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19 – T
ELAGABALA – VOCATIO – Sol – Aurum
Os antigos adoravam o sol sob a forma de uma pedra preta que denominavam Elagabala ou Heliogabala. Que significava esta pedra, e como podia ela ser a imagem do mais brilhante dos astros?
Os discípulos de Hermes, antes de prometer aos seus adeptos o elixir de longa vida, ou o pó de projeção, lhes recomendavam que procurassem a pedra filosofal . Que é esta pedra , e por que uma pedra?
O grande iniciador dos cristãos convida seus fiéis a construir sobre uma pedra , se não quiserem ver derrubadas suas construções. Chama a si próprio de pedra angular e diz ao mais crente dos seus apóstolos: “Chamas -te Pedro , porque és a pedra sobre a qual construirei minha Igreja ”.
Esta pedra , dizem os mestres de alquimia, é o verdadeiro sal dos filósofos, que entra por um terço na composição do a zoth . Ora, Azoth é, como sabemos, o nome do grande agente hermético e do verdadeiro agente filosofal; por isso representam eles o seu sal sob a forma de uma pedra cúbica, como podemos ver nas doze chaves do Basílio Valentino ou nas alegorias de Trevisano.
Que é, pois, em verdade, esta pedra? É o fundamento da filosofia absoluta, é a suprema e inabalável razão. Antes de pensar na obra metálica é preciso estar sempre fixo sobre os princípios absolutos da sabedoria, é preciso possuir esta razão que é a pedra de toque da verdade. Nunca um homem de preconceitos será rei da natureza e senhor das transmutações. A pedra filosofal é, pois, antes de tudo, necessária; mas, como achá – la? Hermes no – lo ensina na sua tábua de esmeralda. É preciso separar o sutil do fixo, com grande cuidado e uma atenção extrema. Assim, devemos desembaraçar as nossas certezas das nossas crenças e fazer bem distintos os domínios respectivos da ciência e da fé; compreender bem que não sabemos as coisas que cremos, e que não cremos mais em nenhuma das coisas que chegamos a saber, e que, assim, a essência das coisas da fé é o desconhecido e o indefinido, ao passo que é tudo o contrário das coisas da ciência.
Concluirão disso que a ciência repousa sobre a razão e a experiência, ao passo que a fé tem para base o sentimento e a razão. Em outros termos, a pedra filosofal é a verdadeira certeza que a prudência humana dá às investigações conscienciosas e à dúvida modesta, ao passo que o entusiasmo religioso a dá exclusivamente à fé. Ora, ela não pertence nem à razão sem aspirações, desrazoáveis; a verdadeira certeza é a aquiescência recíproca da razão que sabe ao sentimento que crê, e do sentimento que crê à razão que sabe. A aliança definitiva da razão e da fé resultará não da sua distinção e separação absolutas, mas do seu exame mútuo e do seu concurso fraterno. Tal é o sentido das duas colunas do pórtico de Salomão, uma das quais e branca e a outra preta. Elas são distintas e separadas, até são contrárias em aparência; mas a força cega quer reuni – las, aproximando – as, a abóbada do templo se desmoronará; porque, separadas, têm uma idêntica força; reunidas, são duas forças que se destroem mutuamente. É pela mesma razão que o poder espiritual se enfraquece, quando quer usurpar o temporal, e que o poder temporal perece, vítima da sua usurpação do poder espiritual. Gregório VII perdeu o papado, e os reis cismáticos perderam e perderão a monarquia. O equilíbrio humano tem necessidade de dois pés, os mundos gravitam sobre duas forças, a geração exige dois sexos. Tal é o sentido do Arcano de Salomão, figurado pelas duas colunas do tempo, Jakin e Bohas.
O sol e lua dos alquimistas correspondem ao mesmo símbolo e concorrem para o aperfeiçoamento e a estabilidade da pedra filosofal. O sol é o signo hieroglífico da verdade, porque é a fonte visível da luz, e a pedra bruta é o símbolo da estabilidade. È por isso que os antigos magos tomavam a pedra Elagabala pela própria figura do sol, e é também por isso que os alquimistas da Idade Média indicavam a pedra filosofal como o primeiro meio de fazer o ouro filosófico, isto é, de transformar todas as forças vitais figuradas pelos seis metais em sol, isto é, em verdade e em luz, primeira e indispensável operação da grande obra, que leva às adaptações secundárias, e que faz pelas analogias da natureza, achar o ouro natural e grosseiro aos criadores do ouro espiritual e vivo, aos possuidores do verdadeiro sal, do verdadeiro mercúrio e do verdadeiro enxofre filosófico.
Achar a pedra filosofal é, pois, ter descoberto o absoluto, como dizem alhures todos os mestres. Ora, o absoluto é o que não admite mais erro, é o fixo do volátil, é a regra da imaginação, é a própria necessidade do ser, é a lei imutável de razão e verdade; o absoluto é o que é. Ora que está em algum senso precede ele que é. O próprio Deus não existe sem razão de ser e só pode existir em virtude de uma suprema e inevitável razão. É, pois, esta razão que é o absoluto; é nela que devemos crer, se quisermos que a nossa fé tenha uma base razoável e sólida. Puderam dizer, nos nossos dias, que Deus é somente uma hipótese, mas a razão absoluta não o é: ela é essencial ao ente.
São Tomás disse: “Uma coisa não é justa porque Deus a quer, mas Deus a quer porque ela é justa ”. Se São Tomás tivesse deduzido logicamente todas as conseqüências deste belo pensamento, teria achado a pedra filosofal e, em lugar de limitar- se a ser o anjo da escola, teria sido o seu reformador.
Crer na razão de Deus e no Deus da razão é tornar impossível o ateísmo. São os idólatras que fizeram os ateus. Quando Voltaire dizia: “Se Deus não existisse, era preciso inventá- lo ”, ele antes sentia que não entendia a razão de Deus. Deus existe realmente? Nada sabemos disso, mas desejamos que isso seja, e é por isso que nos o cremos. A fé formulada assim é a fé razoável, porque admite a dúvida da ciência; e, com efeito, só cremos nas coisas que nos parecem prováveis, mas que não sabemos. Pensar de outro modo é delirar; falar de outro modo é expressar- se como iluminado ou fanático. Ora, não é a semelhantes pessoas que a pedra filosofal é prometida.
Os ignorantes que desviaram o cristianismo primitivo do seu caminho, substituindo a fé à ciência, o sonho à experiência, o fantástico à realidade; os inquisidores que fizeram, durante tantos séculos, uma guerra de extermínio à magia, chegaram a cobrir de trevas as antigas descobertas do espírito humano; de modo que hoje andamos às apalpadelas para achar de novo a chave dos fenômenos da natureza. Ora, todos os fenômenos naturais dependem de uma única e imutável lei, representada também pela pedra filosofal, mas principalmente pela forma simbólica, que é o cubo. Esta lei, expressa na Cabala pelo quaternário, tinha fornecido aos hebreus todos os mistérios do seu tetragrama divino. Podemos, pois, dizer que a pedra filosofal é quadrada em todos os sentidos, como a Jerusalém celeste de São João e que traz escrito de um lado o nome de
e do outro o de Deus; numa das suas faces o de Adão, na outra o de Heva , depois os de Azoth e Inri nas duas outras. No frontispício de uma tradução francesa de um livro do senhor de Nuisement sobre o sal filosófico, vê – se o espírito da terra de pé num cubo que é percorrido por línguas de fogo; tem um caduceu como phallus , e o sol e a lua no peito, à direita e à esquerda; está barbado, coroado, e tem um cetro na mão. É o Azoth dos sábios no seu pedestal de sal e enxofre. Dão, às vezes, a esta imagem a cabeça simbólica do bode de Mendes; é o Baphomet dos Templários, o bode do Sabbat e o verno dos gnósticos/ imagens bizarras que serviram de espantalho ao vulgo, depois de terem servido para as meditações dos sábios, hieróglifos inocentes do pensamento e da fé que serviram de pretexto aos furores das perseguições. Quanto os homens são desgraçados na sua ignorância, mas também quanto desprezariam a si mesmos se chegassem a conhecê – la!
Eliphas Levi – Dogma e Ritual da Alta Magia
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