenas àqueles que são iniciados.” Por conseguinte, no que diz respeito ao “homem que foi arrebatado ao Paraíso” – e que era evidentemente o próprio Paulo -, a palavra cristã Paraíso substituiu o nome Elísio. Para completar a prova, podemos relembrar as palavras de Platão, dadas noutro lugar, que mostram que, antes de um iniciado poder ver os deuses em sua luz mais pura, ele deve libertar-se de seu corpo; i.e., separar sua alma astral. Apuleio também descreve sua iniciação nos mistério da mesma maneira: “Aproximei-me dos confins da morte; e, tendo trilhado o limiar de Proserpina, retornei, após ter sido transportado por todos os elementos. Nas profundezas da meia-noite, vi o Sol faiscando com uma esplêndida luz, juntamente com os deuses infernais e supernos, e, ao me aproximar dessas divindades, paguei o tributo de uma devota adoração”.
Portanto, em comum com Pitágoras e outros reformadores hierofantes, Jesus dividiu seus ensinamentos em exotéricos e esotéricos. Seguindo fielmente os procedimentos pitagóricos-essênios, ele jamais se sentou à mesa antes dizer “graças”. “O sacerdote reza antes de se pôr à mesa”, diz Josefo, descrevendo os essênios. Jesus também dividia seus seguidores em “neófitos”, “irmãos” e “perfeitos”, se podemos julgar pela diferença que fazia entre eles. Mas sua carreira, pelo menos como um rabino público, foi de duração curta demais para lhe permitir estabelecer uma escola regular própria; e com exceção, talvez, de João, não consta que ele tenha iniciado qualquer outro apóstolo. Os amuletos e talismã gnósticos são, antes de mais nada, emblemas das alegorias apocalípticas. As “sete vogais” estão estritamente relacionadas com os “sete selos”; e o título místico Abraxas partilha tanto da composição de Shem ha-Mephosah, “a palavra sagrada” ou nome inefável, como era o nome chamado: A palavra de Deus, que “ninguém conhecia, exceto ele próprio”, como o expressa João.
O APOCALIPSE CABALIASTICO.
Seria difícil escapar às provas indiscutíveis de que o Apocalipse é obra de um cabalista iniciado, visto que essa Revelação apresenta passagens inteiras tomadas do Livro de Enoch e Daniel, sendo o segundo uma imitação abreviada do primeiro; e visto que, além disso, os gnósticos ofitas, que rejeitavam por completo o Antigo Testamento, por “provir de um ser inferior” (Jeová), aceitavam os profetas mais antigos, tais como Enoch, baseando sua fé nos ensinamentos desse livro. Mostraremos mais adiante como todos essas doutrinas estão estritamente relacionadas. Além disso, há a história das perseguições domicianas de mágicos e filósofos, que fornece uma prova tão boa como outra de que João era geralmente considerado um cabalista. Como o apóstolo havia sido incluído no rol dos cabalistas, sendo ademais de grande renome, o edito imperial o baniu não apenas de Roma, mas até do continente. Não eram os cristãos que – confundindo-os com os judeus, como o fazem vários historiadores – o imperador perseguia, mas os astrólogos e cabalistas.
JESUS CONSIDERADO COMO UM ADEPTO.
As acusações feitas a Jesus de praticar a magia egípcia foram numerosas, e, a um certo momento, universais, nas cidades em que ele era conhecido. Os fariseus, como afirma a Bíblia, foram os primeiros a acusá-lo, embora o Rabino Wise seja da opiniões de que o próprio Jesus era um fariseu. O Talmude assinala claramente que Tiago, o Justo, pertencia a essa seita, Mas esses sectários são conhecidos por terem sempre lapidado todos os profetas que lhes denunciam as más ações, e não é sobre esse fato que assentamos nossa afirmação. Eles o acusaram de feitiçaria, e de expulsar os demônios por Belzebu, seu príncipe, e com mais razão do que o clero católico, que mais tarde lançou a mesma acusação sobre mais de um mártir inocente. Mas Justino, o Mártir, afirma, com base em melhores autoridades, que os homens de sua época que não eram judeus sustentavam que os milagres de Jesus foram realizados por arte mágica a mesma expressão utilizada pelos céticos daqueles dias para designar os atos de taumaturgia realizados nos templos pagãos. “Eles se arriscaram até a chamá-lo de mago e enganador do povo”, lamenta o mártir. No Evangelho de Nicodemos (os Acta Pilati), os judeus apresentam a mesma acusação na presença de Pilatos. “Não te falamos que ele era um mago?” (Evangelho segundo Nicodemos, II, 3 (Hone e Grynaeus.). Celso admite a mesma acusação, e como um neoplatônico acredita nela. A literatura talmúdica está repleta de detalhes minuciosos, e sua maior acusação é de que “Jesus podia voar tão facilmente pelos ares como os outros podem caminhar”. (Talmud: Yôhânân.). Santo Agostinho afirmou que era crença geral de que ele havia sido iniciado no Egito, e de que escrevera livros a respeito da Magia, transmitidos a João. Havia uma obra intitulada Magia Jesu Christi que foi atribuída ao próprio Jesus. Nas Aprovações clementinas lança-se a acusação a Jesus de não realizar seus milagres como um profeta judeus, mas como um mago, i.e., um iniciado dos templos “pagãos”. (Magia Jesu Christi I, LVIII.)
Era então comum, como ainda o é hoje, entre o clero intolerante das religiões antagônicas, assim como entre as classes mais baixas da sociedade, e mesmo entre os patrícios que, por várias razões, haviam sido excluído de qualquer participação dos mistérios, acusar, às vezes, os mais altos hierofantes e adeptos de feitiçaria e magia negra. Assim, Apuleio, que havia sido iniciado, foi igualmente acusado de bruxaria, e de trazer consigo a imagem de um esqueleto – um poderoso agente, como se afirma, nas operações da arte negra. Mas uma das melhores e mais inquestionáveis provas de nossa afirmação pode ser encontrada no chamado Museo Gregoriano. Sobre o sarcófago, que é adornado de baixos-relevos que representam os milagres de Cristo, pode-se ver a figura de Jesus, que, na ressurreição de Lázaro, aparece sem barba “e equipado com um bastão na atitude clássica de um necromante, ao passo que o cadáver de Lázaro está embalsamado exatamente como uma múmia egípcia”. (King The Gnostics, p. 145 (1º ed.); o autor situa esse sarcófago entre as primeiras produções dessa arte que mais tarde inundou o mundo com mosaico e estampas representando as cenas e os personagens do “Novo Testamento”.)
O SIGNIFICADO DE DEUS ENCARNADO.
Tudo isso aponta inegavelmente para o fato de que, com exceção de alguns raros autodenominados cristãos que posteriormente triunfaram, toda a porção civilizada dos pagãos que conheciam Jesus honrava-o como um filósofo, um adepto a quem colocavam no mesmo nível de Pitágoras e Apolônio. Donde então essa veneração de sua parte por um homem simples, tal como o representam os sinóticos, um carpinteiro judeu pobre e desconhecido de Nazaré? Enquanto Deus encarnado, tudo o que se diz a seu respeito não resiste ao exame crítico da ciência; enquanto um dos maiores reformadores, inimigo inveterado de todo dogmatismo religioso, perseguidor do fanatismo, mestre de um dos mais sublimes códigos de ética, Jesus é uma das maiores e mais bem-definidas figuras no panorama da história humana. Sua época se perde, gradualmente, nas nuvens do passado; sua teologia, baseada na fantasia humana e sustentada por dogmas indefensáveis, pode, ou melhor, deve perder a cada dia um pouco mais de seu imerecido prestígio; só a grande figura do reformador moral e do filósofo, longe de empalidecer, se torna a cada século mais pronunciada e mais bem-definida. Ela reinará suprema e universal até o dia em que toda a Humanidade reconhecer apenas um pai – o DESCONHECIDO, no alto – e apenas um irmão – toda a Humanidade, embaixo.
Numa carta atribuída a Lêntulo, senador e conhecido historiador, endereçada ao senado romano, acha-se uma descrição da aparência pessoal de Jesus. A carta em si, escrita em péssimo latim, passa por ser uma evidente falsificação, mas nela encontramos uma expressão que sugere muitos pensamentos. Embora falsa, é evidente que aquele que a inventou procurou não obstante seguir estritamente uma tradição. Assim, os cabelos de Jesus são representados como “ondulados e crespos” (…) caindo-lhe sobre os ombros, e “separados ao meio segundo o costume dos nazarenos”. Esta última frase mostra: 1º: Que havia uma tradição, baseada na descrição bíblica de João Batista, o nazaria, e dos costumes dessa seita. 2º: Se Lêntulo tivesse sido o autor dessa carta, é difícil acreditar que Paulo nunca tivesse ouvido qualquer menção a ela; e se este tivesse conhecimento de seu conteúdo, ele jamais teria afirmado que é uma vergonha para os homens ter os cabelos longos, infamando assim ao seu Senhor e Deus Cristo. 3º: Se Jesus tivesse os cabelos longos e “separados ao meio, segundo o costume dos nazarenos” (assim como João, o único de seus apóstolos que seguia tal costume), então teríamos mais uma boa razão para dizer que Jesus deve ter pertencido à seita dos nazarenos, motivo pela qual foi chamado de NAZARIA e não por que era habitante de Nazaré, pois aqueles nunca tinham os cabelos longos. O nazireu que se consagrava ao Senhor “não permitirá que a navalha lhe passe pela cabeça”. “Ele será sagrado e deixará crescer livremente os cabelos”, diz Números (VI,5). Sansão era um nazireu, e.i., consagrado ao serviço de Deus e nos cabelos estava a sua força. “Sobre a sua cabeça não passará navalha, porque o menino será nazireu de Deus desde o ventre da mãe” (Juizes, XIII, 5). Mas a conclusão final a inferir disso é a de que Jesus, que tanto se opôs a todas as práticas judias, não deixaria o cabelo crescer se não pertencesse a essa seita, que nos dias de João Batista já se havia tornado uma heresia aos olhos do Sanhedrin. O Talmude, ao falar dos nazareus ou nazarenos (que abandonavam o mundo, como os iogues e os eremitas hindus), chama-os de seita de médicos, de exorcistas errantes; o mesmo faz Jervis. “Eles percorriam o país, vivendo de esmolas e realizando curas.” Epifânio diz que os nazarenos se aproximavam tanto quanto à heresia dos Coríntios, pois, embora possam ter existido “antes ou depois destes, eles são não obstante sincrônicos”; e acrescenta: “todos os cristãos naqueles tempos eram igualmente chamados nazarenos”!
A DOUTRINA DA PERMUTAÇÃO OU REVOLUTIO.
Na primeira observação feita por Jesus a propósito de João Batista, vemo-lo afirmar que este é o “Elias, que deverá vir”. Esta afirmação, no caso de não ser uma interpolação posterior para simular o cumprimento de um profecia, dá a entender que Jesus, além de nazareno, também era cabalista e acreditava na reencarnação, pois nesta doutrina só estavam iniciados os essênios, nazarenos e discípulos de Simão, ben-Yohai, de Hillel, sem que nada soubessem dela os judeus ortodoxos nem os galileus. A seita dos saduceus negava a imortalidade da alma.
“Mas o autor desta restitutio foi nosso mestre Mosah, a paz seja com ele! Que foi a revolutio [transmigração] de Seth e de Helbel, para que pudesse cobrir a nudez de seu primeiro pai, Adão”, diz a Cabala. Portanto, ao sugerir que João Batista era a revolutio ou transmigração de Elias, Jesus dá provas incontestáveis da escola a que pertencia.
Mas essa doutrina da permutação, ou revolutio, não deve ser entendida como uma crença na reencarnação. Que Moisés era considerado como a transmigração de Abel e Seth não implica que os cabalistas – os que foram iniciados, pelo menos – acreditassem que o espírito idêntico de qualquer dos filhos de Adão reaparecera sob a forma corporal de Moisés. Isso apenas mostra qual o modo de expressão que empregavam para assinalar um dos mistérios mais profundos da Gnose oriental, um dos artigos de fé mais majestosos da Sabedoria Secreta. Esse modo era propositadamente velado a fim de revelar e ocultar a verdade apenas pela metade. Implicava que Moisés, como outros homens divinos, havia alcançado o maior de todos os estados sobre a Terra – o mais raro de todos os fenômenos psicológicos – a união perfeita do espírito imortal com a Díada terrestre. A Trindade estava completa. Um deus havia encarnado. Mas quão raras são essas encarnações!
A EXPRESSÃO, “SOIS DEUSES” PARA OS CABALISTAS.
A expressão “Sois deuses”, que, para os nossos estudiosos bíblicos é uma mera abstração, tem para os cabalistas um significado vital. Todo espirito imortal que se irradia sobre um ser humano é um Deus – o Microcosmo do Macrocosmo, parte e parcela do Deus Desconhecido, a Causa Primária de que ele é uma emanação direta. Possui todos os atributos de sua fonte original. Entre esses atributos estão a onisciência e a onipotência. Dotado de tais atributos, mas incapaz de manifestá-los enquanto está no corpo, durante cujo período são obscurecidos, velados e limitados pelas faculdades da natureza física, o homem habitado pela divindade pode elevar-se muito acima de seus semelhantes, pôr em evidência seus conhecimentos divinos e fazer prova de poderes deificos; pois, enquanto o resto dos mortais ao seu redor são ensombrecidos por seu EU divino, com todas as possibilidades de se tornarem imortais durante sua estada aqui, mas sem outra certeza do que seus esforços pessoais para conquistar o reino dos céus, o homem assim eleito já se tornou imortal enquanto está na Terra. Seu prêmio está assegurado. Doravante, ele viverá para sempre na vida eterna. Não apenas ele pode ter “domínio” sobre todas as obras da criação empregando a “excelência” do NOME (o inefável), mas será nesta vida, não, como Paulo afirma, “abaixo dos anjos”. (Essa contradição, que é atribuída a Paulo em Hebreus, fazendo-o dizer a propósito de Jesus no cap. I, 4: “Sendo tão superior aos anjos”, para afirmar imediatamente a seguir, no cap. II, 9: “Vemos a Jesus, que fora feito, um pouco menor que os anjos”, mostra a forma pouco escrupulosa com que os escritos dos Apóstolos foram tratados, se é que estes jamais escreveram o que quer que fosse.)
Os antigos jamais sustentaram o pensamento sacrílego de que tais entidades perfeitas eram encarnações do Supremo, do Deus para sempre invisível. Nenhuma profanação da terrível Majestade ocupava qualquer lugar em suas concepções. Moisés e seus protótipos e tipos eram para eles apenas homens completos, deuses sobre a Terra, pois seus deuses (espíritos divinos) haviam penetrado seus tabernáculos santificados, os corpos físicos purificados. Os antigos chamavam deuses aos espíritos desencarnados dos sábios e heróis. Daí a acusação de politeísmo e de idolatria por parte daqueles que foram os primeiros a antropomorfizar as abstrações mais sagradas e mais puras de seus ancestrais.
O sentido real e oculto dessa doutrina era conhecido por todos os iniciados. Os tannaim o comunicaram aos seus eleitos, os ozarim, nas solenes solidões das criptas e dos lugares desertos. Essa doutrina era esotérica e zelosamente guardada, pois a natureza humana era então igual à que é hoje, e a casta sacerdotal confiava tanto como hoje na supremacia de seu conhecimento, ambicionando a ascendência sobre as massas ignorantes; com a diferença, talvez, de que seus hierofantes podiam provar a legitimidade de suas afirmações e a plausibilidade de suas doutrinas, ao passo que hoje os fiéis devem se contentar com a fé cega.
Enquanto os cabalistas chamavam a essa misteriosa e rara ocorrência da união do espírito com o ônus mortal confiado ao seu cuidado, de “descida do Anjo Gabriel” (sendo este um nome genérico), o Mensageiro da Vida, e o anjo Metatron, e enquanto os nazarenos chamavam de Hibil-Ziwa o Legatus enviado pelo Senhor Excelso, ele era universalmente conhecido como o “Espírito Ungido”.
Foi, portanto, a aceitação dessa doutrina que levou os gnósticos a firmarem que Jesus era um homem ensombrecido pelo Cristos, ou Mensageiro da Vida, e que seu lancinante grito na cruz, “Eloi, Eloi, lama shâbahthani”, lhe foi arrancado no instante em que sentiu que essa inspiradora Presença o havia finalmente abandonado, pois – como alguns o afirmaram – sua fé também o abandonara quando estava na cruz.
Os primeiros nazarenos, que devem ser alinhados entre as seitas gnósticas, embora acreditando que Jesus era um profeta, sustentavam a seu respeito a mesma doutrina do “ensombrecimento” divino de certos “homens de Deus”, enviados para a salvação das nações, e para chamá-las ao caminho do bem. “A mente divina é eterna, e é para luz, disseminada através de esplêndido e imenso espaço (pleroma). É a Geradora dos Aeons. Mas um destes se transforma em Matéria [Caos] produzindo movimento confusos (turbulentos); e por meio de uma parte da luz celeste ele a conformou numa boa constituição para o uso, mas foi o começo de todo o mal. O Demiurgo [da matéria] reclamou as honras divinas. Por conseguinte, Cristo (“o ungido”), o príncipe dos Aeôns [poderes] (expeditus), e, tomando a forma de um devoto judeu (Iesu), deveria conquistá-lo, mas, pondo-o [o corpo] de lado, partiu para as alturas”. (“Segundo os nazarenos e os gnósticos, o Demiurgo, o criador do mundo material, não é o Deus supremo”, (ver Dunlap, Sõd, tehn Son of the Man.) Explicaremos mais adiante o pleno significado do nome Cristos e o seu sentido místico.
O DOGMA DOS GNÓSTICOS.
E agora, a fim de tornar tais passagens mais inteligíveis, tentaremos definir, da maneira mais breve possível, os dogmas em que, com diferenças insignificantes, quase todas as seitas gnósticas acreditavam. Foi em Éfeso que floresceu nessa época o colégio mais célebre, em que tanto as doutrinas abstratas do Oriente como a filosofia de Platão eram ensinadas. Ele era o foco das doutrinas “secretas” universais; o misterioso laboratório de onde nasceu, vazada na elegante fraseologia grega, a quintessência da filosofia budista, zoroastrista e caldaica. Ártemis, o gigantesco símbolo concreto das abstrações teosófico-panteístas, a grande mão Multimamma, andrógina e padroeira das “escrituras de Éfeso”, foi conquistada por Paulo; mas, embora os zelosos convertidos dos apóstolos tenham pretendido queimar todos os livros sobre as “artes curiosas”, muitos deles restaram, possibilitando-lhes o estudo assim que o seu zelo esfriou. Foi de Éfeso que se irradiou quase toda a Gnose, que antagonizava ferozmente com os dogmas de Irineu; e foi ainda Éfeso, com seu numerosos ramos colaterais do grande colégio dos essênios, que revelou ser o viveiro de todas as especulações cabalistas que os tannaim haviam trazido do cativeiro. “Em Éfeso”, diz J. Matter, “as noções da escola judaica-egípcia haviam então recentemente chegado para engrossar a vasta confluência de doutrinas gregas e asiáticas, de modo que não é de surpreender que os mestres aí se tenham desenvolvido para tentar a combinação da religião recentemente pregada pelo Apóstolo com as idéias há muito estabelecidas nesse local.”
Se os cristãos não se tivessem limitado às Revelações de uma pequena nação, aceitando o Jeová de Moisés, as idéias gnósticas jamais teriam sido acusadas de heresia; uma vez desembaraçado de seus exageros dogmáticos, o mundo teria possuído um sistema religioso baseado na pura filosofia platônica, e muito se teria ganho certamente com isso.
Vejamos agora quais são as maiores heresias dos gnósticos. Escolheremos Basilides como o modelo para as nossas comparações, pois todos os fundadores das outras seitas gnósticas se agruparam ao seu redor, como um sistema planetário que toma luz de seu Sol.
Basilides afirma que havia tomado todas as suas doutrinas do Apóstolo Mateus, e de Pedro, através de Gláucias, seu discípulo. De acordo com Eusébio, ele publicou vinte e quatro volumes de Interpretações dos Evangelhos, os quais todos foram queimados, fato que nos faz supor que continham mais verdades do que a escola de Irineu estava preparada para negar. Ele afirma que o Pai desconhecido, Eterno e Incriado, tendo dado nascimento em primeiro lugar ao Nous, à Mente, esta emanou de si mesma o Logos. O Logos (o “Verbo” de João) emanou por sua vez as Phronêsis, as Inteligências (espíritos divino-humanos). Das Phronêsis nasceu Sophia, a sabedoria feminina, e Dynamis – a força. Tais foram os atributos personificados da misteriosa divindade, o quintérnio gnóstico, que simboliza as cinco substâncias espirituais, mas inteligíveis, as virtudes pessoais ou os seres exteriores da divindade desconhecida. Essa é uma idéia eminentemente cabalística. Ela é ainda mais budista. O sistema primitivo da Filosofia Budista – que precedeu em muito Gautama Buddha – baseia-se na substância incriada do “Desconhecido”, o Âdi-Buddha (*). Essa Mônada eterna e infinita possui, como próprios de sua essência, cinco atos de sabedoria. Destes, por meio de cinco atos separados de Dhyâna, ela emitiu cinco Dhyâni-Buddhas; estes, como Âdi-Buddha, são imóveis em seu sistema (passivo). Nem Âdi, nem qualquer dos cincos Dhyâni-Buddhas jamais se encarnou, mas sete de suas emanações tornaram-se avatâras, i.e., encarnaram-se nesta Terra.
( * Âdi-Buddha – Os cinco fazem misticamente dez. Eles são Andrógino. “Tendo dividido seu corpo em duas partes, A Sabedoria Suprema tornou-se macho e fêmea” (Manu, livro I, sloka 32). Muitas idéias budistas primitivas se acham no Bramanismo. A idéia predominante de que o último dos Budistas, Gautama, é a nona encarnação de Vishnu, ou o novo Avatâra, é parcialmente refutada pelos Brâmanes, e totalmente rejeitada pelos eruditos teólogos budistas. Estes últimos insistem em que o culto de Buddha é muito mais antigo do que qualquer adoração bramânica dos Vedas, que eles chamam de literatura secular. Os Brâmanes mostram eles, provêm de outros países, e estabeleceram sua heresia sobre as divindades populares já aceitas. Conquistaram a terra pela espada, e conseguiram sepultar a verdade, edificando uma teologia própria sobre as ruínas da Teologia mais antiga de Buddha, que havia prevalecido durante séculos. Eles admitem a divindade e a existência espiritual de alguns dos deuses vedantistas; mas, como no caso da hierarquia angélica cristã, eles acreditam que todas essas divindades são muito inferiores, mesmo aos Buddhas encarnados. Não admitem a criação do universo Físico. Espiritual e invisivelmente, ele existe desde a Eternidade, e só se torna visível para os sentidos humanos. Por ocasião de sua primeira manifestação, Ele foi chamado do Reino do Invisível para o Visível por meio do impulso de Âdi-Buddha – a “Essência”. Os Brâmanes computam vinte e duas dessas manifestações visíveis do universo governadas pelos Buddhas, e outras tantas destruições dele, pelo fogo e pela água, em sucessões regulares. Após a última destruição pelo dilúvio, ao fim do ciclo precedente (o cálculo exato, que compreende vários milhões de anos, é um ciclo secreto), o mundo, durante a presente idade de Kali-Yuga – Mahâ- Bhadra-Kalpa – foi governado, sucessivamente, por quatro Buddhas, o último dos quais foi Gautama, “Santo”. O quinto, Maitreya- Buddha, está ainda por vir. Ele é o esperado Rei Messias cabalístico, o Mensageiro da Luz, o Saoshyant, o Salvador persa, que virá montado num cavalo branco. É também o Segundo Advento dos cristãos. Ver o Apocalipse de São João.)
Descrevendo o sistema de Basilides, Irineu, citando os gnósticos declara o seguinte:
“Quando o Pai incriado e sem nome viu a corrupção da Humanidade, enviou o seu Nous primogênito ao mundo, na forma de Cristo, para a redenção de todos os que acreditam nele, por meio da força daqueles que fabricaram o mundo [o Demiurgo e seus seis filhos, os genii planetários. Ele surgiu entre os homens como o homem Jesus, e realizou milagres. Esse Cristo não morreu pessoalmente, pois Simão, o Cirenaico, sofreu em seu lugar, emprestando-lhe sua forma corporal, pois a Força Divina, o Nous do Pai Eterno, não é o corpóreo e não pode morrer. Portanto, todos aquele que afirma que Cristo morreu é ainda escravo da ignorância; todo aquele que nega tal afirmação está livre, e compreendeu o desígnio do Pai”. (Irineu. Adv. Haer., I, XXIV, 4.).
Até aqui, e tomando-o em seu sentido abstrato, nada vemos de blasfemo neste sistema. Ele pode ser uma heresia contra a teologia de Irineu e Tertuliano (Tertuliano virou ele próprio a mesa, rejeitando, mais tarde, as doutrinas pelas quais lutara com tanto rigor, e tornando-se um montanista.), mas não é certamente sacrílego contra a idéia religiosa em si, e a todo pensador imparcial ela parece muito mais compatível com a dignidade divina do que o antropomorfismo do cristianismo atual. Os cristãos ortodoxos chamavam os gnósticos de Docetae, ou Ilusionistas, por acreditarem que Cristo não sofreu nem poderia sofrer realmente a morte – no corpo físico. Os livros bramânicos mais recentes contêm, de igual modo, muita coisa que repugna ao sentimento e à idéia reverente da Divindade; e, assim como os gnósticos, os Brâmanes explicam as lendas que poderiam chocar a dignidade dos seres espirituais, que se chama de deuses, atribuindo-os a Mâyâ, ou ilusão.
Não se deve esperar que um povo, instruído e nutrido através de séculos sem fim entre todos os fenômenos psicológicos que as nações civilizadas (!) observam, mas rejeitam como incrível ou indignos, tenha seu sistema religioso compreendido, e menos ainda apreciado. As especulações mais profundas e mais transcendentais dos antigos metafísicos da Índia e de outras nações baseiam-se todas nesse grande princípio budista e bramânico que subjaz a todo o conjunto de suas metafísicas religiosas – a ilusão dos sentidos. Tudo o que é finito é ilusão, tudo o que é eterno e infinito é realidade. Forma, cor, o que ouvimos e sentimos ou vemos com nossos olhos mortais, tudo isso só existe na medida em que cada um de nós o concebe através dos sentidos. O universo para um cego de nascença não existe em forma ou cor, mas existe em sua privação (no sentido aristotélico), e é uma realidade para os sentidos espirituais do cego. Vivemos todos sob o poderoso domínio da fantasia. Apenas os originais superiores e invisíveis emanados do pensamento do Desconhecido são seres, formas e idéias reais e permanentes; na Terra, vemos apenas seus reflexos, mais ou menos corretos, e sempre dependentes da organização física e mental da pessoa que os contempla.
Séculos incontáveis antes de nossa era, o Místico hindu Kapila, que é considerado por muitos cientistas como um céptico, uma vez que o julgam com a sua habitual superficialidade, expressou magnificamente essa idéia nos seguintes termos:
“O homem [o homem físico] vale tão pouco que é coisa árdua fazê-lo compreender sua própria existência, e a Natureza. Talvez o que consideramos como universo, e os vários seres que parecem compô-lo, nada tenham de real, e não passem de produto da ilusão contínua – mâyâ – de nossos sentidos”.
E diz o moderno Schopenhauer, repetindo essa idéia filosófica de 10.000 anos de idade: “A Natureza não existe per se (…) A Natureza é a ilusão infinita de nossos sentidos.” Kant, Schelling e outros metafísicos disseram o mesmo, e suas escolas sustentam tal idéia. Visto que os objetos dos sentido são sempre enganosos e flutuantes, não podem ser uma realidade. Só o espírito é imutável; portanto – é o único que é ilusório. Tal é a pura doutrina budista. A religião da Gnose (conhecimento), ramo mais evidente do Budismo, baseava-se por completo nesse dogma metafísico. Cristos sofreu espiritualmente por nós, e muito mais agudamente do que fez o ilusório Jesus enquanto o seu corpo estava sendo torturado na Cruz.
O Cristos grego tem vários sentidos, tais como “ungido” (óleo puro, crisma), e outros. Em todas as línguas, embora o sinônimo da palavra signifique essência pura ou sagrada, ela representa a primeira emanação da Divindade invisível, que se manifesta tangivelmente no espírito. O Logos grego, o Messias hebraico, o Verbum latino e o Virâj (o filho) hindu são identicamente os mesmos; representam uma idéia de entidades coletivas – de chamas que se destacam de um centro eterno de Luz.
“O homem que cumpre atos piedosos, mas interesseiros [visando exclusivamente à sua salvação], pode alcançar as fileiras dos devas [santos]; mas aquele que cumpre desinteressadamente os mesmos atos piedosos vê-se liberto para sempre dos cinco elementos” (da matéria). “Percebendo a Alma Suprema em todos os seres e todos os seres na Alma Suprema, oferecendo sua própria alma em sacrifício, ele se identifica com o Ser que brilha em seu próprio esplendor”. (Manu, livro XII, sloka 90, 91.)
Assim, Cristos, como unidade, não passa de uma abstração: uma idéia geral que representa a agregação coletiva das inúmeras entidades espirituais que são as emanações da PRIMEIRA CAUSA infinita, invisível, incompreensível – os espíritos individuais dos homens, erroneamente chamados de almas. Eles são os filhos divinos de Deus, dos quais apenas alguns dominam os homens – mas estes a maioria; alguns permanecem para sempre espíritos planetários, e alguns – a frágil e rara minoria – se unem durante a vida em alguns homens. Seres divinos como Gautama Buddha, Jesus, Lao-Tsé, Krishna e uns poucos outros uniram-se permanentemente com seus espíritos – portanto, tornaram-se deuses sobre a Terra. Outros como Moisés, Pitágoras, Apolônio, Plotino, Confúcio, Platão, Jâmblico e alguns santos cristãos, tendo assim se reunido por intervalos, alinharam-se na história como semideuses e guias da Humanidade. Uma vez libertos de seus tabernáculos terrestres, suas almas liberadas, doravante unidas eternamente com seus espíritos, reúnem-se à hoste resplandecente, que está unida numa solidariedade espiritual de pensamento e ação, e que é chamada “a ungida”. Daí a afirmação dos gnósticos que, sustentando que Cristos sofreu espiritualmente pela Humanidade, queriam subentender que foi seu Espírito Divino quem mais sofreu.
OS PRECEITOS DE MANU.
Abri agora o Livro de Manu, e lede:
“A resignação, a ação de dar o bem pelo mal, a temperança, a probidade, a pureza, a repressão dos sentidos, o conhecimento dos Sâstras [os livros sagrados], e da alma suprema, a veracidade e a abstinência da ira, tais são as dez virtudes em que consiste o dever (…) Aquele que estudarem esses dez preceitos de dever, e depois de os terem estudado, a eles conformarem suas vidas, alcançarão o estado supremo”.
Se Manu não escreveu essas palavras muitos milhares de anos antes da era cristã, pelo menos nenhuma voz em todo o mundo ousará negar-lhes uma antigüidade de alguns séculos. O mesmo vale no caso dos preceitos do Budismo.
Se voltarmos ao Pratimoksha-Sûtra e a outros tratados religiosos dos budistas, leremos os seguintes dez mandamentos:
1. Não matarás nenhuma criatura viva.
2. Não roubarás.
3. Não quebrarás teu voto de castidade.
4. Não mentirás.
5. Não revelarás os segredos dos outros.
6. Não desejarás a morte de teus inimigos.
7. Não desejarás as riquezas de outros.
8. Não pronunciarás palavras injuriosas e obscenas.
9. Não carias na luxúria (deitar em leito macio ou abandonar-se à lassidão).
10. Não aceitarás ouro ou prata.
“Mestre, que devo fazer de bom para alcançar a vida eterna?”, pergunta um homem a Jesus. “Observa os mandamentos. “Quais?” “Não matarás, não cometerás adultério, não roubaras, não prestarás falso testemunhos”, é a resposta.
“O que deverei fazer para ter a posse da Bodhi?” [conhecimento da verdade eterna], pergunta um discípulo ao seu mestre budista. “Qual é o caminho pelo qual se pode tornar um Upâsaka?” “Observa os mandamentos.” “Quais são eles?” “Abstém-se durante toda tua vida do assassínio, do roubo, do adultério e da mentira”, responde o mestre.
Preceitos análogos, como se pode constatar. Preceitos divinos, cuja observância purificaria e exaltaria a Humanidade. Mas são eles mais divinos quanto pronunciados por uma boca do que por outra? Se é divino trocar o mal pelo bem, a enunciação desse preceito por um nazareno lhe dá mais força do que a enunciação por um filósofo indiano ou tibetano? Vemos que a Regra de Ouro não se originou com Jesus; que sua origem está na Índia. Sem embargo de tudo o que fizemos, não podemos negar a Sakyamuni uma antigüidade de pelo menos vários séculos antes do nascimento de Jesus. Ao buscar um modelo para o seu sistema de ética, por que não poderia Jesus ter ido antes aos pés dos Himalaias do que aos pés do Sinai, se tão-somente as doutrinas de Manu e Gautama se harmonizavam exatamente com a sua própria filosofia, ao passo que as de Jeová lhe eram abomináveis e terríficas? Os hindus ensinavam a trocar o mal pelo bem, mas o mandamento javético rezava: “olho por olho, dente por dente”.
JEOVÁ É IDÊNTICO A BACO.
Sustentariam ainda os cristãos a identidade do “Pai” de Jesus com Jeová, se pudesse aduzir uma prova suficiente clara de que o “Senhor Deus” não é outro senão o Baco pagão, Dionísio? Pois bem, a identidade do Jeová do Monte Sinai com o deus Baco é praticamente indiscutível. O Nome é Yava, ou Iao, segundo Diodorus e Lydus, que é o nome secreto do deus dos mistérios fenício; e ele foi realmente adotado pelos caldeus, para quem designava igualmente o nome secreto do criador. Em toda parte em que Baco era adorado, havia a tradição de Nisa e uma caverna em que ele era erguido. Beth-San ou Scythopolis, na Palestina, trazia essa designação; havia um local semelhante no Monte Parnaso. Mas Diodorus declara que Nisa se localizava entre a Fenícia e o Egito; Eurípedes afirma que Dionísio veio à Grécia oriundo da Índia; e Diodorus acrescenta seu testemunho: “Osíris foi erguido em Nisa, na Arábia Feliz; ele era filho de Zeus, e seu nome deriva do pai [nominativo Zeus, genitivo Dios], chamando-se então o local de Dios-Nysos” – o Zeus ou Júpiter de Nisa. Essa identidade de nome ou título é muito significativa. Na Grécia, Dionísio ocupava uma eminência superada apenas por Zeus, e diz Píndaro:
“Assim governa o Pai Zeus e todas as coisas, e Baco Também.”
Mas, fora da Grécia, Baco era o todo-poderoso “Zagreus, o deus supremo”. Moisés parece tê-lo adorado pessoalmente e em conjunto com o populacho no Monte Sinai; a menos que admitamos que ele era um sacerdote iniciado, um adepto, que sabia como levantar o véu que cobre o culto exotérico, porém manteve o segredo. “E Moisés edificou um altar, e o chamou de Jeová-NISSI”, ao Iao-Nisi! Que melhor prova para mostrar que o deus do Sinai era indiferentemente Baco, Osíris e Jeová? S. Sharpe acrescenta também seu testemunho de que o local em que Osíris nasceu “era o monte Sinai, chamado pelos egípcios de Monte Nissa”. A Serpente Brônzea era uma nahash, e o mês da Páscoa judaica, nisan.
Se o “Senhor Deus” mosaico era o único Deus vivo, e Jesus, Seu único Filho, como explicar a fala rebelde deste último? Sem hesitação ou qualquer outra explicação, ele subverte a lex talionis judaica e a substitui pela lei da caridade e da abnegação. Se o Velho Testamento é uma revelação divina, o que será então o Novo Testamento? Devemos crer num Deus que se contradiz no curso de uns poucos séculos? Era Moisés um inspirado, ou não era Jesus o filho de Deus? Esse é o dilema de que os teólogos nos devem tirar. E é desse mesmo dilema que os gnósticos tentaram resgatar o nascente Cristianismo.
Há dezenove séculos que a Justiça espera por comentadores inteligentes que apreciem essa diferença entre o ortodoxo Tertuliano e o gnóstico Marcion. “Como pode um deus”, indagou Marcion, “quebrar os seus próprios mandamentos? Como pode ele defender a idolatria e o culto das imagens, e no entanto ordenar a Moisés que erija uma serpente de bronze? Como pode ordenar: “Não roubarás”, e no entanto ordenar que os israelitas espoliem os egípcios de seu ouro e de sua prata?” Antecipando os resultados da crítica moderna, Marcion nega que se possa atribuir a Jesus as chamadas profecias messiânicas. Escreve o autor de Supernatural Religion: “O Emanuel de Isaías [VII, 14; cf. VIII, 4] não é Cristo; a `Virgem’, sua mãe, é simplesmente uma `jovem’ [uma almeh do templo]; e os sofrimentos do Servo de Deus (Isaías, LII, 13-LIII, 3) não são predições da morte de Jesus”.
Isis Sem Véu – VOLUME III – TEOLOGIA I
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