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12 – M
DISCITE – CRUX
A grande obra é, antes de tudo, a criação do homem por si mesmo, isto é, a conquista plena e total que faz das suas faculdades e do seu futuro; é, principalmente, a emancipação perfeita da sua vontade, que lhe assegura o império universal do Azoth e do domínio da Magnésia, isto é, um pleno poder sobre o agente universal.
Este agente mágico, que os antigos filósofos herméticos encobriam sob o nome de matéria- prima, determina formas da substância modificável, e pode – se, realmente, chegar, por seu meio, à transmutação metálica e à medicina universal. Isto não é uma hipótese, é um fato científico já experimentado e rigorosamente demonstrável.
Nicola Flamel e Raimundo Lullo, ambos pobres, distribuíram, riquezas imensas.
Agrippa só chegou à primeira parte da grande obra, e morreu de sofrimento, lutando para possuir unicamente a si próprio e fixar sua independência.
Há, pois, duas operações herméticas: uma espiritual, outra temporal, e que dependem uma da outra.
Aliás, toda a ciência hermética está contida no dogma de Hermes, gravado primitivamente, dizem, numa tábua de esmeralda. Já explicamos os seus primeiros artigos; eis aqui os que se referem à operação da grande obra:
“Separarás a terra do fogo, o sutil do espesso suavemente, com grande indústria ”.
“Ele sobe da terra ao céu, e logo desce a terra, e recebe a força das coisas superiores e inferiores ”.
“Terás por este meio a glória de todo mundo, e, por isso, toda obscuridade desaparecerá de ti ”.
“É a força fonte de toda força, porque ela vencerá todas as coisas sutis e penetrará em todas as coisas sólidas ”. “Assim o mundo criado ”.
Separar o sutil do espesso, na primeira operação, que é totalmente interior, é libertar a alma de todo preconceito e de todo vício, o que se faz pelo uso do sal filosófico, isto é, da sabedoria; do mercúrio, isto é, da habilidade pessoal e do trabalho; depois, enfim, do enxofre, que representa a energia vital e espiritual até as coisas menos preciosas, e até as imundícies da terra. É neste sentido que é preciso entender a turba dos filósofos, Bernardo Trevisano, de Basílio Valentino, de Maria Egipcíaca e dos outros profetas da alquimia; mas, nas suas obras, como na grande obra, é preciso separar habilmente o sutil do espesso, o místico do positivo, a alegoria da teoria. Se os quiserdes ler com prazer e inteligência, deveis primeiramente ouvi – los alegoricamente no seu conjunto, depois descer das alegorias às realidades por meio das correspondências ou analogias indicadas no dogma único: “O que está em cima é como o que está embaixo, e reciprocamente ”.
A palavra Art , voltada ou lida à maneira das escrituras sagradas e primitivas, isto é, da direita para a esquerda, exprime, por três iniciais, os diferentes graus da grande obra. T significa ternário, teoria e trabalho; R , realização; A , adaptação. Daremos, no duodécimo capítulo do Ritual , as receitas dos grandes mestres para a adaptação, e especialmente a que se acha na fortaleza hermética de Henri Khunrath.
Recomendamos aqui, às investigações dos nossos leitores, um admirável tratado atribuído a Hermes Trismegisto, e que tem o título de Minerva Mundi . Este tratado se acha somente em algumas edições de Hermes, e contém, sob alegorias cheias de poesias e profundidade, o dogma da criação dos seres por si mesmos, ou da lei de criação que resulta do acordo de duas forças, a que os alquimistas chamavam o fixo e o volátil, e que são, no absoluto, a necessidade e a liberdade. Aí, se explica a diversidade das formas espalhadas na natureza pela diversidade dos espíritos e as monstruosidades pelas divergências dos esforços. A leitura e a meditação desta obra são indispensáveis a todos os adeptos que querem aprofundar os mistérios da natureza e se entregar seriamente à investigação da grande obra.
Quando os mestres da alquimia dizem que é preciso pouco tempo e pouco dinheiro para realizar as obras da ciência, quando, principalmente, afirmam que é necessário um só vaso, quando falam do grande e único athanor que todos podem usar, que está nas mãos de todos e que os homens possuem sem saber, fazem alusão à alquimia filosófica e moral. Com efeito, uma vontade forte e decidida pode chegar, em pouco tempo, à independência absoluta, e todos nós possuímos o instrumento químico, o grande e único athanor que serve para separar o sutil do espesso e o fixo do volátil. Este instrumento, completo como o mundo, e preciso como as próprias matemáticas, é designado, pelos sábios, sob o emblema do pentagrama ou da estrela de cinco pontas, que é o signo absoluto da inteligência humana. Imitarei os sábios não o designando: é muito fácil adivinhá – lo.
A figura do Tarô, que corresponde a este capítulo, foi mal entendida por Court de Gebelin e Etteilla, que acreditavam ver nela um erro cometido por um fabricante de cartas alemão. Esta figura representa um homem com as mãos amarradas atrás das costas, dois sacos de dinheiro presos sob as axilas e suspensos por um pé a uma potência composta de dois troncos de árvore, tendo em cada uma a raiz de seus ramos cortados e uma travessa que completa a figura do Tav hebreu ; as pernas do paciente estão cruzadas e seus cotovelos formam um triângulo com a sua cabeça. Ora, o triângulo remontado por uma cruz significa, em alquimia, o fim e a perfeição da grande obra, significação hebraica idêntica à da letra tav , que é a última letra do alfabeto sagrado.
Este supliciado é, pois, o adepto, ligado por seus empenhos, espiritualizado ou com os pés voltados para o céu; é também o antigo Prometeu, sofrendo, numa tortura imortal, a pena de seu glorioso roubo. É vulgarmente Judas traidor, e o seu suplício ameaça os reveladores do grande arcano.Enfim, para os cabalístas judeus, este supliciado, que corresponde ao seu duodécimo dogma, o do Messias prometido, e um protesto contra o Salvador reconhecido pelos cristãos, e parece dizer- lhe ainda: “Como salvarias os outros, tu que não pudeste salvar-te a ti mesmo? ”
No Sepher Toldos -Jeschu, compilação rabínica anticristã, encontra- se uma singular parábola: Jeschu, diz o rabino autor da lenda, viajava com Simão Barjonas e Judas Iscariotes. Chegaram tarde, e cansados, a uma casa isolada; tinham muita fome e nada mais encontraram para comer senão um pato muito pequeno e muito magro. Era muito pouco para três pessoas: reparti – lo teria sido somente aguilhoar a fome, sem satisfazê- la. Convieram em tirá- lo à sorte; mas, como caíam de sono, disse Jeschu: “Vamos dormir primeiro, enquanto se prepara a comida; ao acordar, nos contaremos os sonhos e aquele que tiver o mais belo sonho, comerá sozinho o pato ”. Assim foi feito. Dormiram e depois despertaram. “Eu, disse Simão, sonhei que era vigário de Deus ”. “E eu, retomou hipocritamente Judas, sonhei que, sendo sonâmbulo, me levantava, descia de mansinho, tirava o pato do espeto e o comia ”. Desceram imediatamente; mas o pato tinha efetivamente desaparecido; Judas tinha sonhado acordado.
Esta lenda é um protesto do positivismo judeu contra o misticismo cristão. Com efeito, enquanto os crentes se entregavam a belos sonhos, o israelita proscrito, o Judas da civilização cristã, trabalhava, vendia, agiotava, ficava rico, apoderava – se das realidades da vida presente, e punha- se em condições de dar meios de existência aos próprios cultos que por muito tempo o proscreveram.
Os antigos adoradores da arca, sempre fiéis ao culto da burra, têm, agora, a Bolsa por templo e é por isso que governam o mundo cristão. Judas pode, com efeito, rir e felicitar- se de não ter dormido como Simão.
Nas antigas escrituras anteriores ao cativeiro, o Tav hebreu tem a figura de uma cruz, o que confirma ainda a nossa interpretação d duodécima lâmina do Tarô cabalístico. A cruz, geradora de quatro triângulos, é também o sinal sagrado do Duodenário, e, por isso, os Egípcios a chamavam a chave do céu. Por isso, Etteilla, embaraçado nas suas longas investigações para conciliar as necessidades analógicas da figura com sua opinião pessoal (ele tinha sofrido, nisso, a influência do sábio Court de Gebelin), colocou na mão do seu supliciado, de cabeça para cima, do qual fez a Prudência, um caduceu hermético, formado por duas serpentes e um Tav grego. Desde que compreendera a necessidade do Tav ou da cruz, na duodécima pagina do livro de Thot , deveria ter entendido o múltiplo e magnífico símbolo do supliciado hermético, o Prometeu da ciência, o homem vivo que só toca na terra pelo pensamento e cujo apoio está no céu, o adepto livre e sacrificado, o revelador ameaçado de morte, a conjuração do Judaísmo contra o Cristo, que parece um reconhecimento involuntário da divindade oculta do crucificado, afinal o signo da obra realizada, do ciclo terminado, o Tav intermediário, que resume uma primeira vez, antes do último denário, os signos do alfabeto sagrado.
Eliphas Levi – Dogma e Ritual da Alta Magia
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