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Alquimia

III. Observe a Lavadeira e faça igual

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Tamosauskas.

“Os Novos Discursos de Atalanta”

Imagine que você precisa limpar uma camisa suja de terra. O que fazer? Nós colocamos na máquina de lavar, usamos sabão, esfregamos e depois de pronta colocamos na secadora… mas nem sempre foi tão fácil. Mesmo o uso do sabão, embora seja muito antigo,  só se tornou amplamente usado para lavar roupas a partir do século XIX, com a disseminação da produção industrial. Antes disso eram usadas outras técnicas.

A mais comum consistia em esquentar a água e mexer as roupas com ela, talvez usando algum óleo de limpeza se você tiver sorte. Essa água quente precisava ser substituida até a roupas estar limpa.

Note. A terra era retirada pela água, que havia sido aquecida pelo fogo e depois a roupa era colocada em um varal para que a umidade e o calor fossem levados pelo vento, ou seja, pelo ar.

Se esse processo for repetido várias vezes, as roupas se tornam completamente limpas. É um processo simples, certo? Mas, e se eu dissesse que esse processo cotidiano de lavar roupas pode nos ensinar algo profundamente transformador sobre a vida e a nossa própria jornada de transformação?

Muitas das operações químicas, como decantação, calcinação, dissolução, destilação e sublimação, são essencialmente processos de lavagem. Aquele que lava uma substância impura com água realiza, em um plano denso, o mesmo que quem passa com o Sujeito Filosófico ao submeter-se a essas operações alquímicas. A lavadeira é, nessa imagem, um retrato da Natureza em Ação. E a Natureza em Ação é o modelo mais importante que os alquimistas têm para seguir.

De um lado, ela esquenta a água com o fogo. Do outro, despeja água quente na bacia de tecidos. Então, remove a água e reinicia o processo com uma paciência infinita. Sem pressa e sem preguiça, tal é o lema do trabalho no laboratório.

Dois ensinamentos importantes aqui:

O primeiro é que é preciso sair de um elemento para limpá-lo. Assim como não é possível secar enxaguando ou tirar a terra jogando mais terra, também as funções da alma precisam auxiliar umas às outras para que tenhamos um quadro completo. Os sentidos devem passar pelo crivo dos pensamentos para que não sejam ilusões. Os pensamentos devem passar pelo coração para não serem frios e cruéis. Os sentimentos devem ser avaliados segundo nossa vontade e intenções para que não sejamos manipulados. E a vontade precisa, vez ou outra, ser trazida de volta à terra, para que não seja mera idealização. Como é dito no Rosarium Philosophorum: “As vestes interiores do Príncipe Divino, estando sujas de suor, devem ser lavadas pelo fogo e purificadas nas águas, de modo que o fogo e a água parecem trocar suas qualidades mútuas. Caso contrário, o Fogo Filosófico não deve ser considerado do mesmo tipo que o fogo comum.”

O segundo ensinamento é que esse é um processo que exige repetição e, portanto, paciência. Não há nenhuma fórmula da Pedra Filosofal que não passe por repetidas e repetidas operações de lavagem. Muitas manchas resistem à primeira lavagem. Da mesma forma, nossa mente, corpo e alma precisam ser purificadas e transformadas por processos igualmente diligentes. Não é só porque você lavou roupa esta semana que o cesto não estará cheio novamente em pouco tempo. Mas, com o tempo, com repetição, com o ciclo de reflexão e ação — que, de certa forma, é a nossa ‘lavagem’ emocional e mental — podemos garantir que sempre teremos roupas limpas para vestir.

E, por fim, um detalhe interessante: para uma purificação mais profunda, a água que usamos não deve ser comum. É o que a tradição chama de Água do Céu, uma água rica em nítro, como a que encontramos congelada em gelo e neve, ou sob a chuva e o orvalho do início da primavera. Uma água refinada, sutil, que penetra até os recessos mais profundos do ser. Em outras palavras, não é qualquer solução que nos transformará. Precisamos Para as coisas mais importantes devemos buscar um menstruum mais adequado, algo mais profundo e verdadeiro para nós mesmos.

Usando a metalurgia sagrada que expus com mais detalhes no Principia Alchimica, o chumbo se tempera com cobre, ferro e estanho, e mutatis mutandis isso ocorre com todos os metais menores. Mas, em algum momento, você precisará adicionar um solvente mais poderoso: o Mercúrio. Ou seja, é preciso olhar para a realidade da vida com um olhar transcendente, que vá além de nossas sensações, emoções, pensamentos e intenções. Esse é o Mercúrio Filosofal, a Consciência Pura, cuja natureza não pode ser definida de forma satisfatória e precisa ser experimentada para ser conhecida.

Então, eu encorajo você a olhar para os seus processos de ‘lavagem’ – seja no trabalho, nos relacionamentos, ou no seu crescimento pessoal – mas principalmente na sua própria consciência, naquilo que faz você ser o que é e a considerar como as águas e os fogos pelos quais você está passando podem, na verdade, estar purificando você para algo maior.

A transformação pode ser lenta, mas se formos pacientes com a natureza realizaremos coisas grandes como as que ela faz. Deixe a sujeira ir. Se o velho não vai o novo não vem.

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