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Alquimia

Tratado da Entidade Mórbidas

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Paracelso

CAPITULO I

(Como e quando os alimentos devem ser considerados venenosos)

Terminada a dissertação sobre a entidade astral vamos tratar agora, seguindo uma ordem lógica, da entidade do veneno (ens veneni), que é a segunda causa dos distúrbios aflitivos do nosso corpo.

Recordaremos primeiramente que o organismo pode ser afligido por cinco entidades (violari), às quais fica submetido em todas as doenças (ut patiantur).

Neste discurso vamos nos ocupar da entidade do veneno. Sabe-se que todos os corpos precisam viver e para isso usam determinados veículos que os nutrem e os conservam, sendo impossível a vida onde tais recursos não existam. Da mesma forma convém recordar que quem formou nossos corpos criou também os alimentos, embora sua obra não tenha sido tão perfeita neste ponto.

Uma coisa é certa: o nosso corpo foi criado isento de venenos, que por sua vez se encontram exatamente nos alimentos que ingerimos. Isto significa que o corpo foi criado perfeito. As imperfeições, ou melhor, os venenos, estão nos frutos e nos outros animais que nos servem de alimento, ainda que eles também sejam perfeitos em si mesmos, como acontece com todas as obras perfeitas do Criador.

Deste modo, só quando uma coisa é tomada do exterior como alimento adquire a propriedade de veneno, que antes era em si e para si mesmo uma coisa natural.

CAPÍTULO II

(De onde vem a perfeição das criaturas da natureza)

Vamos nos deter ainda um pouco nessas considerações: quero dizer que não existe nada que não seja perfeito dentro de cada ser, pela própria razão pela qual foi criado. Somente se torna mau quando é usado para finalidades diferentes desta sua razão de ser. Por exemplo: o boi quando se alimenta de ervas daninhas recebe ao mesmo tempo saúde e veneno, enquanto que a seiva e os sucos da erva não são venenos para ela mesma. Isso também acontece com o homem tudo que come ou bebe. Compreendam essas duas situações ou circunstâncias: uma, a natureza intrínseca do homem; outra, a absorção do que vem do exterior.

Em outras palavras, para tornar mais claro, diremos que o homem é a “grande natureza” (magna natura) e que o resto é venenoso acrescentado, misturado ou injetado na natureza.

O fundamento da nossa segunda entidade, ou entidade do veneno, está baseado no fato da perfeição de todas as coisas da natureza enquanto manifestações da obra de Deus. E em sua imperfeição enquanto saem para se misturar com as outras coisas.

Deus também não criou nenhum alquimista entre os homens ou as demais criaturas de um modo absoluto. Mas podemos afirmar o contrário se nos referirmos ao conhecimento, ainda que imperfeito, que tenhamos para discernir o veneno de aparência inofensiva e saudável, do maléfico, para que possamos saber o que comer com segurança.

Prestem bem atenção a tudo que vamos dizer sobre este alquimista.

CAPÍTULO III

(Sobre a sabedoria divina dos médicos alquimistas)

Tendo como certo que, por mais perfeita que seja, a coisa pode se tornar venenosa ou continuar com seu caráter saudável e benéfico sob a influência das demais do seu meio ambiente, temos que convir que Deus criou e permitiu a existência de um alquimista tão hábil que pode discernir perfeitamente o veneno contido nas coisas estranhas 1 do alimento adequado para o corpo humano.

Um exemplo tornará mais fácil a compreensão do assunto: imaginem um príncipe ou senhor que tenha uma natureza perfeita, como fica bem em tais personagens. Ele não pode ser realmente um príncipe se não tiver uma corte de servidores e vassalos que lhe rendam homenagens, pois apesar de tal coisa ser um veneno e um prejuízo, torna-se ao mesmo tempo uma necessidade.

Conforme lhes disse sobre o alquimista da natureza, podem ter certeza que Deus mesmo lhe deu a ciência que precisava, exatamente como se fosse um príncipe. E da mesma maneira que ele saberá separar o veneno que exista entre os seus servidores, tomando deles apenas o bem que possa lhe proporcionar. Se este exemplo não satisfaz, podem encontrar a base deste ensinamento na doutrina do “sapiente”, onde ela está perfeitamente explicada.

Eis aqui o seu conteúdo: o homem tem necessidade de comer e de beber porque seu corpo, que é a morada de sua vida (hospitium jus vitae), precisa indiscutivelmente de bebidas e de comidas. Isto significa que o homem é obrigado a absorver veneno, doenças e a própria morte.

É claro que de acordo com isto poderíamos pensar que o Criador deu a vida e o sustento para nos tornar seus escravos. Mas a verdade é que as criaturas conservam sempre seu livre arbítrio e que Deus deixou cada uma delas livre e entregue à sua própria capacidade de perfeição. Se certas coisas se tornam veneno para outras, não devemos culpar o Criador por causa disto.

CAPÍTULO IV

(Onde se descobre que um alimento e um veneno podem ser a mesma coisa)

Veremos agora como seguir melhor a obra do Senhor.

Se todas as coisas são perfeitas em si mesmas e estão compostas por ordem do Criador de tal maneira que uma realize a conservação da outra, como por exemplo a erva alimenta a vaca, que por sua vez alimenta o homem…; se por isso a perfeição de uma coisa pode ser um bem ou um mal para outra coisa que a consome, fazendo-se imperfeita, é preciso reconhecer que o Criador permitiu que fosse assim para que desta maneira o criado se torne mais rico e em maior quantidade que a criação mesma.

Essa é a razão pela qual criou as coisas, de tal maneira que, em tudo o que seja necessário, a outra coisa tenha em si (lateat) uma virtude, arte ou eficácia capaz de separar o veneno do que não é, e que o equilíbrio entre a saúde do corpo e a necessidade de alimentos se mantenha mutuamente.

Exemplo: o pavão devora as serpentes, os lagartos e as aranhas, que apesar de serem animais sadios, perfeitos e saudáveis para eles mesmos, não o são para os outros animais, com exceção do pavão. A razão deste fenômeno se baseia no fato de que o alquimista do pavão é mais particular e sutil do que o de qualquer outro animal, já que pode separar o que é veneno do que não é, e conseguir que esse alimento seja perfeitamente bom para ele.

Sobre isto devo dizer que cada animal tem um alimento especial preestabelecido, e um alquimista próprio que o prepara. O alquimista do avestruz, por exemplo, tem o poder de separar o ferro, ou melhor, o excremento do alimento: uma habilidade que lhe é exclusiva e peculiar. O da salamandra permite que ela possa alimentar-se do próprio corpo do fogo. O do porco fez com que o excremento lhe sirva de comida em vez de veneno, razão pela qual o alquimista da natureza tirou este animal do corpo do homem, mostrando assim que o alquimista do porco é muito mais sutil que o alquimista do homem.

Esta é a razão pela qual o excremento do porco não serve de alimento para nenhum outro animal. Isto significa que nenhum alquimista é capaz de fazer o que faz o alquimista do porco, cuja habilidade em separar e selecionar os alimentos é muito superior a tudo o que se possa imaginar. E assim muitos outros casos que deixaremos de citar por falta de tempo.

CAPÍTULO V

(Plano de estudo para a entidade dos venenos)

Além do que já disse a respeito do alquimista, devo informar ainda que ele foi criado por Deus para que separasse tudo o que é bom do que é mal em nossos alimentos. Contudo, isso não deve fazer com que esqueçamos que as coisas capazes de causar mal ao homem, e às quais está submetido, são cinco.

Já tratamos da entidade astral, cuja influência direta sobre nós é nula, conforme vimos. Com a entidade dos venenos a questão muda fundamentalmente e o homem mostrará ser prudente aprendendo a temê-la e a se defender contra ela. Porque se estiver desprovido de defesa ou proteção ficará sempre em permanente estado de contaminação.

A primeira coisa que devemos determinar é a razão pela qual o veneno nos é prejudicial. Continuando, levaremos em conta a existência do alquimista que Deus colocou em nós para separar o bom do ruim em nossos alimentos, evitando assim qualquer prejuízo. Detendo-nos nesta pesquisa será conveniente que falemos nele com toda a atenção, que averiguemos sua razão de ser e seu modo de existir. E finalmente, que investiguemos por que todas as doenças humanas provêm igualmente da entidade do veneno % das outras entidades. Para maior clareza também suprimiremos desta dissertação tudo aquilo que possa procurar a saúde, o benefício ou a comodidade.

CAPÍTULO VI

(Alegação contra os que se especializam precocemente)

Quando os astrônomos se referem às doenças e afirmam a existência de um corpo feliz (fortunatum) e saudável em nosso organismo, divagam e fantasiam muito. Isto não é possível pela simples razão de que as outras quatro entidades têm a propriedade de poder afligir nosso corpo, o que ao contrário os astros não possuem. Por isso os livros desses autores nos fazem rir quando prometem a saúde com tanta liberalidade, sem levar em conta as outras quatro entidades, que têm tanto poder quanto a entidade astral. Por isso rejeitamos firmemente esta doutrina.

Podemos nos divertir um pouco às custas desses médicos: como se compreenderia o gato se não fossem os ratos, ou um príncipe sem bufões? Em verdade lhes digo que muito menos o fisiomântico conseguirá merecer nossa seriedade com as suas historias. Pois é notório que quando ele promete a saúde não está pensando nas outras quatro entidades, fazendo seus augúrios apenas baseado na entidade natural, enquanto guarda um zeloso silêncio sobre as outras. Pelo contrário,  cabe  ao  homem  verdadeiramente  instruído  prever  e predizer as coisas que dependem do curso dos acontecimentos (ex cursu), pois na verdade existem cinco espécies de movimentos ou cursos contra uma só espécie de homens. Por isso aquele que omite um movimento e segue seu caminho pelos outros é um falso profeta.

Dividir e falar de acordo com esta divisão, especializando-se segundo o que cada um tenha aprendido, é perfeitamente lícito para esses médicos incompletos e imperfeitos. O entista1 quiromântico baseia seus princípios e suas teses no estudo do espírito. O fisiomântico o faz segundo a natureza do homem. O teólogo o considera segundo o impulso de Deus (ex cursu Dei) e o astrônomo pelas emanações dos astros. Eu digo que, considerando isoladamente, todos eles são uns farsantes e que somente são justos e verdadeiros quando reunidos num só.

Quisemos com tudo isso alertá-los para essa cômica ignorância que pretende conhecer as cinco entidades através de uma só.

CAPITULO VII

(Sobre a natureza e função do alquimista)

Deus, ao formar as substâncias de cada criatura, dotou-as de tudo quanto fosse necessário (et quae ad hauc requiruntur), não para que fosse usado sem discernimento, mas para atender devidamente às suas necessidades: todas essas coisas estão unidas ao veneno e ao conhecimento do que acabamos de expressar. E serão de grande utilidade no estudo do alquimista, que no interior de cada criatura, dotado de suas artes químicas, separa os venenos das substâncias não venenosas que formam a sua matéria.

O alquimista se ocupa em separar o mau do bom, colorindo-os para serem melhor identificados. Assim ele tinge o corpo dotado de vida, ordenando, dispondo e submetendo tudo à natureza, inclusive o que tinge e transforma em sangue e em carne.

O alquimista mora no ventrículo 1, onde atua discretamente (in instrumento suo) e faz os seus cozimentos (onde cozinha).

Quando o homem come carne, ingere nela mesma uma parte nutritiva e saudável, e outra venenosa. A confusão e o perigo está no momento de comê-la, quando todas duas parecem boas e puras. Sem dúvida, enquanto por baixo da parte boa se esconde o veneno, por baixo da má nunca existe nada de bom. Por isso, antes que a carne passe para o ventre, o alquimista avança sobre ela e faz a separação. O que não serve para a saúde do corpo ele deposita em lugares especiais esperando o momento de devolvê-lo ao exterior. Enquanto isso a parte boa fica guardada justamente onde convém, de acordo como foi ordenado por Deus.

Assim o corpo evita a morte que poderia acontecer com a absorção do veneno. E isso tudo é feito pelo alquimista sem a intervenção da pessoa. Depois desta explicação podemos dizer que a virtude e o poder do alquimista se encontram dentro do homem.

CAPÍTULO VII

(Mecanismo da produção das doenças devidas aos venenos)

Compreendam agora que cada coisa que o homem toma para seu sustento contém constantemente escondido o veneno por baixo da substância boa. A substância é então o alimento que dá a vida, enquanto o veneno a destrói e arrasa por meio das doenças, sendo que ambos os princípios se encontram universalmente em todos os alimentos e em todos os animais, sem nenhuma exceção.

E agora, médicos, escutem-me com atenção:

O corpo se mantém dos alimentos e depende inteiramente deles. Mas deles também recebe o bom e o mau, cujo trabalho de separação está a cargo do alquimista. Quando este é muito fraco (infirmus) e não consegue efetuar a sua sutil atividade de separar o veneno das substâncias boas, a putrefação se produz em todo ele seguida de uma digestão especial, cujos sinais exteriores são precisamente aqueles que nos servirão para indicar e individualizar as doenças dos homens. As doenças geradas pela entidade dos venenos são o resultado de uma digestão alterada pela putrefação, cujas combustões são tão moderadas que o alquimista não chega a percebê-las. E neste ponto, ao se interromper a digestão normal com todos esses excessos, o alquimista fica inutilizado para prosseguir o seu trabalho (in suo instrumento).

A putrefação ou corrupção é necessária, constituindo-se assim, uma vez surgida, em mãe de todas as enfermidades. Portanto é conveniente que os médicos me escutem e retenham bem essas coisas no espírito, livrando-o de vãs considerações.

A corrupção suja o corpo. Mais adiante compreenderão melhor, com exemplos vivos, o que é esta corrupção e o que ela pode se tornar.

Para terminar direi que assim como as ondas (de água?) são claras, translúcidas e aptas para serem coloridas com qual quer cor, também o corpo humano pode adquirir todas as cores, ou melhor, todas as corrupções. E que todas as cores vêm de algum veneno determinado, facilitando assim a sua identificação.

CAPÍTULO IX

(Sobre os métodos pelos quais a putrefação pode se manifestar)

Para um entendimento melhor direi que a corrupção acontece sempre por duas vias: a local e a dos emunctórios (localiter et emuctorialiter). A corrupção local é a que se produz no estômago por causa de uma digestão perturbada, capaz de vencer e descontrolar o alquimista durante seu trabalho de separação das matérias sadias e venenosas, fazendo com que estas últimas fiquem livres para causar a putrefação. Então ela corrompe tudo o que é bom, substituindo-o pelo veneno, que neste caso é ainda mais perigoso por conservar as aparências de inócuo ou salutar.

No entanto, quando o alquimista chega a dominar a putrefação, toda

espécie de veneno é repelida e expulsa até ao emuctório natural correspondente: desta maneira o enxofre branco é expelido pelas narinas, o arsênico pelos ouvidos, o excremento pelo intestino seco, e assim sucessivamente. Quando nesta situação a eliminação é retardada ou retida pela debilidade natural dos emunctórios, ou pela potência putrescente do veneno, podem se desenvolver todas as doenças que dependem do mesmo. Isto significa à primeira vista uma certa aberração da natureza e se constitui no segundo mecanismo da corrupção: o da corrupção dos emunctórios.

Assim conclui-se que duas causas se manifestam universalmente em todas as doenças. Depois nos ocuparemos mais detidamente deste assunto.

CAPÍTULO X

(Sobre as condições da saúde)

Tendo exposto nos capítulos anteriores tudo o que diz respeito à alquimia natural, à sua existência em todo animal e à sua capacidade química discriminadora desenvolvida no ventrículo, vamos agora tratar da boa doutrina cuja aplicação permite procurar e reconhecer todas as outras doenças.

Para que o homem se conserve sadio necessita primeiramente de um alquimista hábil que possa fazer com perfeição a sua obra separadora dos princípios bons e maus. Além disso essa obra deve ser realizada em instrumentos, reservatórios e emunctórios cômodos e eficientes, contando também com o favor dos astros e com a benevolência das outras quatro entidades.

Ainda que todas as circunstâncias citadas sejam favoráveis, podem acontecer diversos acidentes que firam, manchem, apodreçam ou obstruam os instrumentos (órgãos), emunctórios e os citados reservatórios.

O fogo, a água e o ar, são, por exemplo, tão necessários em suas diversas combinações como prejudiciais em estado de pureza. O mesmo acontece com todos os acidentes externos de grande potência que possam romper ou alterar os instrumentos e emunctórios, tornando-os inaptos para as funções que estão destinados. A presença desses elementos pode colocar fora de uso os delicados meios do alquimista provocando a sua doença ou a sua morte.

CAPÍTULO XI

(Sobre a essência do grande veneno da digestão)

A boca também pode ser a porta de entrada para a corrupção por meio do ar, dos alimentos, das bebidas ou de outras coisas semelhantes. O mecanismo pelo qual isto acontece é simples, ainda mais que no ar se encontram normalmente grandes quantidades de venenos aos quais estamos permanentemente expostos. Quanto aos alimentos e bebidas, é conveniente afirmar que não só sua qualidade pode ser daninha, como também a sua quantidade, que pode igualmente discordar com a capacidade dos órgãos do corpo, causando lesões, e por conseguinte perturbando o alquimista e suas funções. O resultado de tudo isto é a corrupção e a putrefação da digestão.

Quando a corrupção ocupa o corpo do homem, o ventrículo e todos os outros órgãos aparecem revestidos (induit) de veneno, que adquire neste momento a qualidade de “mãe” das doenças deste corpo, pois devem saber que existe somente um veneno, e não vários, que tem a categoria de “mãe” das doenças.

Quando comemos carne, por exemplo, ou mesmo legumes, massas, temperos (aromata) etc… e aparece a corrupção do ventre, saibam que a causa desta corrupção não está em cada um desses alimentos, mas em todos, pois eles correspondem a um só veneno. Ou melhor: basta que um só alimento esteja alterado para que sua corrupção contamine igualmente todos os outros que antes eram saudáveis. Saber o que é, e qual é este veneno único trata-se de um dos maiores mistérios (arcanos). Por isso, se conhecessem verdadeiramente este veneno, origem das doenças, seria lamentável continuar chamando-os de médicos, porque então não haveria uma profissão mais simples.

E ainda que conhecessem o remédio correspondente a cada caso seria mais provável que cometessem numerosos erros. Sejam então esses conceitos o fundamento da essência de todas as seiscentas enfermidades.

CAPÍTULO XII

(Resumo da doutrina fisiopatológica da digestão)

Vamos fazer agora um breve ensinamento sobre os venenos para que saibam o que se deve entender por veneno e em que consiste a sua própria natureza.

Já dissemos que em todos os alimentos existe um veneno. E também que dos alimentos extraímos uma certa “entidade de potência” superior aos nossos próprios corpos. Da mesma maneira já explicamos a natureza do alquimista que existe em cada um de nós e por meio do qual são separados os venenos dos alimentos em benefício do corpo. O que depois de feito transforma a essência nutritiva em forma de tintura e cor enquanto expulsa o veneno pelos emunctórios naturais. Todas as coisas assim administradas sob o poder desta “entidade de potência” transformam logo o homem em são e forte.

Sem dúvida, quando esta entidade se torna fraca ou é destruída por algum acidente, a “mãe das enfermidades” se desenvolve, tomando-se apta para todas as espécies de venenos.

Já sabemos quantos emunctórios existem e quais são eles, estudem-nos agora que chegarão assim ao conhecimento dos venenos: tudo o que sai substancialmente pelos poros da pele vem do mercúrio. Pelas narinas é destilado o enxofre branco. As orelhas, por sua vez, expelem o arsênico, os olhos o enxofre, a bexiga a urina, o sal, e o ânus expulsa o enxofre em estado de decomposição.

Agora vamos nos adiantar em outros conhecimentos, por mais curiosos que estejam sobre este assunto. No livro De humana constructione darei os fundamentos da filosofia que o médico precisa conhecer. Ali encontrarão amplamente expostos os remédios exigidos pelas numerosas causas de onde vem a putrefação, as formas e as maneiras pelas quais o veneno se oculta nos alimentos.

CAPÍTULO XIII

(Conclusão sobre a entidade dos venenos)

Vamos dar um exemplo para demonstrar em poucas palavras como se encontra o veneno nos alimentos, e de que maneira se transforma em veneno a natureza das coisas originalmente puras e perfeitas que existem nos homens e nos animais.

O boi, com a sua aparência (ornatus), basta-se perfeitamente a si mesmo: a pele o defende contra todos os acidentes e seus emunctórios servem perfeitamente para o trabalho do seu alquimista. Este animal foi criado com a forma que lhe é peculiar de acordo com a sua atividade e as suas necessidades, que em suma é a de servir de sustento para o homem. E se transforma em parte num veneno para o homem, porque se tivesse sido criado pelo homem, somente para o seu proveito, não precisaria ter chifres, cascos e ossos, já que nenhuma dessas coisas servem para nada. Então nós vemos que o boi é um animal muito bem criado, pois nada lhe falta e nem é supérfluo nele.

Quando o homem o emprega como alimento, absorve tudo o que lhe convém e o que não lhe convém, apesar de que nada disso seja contrário ou venenoso para o próprio boi. E conforme temos repetido diversas vezes, chega o momento em que a presença do alquimista se faz necessária a fim de separar o veneno e expulsá-lo através dos emunctórios.

Com este exemplo podemos compreender que somente aquele que é alquimista entre os homens pode executar o que o alquimista da natureza realiza em nossos corpos.

Pensem nisto e se esforcem para trabalhar como o alquimista da natureza. Não levar em consideração o muco produzido pelas narinas, como se tem feito até agora, é um grande erro, pois na verdade trata-se de um dos venenos mais malignos, do qual nacem todas as doenças catarrais (morbi destillationum), conforme se vê perfeitamente nos quadros clínicos destas doenças.

Com o que foi dito consideramos ter explicado suficientemente tudo o que se refere à entidade do veneno. Uma vez mais, todos devem saber que o veneno provém somente da perturbação digestiva, deixando em nós essa parte nociva que constantemente ingerimos mas que normalmente eliminamos. E que todo o veneno é gerado sempre no mesmo lugar, de onde, passado algum tempo, aparecem as doenças ou a própria morte.

Finalmente, se neste estudo sobre a segunda entidade não ensinamos como os venenos dos alimentos produzem as doenças, foi em benefício da clareza de nossa exposição. Mais adiante encontrarão de novo este parêntesis no livro das origens das enfermidades.

Então conhecerão num só estudo as doenças do arsênico, do sal, do enxofre, e do mercúrio, conforme a distribuição de cada forma e espécie.

Concluímos assim o estudo desta entidade que servirá como base para o conhecimento dos outros livros.

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