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Por Steffi Grant
capítulo de A Tradição Oculta: As Monografias Carfax
Interpretar cada evento como um trato de Deus com a alma de alguém foi a principal prática mágica imposta aos membros da Ordem Hermética da Golden Dawn. Ela foi fundada em 1888 pelo Dr. W. Wynn Westcott, Dr. Woodman e S. L. Macgregor Mathers como um paralelo e uma reação contra o movimento voltado para o oriente da Sociedade Teosófica propagado por Madame Blavatsky; visava oferecer um sistema de obtenção adequado ao tipo de mente ocidental, e foi o último grande movimento moderno para reviver a tradição de mistério ocidental, embora em última análise, é claro, suas iniciações conduziam o aspirante ao mesmo mistério central que os ensinamentos orientais.
A vida da Ordem original no tempo foi curta – foi dissolvida após alguns anos agitados e tempestuosos quando Mathers, que então se tornou o principal iniciador, retirou magicamente o poder que havia sido consagrado em sua hierarquia. Embora tecnicamente a realização dos rituais da Golden Dawn tenha se tornado inválida, a potência da corrente essencial que foi gerada pela Crença provou ser indestrutível. Não pode haver nenhuma dúvida de que a capacidade iniciática muito real da Ordem durante os breves anos de sua existência teve uma profunda influência em toda uma escola de pensamento, e que os membros iniciados originais foram capazes de levar a corrente até o século XX.
Foi a Golden Dawn que ensinou W. B. Yeats a consolidar as suas visões e a criar um veículo mágico que levaria a sua ambição para o nome e a fama; sua influência pode ser rastreada através dos esplendores místicos da prosa de Arthur Machen e nos romances ocultos de Brodie Innes, misturados com um forte elemento celta. A. E. Waite espalhou as doutrinas da Ordem de várias maneiras, além disso, seu grupo teve uma influência formativa em Dion Fortune, que, transformando fatos subjetivos em ficção objetiva, forneceu em seus romances informações precisas muito definitivamente baseadas nas falas da Golden Dawn. Os contos de Charles Williams também têm muita matéria relevante.
Além de Mathers – um daqueles homens de raro gênio que colocou toda uma corrente em movimento, embora morrendo esquecido e desconhecido – e Westcott, os iniciados mais poderosos foram Allan Bennett, possuidor de muitos siddhis, que mais tarde se tornando um budista foi fundamental para dar ao Budismo, seu primeiro ponto de apoio oficial na Inglaterra, e Aleister Crowley, cujos diários e cartas, bem como seus escritos publicados, são de vital importância na avaliação da Golden Dawn. Há, aliás, algumas caricaturas muito divertidas de vários personagens ligados à Ordem em seu romance “Moonchild”. Crowley foi o único adepto da Ordem a formar uma nova síntese de magia que era tanto teórica quanto prática, e a viver de acordo com seus preceitos. Composta por três vertentes das quais o material da Golden Dawn era uma, sua doutrina influenciou muitas pessoas, como Charles Stansfeld Jones e W. T. Smith, por exemplo; e sua influência pode ser rastreada nos rituais concebidos por Jack Parsons e Marjorie Cameron Parsons da Agape Lodge (Loja Ágape), na New Isis Lodge (Loja Nova Ísis, ou Nu-Ísis) de Kenneth Grant e no movimento liderado por Hermann Metzger.
A estrutura dos graus da Ordem Hermética da Golden Dawn foi baseada na Árvore Cabalística da Vida, uma representação esquemática do universo consistindo de dez esferas — as sephiroth — ligadas por vinte e dois caminhos. A primeira Ordem abrangia os graus até o véu de Paroketh; adeptos de Tiphareth, Geburah e Chesed constituíram a segunda Ordem; os Chefes Secretos, formando a terceira Ordem, não eram considerados como entidades encarnadas. Cada aspirante aos mistérios era elevado cerimonialmente de Malkuth através das sephiroth inferiores até Tiphareth, o centro crístico, onde o Conhecimento e Conversação do Sagrado Anjo Guardião confeririam ao adepto uma antecipação da fusão final com o Ser acima do Abismo.
A introdução à Ordem era realizada pelo ritual do neófito, o aspirante entrando em sua busca amarrado e com os olhos vendados, simbolizando assim a escuridão da ignorância que ele dissiparia passo a passo à medida que os ritos prosseguiam. Um nome mágico – ou mote – era conferido, a primeira ficha da separação do antigo complexo de personalidade, e um juramento de segredo era exigido, para proteger os tênues brotos de aspiração do passado rejeitado, incorporado pelo mundo exteriorizado. Uma vez admitido na Ordem, o candidato fazia a sua jornada de sephirah em sephirah, entremeado de períodos de gestação, até atingir e passar o véu de Paroketh que separava a primeira da segunda Ordem. Um estágio vital havia sido alcançado – o ritual básico e central do que Austin Osman Spare chamava de a Postura da Morte. A Golden Dawn o conhecia como o ritual do Adeptus Minor; mas o mistério em seu núcleo – o adepto morrendo para a velha vida e ressuscitando na carne – é uma das revelações primordiais de todas as eras, seja o personagem sendo Christian Rosenkreutz como neste ritual, ou Osíris, ou Cristo; uma cerimônia simbólica baseada em fatos psicológicos e fisiológicos e não uma mera alegoria, como é mostrado por sábios de nossos próprios tempos como Ramana Maharshi, que deliberadamente passou pela morte enquanto meditava sobre ela quando jovem durante a obtenção da liberação, e Thakur Haranath cujo corpo ficou realmente morto por um tempo considerável durante o influxo de uma força átmica.
Todos os rituais da Golden Dawn eram duplos: uma cerimônia no templo, oficiantes e aspirantes vestidos e armados, simbolizando o aspecto terra da força invocada. Simultaneamente, um rito astral era visualizado para harmonizar a ação nos planos sutis. Havia três vias de tráfego com o astral: invocação — convidar a superconsciência para residir no ser da pessoa; visão — tornar-se consciente dos esplendores de reinos invisíveis; e evocação — a convocação e o domínio das forças subliminares. Que os principais ritos e símbolos usados pela Golden Dawn não tinham nenhuma importância fálica é provado pelo fato de que não havia cargo de Suma Sacerdotisa em todo o corpo de sua doutrina. Os aspirantes eram admitidos e os oficiais selecionados sem distinção de sexo.
Robes, vasos, armas, talismãs eram todos feitos à mão por cada frater e sóror para manter a pureza da vibração e também para revelar a inter-relação de cada ação passo a passo e depois consagrados e carregados. Estrito sigilo era imposto para evitar vazamento de energia, e todos os papéis e instrumentos relacionados com a Ordem deveriam ser destruídos na morte; de modo que os poucos exemplares sobreviventes têm um valor bastante desproporcional ao material real empregado, como papelão pintado em cores vivas, reminiscentes de tons astrais, ou coberto com papel gomado, de acordo com um esquema prismático com correspondências com os planos que os membros da Golden Dawn comprometeram-se a explorar de forma sistemática e científica.
Um exemplo típico da simbologia da Ordem é o Símbolo Completo da Rosa e da Cruz, adornando o peito do adepto chefe na iniciação do Adeptus Minor; retoma a doutrina do florescimento dos quatro elementos mágicos nas letras hebraicas dos caminhos nas pétalas da rosa do espírito, cujas revoluções formavam uma cifra secreta referente a vários meios de retorno à Fonte. Também havia três bastões, carregados com os poderes dos elementos, os sete planetas e os doze signos zodiacais; cetros simbolizando os três pilares da Árvore; pelo menos dezesseis tipos diferentes de cruz; muitas combinações de símbolos geométricos para formar os vários conceitos alquímicos – todos os glifos tipificando meios de equilibrar os elementos dispersos da unidade final.
Juntamente com a Árvore da Vida Cabalística, cujo padrão formava o yantra básico ao qual todos os fatos eram constantemente referidos, a Ordem trabalhava com muitas séries diferentes de símbolos ocultos, cada sistema coerente em si mesmo e consagrado pela tradição, mas recôndito o suficiente para não ter associações e, portanto, potente para abstrair a mente que medita sobre isso, retirando-a do mundo cotidiano para reinos pouco explorados de interesse muito especial para o magista.
Havia a Goetia, um conjunto de diagramas semelhantes a yantras representando em forma linear o som ou nome de várias forças demoníacas que o magista poderia evocar. O Tarô apresentava a ciência arcana em forma hieroglífica, sendo uma série de setenta e oito imagens, às vezes usadas como cartas de baralho ou adivinhações; os vinte e dois trunfos principais também foram atribuídos aos caminhos da Árvore da Vida. A geomancia era uma adivinhação por várias combinações de pontos formados na areia e envolvendo inteligências gnômicas. As Tábuas Enoquianas do Dr. Dee eram extensivamente usadas para vidência (scrying) pelos membros da Golden Dawn, todos os espíritos de cada seção da tábua escolhida sendo convocados sucessivamente em ordem decrescente de classificação, assim como nos registros originais dos experimentos de Dee com Kelly usando uma pedra de exibição (shew stone); nos anos posteriores, Crowley obteve toda uma série de visões com a ajuda de uma pedra de exibição colocada em uma cruz. O Livro da Magia Sagrada de Abramelin, o Mago, descrevia um sistema de obtenção mística, após o qual se seguiria o domínio sobre toda uma hoste de demônios, alguns deles extremamente maléficos; o manuscrito com seus muitos sigilos demoníacos foi traduzido e publicado por Mathers, usado extensivamente por ele, e supostamente foi a causa de muitos estragos causados na Ordem. As formas divinas egípcias eram ensinadas como um meio de consagrar uma pose mística ou mudra, que o aspirante deveria assumir a fim de harmonizar sua postura física com os esforços de seus mais tênues veículos. A ciência da alquimia era considerada como o processo de revelar a luz inerente à matéria, e a astrologia como a inter-relação das influências celestes entre o macrocosmo e o microcosmo. A concentração nos tattwas hindus — glifos simples que denotam os elementos primordiais mais o éter — era defendida como um meio de transferir a consciência para o corpo astral.
Toda essa aparente multiplicidade de sistemas e símbolos foi classificada por Bennett, e mais tarde por Crowley, de duas maneiras diferentes. Um esquema foi ordenado de acordo com o Número e o outro atribuído à Árvore da Vida; ambos foram publicados eventualmente como Sepher Sephiroth e Liber 777, respectivamente.
Na prática, o aspirante tinha um desses sigilos em mente, assumindo uma forma divina apropriada ao elemento que governava a operação, e transportava-se neste veículo de matéria astral para o reino do qual o sigilo era o glifo ou chave. Suas paisagens eram exploradas, seus habitantes abordados de maneira ritual, saudados e questionados de acordo com uma fórmula estabelecida e, no retorno ao plano terrestre, era feito um registro preciso e impessoal de todos os tais experimentos, que embora primariamente considerados subjetivos, tinham também um valor objetivo, consolidando muitas informações no plano astral que até então só haviam sido presenciadas e interpretadas de forma confusa e emocional.
A Ordem fez um esforço determinado para racionalizar as manifestações psíquicas e integrar as experiências astrais com a vida no plano material, tornando-as aceitáveis para a mente, mais ou menos como os trabalhadores psiquiátricos tentaram fazer com os casos clínicos mais ou menos na mesma época. Os ensinamentos da Golden Dawn tinham valor espiritual porque a tentativa era em direção à síntese – todo o corpo de experiência sendo reunido como uma oferenda a Deus. A tarefa que a Ordem se propôs era criar um universo simbólico para o aspirante ocidental, de tipo celta, que – ao contrário da religião convencional – não omitiria nenhum aspecto da vida como eles a conheciam. E assim é dito no ritual do Adeptus Minor: “Não há parte de mim que não seja dos Deuses.”
Fonte: Hidden Lore – The Carphax Monographs, por Kenneth e Steffi Grant.
Texto traduzido por Ícaro Aron Soares.
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