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Patrick Rivière
Tendo o adepto Fulcanelli amplamente convidado o leitor, em seu Mistério das Catedrais, a examinar o simbolismo hermético que pontua a prestigiosa catedral da Picardia, parece conveniente prolongar o discurso? Certamente, sim, se nos referirmos a outros elementos alquímicos indiscutivelmente presentes no edifício e, portanto, sujeitos à sagacidade do observador experimentado no estudo da divina Ciência de Hermes.
Deve-se dizer que a exegese erudita do Adepto já havia sido completada em seu tempo por aquele não menos erudito e seu discípulo Eugène Canseliet, nosso bom mestre de Savignies. Descrevendo filosoficamente os “quatre-feuilles” do Estilóbato, do Portal do Salvador, não deixou de sublinhar as incoerências das interpretações trazidas pelos historiadores da arte a seu respeito.
Assim, podemos notar, seguindo GJ Witkowski (em L’Art profane à 1’Eglise, ed. J. Schemit, Paris, 1908), que o quatrefoil colocado sob a estátua de Zacarias, não representa – segundo o oficial interpretação – o Triunfo da Impiedade, mas sim “a Verdade nua saindo do poço”, obviamente!
Aliás, não é esta a mesma alegoria sugerida, certamente com mais modéstia, mais adiante, mais quatro folhas. À direita, um baixo-relevo representa um personagem com duas faces (bifrentes). Dois servos o cercam de cada lado e, sentado, ele parece apresentar um vaso a cada um deles. Podemos adivinhar aí uma alusão ao princípio hermético da unidade-dualidade, pois tudo aparece dual nesta quatro folhas que também nos remete ao Andróginato primordial, bem como à união indissolúvel, realizada pelo Artista, Enxofre e Mercúrio.
Ao lado desse tipo de Janus, o próximo de quatro folhas não é outro senão o Alquimista da Catedral de Amiens. Demonstrando calma, até serenidade, ele mantém o fogo de seu atanor. Esta é certamente a única interpretação adequada, especialmente porque se pode observar imediatamente nas quatro folhas à sua direita, outro filósofo que cava ardentemente o solo para extrair a prima materia da Grande Obra.
A este respeito, fornecemos ao leitor este extrato de uma obra quase impossível de encontrar de um certo Pyrazel, da qual também fornecemos outras passagens na nova edição abundantemente ilustrada e suplementada de nossa Alchimie: science & mystical (ed. De Vecchi, 2001). A relevância do conteúdo deste excerto é igualada apenas pelo livro inteiro, bem como outro do mesmo autor, publicado há quase um ano [1]:
“Qual é a verdadeira mensagem do alquimista da catedral de Amiens? Mais uma vez, é a cabala solar que torna possível perfurar o mistério substantivo. Observemos primeiro que nosso filósofo com o joelho descoberto (símbolo do Iniciado) está descalço, seus sapatos sendo destacados singularmente, abaixo da cena atual. Agora, “sapato” é chamado de calceus em latim e “enxadas” vem do latim calco que leva à ideia de “pisar sob os pés”. sob os pés, se não a inestimável prima materna, se nos referirmos às opiniões mais autorizadas dos antigos Adeptos!”
Além disso, para nos lembrar novamente, se for o caso, a de quatro folhas, à direita desta, tem a mesma intenção simbólica, pois vemos um personagem cavando o chão com sua ferramenta. É certo que o latim calcarea, que designa um vulgar seixo calcário, deixa o filósofo hermético na sua fome, tamanha é a frustração. Embora seja bem diferente com o termo grego chalcos que designa o precioso Estanho que o sábio alquimista deve branquear, isto é, purificar, como indica precisamente o bom Nicolas Flamel.
“Esta Terra foi chamada por Hermès a Terra das folhas, no entanto seu nome próprio e verdadeiro é o Estanho que deve então ser embranquecido.” (em O Livro das Figuras Hieroglíficas).
O que pensar então da “calcopirita” (de chalcos: Cobre) cuja fórmula química Cu Fe S2 se aplica para designar o minério rajado de azul-violeta, muito difundido na Natureza? Este é, sem dúvida, o lugar para recordar que, segundo as Leis promulgadas pela grande Senhora, se kakos significa na língua dos helenos, “o que é mau”, kallos designa em grego, por um efeito de oposição dualista, inquestionável “beleza “…
Sem dúvida poderíamos acrescentar este texto atribuído a Isaac Hollandus e citado por Daniel Mylius (em Basilica Philosophica. Francofurti, apud Lucasm Jennis, 1618): e o Estanho, do qual o mercúrio e nossa pedra podem ser extraídos em pouco tempo e sem grandes gastos, por meio de nossa Arte Breve”…
Ainda seria apropriado para o filho de Hermes distinguir claramente a primeira matéria e a próxima matéria!
Que melhor imagem de um “filósofo pelo fogo” (philosophus per ignem) do que a fornecida por nosso alquimista aqui, já que ele enfrenta uma chama ardente que escapa da lareira. O que pode sair da palma de sua benevolente mão esquerda (a do coração), senão o elemento ígneo salino que constitui o próprio Fogo Secreto! Nada de surpreendente nisso para o nosso verdadeiro Adepto com um sorriso e uma expressão que fala muito!
Pode-se admirar em outra quatro folhas uma cena que não sofre mais ambiguidade quanto à realidade hermética que contém. Em uma torre que toma o lugar de um atanor, notamos de fato na parte superior um pássaro onde alguns verão uma águia – obviamente sugerindo as Águias ou Sublimações da Segunda Obra – enquanto outros pensarão que podem distinguir claramente um corvo, designando a fase de putrefação do caput mortuum que sofreu a separação do mercurial “belo corpo” (corvo), ao final da Primeira Obra. Até a própria forma do edifício que preenche completamente o quatrefoil e assim determina uma cruz, designando claramente, na sua parte central, o cadinho (crux, cruz) dentro do atanor, cuja parte inferior revela um porco-espinho ou ouriço encimado por um Tau. Se sabemos que este último geralmente simboliza a Gnose ao selar a marca da Tradição, sabemos menos que é prerrogativa dos Antoninos reivindicar ser Santo-Antoine, o Eremita. Além disso, o Tau esboça aqui a forma de um malho ou de um martelo, capaz de efetuar com precisão a separação da “luz das trevas”, mencionada acima. Palais Jacques Coeur – a prima materia da Grande Obra, tanto seus espinhos interpolam com sua eloquência!”.).
Quanto a nós, permitir-nos-emos acrescentar a interpretação simbólica do ouriço, associada à castanha, fornecida por Fulcanelli: ), é uma representação bastante exata da pedra filosofal tal como é obtida por um caminho curto, a do rubi de vassoura, encerrado numa cápsula mais ou menos espessa, avermelhada, opaca, seca e coberta de asperezas, que, no final, da obra, muitas vezes está rachada, às vezes até aberta, como a casca de nozes e castanhas.” (As Residências Filosóficas, t.2, pp. 152-153)
Que melhor prova, na verdade, da versatilidade dos símbolos!
Contra o pé direito do alpendre central, encontra-se um engajado de quatro folhas, localizado logo abaixo do galo e da raposa “descritos por Fulcanelli. Lá vemos um cachorro e um pássaro (uma águia?) e voláteis – confrontando-se e agarrando-se um ao outro de uma forma muito curiosa Podemos facilmente adivinhar desta forma o símbolo hieroglífico perfeito do sal alquímico.
Esta é verdadeiramente a imagem da Pedra Filosofal andrógina em formação. Este é, de fato, o Sal da Sabedoria sobre o qual Fulcanelli escreveu: “Este é o Sal dos Filósofos, o Rei coroado de glória, que nasce no fogo e deve se alegrar no casamento subsequente, disse Hermes, que as coisas ocultas tornar-se manifesto.
Um pouco mais adiante, o alto da Picardia revela, sob a forma de um dragão, ou melhor, de uma salamandra enrolada sobre si mesma, o símbolo familiar dos alquimistas, determinando por uma espécie de diâmetro, o hieróglifo de sal nitrato ou salitre, sal de pedra (salamander, sal petri) preparado canonicamente com a ajuda do precioso Orvalho da Primavera.
Duas árvores presentes em baixos relevos, aliás muito diferentes, ainda prendem nossa atenção. O primeiro é obviamente um carvalho, pois tem duas bolotas que são desproporcionalmente proeminentes, dado o pequeno tamanho da árvore. É provavelmente um carvalho de Kermès (“qu’Hermès”) cujos frutos aqui simbolizam os dois primeiros materiais minerais da Grande Obra Alquímica.
O segundo baixo-relevo é ainda mais surpreendente. Afeta a forma de uma árvore luminosa que brota de um velho tronco excessivamente largo e pouco adequado para servir de base para este tipo de sarça ardente; a menos que seja uma rocha simples. Isso nos levaria de volta à “árvore Piccolpassi” adornando sua Arte do Oleiro e assim descrita pelo bom mestre de Savignies (in Alchemy, ed. J-J Pauvert, p.229):
“A iconografia simbólica tem retratado muitas vezes o tema mineral dos sábios, em seu estado primordial e como é extraído de seu alojamento mineiro, pela rocha árida que sustenta e nutre uma árvore vigorosa sobrecarregada de frutos. motivo que se nota, encimado pelo Palavras latinas “sic in sterili” – assim na estéril – na penúltima página da muito curiosa Arte do Oleiro, de Cipriano Piccolpassi.”
Que melhor concluir esta modesta intrusão no livro de pedra que esta obra-prima do gótico picardo inevitavelmente constitui, do que com esta quatro folhas que representam a instrução recebida com humildade do próprio mestre. O Iniciado (com o gorro frígio) carrega o filactério da Sagrada Doutrina, obviamente, a Filosofia Hermética, sobre a qual, como ensinava Fulcanelli, nada pode ser escrito… a não ser a própria verdade.
[1] – Pyrazel, L’Ambroisie du Soleil ou la Pierre héroïque, éd. Ramuel 2000.
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