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Sobre as Doenças Produzidas pelo Tártaro

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Paracelso

CAPITULO I

(Origem das doenças geradas pelo tártaro)

Qual filósofo verdadeiramenté ilustrado nas coisas naturais não dará risadas ao ver que todas elas, apesar de sua importância, foram esquecidas pelos médicos, e que, fundamentadas e estabelecidas na filosofia, estão presentes na medicina sob numerosas dores e doenças?

Muitos desses médicos, deixando de lado coisas tão necessárias, somente se preocupam com o seu próprio espetáculo e propaganda, em ganhar dinheiro (captandae pecuniae), discutir com os aldeões e com os leigos, em vez de dialogar com os verdadeiros filósofos em proveito de sua ciência humana. Os que agem assim continuarão ignorando a verdadeira ciência. E será vão e errôneo tudo aquilo que não tenha sido edificado sobre as bases de uma livre discussão contraditória com os que sabem mais do que nós. Querer ser médico sem experiência nem conhecimento da filosofia é uma coisa muito grosseira (probsum) de onde nascem numerosos erros, conforme teremos ocasião de mostrar.

No livro anterior falamos sobre as causas e origens das doenças. A coisa que vamos tratar agora, capaz de gerar diversas espécies de doenças, é o que poderíamos chamar: a causa do excremento.

É muito importante a observação cuidadosa e filosófica das três primeiras substâncias. A isto temos de acrescentar que em todas elas encontra-se uma certa ejeção, evacuação ou excremento (egestio, stercus aut excrementum) já que nenhum ali mento deixa de tê-lo e que toda digestão deixa sempre algum resíduo. Isto deve ser compreendido com toda precisão.

Tudo o que é, tudo o que cresce contém em si mesmo (per se) o seu próprio excremento, o que pode ser estendido, a pr n-cípio, a propósito das três substâncias. Isto nos indicaria o pr-cesso da ejeção das doenças dos três primeiros princípios assim como da evacuação do excremento que geram em nós. Ao com preender e aceitar o que foi dito, devemos evitar a confusão que nos causa o silêncio mantido pelos antigos sobre estas coisas, as quais realmente nunca foram compreendidas como deviam. Assim a sua conduta não tem nada de extraordinário e nada deve nos surpreender na falta destes estudos.

Justamente por isso lembrei-me de recorrer à filosofia para nos explicar

essas coisas, entre as quais, a primeira e mais importante se deduz do fato da necessidade de alimento que tem todos os seres que vivem e crescem.

Da necessidade de comer se deduz que existe um ventrículo (ou estômago) dotado da virtude particular de comer o puro e o impuro de uma vez, tanto no homem como nos demais seres. Nem todos, sem dúvida, possuem os emunctórios aperfeiçoados do homem, mas se caracterizam pelo fato de reter e assimilar em seu interior uma parte do que comem, separando o bem do mal. O mal, que tem uma anatomia particular, fica de um certo modo separado dentro da anatomia geral da coisa ou do ser, retendo por sua vez o alimento e o excremento. Vamos nos ocupar depois deste excremento que fica assim misturado ao alimento, deixando diversos extremos sob o domínio da filosofia pura.

No que se refere ao nosso objeto, devem saber que tanto o alimento como o excremento (nutrimen und stercus) são comidos e bebidos de uma vez pelo homem, de onde se deduz que sua natureza deve se empregar em separá-los e não em conservá-los juntos em uma mesma coisa, já que, como duplo, precisa separar-se em dois: natureza e excremento; ainda que ò ventrículo do homem não possa separá-los. Só o puro e seu excremento permanecem; e não desta forma o excremento das coisas naturais que estão nos alimentos e para os quais o ventrículo principal não tem poder de separação. Para essas coisas um outro ventrículo mais sutil deve trabalhar. Ele está no mesentério (in mesaraicis), no fígado, nos rins, bexiga, intestino etc., e está encarregado de separar o excremento.

Observem sobre isto que o nosso ventrículo principal, isto é, o situado no final do esôfago (gula, segundo Paltenius, ou per canalem stomachi, segundo Forberger) separa e divide somente o que apodrece do que não se apodrece, e o que se desagrega do que não se desagrega (comminuitur). Isto significa que somente o que é carne, medula ou ossos pode verdadeiramente desagregar-se e corromper. Por isso acontece que tudo o que não é a própria substância do homem, é excremento; que o homem não o é e que as demais coisas têm seus próprios excrementos, diferentes dos excrementos do homem, que podem ficar nele sem desagregar-se (fraguntur) durante o estado de cozimento (coctilia).

Existindo no homem coisas que não deveriam existir, além do seu próprio excremento e sua substância carnal, mas restos de coisas naturais como a comida ou a bebida, é preciso que demonstremos o que esses alimentos (nutrimenta) provocam e realizam no corpo.

Diremos antes de mais nada que essas reações são muito mais lógicas e muito menos estranhas do que se pensava e que somente a incapacidade daqueles que se surpreendem com tais coisas pôde apresentá-las deste modo.

Estas doenças são realmente diferentes das que estudamos até agora como objetos dos nossos dois primeiros livros. Ainda que as três primeiras substâncias e todas as outras conservem e retenham seus excrementos, permanecem separadas deles, da mesma forma que o homem está dos seus, conforme já demonstramos.

Dividiremos as doenças em duas classes: as que são geradas no homem e as que vêm dos excrementos. Estas últimas devem ser estudadas e compreendidas de uma maneira especial e particular.

Hoje já não é possível preocupar-se em demasia porque os autores antigos defenderam com tanto ardor o assunto sobre as causas da cólera, a fleuma e a melancolia. O lugar que pretenderam conservar para os seus humores não teria razão de ser se tivessem considerado devidamente os fundamentos da filosofia à qual já fizemos referência. Contudo ainda poderiam estar de acordo sobre a geração da fleuma, a melancolia, o sangue e o cólera, mesmo que suas naturezas não existam neles. Como seria possível fazer uma coisa de outra se todas as duas não existissem em potencial previamente unidas?

Entre as doenças deste gênero nós temos os cálculos, as areias da bexiga da urina, o sedimentação e as viscosidades 1, nenhuma das quais preexiste em nossa natureza, sendo por isso difícil de explicar a sua presença com a filosofia dos humores.

Se os cálculos, as areias, os sedimentos ou as viscosidades se produzem no homem, não há dúvida de que a causa disto é a existência da substância geradora delas em nós, pois’ se não existisse não haveria razão para que essas doenças se produzissem.

Quando esses autores tentaram explicar estes fatos fora dos conhecidos quatro humores, fracassaram diversas vezes. Seus postulados foram tão fracos e vacilantes como costumam’ ser em relação a todas as coisas, porque justamente nisso está o ponto fraco deles. Se tivessem sido filósofos em vez de poetas, anatômicos em vez de empíricos,2 e mais amantes da verdade que da fantasia, teriam construído um edifício lógico e científico sobre os doenças, sobre a natureza e a condição humana, muito mais sólido que o falso e precário que nos deixaram.

O corpo que gera e produz as doenças dos cálculos, das areias, dos sedimentos e das viscosidades, é na verdade múltiplo e essas quatro coisas representam os excrementos das quatro coisas naturais presentes em todo o alimento e bebidas que compõem a nutrição do homem.

A última existência (ultimum esse) de todas as coisas é uma coagulação, cuja expressão é o cálculo. De onde se deduz que é preciso demonstrar primeiro que a última matéria dos excrementos está nos cálculos.

Vejamos como: já sabemos que a putrefação se encontra na última matéria dos excrementos dos homens (ultimam materiam habent in putrefactione) e que, por sua vez, a coagulação é a última matéria das coisas

naturais (rerum naturalium stercora habent ultimom materiam in coagulations), todas duas coisas parecendo fazer oposição entre si. Na verdade a digestão do homem termina em seus emunctórios naturais, nos quais a mesma força da putrefação limpa (excernitur), separa (secedit) e expulsa todos os detritos.

A força expulsiva reside justamente no excremento e não na natureza ou na constituição do homem, e nem nas coisas naturais, que somente têm a propriedade de coagular, de acordo com que somente se alimentam de coisas semelhantes.

Segundo este princípio nutritivo, tudo o que se transforma em alimento tem que estar pieviamente coagulado, razão pela qual tudo aquilo que não se digere pela mesma substância que o come, volta ao estado de coagulação original. Este resultado da coagulação é duplo: a que não se coagula nunca é o alimento; a outra coagulada é o excremento. Como acontece na natureza humana, tudo o que não é o homem é excremento.

Por isso são muitas as formas de transformação: cálculos, areias, sedimentos, e viscosidades, que devem ser consideradas como as últimas matérias do excremento que têm os alimentos das coisas naturais.

Esta última matéria se explica de dois modos: um é o que ela mesma possui dentro do macrocosmo, e outro o que condiciona as doenças do homem, sobre o que vamos falar neste livro.

A última matéria nas coisas que se formam por si mesmas (quoe per se finut) são as pedras dos rios, que vêm do alimento das águas, e as pedras das montanhas, que vêm dos alimentos da terra, pois tanto a terra como a água precisam de alimentos.

O primeiro estado é o de uma viscosidade argilosa que se coagula quando o corpo consegue expulsá-la fora dele (extra). Tal viscosidade é violentamente repelida (exturbant) pelos quatro elementos na medida em que aparece estimulada e favorecida por tudo o que cresce espontaneamente (vegetabilia res crescentes).

Também tudo que endurece (arescit) tem em si mesmo um excremento, e o que se desagrega ou separa (secedit) é um alimento privado acidentalmente do corpo. Quem trabalha com madeira sabe tirar dela a resina3 os que preparam ervas conhecem a elaboração do alabastro (alabastrum), e assim sucessivamente.

Na realidade essas coisas são as últimas matérias em que se transformam os excrementos das coisas naturais.

Já dissemos que tudo o que queima contém enxofre, tudo o que se reduz a cinzas tem sal, e o que possui a proprieídade de esfumaçar-se (efumat) contém mercúrio, de onde conclui-mos que quando seus excrementos contêm as três coisas serão semelhantes, em forma de cálculos consistentes e coagulados, sem queimar, sem sal, e sem manifestar-se em estado fumegante.

Vejam como devem compreender isto: se a madeira se transforma em cinzas, as cinzas em sal, e este último em pedra, o artesão (mechanicus) formará o corpo com tudo isso, manifestando nele suas últimas matérias.

Qual leigo será capaz de enxergar azeite na madeira ou água na pedra? Sem dúvida nenhum. Exceto o médico, que procurará, ao inverso, a madeira no azeite e a pedra na água. Isto se constitui na aceitação da filosofia mais sutil (Philosophia adepta sagex).

Tendo compreendido os quatro gêneros de doenças do tártaro: cálculos, areias, sedimentos e viscosidades, é preciso procurá-lo no corpo, quer dizer, nos alimentos que constituem o corpo. Pois se entram nele, nele hão de nascer segundo o espírito do artesão (mechanicus) desse lugar que elabora (faber) semelhantes coisas.

Por isso é justo chamar este livro de tratado do tártaro, já que todas os últimas matérias das coisas nascentes, uma vez que separam-se do corpo, recebem este nome com as diversas variantes que são os cálculos, as areias, os sedimentos ou as viscosidades.

A maneira como deve se entender o tártaro e a divisão de suas espécies será objeto de outro livro.

Compreendemos até aqui que o tártaro é o excremento das bebidas e comidas, coagulado pelo espírito do homem. Se esses excrementos desagregam- se desperdiçando assim a sua potência expulsiva e ficam no organismo, gerara o tártaro, conforme vamos ver agora.

O tártaro é realmente bebido e comido por nós, ficando no corpo por este mecanismo, a não ser que se misture com os excrementos, quando então será expulso (excernatur) com eles. Motivo pelo qual podem provocar numerosas espécies de doenças, não referidas pelos médicos antigos, e nem até agora pelos modernos, mais por causa de sua ignorância ou incapacidade do que por má vontade ou negligência.

Vejamos agora como absorvemos (assumamus) o tártaro que se encontra nas verduras e legumes, pois está claro que a sua mucilagem e as outras substâncias que resultam delas o possuem em alto teor, como expressão de sua última matéria e de tudo o que é doce.

De onde deduzimos o motivo pelo qual todas as coisas fervidas ou cozidas em suas próprias mucilagens são eficazes e benéficas para os doentes de cálculos. O cozimento diminui e tira o tártaro, obrigando-o a passar para outros excrementos e impedindo-o de se aderir ou aglutinar, como aconteceria em caso contrário.

Por isso o betume, a mucilagem viscosa, o glúten dos legumes não são mais que outras tantas substâncias de excrementos retidos no corpo à espera de transformar-se (vertitur) em sua última matéria, isto é, em pedra ou areia.

A mesma coisa acontece com os laticínios, que deixam uma matéria terrosa (bolaria) de tipo argiloso feita de tártaro, que fica retida, a menos que se misture e seja expulsa com os excrementos. Pode-se dizer a mesma coisa das carnes e dos pescados.

Saibam então que os excrementos produzidos pelos legumes são viscosos; e como terra argilosa os provenientes dos pescados, carnes ou laticínios. Estas duas categorias de alimentos proporcionam duas classes de excrementos perfeitamente definidas.

Só existem o tártaro da terra (tartarum boli) e o tártaro viscoso (tartarum visci), cada um com suas diversas espécies, separadas entre si da mesma forma como as carnes, os legumes, as ervas, e os cereais (frumenta). Os caules, as raízes e os cereais devem ser incluídos dentro do grupo genérico dos legumes.

Assim, quando o médico prescreve uma dieta (dioeta) qualquer, deve cuidar para que todas as classes de tártaro se misturem bem aos excrementos do ventrículo por meio de uma putrefação ordenada a fim de não desperdiçar sua potência expulsiva.5

Nenhum outro mecanismo pode explicar a preparação do regime e da dieta em geral, especialmente nas doenças provocadas pelo tártaro, quando a abstinência completa não terá uma verdadeira ação.

No vinho, na água, e em tudo o que compreendemos como bebida também existem os excrementos. É preciso saber que todas as bebidas preparadas com os sucos das frutas das árvores, como a sidra das peras ou das maçãs, são comparáveis ao vinho e à água. A cerveja, ao contrário, assim como as bebidas extraídas dos legumes, têm as duas classes de tártaros e trazem em si suas próprias correções. Por isso sua passagem pelo corpo se faz muito rapidamente, o que no fundo é um grande benefício tanto quanto a digestão que provoque seja maior ou menor. As digestões intensas e trabalhosas favorecem a formação de cálculos enquanto as digestões ligeiras os evitam. Assim também as digestões vigorosas e quentes não deixam resíduo algum.

Por isso, quando o tártaro aparece em um ponto ou outro do corpo do homem isso se deve à energia distinta, intensidade ou suavidade de suas digestões e ao modo como se realiza em seus órgãos a separação dos princípios nutritivos.

Saibam finalmente que existem nestas doenças duas classes de tártaros, cujos nomes variam segundo a natureza e a condição de cada país. Por isso às vezes acontece que as medicinas sejam diferentes ou não atuem da mesma forma em uns e outros lugares. E isto se deve, tanto no caso dos tártaros como no dos países, à multiplicidade de vinhos e de águas que são produzidos nas diversas regiões.6

Observem que o tártaro gerado na água e no vinho produz uma pedra viscosa (lapis viscosus) que às vezes, separando-se, fica colada nos vasos. Certamente isto quer dizer que as bebidas contêm grande quantidade de excrementos e que são ao mesmo tempo muito fracas para elaborá-los devidamente. O que explica, por sua vez, que este fenômeno não aconteça nos alimentos sólidos (m esilibus).

Entre os tártaros que nos referimos existe um na água e outro no vinho, sendo diferentes suas últimas matérias em cada caso.

Se aqui é gerado um cálculo, e ali uma areia somente, isto deve-se à diversa natureza e condição de cada região. Assim, em uns casos o cálculo é repelido até ao excremento, e as areias não, enquanto que em outras vezes as areias são expelidas e os cálculos retidos. O certo é que o tártaro, apesar da diversidade de naturezas e gerações, está presente em todos os homens.

O tártaro está no vinho, na água, e na seiva das árvores, dos legumes e das plantas. De acordo com isto será impossível achar um só homem, que, a despeito da qualidade de suas digestões, não esteja carregado de tártaro em alguma parte do seu organismo. O que, naturalmente, deve ser examinado com a maior atenção. O mesmo deve ser estabelecido a propósito do mecanismo da coagulação, do endurecimento da forma, espécie etc., quer dizer que todas elas são geradas segundo a condição de cada lugar, alimento ou bebida.

Um suíço, por exemplo, pode ficar doente de cálculos em Nuremberg ou em Westerburgo devido aos legumes ou aos cereais desses países. Reciprocamente alguém que tenha nascido nestas cidades pode sofrer de cálculos ao se alimentar com laticínios da Suíça. O mesmo exemplo é válido para os bávaros, suabos, alsacianos ou franceses.

Também quando um estrangeiro viaja sucessivamente por Portugal, Inglaterra e Suécia, fixando sua residência finalmente na Alemanha, pode acontecer que com o tempo e a influência de todas essas mudanças se lhe desprenda um cálculo que tinha permanecido escondido durante muitos anos.

Com isso terminarei este tratado no qual ficou definido os mecanismos pelos quais recebemos (assumamus) o tártaro do exterior, que em nenhum caso é um produto espontâneo do nosso corpo. Não é de estranhar que os médicos que pretenderam explicar a geração do tártaro de outro modo tenham permanecido na mais absoluta ignorância. Não basta dizer que a terra gera as árvores e as ervas, mas é preciso explicar como e por que se produz semelhante coisa. O aldeão conhece perfeitamente o primeiro fato, mas o médico deve saber algo mais do que isto.

Não se pode falar da coagulação sem saber em que consiste, nem se referir ao calor da digestão sem conhecer o mecanismo pelo qual se deposita o tártaro e se produz o cálculo.

Agir de outra maneira não provará mais que a estupidez ou ignorância desses maus médicos, que repetidamente demonstram isso em diversas ocasiões.

Mas creio que é uma lamentável perda de tempo deter-me nestas bagatelas às quais muita gente dá tanta importância.

CAPÍTULO II

(Sobre o tártaro do estômago e dos intestinos)

Tendo demonstrado que o alimento das plantas e das coisas naturais vem das pedras dissolvidas que contém, sucessivamente coaguladas, é preciso dizer agora que todo o produto das pedras, como mostra a filosofia (ainda que não convenha analisar isto aqui sob este ponto de vista), degenera novamente ao estado de pedra quando o calor das digestões é muito rápido e sutil. Nestas circunstâncias as coisas não se formam; simplesmente separam-se. A digestão não pode fazer a pedra enquanto não é pedra ela mesma, mas pode separá-la de onde se encontra, seja nos alimentos ou nos excrementos, por meio do espírito do sal que está neles.

Assim uns se transformam em tártaro salino e em cinzas, outros em outras pedras, de formas e causas exteriores, como vamos explicar mais claramente em seguida.

O que coagula e forma os tártaros é justamente o espírito do sal, cuja coagulação e formação dirige segundo os lugares desde onde atua em cada caso, e que podem ser todos os do corpo. O mesmo pode ser admitido teoricamente com respeito aos espíritos do enxofre e do mercúrio, ainda que nenhum deles atue sobre os excrementos e as doenças do tártaro, às quais não dão nem tiram nada.

Somente o espírito do sal pode fazer isto, justamente porque possui a matéria da pedra sobre a qual atua como o calor do Sol, secando todas as mucilagens e viscosidades. Nada que não possua o espírito do sal pode transformar em pedra as matérias lapidares. E nenhuma destas substâncias poderá tampouco encontrar-se em sua última matéria, isto é, em estado de pedra, sem a presença de tal espírito, como podemos comprovar gradativamente nos alimentos.

Unicamente o ventrículo do homem pode reduzir a digestão à suas últimas matérias melhor do que qualquer outro calor ou qualquer outro fogo.

Esta é a causa pela qual se cometem tantos erros na natureza vulcânica e que frequentemente suas últimas matérias não sejam reduzidas devidamente.

Quando as coisas entram em putrefação de modo irregular, e não através do processo de sua última matéria, é preciso pensar que isto se deve ao espírito do sal e não ao simples calor do corpo, que definitivamente só pode ser explicado pelo filósofo e não pelo médico.

Deixaremos então essas questões mais delicadas que pertencem ao campo do filosofia e estudaremos o modo como se realiza a separação das coisas, e nelas as diversas classes do tártaro e de como se reduzem por meio do espírito do sal.

Sabemos que a nossa boca recebe tudo o que comemos ou bebemos, ainda que o seu papel esteja reduzido ao de um simples funil (infundibulum) através do qual tudo passa até ao reservatório colocado mais abaixo. Mas este trânsito pela boca não é completamente inerte (inanis). Possuindo uma parte do calor da digestão — ainda que não tenha o de temperamento, nem dos humores e dos elementos — ela retém uma espécie de tártaro. A força do calor da digestão bucal é diferente, ainda que a finalidade do outro calor seja mais ampla e poderosa.

Por isso, mesmo sendo possível que a comida seja digerida na boca como se estivesse no ventrículo, sua qualidade é um pouco diferente. Podemos guardar na boca uma parte dos alimentos, subtraindo-os assim à absorção pelo ventrículo, exceto na parte que já tenha sofrido a digestão bucal. O que acontece é que comer pelo estômago dá um alimento nobre e só aqueles que comem pelo estômago têm evacuações verdadeiras pelo ânus. Os que comem pela boca só urinam (mingunt) sem chegar propriamente a evacuar excrementos sólidos (non cacant).

Esta é a razão e o mecanismo pelo qual muitos santos conseguiram o seu sustento, para o assombro dos homens, que nunca vendo-os defecar, chegaram a acreditar que eles podiam viver sem comer.

Assim, a digestão bucal é suficiente para garantir a nutrição do corpo. Quando a boca digere chega a separar o excremento natural com seu próprio poder, fazendo-o passar ou deixando-o aderido e acumulado nos dentes.1 As outras partes da boca, como a garganta, a língua, a campainha, e gengivas, são muito úmidas e escorregadias (glabriores) para que alguma coisa possa aderir-se a elas de uma maneira durável.

Deste modo o tártaro depositado e retido nos dentes pode desenvolver-se, mais por causa das comidas do que pelas bebidas, segundo sua diversa natureza e condição. Além disso, o tártaro poderia depositar-se em todas suas espécies se a boca, por alguma estranha circunstância possuísse algum oco ou cavidade permanente.

Esta primeira separação bucal do excremento natural que fica aderido aos dentes é que provoca as putrefações da gengiva, as cáries, as dores de dente e outras semelhantes, devido à natureza acre (acrimonia) do tártaro.

As irritações e os acessos que o tártaro provoca nos dentes são comparáveis com a irritação causada pelos cálculos formados e presos nos vasos, conforme vamos ver num capítulo especial.

O que a boca deixa passar é levado à entrada do estômago onde acontece uma segunda digestão parecida com a primeira e diferente da que vem logo em seguida no fundo do ventrículo. Essa digestão da boca do estômago (in ore stomachi) também causa a aderência do tártaro aí mesmo, como no caso dos dentes, gerando doenças especiais como o calor da garganta (ardor guloe), a secura do diafragma (angustia diaphragmatis) e outras compleições, dores e acessos semelhantes aos provocados pelos cálculos.

Existe um outro tártaro que sai dos alimentos contidos no ventrículo em forma de fumo ou vapor, por um mecanismo parecido com o da destilação do vinho. Este tártaro, especialmente sutil, se eleva e separa-se do resto, já que não é feito pelo verdadeiro processo de separação da última matéria do excremento. Se acontece uma outra operação neste momento, como o que separa a aguardente do espírito do vinho, o tártaro secará novamente transformando-se em excremento.

Por isso, quando no ventrículo produz-se uma ebulição, uma separação e uma elevação do tártaro, a acidez aumenta, pois sabe-se que tudo o que é digerido em estado de destilação adquire uma natureza mais aguda.

Vemos assim que a dor de garganta e do orifício do ventrículo são provocadas por diversas causas, seja do tártaro salino, calcinado ou alcalinizado. Quando a natureza fabrica estas coisas surgem as dores das queimações e

ebulições, como por exemplo a da cal quando entra em contato com a água, o que às vezes também acontece na entrada do estômago por ação dos alimentos e das bebidas, ou do sal, o que deve ser estudado detidamente.

A ingestão de alimentos ou de bebidas, o calor do exercício e o esfriamento podem provocar os acessos de todas as espécies de tártaro e dos cálculos, conforme sua natureza distinta, sua condição e o meio pelo qual tenham entrado no ventrículo.

Na entrada do estômago encontram-se frequentemente tártaros e cálculos de todas as classes e formas que produzem dores parecidas com as que provoca a bílis.

Os avicenistas e galenistas, incapazes de reduzi-los, limitavam-se a purgá-los ou tentavam extraí-los. Esta é uma conduta errada. O tártaro adere aos cálculos formando bolas e aglomerados parecidos com os dos dentes, não sendo um resultado somente dos sedimentos naturais. Os cálculos e tártaros assim elaborados acabam debilitando a potência do ventrículo, alterando-o e enfermando-o com o aparecimento de diversas dores que mais adiante vamos estudar.

Entre outras coisas, as pedras do tártaro chegam a obstruir o conduto gastrointestinal impedindo a expulsão das fezes. Com isso me proponho a explicar e tornar conhecido úma coisa que a ignorância manteve oculta durante muito tempo.

Um dos maiores erros dos antigos consistia em dar purgantes de vez em quando sem que houvesse necessidade disto, supostamente não conseguindo expulsar os humores e viscosidades aderidos ao ventrículo. Claro que isto não só era inútil mas também prejudicial em certos casos, já que os purgantes não eliminam o tártaro. Não pode ser objeto de críticas tudo o que escrevemos e apontamos sobre este assunto, pois tudo o que deve ser sabido sobre ele (com exceção ao processo da transmutação do tártaro) não podia ser analisado até agora sem que fosse pura perda de tempo.

Assim como o espírito do sal coagula todas as numerosas espécies de tártaro, aderindo-o às paredes do ventrículo, observem que o ardor, a plenitude, a fervura (exoestuatio) e outras doenças se comportam como se existisse ali uma massa feito uma pedra de moinho, ou um fogo, ou um pedaço de lenha: tudo isso vem do tártaro. Por isso digo que todas as regras e preceitos dos antigos morreram, sendo que eles nunca compreenderam nem conheceram o processo da redução do tártaro. É indigno e vergonhoso que constituem com essas ideias, matando os doentes com suas receitas (recepta) desde o começo do mundo. Sua sabedoria não consegue mais do que isso. Digo que não liguem mais para eles é os abandonem.

Como esclarecimento, quero dizer que somente existem duas vias ou mecanismos diferentes na produção do tártaro: a bebida e a comida.

O tártaro resultante das comidas vai para os intestinos, de onde são expulsos pelo ventre. O das bebidas passam pelo fígado e daí para a bexiga da urina, por onde são eliminados. Tanto um como o outro devem ser estudados com o maior cuidado.

Se lembram do que dissemos sobre a formação do tártaro nas gengivas, no orifício da entrada do estômago e na própria cavidade do ventrículo, saibam que as suas doenças têm certas afinidades bem diferentes das que caracterizam o grupo que vamos estudar agora.

Os tártaros destas localizações formam uma só mistura, apesar de que sempre se dissolvem melhor quando vêm dos alimentos sólidos do que quando foram depositados pelas bebidas, o que pode ser extensivo, por suposição, aos cálculos de uma e outra origem, cujas propriedades conjuntas diferem notoriamente das dos demais cálculos e tártaros. Estas diferenças devem ser observadas especialmente quando escolhemos os tratamentos correspondentes, e principalmente levando em conta que a coagulação provocada pelo espírito do sal nestes detritos é mais dura, compacta e consistente quanto mais longe se encontram da boca, dentro do trato gastrointestinal.

A força e a capacidade de penetração (pervadit) e precipitação dos tártaros aumentam na medida em que são submetidos a maiores e mais prolongadas destilações. O tártaro da boca é o que se dissolve mais rapidamente com maior facilidade. Depois vem aquele que está na entrada do estômago. O do fundo do ventrículo já é mais difícil, sendo pior ainda o dos intestinos. Mas o mais rebelde de todos são os que se depositam no fígado, nos rins e na bexiga da urina.

Disto se deduz a separação lógica que devemos estabelecer para estas

duas vias — intestinal e urinária — em tudo o que diz respeito ao estudo de suas condições e naturezas.

É surpreendente como nada disso nunca foi mostrado e explicado por aqueles que nos precederam, e lamentável, porque isso teria dado uma ocupação e um proveito maior àquilo conseguido por Galeno, Rasis e Avicena, com suas ninharias, elogiadas com tanto orgulho e insolência por seus seguidores e comentaristas.

A força que separa o podre do que não é está no ventrículo. E todos os alimentos possuem um duplo excremento: um das coisas que se comem e outro das que se bebem. Com isso quero dizer que existem muitos alimentos que ao mesmo tempo são bebidas, e que por sua vez algumas bebidas são alimentos sólidos, motivo pelo qual gerarão um tártaro e não dois, ainda que dividido em diversas espécies, segundo sua própria natureza.

O fato de dizer que o tártaro provém das bebidas em maior proporção que dos alimentos sólidos não passa de uma conjetura certamente provável, ainda que não tenha sido demonstrada. Podemos dizer a mesma coisa sobre o meio pelo qual nos chega o tártaro das bebidas, quer dizer, dos líquidos somente e dos líquidos que têm os alimentos sólidos.

Vejamos como se cumpre esta regra geral nos intestinos.

Ainda que todo excremento saia do ventrículo, permanece antes muito tempo nele, aglutinando-se já ali e provocando diversas e numerosas doenças, como a cólica, a disenteria, as retorções, e dores de barriga superiores e inferiores; as obstruções, os fluxos e outras semelhantes.

Por sua vez o tártaro entra em crise ao colocar-se em contato com a bexiga da urina: isto quer dizer que o cálculo provoca dores no lugar exato onde está.

Todas estas dores, espasmos e tenesmos se reproduzem nos intestinos como dores de barriga, que se diferenciam das produzidas na bexiga da urina pelas contrações dos membros inferiores, no corpo por baixo da cintura e um pouco também em todos os membros, já que o tártaro se difunde não só de cima para baixo mas em todas as direções. Por isso deve-se examinar com a maior atenção a origem da cólica. Dedicaremos um capítulo especial ao assunto.

Os antigos cometeram um grande erro ao descrever esta doença. O certo é que às vezes o tártaro durante uma fase de obstipação começa a aderir-se às paredes do intestino da mesma forma como o tártaro do vinho às paredes dos grandes tonéis, ficando depositado aí, aumentando de espessura, sem que exista purgante, xarope ou clister que consiga expulsá-lo, nem socorro para o organismo que sofre disto. Com o tempo essa coagulação vai aumentando em comprimento e espessura a ponto de formar uma verdadeira pedra, tão volumosa que chega a obstruir o ceco, lugar onde se desenvolve de preferência.

Este crescimento e proliferação realiza-se de um modo semelhante na água, na qual também existem numerosas espécies de tártaro, como a cal, os cálculos esponjosos (thopi), rugosos (asper), lisos (glaber), salinos, mercuriais, aluminosos etc., todos eles provocando outras tantas espécies de cólicas.

Entretanto, cuidem para não confundir o tártaro com a cólera, com a dor das entranhas, ou com as ventosidades, pois isto se constitui num grave erro. Neste equívoco surpreendente caem e continuam caindo muitos médicos franceses e italianos, especialmente em Montpellier, Salerno e Paris3, onde se dedicam a disputar entre si a posse da palma da verdade, ao mesmo tempo em que lançam sobre os outros o seu mais soberano desprezo. Digo que nenhum deles sabe nada e que só são capazes de traduzir sua arte em palavras vazias e em prestígios artificiais, o que não passa de puro charlatanismo. Assim, não veem o menor inconveniente em aplicar purgantes e clisteres frequentemente até a morte — “usque ad mortem” dizem eles — considerando que o doente foi assim tratado de acordo. Vangloriam-se de possuir e empregar as maiores anatomias, e no entanto, nem perceberam que o tártaro adere aos dentes, para não citar coisas mais graves. Sem dúvida eles têm uma vista tão boa que não precisam de lentes sobre seus narizes.

Como podem deixar de aproveitar até o menor elemento no conhecimento da anatomia ou no exercício de sua perspicácia?

Os médicos não devem ser meras cópias dos pássaros dos bosques, limitando-se a dissecar cadáveres de ladrões e criminosos, nem tão pouco como uma nova espécie de loucos indo descansar logo depois de ter examinado e remexido tudo, asfixiados entre excrementos e corpos insepultos, sabendo cada vez menos.

Digo e repito que a verdade está na cabeceira dos enfermos, para onde devem se encaminhar de vez em quando, pois aí aprenderão muito mais que em qualquer outro lugar.

CAPÍTULO III

(Sobre os cálculos do fígado, dos rins, e do intestino)

Agora vamos tratar do outro processo como são formados os cálculos provenientes do excremento da urina.

Quando os alimentos e as bebidas chegam a purifiçar-se de excrementos passam do ventrículo para o fígado através das veias e vias do mesentério (in venis mesaraicis). Nestes locais, fora do ventrículo, a urina é formada, ficando assim separada do alimento puro que é atraído até ao fígado. Isto nos permite observar que o fígado somente atrai aquilo que lhe pertence, ou melhor, o verdadeiro alimento, passando tudo o que é supérfluo para as vias urinárias.

A maneira como realiza-se esse processo é semelhante ao que provoca a formação da chuva, segundo nos informa a ciência meteorológica. Só que aqui, em vez das grandes quantidades de águas simultâneas, a formação se produz gota a gota (guttalis generatio), o que também é valido no que se refere à formação da urina e dos princípios da matéria nutritiva do fígado. Em tais circunstâncias o alimento que até este instante estava misturado à urina, separa- se dela, ficando a urina sozinha. Logo depois, pela sua própria virtude expulsiva ela se dirige até a bexiga e daí para o exterior.

Agora vamos adiar o estudo dos alimentos para um tratado que lhe dedicaremos e vamos falar sobre o tártaro da urina.

O tártaro preparado fora do ventrículo atravessa suas passagens (meatus) particulares e vai pouco a pouco aderindo-se a elas, obstruindo-as, provocando assim oclusões e pequenas feridas (punctiones) que alguns falsamente têm atribuído ao sangue e a outros humores. A queimação da urina e a cólica intestinal são da mesma natureza que o ardor do esôfago (magenmund) provocado pela retenção do tártaro na entrada do estômago.

Quando os depósitos de tártaro (collectio) alcançam um grande volume podem chegar a impedir a passagem dos alimentos. Estes ficam assim no ventrículo causando vômitos, inapetência e sensação de nojo, debilidade, astenia de todos os membros (phthisis membrorum) e finalmente paroxismos ou crises sobre os cálculos.

O paroxismo do cálculo, assim como a erisipela, provocam febre e calafrios da mesma forma que a peste, a pleurisia e outras tantas doenças de naturezas semelhantes.

Quando a matéria nutritiva e a urina se encontram em uma passagem (transitus) entre as que vão até as suas próprias vias, acontece que o alimento é atraído até a essa passagem. Com isso a urina, comprimida nas veias, chega antes ao fígado, onde permanece, a menos que a sua difusão se faça rapidamente ou que o calor da digestão seja muito seco e toda ela muito rápida.

No conjunto este mecanismo de retenção lembra o da secação provocada pelo sol, com a única diferença que, em vez de tártaro encontramos nestes casos o espírito do sal. Este entra em ação e coagula uma espécie de tártaro na qual fica constituída a primeira matéria.

A obstrução dessas vias e passagens gera diversas doenças do fígado. Também na bexiga estas doenças trabalham (operentur) roendo, escavando (excaven) e produzindo numerosas dores e transtornos.

Apesar de tudo, as doenças do fígado continuam sendo as mais importantes porque ele é um órgão de grande nobreza que serve, ajuda e influencia quase todos os outros. Quando ele é atacado ou atingido, nunca provoca um pequeno dano mas muitos e múltiplos, cujas mostras mais conhecidas são a hidrartrose, a febre hepática, a doença da víscera (hepatis), assim como muitas outras e particularmente as erisipelas, conforme explicaremos nos capítulos especiais correspondentes.

Em proveito da autoridade e prestígio da classe médica teria sido melhor se alguns profissionais tivessem tirado as lentes dos narizes (perspecillum nasum)1 e examinassem o tártaro em vez do fígado, como se ele fosse a verdadeira causa destas doenças. Nada pode confirmar que a hidropisia provenha de um fígado limpo (de tártaro) como esses médicos tagarelam incessantemente. Tremenda desgraça para tanto doutor, senhor, mestre e bacharel de tantas e tão famosas escolas, cegos por cataratas tão rebeldes! Surpreende-me a sua audácia, obstinação, e o modo como enfeitam suas roupas com barretes e tiaras vermelhas. Estando tão cegos e cobertos de ostentação toma-se difícil encontrar alguma coisa em suas cabeças que esteja no lugar certo.

Já vimos então que a urina se dirige (pervadens) do fígado para os rins e a bexiga através de vias próprias e particulares nas quais a urina permanece ainda crua e sem amadurecimento. Este processo vai se produzindo pouco a pouco e consegue sua realização na bexiga, onde a urina se cozinha, clarifica, e complementa-se, atingindo sua máxima sutileza e amadurecimento.

O mesmo  acontece  com  os  outros  excrementos,  cujo  secamento

(resiccata) não se consuma como é devido até que cheguem aos intestinos e em todo o ceco onde a perda de água (exsiccatio) gera neles a virtude expulsiva, ao inverso do que acontece com a urina. Assim os intestinos não tomam nenhum alimento das bebidas, mas os atraem até as partes e lugares adequados.

Podíamos comparar isto com as peras. Ainda que elas nasçam na primavera, somente ficam maduras no outono e nunca antes.

Nestas vias que vão do fígado aos emunctórios produzem-se diversas classes de tártaro de violência muito maior, mais poder c acidez do que os gerados no ventrículo, no mesentério ou mesmo no fígado.

Por outro lado, o tártaro urinário é mais duro e áspero quanto mais limpa c pura parecer a urina em nosso exame. Por isso nestes casos são produzidos calafrios, as placas, as esfoliações, areias, cálculos c outros semelhantes que contaminam a urina.

Assim, muitas erisipelas, tumores, abcessos (apostemata) e ulcerações aparecem nas regiões lombares (in lumbis) apesar do que não cheguem a ser percebidas e conhecidas diretamente por causa de sua natureza especial.

Estes fatos nos obrigam a considerar o tártaro com toda atenção dentro da anatomia geral do homem.

Em verdade digo que não basta ter uma boa vista se for para olhar errado. Existem médicos que agem apenas como uma vaca diante de um bispo. E diante de um excremento se limitam a dizer timidamente: “isto possui uma certa viscosidade”, ou então, “isto parece greda vermelha”.

De acordo com a filosofia e a anatomia diremos que os rins não se nutrem com a urina, mas de um outro modo que vamos explicar mais adiante. A urina se limita a lavar e limpar os rins de suas impurezas, tornando-se assim como o bálsamo que os preserva de toda corrupção. Por isso decidimos tratar aqui da urina e não da natureza ou condição dos rins.

Somente quando a urina alcança (ascendit) a sua máxima clarificação é que toma essa cor vermelha de outono, característica de sua maturidade. Fora isso ainda existem na cavidade dos rins determinados espaços onde o tártaro pode aderir com a mesma facilidade com que o faz no interior dos tonéis de vinho, especialmente nos casos em que o tártaro está acompanhado do espírito do sal, ou em que ele mesmo se separa do seu excremento, quer dizer, da urina.

Nestes casos e segundo a propriedade local de cada rim, produz-se o tártaro foliáceo (foliaceus tartarus), o arenoso (arenosus) ou o em forma de cálculos. Sobre isto temos diversos exemplos na filosofia.

Assim, quando alguém bebe de uma água que possua a propriedade de gerar pedras e acontece a separação de algum tártaro do seu excremento

correspondente, e frequente que sobrevenha (superveniat) o espírito do sal, gerando diretamente o cálculo e não as formas intermediárias, foliáceas ou arenosas.

Às vezes o cálculo se une ao sedimento e aos detritos, ou então separa-se deles, deixando o rim seco e acabando por produzir a morte quando adere e obstrui toda a sua cavidade.

Esta petrificação pode realizar-se também segundo a diferente natureza da água e a conseguinte sensibilidade do tártaro Quando a água produz pedras grandes e rugosas (asper), também o tártaro assim as produz. E quando o tártaro se impregna das cores da urina e dos sucos renais, provocando dores de diversas intensidades, pode acontecer que essas cores persistam no cálculo, formando os tártaros cinzas, vermelhos, marrons ou amarelos ( flavus) . Ao contrário, nunca veremos um tártaro verde, negro ou azul (cyaneus) pois todas essas cores se destroem e separam-se no orifício do estômago, onde estão destinadas a morrer. Fora daí elas são muito raras e poucos frequentes

Segundo os hábitos de cada região, a classe dos alimentos e bebidas, podemos encontrar as formas, gêneros e paroxismos do tártaro em todas as vias onde pode depositar-se ou achar-se preconcebido.

Com isto a urina chega (provehitur) na bexiga de tal modu que pode gerar ali, enquanto não é expulsa, diversos sedimentos de grãos, poeiras e areias, que aderem em suas rugosidades, dobras, e entupimentos de suas paredes (da bexiga).

A forma arenosa vem exclusivamente da natureza da região, ou melhor, da natureza de seus alimentos e bebidas.

Por isso é fácil, examinando os gêneros de pedras ou areias de cada região, determinar a origem e a composição dos cálculos ou areias dos rins, cuja coagulação só será feita em função do espírito do sal que existe neles.

Existem casos em que várias pedras podem ser produzidas simultaneamente, pela mesma razão que nascem em certas ocasiões duas, ou mais criaturas de uma só vez, pois a mesma matéria e a mesma semelhança estão presentes em uma e em outra natureza. A mesma cortiça pode cobrir duas sementes diferentes, como às vezes vemos nos ovos de duas gemas ou nas nozes duplas que achamos sob a mesma casca. Tudo isso pode reproduzir-se na pedra exatamente como se todas as duas coisas correspondessem a uma mesma semente.

Assim, quando quebram, parecem estar separadas, mas sempre ficam unidas de alguma forma, tomando a viscosidade do tártaro que acaba depositando-se em diferentes proporções.

Sobre o tamanho, forma e semelhança, nada pode ser previsto ou pré- julgado, pois todas essas propriedades resultam de circunstâncias meramente acidentais (accidens). Assim, quando aparecem dois cálculos na bexiga, saibam que eles não foram gerados de maneira sucessiva mas simultaneamente, como diríamos também sobre as criaturas gêmeas. Acontece que de acordo com a regra comum da areia e das pedras., sua geração se faz sucessivamente, ainda que tenham sido formadas ao mesmo tempo.

Com isto acreditamos ter falado suficientemente sobre a geração e formação do tártaro nas vias urinárias. Ainda que tenhamos sido breves neste desempenho, consideramos ter esboçado todos os capítulos, cujos diferentes gêneros e espécies serão ampliados e explicados mais na frente.

Com referência às vias, tratamos sobre as que se dirigem desde a boca até ao estômago, e daí ao ânus; as do ventrículo ao fígado e as dos rins à bexiga. Estabelecemos também as diferenças entre a urina, o excremento dos intestinos, o da boca e o da entrada do estômago. Nada foi então omitido ou descuidado.

Fora isto ainda sobra um outro tártaro que devo fazê-los conhecer. Ele deposita-se nos órgãos principais, entorpecendo-os e esgotando-os. Provoca doenças especiais com causas e matérias próprias e é uma espécie de tártaro errante (peregrinus), diferente de todos os citados podendo produzir-se espontaneamente em qualquer um dos órgãos.

Sua causa também está nos alimentos apesar de não se comportar como um excremento, pois como já dissemos, possui vias especiais. Por isso permanece separado dos outros durante todo o tempo, em seus membros especiais, conforme o gênero que lhe corresponde.

Já dissemos também, a propósito do tratamento (de curatione) que os cálculos devem ser eliminados (expellendi) por redução, já que somente aqueles que se encontram nas vias genitais podemos quebrar, desmanchar e extrair. Por isso digo que a verdadeira arte está justamente na preparação das coisas que reduzem e não naquelas que transmudam ou precipitam. Falaremos em outro lugar sobre este método de tratamento. Agora diremos ainda que é frequente aparecer e crescer um novo cálculo no lugar onde algum tempo atrás havíamos extirpado (elidatur) outro. Do mesmo jeito como uma criança nasce depois de outra na mesma matriz. Este mecanismo e resultado podem ser repetidos uma vez e muitas outras mais.

Concluiremos dizendo que o tártaro é uma doença estranha e exterior, cuja essência está contida em todas as coisas que nascem e crescem dos sucos da terra. Destes sucos nascem o bolus, lapis, viscus et arena2 todos eles existindo nos legumes, cereais (frumenta), ervas (otus) etc., assim como no vinho, na água e na carne, de onde saem para o nosso corpo e os nossos órgãos.

Diremos ainda que para evitar a sua aglutinação e aderência não temos nada melhor que comer manteiga e tomar azeite de oliva em abundância, conforme nos ensina o testemunho de sua natureza.

CAPÍTULO IV

(Sobre o tártaro que se encontra em outros órgãos e partes do corpo)

Agora vamos ver como o tártaro é produzido e retido nos demais órgãos, especialmente nos pulmões, bexiga do fel (bílis), coração, baço, cérebro e rins. Antes porém devemos nos lembrar da necessidade de alimentação diária que têm todas e cada uma das partes do homem. Esse alimento deve ser ingerido em tais condições que torne possível sua posterior adaptação no ventrículo, como explicaremos num capítulo à parte. Segundo isso, quando os alimentos são atraídos até as partes que lhes forem destinadas (ad sua loca), elas fazem diante deles o papel de verdadeiros ventrículos locais, separando de sua substância tudo aquilo que é mau, ou que simplesmente não é desejado. Mas nenhum órgão pode fazer o cozimento ou a separação que corresponde a outro. E somente o ventrículo trabalha para o bem comum de todas as partes (reipublicae causa). Os órgãos no entanto limitam-se a separar ou tomar o que lhes convém e a expulsar aquilo que não serve para nada, e que terminará transformado em excremento, saindo pelos numerosos caminhos que conhecemos.

Assim o pulmão se limpa pela expectoração, o cérebro pelo muco das narinas, o baço pelas veias, a bílis pelo ventrículo, os rins pela bexiga e o coração pelo caos.

Assim como as partes principais estão separadas consideravelmente da essência dos alimentos, todas se mantêm, ao contrário, unidas de um certo modo aos seus excrementos, sobre cuja matéria sucedem-se as diferentes espécies e gerações do tártaro. Pois a verdadeira sutileza das coisas desaparece enquanto elas se revelam ou manifestam. Quando uma substância qualquer destila-se até ao seu máximo grau, volatiliza-se e chega a dar-nos a impressão de que ficou sem corpo. Na realidade nada pode ser feito sem o corpo; a questão nestes casos está em simplesmente submeter a volatilização ao seu verdadeiro trabalho, ou em encontrar o dono da substância, ou um médico ou artesão consciente, que em qualquer destes casos sempre acaba encontrando o corpo destilado.

O mesmo acontece quando não encontramos o tártaro nem no ventrículo, nos excrementos ou na urina; isto não significa que ele desapareceu do corpo, mas que de modo semelhante ao espírito do vinho, se volatilizou, elevando-se e

penetrando (permeat) nos outros órgãos. Já sabemos que mesmo o espírito do vinho, ainda em plena destilação nos alambiques contém um tártaro. Exatamente como estas coisas que nos ocupam.

Acontece que se tais substâncias se depositam nos lugares favoráveis dos órgãos, aquele que seja verdadeiramente dono destes conhecimentos poderá encontrá-las separando o volátil das partes do corpo, o que não pode ser feito pelos outros artesãos da natureza, ou melhor: o ventrículo, o fígado etc.

Com isto fica dito que a verdadeira propriedade e exaltação de cada matéria somente se manifesta em pleno desenvolvimento quando a coisa está no lugar certo a que pertence. Darei sobre isso um exemplo mais simples: o matrimônio.

Quando o homem e a mulher permanecem, continuam e perduram em perfeita união, não cometem nem podem cometer adultério porque a concordância e a anatomia são neste caso uma só coisa.

Ao contrário, quando essa harmonia se rompe ou quando as coisas não vão bem, pode-se dizer que não existe um sólido amor, mas um amor tão indeciso ou vacilante como uma fibra de palha na água. O homem que busca mulher fora do casamento o faz porque não possui sua legítima mulher segundo a verdadeira ordem de sua anatomia. O mesmo pode ser dito em relação à mulher que procura noutro homem o que não tem no seu marido.1

Pois Deus criou em cada homem uma sensibilidade amorosa2 que o impede de cometer adultério. E isto é tão perceptível que podemos constatá-lo mesmo nos pares que não estão unidos pelo casamento, mas juntos em concordâncias e anatomias. Pois sabemos que existem duas espécies de matrimônios: os que Deus uniu com as normas que acabamos de referir, e os que os homens unem. Os primeiros guardam e conservam mutuamente sua fé em si, sem que lhes faça falta nenhum estatuto, enquanto tais normas e regulamentos são necessários para os pares formados somente pelos desígnios dos homens.

Assim, quando as coisas se conjugam em suas verdadeiras concordâncias anatômicas, descobrem (promit) facilmente tudo o que são e o que contêm, não sendo isto possível se tais requisitos não são cumpridos.

Por isso, quando alguém quiser fazer observações ou experiências nos arcanos da natureza deve começar assimilando a maior maestria possível, pois somente trabalhando e agindo deste modo conseguirá resultados sérios e estimáveis. Quem não for assim produzirá somente cegueira, confusão e ignorância.

No que se refere ao tártaro devo dizer ainda que uma parte dele se encontra também nos pulmões, mesmo que em proporções muito menores do que as encontradas em outras vias, seja na urina ou nos intestinos. A causa disto

está na reduzida quantidade de comida e de bebida que os órgãos recebem e precisam. Pois se avaliarmos o total do que o homem ingere, e o que proporcionalmente fica retido nos excrementos, na urina, e o que perde pela transpiração e o alento, deduzimos que pouca coisa fica no corpo.

Quer dizer que se todos os órgãos se alimentam desse pequeno total, a quantidade correspondente a cada um deve ser ainda menor, tanto em alimentos como em resíduos de tártaro. Por isso é preciso que estudemos muito estas coisas.

Em certas circunstâncias as pequenas quantidades de tártaro podem provocar danos bem grandes, ainda que o espírito do sal não entre em jogo (accingere) nestas condições com a frequência com que o faz em outras partes, justamente devido à menor potência com que se manifesta nessas vias. A partir disto também podemos dizer que quando a quantidade do espírito do sal é escassa, seu poder se reduz em igual proporção.

Vejamos agora o que acontece com o tártaro dos pulmões. É comum o fato de que tanto nos homens como nos animais são encontrados cálculos semelhantes a grãos de milho, assim como veias especiais que entram nos pulmões, diferentes das que na anatomia são destinadas aos diversos órgãos e que chamamos de veias “sanguinales”.4

Diremos primeiramente que estas veias estão destinadas a ser o ventrículo dos pulmões, que por meio delas separa o puro do impuro, rejeitando o que não lhes convém. Essa separação que os pulmões fazem permanece ignorada para o ventrículo (estômago).

Como resultado disto encontramos nos condutos pulmonares (cannoe) um excremento especial que segundo Deus dispôs, se destila (pellicanetur) e circula (articuletur) incessantemente ali mesmo até que transborda e cai nos pulmões, e daí para o exterior, constituindo-se no excremento particular dos pulmões, gerado neles e diferente dos excrementos dos outros órgãos.

Estamos então convencidos de que todo órgão possui efetivamente o seu estômago particular, verdadeiramente admirável e eficaz, como a ciência mostra exteriormente em todas as preparações destinadas a separar o puro do impuro.

Assim, ao fazer esta separação o pulmão devolve uma certa quantidade de tártaro unido ao excremento que deve ser expulso. Caso contrário o tártaro adere aos condutos do pulmão sob a forma de folhas (foliis), pequenas lâminas, placas (tabulis), pequenas fitas (ramentis) ou grãos que ficam ali roendo-os, deteriorando-os e finalmente destruindo-os.

Este tártaro torna-se muito mais sutil do que o dos intestinos e o das vias urinárias; compreende-se este fato ao conp siderar que a sua materialização foi

obtida por volatilização, o que prova uma vez mais que os semelhantes atraem- se mutuamente.

Como consequência da função e do lugar dos pulmões acontece uma série de verdadeiras doenças tátricas que têm evacuações e manifestações diferentes.

Já que o trabalho dos pulmões consiste num movimento de cima para baixo atraindo o ar, as doenças se produzirão em todos aqueles casos em que as passagens de ar sejam obstruídas. Os médicos dão a estas doenças diversos nomes, como tosse, asma (asthma) etc., quando na realidade não passam de tártaro. Também a dificuldade respiratória e outras semelhantes que aparecem com a extenuadora (tabescit) tisis (tuberculose) ou com a febre héctica, também são causadas por tártaro retido nos pulmões, como explicaremos mais adiante.

O mesmo acontece com o ventrículo particular do cérebro, o qual sem dúvida está situado fora dele. O alimento do cérebro chega sem ter sido dividido e nem separado em suas últimas matérias como seria conveniente. Por isso dizemos que quando o cérebro toma (assumsit) alguma coisa e a conserva, realiza uma verdadeira operação estomacal.

Assim como o primeiro estômago é frequentemente um corruptor de todos os órgãos quando não cumpre regular e perfeitamente as suas funções, é preciso compreender que a fraqueza dos estômagos ou ventrículos dos órgãos gera numerosas doenças, não citadas ou conhecidas até agora por simples ignorância. Isto nos obrigará a conhecer o espírito encarregado do ventrículo, pois não há dúvida de que quando tal espírito está anulado ou inibido, os órgãos que se nutrem dele se anulam ou inibem igualmente.

Já sei que alguns médicos conheceram perfeitamente o primeiro grande estômago principal. Mas digo que eles o conheceram tão bem como um aldeão qualquer, ignorando completamente a existência e função dos outros pequenos estômagos e como consequência todas as doenças que causam, colocadas aqui e ali em diferentes capítulos, sem levar em conta a unidade que o tártaro lhes dá.

Se o alimento chega assim desde o estômago ao cérebro, será preciso que o estômago do cérebro seja um verdadeiro alquimista e realize nele uma verdadeira separação (genuína separatio) para sua melhor comodidade e proveito.

O excremento do cérebro, diferente dos demais, é o muco do nariz, que é o seu emunctório natural.

O alimento do cérebro se elabora no estômago do cérebro, cuja particularidade é a de estar fora dele, diante dele, para onde o alimento é atraído até às suas células fechadas (in cellas obseratas). Por este mecanismo o

excremento fica fora, nas veias que desempenham o papel de ventrículo. Essas veias possuem seu emunctório natural com seu orifício inferior, assim como o grande ventrículo com o seu piloro, com a diferença de que no cérebro o emunctório acaba derivando para as cavidades nasais.

Os gêneros de tártaro que encontramos nestes ventrículos do cérebro causam o delírio, a loucura e outras manias semelhantes que os médicos têm atribuído, com a torpeza habitual, ao sangue.

O que acontece com os rins? Aqui, apesar da urina ficar muito tempo em suas cavidades, nunca traz deles nenhuma utilidade para o corpo, pois o seu alimento é de outra natureza e a urina não pode ser aproveitada neste sentido. No entanto, a contínua umidade que a urina proporciona aos rins faz com que o tártaro escape com mais facilidade e não possa ser separado com muita frequência dos excrementos naturais destas partes, apesar da sua disposição geral ser parecida com a do todos os órgãos.

O certo é que os rins tomam o seu alimento de acordo com a capacidade de distribuição dessa anatomia especial que se constitui na substância que o homem come.

Assim cada um receberá o que melhor lhe convenha, incluídos os excrementos, que somente se separam ao chegar no órgão para onde esteja destinado o alimento correspondente.

Por esta razão os rins recolhem seus excrementos já separados, que logo lançarão no exterior misturados com a urina. Quando esses excrementos se sedimentam em vez de se misturarem, formando depósitos (hypostasis), originam uma enfermidade dos rins, pois em vez de permanecerem unidos à urina como deviam, se separam dela exatamente como a água faria no azeite. E também como nesta comparação, quando o azeite fica por cima e a água no fundo (subdite), o sedimento também se separa, seja em cima nos rins, ou no fundo da bexiga, quando sua expulsão se realiza contínua e regularmente.

Por causa disto é necessário que exista uma arte para recolher separadamente o sedimento e a urina em dois vasos especiais. Aquele que chegar a possuir este conhecimento poderá dizer que sabe na verdade Como são os excrementos dos rins, cuja separação e preparação leva a encontrar a última matéria da qual os cálculos são constituídos.

Os que dizem que os depósitos de sedimentos da urina são devidos às doenças do estômago, cometem o erro mais grosseiro (pinguis) e com isso enfeitam a sua ignorância. Esses médicos precisam na verdade assegurar alguma coisa adiantamente que ajude a defender suas teorias inconsistentes. Por isso examinam urinas de vez em quando, remédios, e recolhem injúrias em vez de elogios. Com essa conduta só conseguiram fazer com que o povo desacreditasse deles, afastando-se da medicina por a considerarem uma farsa ou uma impostura. Tais enganos fizeram com que se tenha mais confiança hoje em dia num simples aldeão ou num judeu do que num médico, pois esses curandeiros são em verdade muitas vezes mais hábeis que certos doutores.

Digo que é um crime e uma vergonha manter-se numa cidade um médico municipal (poliatrum) que não atende os doentes e que em vez de socorrê-los (juvare) os abandona. Diante disso, como é possível impedir que um outro, ainda que iletrado, lhes dê assistência?

Mesmo que isto se constitua numa conduta honrosa, não impede que o fato seja uma vergonha e tire todo o valor de quem estudou medicina.

Na verdade eles são uns poetas que pretendem fazer uma medicina poética. Mas lhes digo que chegará o dia em que a força da nossa multiplicação os impedirá de se defenderem.

Do costume, dos usos adquiridos e das academias só saíram hipócritas e coapiadores (scribae). Pois copista é aquele que escreve receitas e nunca cura ninguém. Poderá ser doutor em escrituras mas nunca doutor em curas.

Esses médicos são como escribas hipócritas e fariseus que formam todos juntos uma seita especial. Não permitem que ninguém intervenha ou investigue seus assuntos, parecendo-se com os frades que não sabem também distinguir o branco do preto.

Não é uma vergonha que não tenham descoberto a natureza de nenhum cálculo pelo estudo dos sedimentos da urina, nem chegado à conclusão de que sua substância era simplesmente a pedra? E digo que eles podem ficar em má hora com sua ciência, pois começo a pensar que somente são doutores em tosquiar asnos.

Também o coração sofre e padece de maneira parecida, pois, como os outros órgãos, extrai seus alimentos e separa seus excrementos por um mecanismo semelhante. Falaremos do seu excremento, que é único, no qual está contido o tártaro.

O coração está coberto e rodeado por uma envoltura que o oculta dos demais órgãos e que é o pericárdio (capsula cordis). O excremento vem precisamente desta cápsula e devido a isto permanece sempre limpa.

O coração toma seu alimento, que é de grande pureza, em doses muito pequenas (paucissimum), expelindo logo seus excrementos em forma líquida como se fosse uma lágrima (gutta ocularis), na cavidade da envoltura pericárdica, onde fica durante longo tempo renovando-se constantemente.

Quando este líquido excrementício passa da quantidade normal, produz- se um suor de caráter aéreo e imponderável que é o espírito sutil (levis). Os que

dizem que o pulmão insufla (afflare) no coração essa frescura especial estão falando em vão. O refrescamento (refrigerium) vindo dos pulmões afeta o corpo inteiro e não somente o coração. Inversamente pode-se afirmar que uma coisa é o calor do fígado, outra o do coração, e outra de qualquer órgão, sendo completamente falsa a afirmação de que todo o calor vem do coração e somente dele, pois cada parte do corpo possui em si mesma seu próprio calor, sendo precisamente o esfriamento que obedece a um só mecanismo central.

Saibam também, a propósito dos excrementos, que quando o sal ataca (corripiat) o tártaro coagulado na cápsula do pericárdio, produz-se uma fabricação de tártaro em forma de primeira substância, ou seja de cálculos, onde são originadas numerosas doenças pericárdicas, palpitações (tremor cordis), e outras que mais adiante citaremos em capítulos especiais. Todas essas doenças provocam as mesmas crises que os cálculos e adotam o mesmo tipo paroxístico6 ainda que provoquem outros paroxismos (concitantur) por causa da sua localização especial.

Esta é a razão da cegueira de muitos médicos e o motivo pelo qual vivem procurando nomes em vez de doenças, falando de cóleras, melancolias, e outras coisas insensatas, como se assim pudessem fazer com que as coisas do coração fossem da forma como imaginam e não como realmente são. Enquanto não houver quem os descubra e os proíba, lhes será permitido fazer este infame jogo de mentiras, de enganos, e conseguir o direito de cidadania para as suas teorias sobre os humores.

Aqueles que exercem seu doutorado nestas condições não são mais que artífices de extravagâncias, piores que os verdadeiros loucos. E se tais coisas fossem vigiadas e ordenadas devidamente, esses médicos não mereceriam mais que uma boa surra de pau ou de açoites.

O mandamento divino do ‘‘não matarás” pode ser aplicado a esses ladrões (latrones), porque atinge na verdade todos os modos como o homem pode chegar a matar, inclusive a medicina quando mal aplicada.

Não são culpados apenas aqueles que usam as espadas. Eu digo que seus mestres e autores não estão dispensados desta lei. Assim, todos serão entregues ao verdugo, pois um ladrão nunca protege o outro. E é sabido que quando os cegos ficam sozinhos, isto é, sem seus guias, acabam caindo fatalmente.

Quando glorificam tão arrogantemente sua anatomia, ignoram verdadeiramente o que são pois conhecem apenas o que têm nas mãos. Vocês são como esses doutores de Nuremberg que vão pedir estas ou aquelas coisas aos farmacêuticos sem saber que as têm nos bolsos.

Como tais homens podem examinar todos os alemães da nossa condição!

Essas explorações de embusteiros ignorantes e impostores têm ao menos a vantagem de reuni-los todos, pois ao contrário não seria possível compreender como podem manter e sustentar seus malabarismos e enganos. Observem que eles não fazem isso apenas com uma só doença como a lepra, mas com todas, apoiados na amizade que sempre cultivaram com os grandes Hansen7, com resultados bem diferentes daqueles que certamente colheriam em outras condições.

O excremento da bílis também produz e tem tártaro, que neste caso não se difunde (nec exhudat) nas partes externas, gerando em troca a matéria do cálculo, que é particularmente característica desta localização.

Do tártaro da bílis (fel) também provêm outras doenças do tipo paroxístico comum em todas as calculoses, como as desidratações e raquitismos (comprehensiones) contusões, vômitos, cólicas intestinais (tormina), e derramamento de bílis, cujo estancamento no momento da crise espasmódica provoca retorções e dores de tripas.

Os médicos costumam dizer sobre isto diversas besteiras. Pessoalmente digo que tudo o que não consiga chegar até ao cálculo e extraí-lo (tractes) será um mau trabalho. É preciso deixar bem claro que a causa das doenças do fel nasce e vem dos cálculos contidos nele e que não pode existir um tratamento mais lógico do que a extirpação do cálculo. Sem isso ninguém pode dizer que tenha socorrido os doentes.8

Em vez disso vocês se sentem orgulhosos quando os doentes, levados pela fé, aceitam suas vaporosas fantasias, o que não deixa de ser lógico e agradável, pois finalmente toda a assembleia acaba comungando as mesmas ideias daquele que a dirige 9.

Examinem se as doenças do fel vêm dos cálculos ou podem existir sem eles, sem se esquecerem que entre a bílis e o excremento existe sempre um grande antagonismo e que a bílis somente causa doença na presença do tártaro, venha separado ou sem separar-se.10

De qualquer modo, quase sempre quando acontece o paroxismo do fel o cálculo costuma ser expulso por diferentes vias, cujos detalhes exporemos mais adiante, provocando no entanto diversas espécies de icterícias (arquatus morbus) que poderão ser eliminadas com verdadeiras medicinas, a menos que coexistam com o tártaro. Uma vez expulso o cálculo a icterícia pode desaparecer, ainda sem ser expulsa ela mesma, mas como tivesse se dissolvido.11 Definitivamente o cálculo é o único que se expulsa (exturbetur); fora isto, nem o excremento de ganso, chamado também de “Asalia”, nem qualquer outra coisa traz benefício.

Conheçam bem  os  paroxismos  dos  cálculos  cuja  força  é  capaz  de paralisar, encurvar, penetrar e apodrecer todo o corpo causando a icterícia, as retorções, a dificuldade de respirar, dores nas costas, os vômitos, a dor de estômago e as queimações.

Diante disto os médicos bufões não têm a menor vergonha de dizer que tal doença é uma cólera quando na realidade só o é para eles e para o seu público de bobos, mas não para os verdadeiros estudiosos.

Já sei que sua erudição grosseira não lhes enche as mãos e que se dão por satisfeitos em saber onde está e de onde sai o fel. Poderiam dizer quantas vezes encontraram no fel o princípio e o fim da matéria da pedra?

Vejamos agora o que acontece com o baço, cujos excrementos também contêm a matéria do cálculo. Dizem que o baço derrama e se descarrega pelos olhos, mas isto não está de acordo com o que demonstra a experiência, porque o excremento do baço está igualmente na pedra calculosa e no tártaro, eliminando- se através dos poros sob a forma de uma água sutil, muito clara, destilada em sua saída da bexiga da urina, como explicaremos mais adiante.

O certo é que em todos aqueles lugares onde encontramos a saída de um emunctório podemos obter a saúde. Assim, quando o ventrículo recebe algo defeituoso ou inconveniente expulsa-o pelo seu emunctório natural, que é o ceco (monoculum), ou então o retém causando doença. Acontece o mesmo com a urina. Se os emunctórios do baço fossem mesmo os olhos deveria existir medicinas que provocassem o choro para que com as lágrimas saíssem também as doenças, tais como a febre quarta, o calafrio etc. Mas o baço expulsa suas doenças pelas lágrimas do mesmo jeito que o fígado o faz pelo riso, o que significa que não existem emunctórios adequados tanto para o riso como para o choro.

Por isso é um grande erro que os médicos tenham esquecido as medicinas correspondentes a cada emunctório. Recordemos que o remédio para os intestinos é a coloquíntida e a esula;12 para a boca do estômago (stomachi) o nipal13 precipitado, para o fígado o Pt Mz14 e para a bexiga da urina o rabanete silvestre e o linho; para o nariz o eléboro e as folhas do pessegueiro, e assim sucessivamente. Por isso dissemos que as lágrimas nunca foram o emunctório do baço e que a febre quartã jamais foi expulsa por elas, como esses doutores insistem em afirmar, sem fazer suas investigações como deviam, no ânus, no suor e em outras vias semelhantes. Deste modo continuamente estão cometendo erros tanto em anatomia e fisiologia como na verdadeira luz da natureza.

O baço digere e separa seus alimentos dos excrementos nos próprios poros de sua substância esponjosa. Quando nestas circunstâncias aparece o tártaro acrescido pelo espírito do sal, produz-se uma doença parecida com a erisipela, mas não a febre quartã.

Recordem tudo o que foi dito até aqui e façam o possível para conhecer o tártaro com a maior exatidão.

Abandonem essas falsidades de que o baço se purifica pelos olhos e o fígado pelas orelhas. E façam isto decididamente mesmo que não acreditem em vocês, já que deste modo aumentarão sua eficiência. Ninguém poderá comprovar experimentalmente as afirmações deles, que se fazem acreditar somente pelas palavras: uma mentira que só a violência de sua hierarquia e a indigência mental daqueles que os escutam pode impor.

Quem ousaria contradizer a tão reputada assembleia de acadêmicos? Digo que nenhum deles merece mais que uma surra, assim como todos esses Bacharéis, Contadores de Vantagem (ludimagistri), Procuradores, Poetas, Historiadores, Gregos, Árabes, Judeus, Caldeus, Frades e Monjas que protegem todos esses verdugos e carniceiros, prostitutas e amestradores de cães.

Procurem por isso serem doutores honestos e que a ciência dos seus livros nunca possa ser ultrapassada pela desses aventureiros. Tomem cuidado com eles, porque esses médicos imorais, não tendo nada a perder, nunca terão nenhuma consideração e sempre encontrarão uma oportunidade para esmagá-los com suas discussões e palavreados. Eis aí o ponto fraco de vocês.

CAPITULO V

(Sobre o tártaro do sangue, da carne, da medula e aquele que provoca a gota)

Existe uma outra espécie de tártaro fora dos órgãos principais e que encontramos no sangue, na medula e em outras partes habitualmente consideradas em conjunto de nossa* totalidade. Vamos deixar de lado as secreções dos olhos, chamadas de lágrimas, sobre cuja matéria, origem ou substância não sabemos outra coisa além do fato de serem produzidas pelo choro ou pelo riso, fenômenos de mecanismo desconhecidos até agora.

O sangue, a medula e a carne contêm tártaro em seus ventrículos correspondentes onde são realizadas suas próprias digestões na presença do espírito do sal. Concluímos que o tártaro existe nestes membros e é feito neles como em qualquer outro e também possuem seus excrementos correspondentes: o suor, que atravessando a pele representa o excremento do sangue; o próprio sangue (cruor), ao se destilar (stillatur) nas ramificações das veias (ramuli) toma-se o excremento da carne e o líquido da concavidade (sinus) das articulações, dos ligamentos e outras cavidades, representando o excesso do excremento da medula. E quando ele existe em pequena quantidade não transpira mais pelos poros, ficando absorvido e consumido pela secura dos ossos.

Falaremos desses três tártaros importantes e universais, deixando os outros para depois.

O sangue produz uma série de doenças cuja explicação obedece a razões completamente diferentes daquelas que até agora têm sido dadas. Por isso não é de se estranhar que os médicos tenham se enganado constantemente em seus tratamentos e em suas receitas. Observem antes de mais nada a espécie de tártaro para evitar esses erros que já causaram a morte de muitos doentes.

Existem duas classes de tártaros: a do ventrículo e a da saída do ventrículo. A saída (exitus) do sangue está fora das veias e se realiza através dos poros da pele, enquanto a saída da carne está em seu próprio estômago e no seu trajeto que vai da carne até a bexiga.1 O mesmo acontece na medula e em sua saída, isto é, nos órgãos, cavidades, e veias. Todas essas coisas devem ser anotadas com o maior cuidado, assim como o paroxismo do tártaro, que é um fenômeno de importância excepcional. Nenhum médico merece este título se não tiver um conhecimento profundo sobre isto.

As localizações do tártaro ensinam ao médico o que é verdadeiramente

incurável já que esta declaração é um risco para a sua autoridade e a sua arte. Por isso é conveniente que estudem muito bem a anatomia do paroxismo, assim como as doenças de natureza violenta (proefacta), para evitar tudo o que lhes possa causar vergonha (in opprobium dat).

Para a compreensão de tudo isso é preciso saber inicialmente que tanto o sangue como a medula e a carne atraem e cozinham (coquere) seu próprio alimento, separando dele todos os corpos estranhos, sendo estas três coisas da maior importância e consideração, dependendo delas a maior parte do nosso corpo. A sua digestão é de tal acidez e a preparação dos seus alimentos tão sutil e completa que não existe nenhum caos que possa se lhe comparar em clareza e limpidez (lucidum).

A separação que realizam é de tal natureza que, enquanto os excrementos permanecem visíveis, ainda dentro de uma grande utilidade, os alimentos (nutrimentum) são totalmente invisíveis, não como o espírito que sai pela boca desprendendo um vapor (halitus) visível mas não tangível.

O sangue, a carne, a medula recebem os alimentos mais sutis, dos quais os mais grosseiros (crassum) são ainda classificados no estômago até se tornarem invisíveis e impalpáveis. Somente o suor permanece visível e tangível, sendo tão sutil no interior que podemos dizer que assemelha-se a um caos, cujo espírito — e não os alimentos — separa seus excrementos em forma visível.

Os alimentos da carne e da medula não são mais que espíritos desprovidos de toda visibilidade e tato, enquanto seus excrementos são visíveis e os mais sutis entre todos que existem no corpo.

O excremento do sangue, por exemplo, é tão ligeiro que seu tártaro se mistura (rermisceat) de tal modo ao ascender que parece com o álcool em destilação. Já sabemos que até o vinho mais puro e melhor destilado tem o tártaro.

Aqui acontece o mesmo, ao ponto de que por mais fina que seja a digestão, sempre o trabalho de separação será maior, resultando assim uma ausência total de detritos, sendo todos expelidos.

Esta é a razão da sutileza e multiformklade do tártaro, que tanto pode ser coagulado como dissolvido pelo espírito do sal (ab ipso et per ipsum).

O tártaro do sangue, da carne e da medula possui dois mecanismos ou vias: a coagulação e a dissolução. Mesmo sendo certo que outras digestões produzem frequentemente o tártaro em estado de resolução, este nunca é igual ao que determina uma causa uniforme.

A natureza de alguns tártaros — dos quais não vamos falar agora — realiza uma separação e uma digestão especialmente ácida, rápida e sutil, graças à combinação do seu atanor2 ardente (per Vulcanium suum Athanar) com a preparação do arcano (archeica preparatio), cujo resultado é a transformação em água do tártaro destinado à coagulação. Por um mecanismo igual o tártaro destinado à dissolução pode alcançar a coagulação. O do ferro pode também transformar-se em água e o da água tornar-se ferro; o do pó transtormar-se em

mucilagem e vice-versa etc… É preciso que saibam o seguinte: o tártaro nasce do elemento água, tanto a que vem dos alimentos sólidos, como a das bebidas. Em qualquer dessas formas pode acabar se coagulando ou transformando-se até a sua última matéria, conforme já explicamos, pois na verdade a água é a mãe e a matriz de todas estas gerações.

Nas veias os excrementos do tártaro aparecem no sangue sob o aspecto de grãos de areia ou de arroz, assim como fora delas, nos poros e orifícios da pele. Aqui predominam os estados de resolução e de dissolução, apesar do que e na medida em que ficam mais tempo com o espírito do sal, acabam em outras tantas coagulações, justamente no limite do seu fim e do seu tempo.

O sangue, por sua vez, tem um excremento próprio que é o muco. Quando esse excremento é espesso não consegue transpirar, ficando misturado com o tártaro. Aparece assim um excremento com as duas naturezas, do qual nascem todas as doenças especiais do sangue.

Saibam que enquanto este excremento está presente, permanece submetido à natureza que continuamente se esforça para apodrecer e expulsar o mal a fim de ficar livre dele o quanto antes.

Essa expulsão significa a doença e a mortificação da natureza. E através do seu conhecimento podemos distinguir o tártaro e o excremento. Estudem a operação dos excrementos. Mais adiante falaremos novamente nele.

Devem saber o seguinte sobre o tártaro da carne: a carne contém enxofre, sal e mercúrio coagulados em uma sustância leve, toda ela unida por um licor que é como o seu próprio estômago. Esse licor é inato na carne. E tanto um como a outra não conseguem nenhuma cura enquanto estejam separados. Sabemos assim que muitas doenças vêm justamente disto, particularmente aquelas que emagrecem ou secam (tabefaciunt). Tudo o que seca um órgão tem a sua origem no estômago desse órgão. Por isso, quando a carne seca, seu estômago também seca, não podendo mais digerir nem nutrir.

A carne gera o tártaro que seu alimento separa em seu próprio licor, ou melhor, em seu próprio estômago, a tal ponto que quando a carne e o alimento separam-se em seus respectivos excrementos, o tártaro se produz ali, exatamente como dissemos sobre os outros gêneros e localizações. Por isso é da maior importância que estejam informados sobre o maneira e os lugares onde o tártaro se deposita (excubat).

O suco ou estômago da carne se purga pelo seu suor interior que atravessa e penetra nas pequenas veias, poros e orifícios, indo parar na bexiga transformado em urina. O tártaro deve então ser conhecido de duas maneiras: a do alimento e a do suco da carne.3 O que vem do alimento indica com ele sua via de origem gastrointestinal, enquanto que o produzido na carne encontra-se definitivamente nas mais afastadas regiões do corpo.

Por isso as doenças que possuem sua união interior (communio) na carne são fatalmente encontradas na urina. Ao contrário, aquelas que não possuem o tártaro tornam-se invisíveis na urina do licor da carne. É preciso saber reconhecer tudo isso na anatomia da urina.

Todo o microcosmo está representado na urina e o seu bom conhecimento nunca ser£ devidamente estimado pelo médico, pois na verdade, aquele que não reconhece essa anatomia, que é como um verdadeiro espírito, pode afirmar que joga e zomba de todo mundo, favorecido pela sua charlatanice e seus sintomas enganadores.

As pedras são geradas nos rins e na bexiga da urina de muitas maneiras, se bem que todas elas originam-se do suor ou dos excrementos. Aprendam a conhecer todas estas coisas do tártaro, propriedades e tratamentos, onde se encontra mais da metade da medicina. Com referência às pedras, saibam que muitas vezes elas já se encontram em diversas regiões do corpo muito antes de chegarem aos rins ou na bexiga da urina. Assim são geradas muitas obstruções (oppilationes) assim como diversas doenças crônicas do dorso (in lumbis), cadeiras, ossos terminais (coxendix), articulações, costelas etc. Os cálculos que se formam nestes lugares coagulam-se com maior força e dureza, são de maior violência e crescem com tendência poliédrica e angulosa em vez de arredondada, assim como também se produzem em maior quantidade, causando mais paroxismos do que os formados na urina.

A medula  óssea  possui  igualmente  em  seu  licor  o  seu  verdadeiro estômago. Este licor, que é para a carne uma água sutil e para o sangue um espírito, adquire na medula as características de uma verdadeira gordura. O estômago da medula tem, como todos os estômagos, uma digestão sutil na qual o tártaro não se coagula. A gordura não gera coagulações mas delgadezas; por isso a gordura combate4 e sempre vence o tártaro, tornando-se na maior defesa contra esta substância.

O tártaro da medula, não obstante a sua falta de coagulação, chega a separar-se igualmente pela resolução, quando dá origem a outro licor especial que provoca crises, cólicas, e outros acidentes calculosos e obstrutivos, exatamente iguais aos do tártaro coagulado.

Quando esse licor tartárico gordo derrama-se, provoca a ciática e a artrite (artética). Sobre isto podemos afirmar que todas as artrites e ciáticas que não são tipicamente gotosas (podagroe), acontecem quando há derramamento do licor tartárico que se deposita (decumbit) nas articulações, na cadeira (scia), nos nervos e nas juntas, como um suco gorduroso que provoca paroxismos tão grandes — segundo sua natureza e condição — como os da mesma pedra.

Por isso quem sabe cuidar do cálculo e extraí-lo, curará a doença com toda a segurança. E quem não possui tais artes ou conhecimentos não conseguirá nada.

Lembrem-se da quantidade de receitas ineficazes e de medicamentos desordenados propostos pelos escribas que pretenderam combater a artrite, a ciática, o lumbago, e outras afecções deste gênero. Esses escribas, cujos entendimentos sempre foram tão desordenados como seus estudos, nada fizeram e nada conheceram realmente.

Às vezes o licor aparece misturado (permiscetur) com muitas outras doenças, aderindo-se ao corpo além da natureza do tártaro, com tanta sutileza que frequentemente é quase impossível reconhecê-lo. Apesar de tudo digo que aquele que conheceu o paroxismo tartárico não poderá ignorar o licor, seja qual for o lugar onde a doença se esconda ou se insinue. Isto se torna mais fácil se recordarmos que as doenças têm um paroxismo duplo: um, segundo a natureza da doença e outro segundo a natureza do licor. Isto é o que acontece, por exemplo, na lepra, e a razão pela qual os antigos (que desconheciam tudo o que se refere ao tártaro) a julgavam incurável.

O tártaro da medula provoca um paroxismo imaterial e invisível, e outro visível, o que acontece igualmente em, todas as doenças gotosas e artríticas das mãos (in chiragricos morbus) e nos derrames de suas fluxões (cum eluvionibus), onde o sal acrescenta sua ação corrosiva (ex sequendo) depositando seu pó nas junções e lavrando entalhes e buracos nos ossos. Por isso encontram-se nesses casos tantas úlceras de bordas e fundos carnosos e murchos, onde o estado gorduroso se deve justamente ao tártaro da medula. Nestes casos a sua natureza calcinante e corrosiva consome os ossos por dentro, causando dores terríveis que só podem ser aliviadas se conseguirmos tratar desse tártaro ignorado até hoje. Por isso, quando a medula está sadia os excrementos se consomem nos próprios ossos e não se espalham por outras regiões, para a carne, veias, junções e na água das articulações (in aquam articulorum). Quando, ao contrário, o tártaro transborda, aparecem diversas doenças cujos cursos, origens e tratamentos foram descritos e interpretados falsamente pelos antigos.

Na água das articulações (aqua articulorum) existe uma digestão parecida à qual são atribuídas outras tantas doenças especiais. A água das articulações é a parte melhor e mais sensível (sensus acutissimi) do corpo e a que menos sofre e padece. O excremento do seu tártaro é duplo: um deles se manifesta como um licor e o outro como uma gelatina. O licor é a forma primeira e a que se percebe durante mais tempo; logo que o espírito do sal se impõe, pouco a pouco, acontece a forma coagulada que devemos observar mais detidamente, já que ao misturar-se com o licor do tártaro causa a aparição das diversas espécies de gota, tanto as das mãos como a dos joelhos (gonagroe) cujo tratamento ainda não foi encontrado.

Quem não conhece o tártaro tem afirmado que a gota é incurável, o que é perfeitamente lógico, pois não conhecendo a causa verdadeira nunca podem chegar a uma terapêutica eficaz.

O mal é que ainda existem médicos que continuam deixando de ensinar o que é justo e verdadeiro, ignorando estas coisas e mantendo na ignorância aqueles que os rodeiam apesar dos esforços de suas propagandas. Na realidade todos os seres afins sempre tiveram tendência para se reunir, a tal ponto que, se muitos anos antes de Adão tivesse existido um impostor, os de hoje não sossegariam enquanto não o encontrassem e o individualizassem. Por isso também os doentes em vez de ficarem calados e fazerem o que o médico manda, adoram falar e discutir sobre doenças que veem e observam em outros doentes o que na realidade é uma má doutrina pois não se concebe que discípulo ensine ao mestre.

Os doentes falam e choramingam sobre suas doenças, mas não sabem nada sobre elas. Quando um fala ao outro sobre isto, não pode fazer mais do que inventar e mentir, confundindo tudo e não fazendo a menor menção ao céu, às concordâncias, aos astros, nem à verdadeira matéria médica que existe em tudo isso. Igualmente ignoram qual é a primeira e a última substância e como é verdadeiramente o corpo do homem, apesar do que nunca duvidam de dispor e governar todas essas coisas desconhecidas.

Em verdade lhes digo que sua fé é tão grande como são pequenas as suas obras.

É preciso lhes dizer ainda que na gota se observam muitos paroxismos cuja natureza vem do cálculo e não da gota em si. Por isso os médicos que tratam desses paroxismos segundo a gota e não segundo o cálculo acabam por piorá-la e torná-la mais violenta. A medicina que dominar o tártaro também dominará a gota. E digo que se não sabem curar e tirar o tártaro, nunca aliviarão uma gota. Por esse motivo a gota tem permanecido tanto tempo em seus livros com o rótulo de incurável (impersanata).

Se em vez de terem se envergonhado, depois de uma partida sobre uma base falsa, continuaram em frente de qualquer maneira, cometeram uma impostura e se perderam entre princípios e causas fantásticas. E isto não impede de fato que passeiem entre suas mentiras como se passeassem num jardim de rosas.

Peço-lhes que voltem ao bom caminho e compreendam devidamente este capítulo sobre a gota: apreendam bem as diferenças entre aquelas que vêm do tártaro e as que vêm do licor, e principalmente aquela que é provocada pela coagulação que se transforma na natureza da pedra (in naturam lapidosa abeat). Neste caso devem usar medicinas calcinadas.

Se querem alcançar uma verdadeira habilidade médica conheçam bem a transformação do licor. Caso contrário é melhor que abandonem a sua charla. Desgraçadamente acontece que o dinheiro ganho com mentiras torna-se mais saboroso do que o ganho com a verdade. Isto é o que se deduz dos ensinamentos das academias.

CAPÍTULO VI

(Sobre os cálculos que não vêm do tártaro e são originados por causas exteriores)

Fora de tudo o que falamos até aqui, encontram-se também no homem muitas pedras cuja geração se produz fora do tártaro, de maneira semelhante àquelas do exterior do corpo. Essas gerações do mundo exterior com todas as suas particularidades acontecem no homem precisamente por causa da sua qualidade de microcosmo, segundo nos confirma a filosofia.

Quando uma geração deste tipo é produzida no homem, isto é, sem receber o cálculo do tártaro, sua digestão e separação se fazem muito melhor (proba). Assim o tártaro fica misturado aos excrementos, podendo afastar-se sem que o espírito do sal intervenha. Com isso lhes dizemos que existindo duas gerações também existirão duas essências: uma com o paroxismo, forma e espécie do tártaro, e outra de geração natural vinda do exterior. Quando esta última forma causa paroxismos é porque a sua excitação estimulou as redondezas onde se encontra o tártaro. Neste caso não devem ser atribuídos ao cálculo mas a estas reações de sua vizinhança.

Observa-se com frequência nas crianças este tipo de geração, tanto como consequência do nascimento como por outras causas especiais, que trataremos detalhadamente em outros capítulos. Isto é uma advertência para que saibam que as crianças aparecem cheias de cálculos (calculosis), que muitas vezes assumem nelas um caráter mais grave do que nos velhos, ainda que obedeçam em uns e outros as mesmas causas.

Prestem muita atenção na dupla geração do curso natural fora do tártaro. Assim, todo o cálculo precisa de uma primeira matéria calculosa para ser gerado. É ela pode estar em nós da mesma forma que no macrocosmo, ou entra em nós vinda do exterior, em forma de bebida por exemplo, não como um alimento verdadeiro mas como a própria matéria do cálculo. Destas duas matérias vêm todos os cálculos que podem afligir o homem, os quais se produzem pela influência do astro destes elementos, que é o próprio espírito ígneo do sal, sob ação do qual solidificam-se. Esta solidificação também é chamada de congelação e coagulação.

Nada é mais importante e necessário do que conhecer e reconhecer em nós os quatro elementos com a matéria calculosa que lhes foi conferida e que não é outra coisa senão água mesmo. O fogo se encontra em seu próprio elemento no espírito do sal, e acha deste modo a sua congelação especial. Sobre isto acrescentaremos que existindo quatro fogos e quatro astros, haverá logicamente quatro espíritos do sal.

Assim, quando uma geração desta espécie está preparada (adornatur) e se manifesta (emergit) coagulada diante da presença do seu astro, podemos comprovar que isto foi produzido exatamente igual como no céu, de onde sem pedra nem raio que o justifique, precipita-se às vezes uma espécie de pedra, que tem uma geração diferente das pedras dos rios, das montanhas, ou das torrentes, se parecendo mais com os granizos que caem com o trovão durante uma tempestade.

Vamos tratar agora desta geração que se comporta em nosso microcosmo da mesma maneira que no céu.

Para uma melhor compreensão destas gerações do mundo exterior, devem saber que estas pedras provêm dos elementos que existem nas águas que têm pedras em suspensão (lapidosas), e que não aparecem como pedras mas como uma espécie dc sereno que sobe e passa de um a outro elemento. O segundo destes elementos é justamente a última matéria do primeiro. Um mecanismo igual, como já vimos, ao que dá forma às primeiras matérias das pedras do granizo celeste.

Isto quer dizer que todas estas coisas estranhas do exterior são geradas na quietude (quietus) do mundo e permanecem invisíveis, de acordo com a filosofia, até alcançar a sua última matéria, momento e estado no qual voltam a se tornarem visíveis.

Do mesmo modo quando o vapor celeste1 gerado pelo sal domina o céu, suas gerações encontram (ocurrunt) o estado dessa matéria da pedra. Somente o tempo e a presença do espírito do sal podem conseguir esta coagulação em cuja circunstância e ocasião se produzem outras coisas, conforme podemos ver no livro dos meteoros.

A coincidência destes três elementos: tempo, vapor, e espírito do sal causa a formação das pedras do céu ou cálculos de granizo, que frequentemente caem na terra com grande violência.

No corpo humano encontramos estes mesmos astros e elementos e isto nada tem de estranho já que o homem, todos os homens, são um céu. Ou melhor, todos vêm de um só limbo, diferente em cada caso, o que explica que aconteçam coisas diferentes a cada um, pois ainda que o homem apareça dividido em diversas partes, seu conjunto forma só um céu.

Por esse motivo às vezes aparece no homem em uma hora, ou mesmo num minuto, repentinamente (repente) uma pedra desta natureza, conforme explicamos nos parágrafos anteriores.

Se não continuamos investigando essas questões interessantes é porque não convém ser filósofo ou astrônomo antes de ter completado bem os estudos médicos.

Graças às minhas diversas maneiras de apresentar essas coisas, vocês precisarão apenas de uma rápida instrução.

Saibam que os raios não são mais que sal em sua primeira matéria e que nascem constantemente dele. O fato se produz ainda pela virtude que tem o espírito do sal de se congelar e coagular espontaneamente, mas não de unir-se ao enxofre, o que provoca a expulsão (elidatur) e projeção violenta do espírito do sal sob forma de pedra, enquanto que o enxofre se transforma em fogo (conflagrat) no ar entre o céu e a terra.

No homem todas as primeiras matérias se encontram em estado de espírito ou de astro em movimento, motivo pelo qual se o seu curso torna-se igual ao do tempo, o homem que o possua não escapará da pedra que está nele e que crescerá nele.

As pedras produzidas assim são muito parecidas com as originadas pelo raio (lapis fulminalis), de cor escura e natureza semelhante, ainda que às vezes muito mais duras.

Por isso, quando quiserem conhecer exatamente a sua teoria, precisarão estudar com todo o cuidado a geração do raio. Só assim conhecerão a matéria de suas pedras.

Não é preciso nos estendermos mais neste assunto, já que a filosofia procurará o médico para o melhor conhecimento de suas causas. Adiante abordaremos tudo o que se refere ao tratamento.

Convém averiguar o lugar e a região onde estas gerações se produzem e onde se esconde a pedra. No homem a pedra pode ser produzida em qualquer parte do corpo, já que ele é um Olimpo e a pedra um produto natural do mesmo, onde tudo se reúne e se encontra (jugenda). Como consequência disto os corpos mais leves produzem matérias mais duras (compactio) que se reúnem para a sua geração posterior no caos côncavo do corpo, desde a cabeça (vertex) até a planta dos pés. Deste modo a geração se transfere para o subsolo (imus fundus) do céu, da natureza das estrelas e no homem para a cavidade do diafragma. Na realidade, o verdadeiro subsolo é a terra, como no homem o são os rins, a bexiga, e sua região circunvizinha. Por isso, quando o raio cai sobre a terra, cai ao mesmo tempo sobre a bexiga e os rins, porque a anatomia da água e da terra está precisamente ali, isto é, na superfície plana (planities) e inferior do globo e da esfera.

Disto pode-se deduzir que esta região, ou superfície plana inferior é o lugar correspondente para sustentar esta geração, conforme vá caindo e se formando, porque nunca cairá em estado sólido, mas em estado líquido.

Quando a congelação acontece esta se produz sempre com grande rapidez antes de encontrar a superfície plana, assim como o raio, cujo estado primitivo é o licor da pedra.

A congelação se produz sempre em lugares estranhos, em estrumeiras e nunca em regiões limpas. Lembrem-se disto para não estranharem o fato de as gerações deste gênero sempre se produzirem em lugares diferentes daqueles onde geralmente as encontramos, manifestando-se absolutamente distintas em uns e outros.

Como explicaremos melhor em nossa meteorologia, o processo é o mesmo que observamos no ferro: líquido no fogo e sólido ao derramar-se dele. É que o espírito ígneo do sal, que ao liquefazer as coisas, acaba endurecendo-as como em uma fundição.

Quando o sol gera as pedras o faz justamente porque possui água ou então outro licor de natureza lapidar (naturae lapidosae) que é a verdadeira pedra. Neste estado a pedra está como dissolvida ou transformada em sua congelação pela água, parecendo-nos evaporada, de maneira semelhante a essas pedras que não podem resistir à água.

Quando a ação do sol seca a água dessas pedras dissolvidas, vemos a pedra aparecer novamente em sua própria matéria.2 Por isso vemos as areias e outras pedras semelhantes crescerem e aumentarem a cada dia, de acordo com o que nos ensina a ciência meteórica.

Por isso,  se  admitimos  que  uma  coisa  seca  desta  natureza  existe anteriormente no homem, seja bolus, lapis, viscus ou arena, dissolvida na água e bebida logo sem precaução ou discernimento, não devemos estranhar que aconteça nela o mesmo que sobre a terra. E que se a natureza a prende em vez de expulsá-la, a coisa acabará secando sob a ação do espírito interior da dissecação, da mesma forma que o sol e o ar fazem com a água, que terá como resultado, novamente a formação da pedra.

Isto está perfeitamente reconhecido para muitas pedras, cujo estado é semelhante ao daquelas que se encontram na terra.

Além disso é preciso que também saibam o seguinte: frequentemente os homens de constituição fria ou invernal (brumalis) chegam a possuir tal violência que congelam os licores como se fossem de gelo, liquefazendo-os em seguida. Pois se existem igualmente no homem o verão e o inverno, é lógico que encontremos também na esfera celeste superior como na inferior, assim como tudo o que forma seus respectivos corpos.

Daí vêm a congelação e as umidades que surgem de algumas partes do corpo, chamadas vapores, existentes no sangue, que é o verdadeiro centro da umidade do corpo.

Esses vapores são água verdadeira que permanece congelada sobre a terra e que podem ser qualificadas de humores, mas não no sentido que os antigos lhes davam.

A descongelação destes estados produz uma série de doenças, abcessos, pústulas (papulae) e outras semelhantes que os autores de outros tempos nunca chegaram a conhecer exatamente.

Quem não admitir no homem esta tríplice natureza: astral, temporal, e essencial é um falso médico.

Por outro lado, a natureza e o lugar destas pedras não é uma coisa privada ou particular, pois se acham em todos os lugares onde podemos encontrá-las, sejam nos emunctórios do ventrículo, da bexiga, dos rins etc. .. ou nas passagens por onde circulam.

Os diversos medicamentos que dissolvem, liquefazem ou rompem as pedras desta espécie, transformando-as em terra ou em farinha, devolvem-nas simplesmente ao estado que tinham anteriormente. Por isso, quando uma congelação deriva de outra congelação anterior nunca será tão forte que possa resistir a uma medicina dotada verdadeiramente do poder de dissolução. Também pelo mesmo motivo as outras pedras não possuem a aptidão conveniente para serem empregadas como medicina, fazendo com que um grande número de médicos se engane quando insistem e se esforçam para extirpá-las com suas receitas de olhos de caranguejo, de pedra judaica e de Milio Solis, E por sorte pusemos em evidência a loucura deles.

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