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por Eduardo Berlim.
Gilbert Keith Chesterton, mais conhecido como G. K. Chesterton, foi um escritor multidisciplinar inglês de extrema influência no início do século XX. Conhecido como “o príncipe do paradoxo”, publicou obras de extrema importância para o pensamento crítico do mundo e algumas de suas obras como “O Homem Eterno” e “Ortodoxia” foram consideradas extremamente importantes mesmo por seus oponentes. Grande crítico do capitalismo e do progressismo simultaneamente, dizia que: “O mundo está dividido entre conservadores e progressistas. O negócio dos progressistas é continuar cometendo erros. O negócio dos conservadores é evitar que erros sejam corrigidos”.
Confesso que nos últimos tempos, buscando uma fundamentação sólida dos meus próprios pensamentos a respeito do divino, percebi em Chesterton um valor inestimável. O simples fato dele ter sido um dos responsáveis pela conversão do renomado C. S. Lewis do ateísmo ao cristianismo já havia me chamado atenção, pois vejo em Lewis uma personalidade de extrema importância para compreender o cerne do pensamento católico tão importante nos meus estudos de magia grimorial e enochiana. O papel fundamental destes nomes capazes de trazer uma luz ao pensamento cristão e católico em meio a um momento de grave queda das religiões como o início do século XX já deveria ser, por si só, um norteio de que há informação valiosa em seus escritos.
Do meu ponto de vista particular há uma separação notável entre o chamado “pensamento cristão” e sua prática (e mesmo de seus fiéis): no mundo real toda perfeição do mundo das ideias pode ser corrompida – e o cristianismo está longe de ser um modelo de perfeição, a meu ver. Isso não descaracteriza, contudo, sua extrema importância para a devida compreensão do trabalho mágico que foi influenciado pelo cristianismo ao longo de séculos e mais séculos. Ou melhor, de sua influência em todo o mundo. Afinal, por mais que haja uma insistência em apontarmos mais os erros que acertos de qualquer corrente religiosa ou de pensamento, é inegável que o cristianismo (especialmente na figura do catolicismo) seja a religião mais influente da história humana atual e o simples fato da música ao redor de todo o planeta dar preferência às escalas musicais da forma apresentada por Johann Sebastian Bach deveria ser o suficiente para te fazer refletir sobre isso.
Longe de defender o rito ou os fiéis do cristianismo (afinal, não sou cristão), meu objetivo maior neste texto é apresentar um conceito conhecido como ‘Cerca de Chesterton’ e que consiste em simplesmente “não destruir o que você não entende”. Parece simples, não é mesmo? O problema começa quando você realmente se dedica a compreender o que você não entende e percebe que você não entende tanta coisa assim…
Imagine que você comprou uma nova casa e acabou de se mudar. Nesta casa há uma cerca estranha. Talvez ela seja feia ou tenha uma cor ruim, talvez esteja um pouco quebrada ou esteja cercando um trecho sem muito sentido. Vamos supor, por um único momento, que ela faça um pequeno quadrado no meio do teu quintal. Você não compreende o motivo dela estar lá e a retira. Afinal, a casa é sua agora, não é mesmo?
Chega o aguardado final de semana e você marca aquele churrascão de “casa nova”. Convida amigos e familiares e mostra a todos sua nova aquisição e seu belíssimo quintal. O churrasco está no seu melhor, com pessoas conversando, se divertindo e comendo aquela carne mal passada quando, ao mostrar para seus pais a extensão do jardim, seu pai simplesmente desaparece do teu lado. Ele afundou em um bloco de grama e caiu na fossa da casa. É só neste momento que você entende que aquela cerca estava marcando justamente o lugar de uma fossa mal-feita, coberta com grama velha e mal aterrada. Você tirou a cerca e agora teu pai está coberto de fezes até os ombros. Meus parabéns!
Antes de destruir algo, mudar uma regra ou alterar uma tradição você deve compreender os motivos dela estar lá em primeiro lugar. A “Cerca de Chesterton” é uma espécie de “bom-senso bem aplicado ao desconhecido” que infelizmente não é praticado pela maior parte das pessoas no meio ocultista.
É bem comum que ao deparar-se com magia grimoria o magista tenha uma espécie de enojamento esquisito ao encontrar tantas orações em honra e glória de Jesus Cristo, do Espírito Santo e até da Virgem Maria. Isso sem contar com os magos que possuem uma estranhíssima aversão ao próprio Criador e que, por algum motivo completamente estranho para mim, resolvem buscar sendas como a magia grimorial e tradicional.
A primeira atitude dessas pessoas é fazer alterações ou mesmo ignorar as orações assinaladas, modificar nomes em círculos mágicos e trocar materiais por alguma coisa “menos cafona” (que quase sempre é bem mais cafona que o original). Isso sem contar as mudanças de material sem aparente motivo, as modificações insanas ou mesmo adição de itens não catalogados. É a própria cerca sendo chutada com força para que o indivíduo caia em sua própria fossa.
Não estou dizendo aqui que para praticar qualquer coisa você precise inicialmente se atentar aos anéis de ouro puro, às varinhas de ébano africano ou à sétima pena da asa direita de um ganso, mas bom-senso é de extrema importância para começarmos a ter uma boa conversa. Você pode substituir um anel de ouro puro por um anel amarelo, um folheado ou até mesmo um que você faça com os materiais disponíveis em casa por conta do custo elevado de se adquirir materiais, mas porque você adicionaria uma pedra de safira e uma Estrela do Caos no anel grimorial?
Há uma enorme diferença entre não ter disponíveis os meios financeiros para ser um completo purista e ser o cara que adiciona seis velas extras, uma pedra na ponta do chapéu e essência de baunilha em um ritual que não pede nada disso. Ou pior ainda: ser o cara que retira partes do ritual porque “não está confortável com elas” ou “não deu tempo de conseguir um fornecedor”. É simples: se não for para fazer corretamente, é melhor não fazer. Depois que você tiver suas primeiras experiências e tornar-se alguém experimentado no sistema, que conhece seus pormenores e os motivos para cada coisa estar lá é que você pode começar a pensar em mover a “Cerca de Chesterton”.
A dúvida deve ser sempre uma das principais prioridades para o mago estudante para que ele não caia em buracos cujo acesso ele mesmo facilitou. Não é incomum encontrarmos críticos das mais vastas religiões no meio ocultista e dá para dizer claramente que na maior parte do tempo isso ocorre por puro desconhecimento – e, pasme, esse é o mesmo motivo pelo qual os fiéis costumam ser enganados por aí. Não há verdadeira compreensão do catolicismo sem a leitura de Agostinho e Aquino, da mesma forma que não há verdadeira compreensão de Qabbalah sem a leitura do Sefer Yetzirah e do Bahir ou de Thelema sem a leitura do Liber Al vel Legis. Achou que faltou a Bíblia? Pois bem, eu diria que ela é essencial para estes três exemplos…
Cuidado ao retirar as cercas que você encontra por aí. Você não sabe do que elas podem estar te protegendo.
Eduardo Berlim é músico, tarólogo e estudante de hermetismo com vasta curiosidade. Tem apetite por uma série de correntes diferentes de magia e se considera um eterno principiante. Assumidamente fanboy dos projetos da Daemon e das matérias do Morte Súbita inc.
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