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Paracelso
CAPÍTULO I
(Razão da matriz como um mundo mínimo e invisível)
Apesar de tudo quanto dissemos até aqui sobre as doenças que afligem os homens, a verdade é que ainda falta muito para ser estudado. Se observarmos atentamente os fundamentos da medicina veremos que ainda existe no homem duas novas filosofias e astronomias teóricas. Estas são referentes à matriz e exclusivamente às mulheres.
E já que o motivo deste livro será a descrição perfeita da matriz e de suas doenças, da mesma forma como temos feito até agora com as doenças do homem, começarei declarando que a princípio falarei sobre coisas invisíveis. Quem já viu o que vou expor agora sobre a anatomia da matriz?
Digo que apesar de nada disto ser visível deve ser julgado visivelmente, pois a matriz é como o ar que não vemos mas que sentimos perfeitamente.
Os olhos não só devem ver mas também sentir, e as coisas devem ser intuídas segundo a natureza da anatomia, quer dizer, deduzidos do verdadeiro e natural fundamento, vindas umas das outras segundo suas próprias bases e não guiadas somente por nossa opinião ou juízo. Assim conseguiremos ver e perceber tanto o visível como o invisível. .
Este fundamento e ensinamento envolve tanto o que vemos como o que sentimos. Esta é a diferença que caracteriza a matriz. E ela forma por si só um pequeno mundo (mundus minimus), sendo sobre a sua existência o assunto deste capítulo.
CAPÍTULO II
(Essência e origem da matriz no cosmos)
Observem antes de mais nada que o céu encerra {complecti) e engloba as duas esferas (superior e inferior) de tal maneira que nenhum mortal ou coisa perecível consegue se dissolver nele, nem penetrar nesse reino exterior que existe além do céu que nós percebemos. Pois nenhuma coisa mortal ou imortal pode ter relação nem permanecer num mesmo lugar.
Assim c macrocosmo aparece fechado exteriormente de tal maneira que nada pode sair dele porque tudo fica unido e encerrado nele.
O microcosmo, quer dizer, o homem, aparece também encerrado e rodeado pela pele: ali dentro o sangue, a carne, e todos seus elementos permanecem fora do contato com o mundo exterior, evitando assim que este o machuque, transforme ou misture. A pele que recobre o homem cumpre a missão de separar os dois mundos: o grande e o pequeno, isto é, o universo e o homem.
Assim o mundo tem a sua integridade assegurada em seu próprio domicílio onde nada pode perturbá-lo ou maltratá-lo. O homem permanece dentro do seu domicílio, quer dizer, dentro de sua pele, de maneira semelhante, mantendo ali a sua personalidade sem que nada possa entrar ou sair.
Além do macro e do microcosmo ainda existe um terceiro mundo muito menor, que é justamente a matriz. Com seus vasos e sua pele própria pode subsistir por si mesma, ainda que separada de um certo modo do pequeno mundo do homem.
O mundo da mulher é na verdade diferente, menor (mundus minimus) e mais imperfeito que o do homem. Possui sua anatomia, teoria, causas, razões e tratamentos particulares. Ainda que seja exatamente igual ao mundo masculino em muitas doenças, tem sem dúvida diferenças fundamentais que o médico deve saber considerar e discernir com todo o cuidado, pois, repetimos, trata-se de um mundo verdadeiramente diferente.
A matriz é um verdadeiro mundo fechado (conclusus) sem relação com os demais. O Grande Mundo (macrocosmo) é e sempre foi a primeira criatura. O homem constitui o segundo mundo. E a mulher o terceiro, o menor e mais íntimo de todos.
De acordo com isto, cada um destes três mundos possui sua ciência, sua filosofia e sua arte própria. E cada um pode também apresentar suas parasitas particulares. Apesar do que foi dito, estas três criaturas se unem na anatomia, na filosofia e na teoria.
As gerações (aparecimento) dessas parasitas são semelhantes, enquanto que as do mundo, as do homem e as da mulher são diferentes. De onde se deduz que se a forma é o que dá ser ao mundo, o corpo deve fazer o mesmo para dar o ser a outro mundo novo. Esta tríplice monarquia da medicina: a do mundo, a do homem e a da mulher, explica que existe e devem existir naturalmente três classes de médicos; uma para semear o mundo e protegê-lo dos perigos da neve, do orvalho e da geada; outra para preservar o homem de suas doenças e uma outra para atender e cuidar da mulher. A arte faz com que estas três monarquias se reúnam e encerrem finalmente uma só.
Começará logicamente no mundo o ensinamento desta arte, já que ele contém os quatro elementos, da mesma forma que em sua matriz. O verdadeiro centro desta arte é o homem que guarda em si as concordâncias de todos eles (elementos). A mulher forma a terceira e última ciência. Com tudo isto o médico conhece perfeitamente todas as suas razões teóricas. Senão, o que seria o médico fora disto?
CAPÍTULO III
(Sobre as anatomias da matriz)
A mulher é, ela mesma, um mundo particular cuja realidade não se deve perder de vista em nenhum momento.
Enquanto o homem, ainda que a terra seja a sua própria carne, a sua razão, sua causa e sua física são bem distintas, o que se observa também na mulher.
O sangue, por exemplo, segundo sabemos, é o elemento da água. Nós podemos encontrá-lo em outras formas e corpos, mas sempre e somente nesta única relação.
Além disso, o mercúrio, o enxofre e o sal compõem a essência do homem e de todos os mundos, colocados (positus) constantemente sobre estes três elementos que estão igualmente contidos na carne, no sangue, na terra e no mar.
Os três elementos — enxofre, mercúrio, e sal — são outras tantas matrizes diferentes e separadas entre si, e é importante que saibam distingui-los. A mulher é outra coisa; certamente contém os três elementos, e a natureza do seu mundo, distinto do mundo do universo e do mundo do homem, faz com que a função de sua física e da sua teoria sejam bem diferentes de todas as outras mesmo que ela seja vítima de muitas doenças iguais às dos homens.
Por isso, ainda que a mulher possa sofrer de hidropisia, icterícia, paralisia e a cólica do mesmo jeito que o homem, suas manifestações terão sempre uma particularidade correspondente à sua monarquia diferente.
A mulher difere do homem na mesma medida em que provém dele (ex eo est), quer dizer, enquanto vai afastando-se do seu peso (de pondere ejus decedit), sendo diferente dele, de sua anatomia, de sua filosofia, de sua teoria e de sua física, justamente pelo fato de vir do homem (ex viro ipsa est), constituindo o último e mínimo mundo.
Assim como a matriz lhes ensinará a reconhecer e a encontrar a mulher diferente do homem, também deve fazê-los distinguir as doenças de um e de outro, sabendo que as coisas têm diferentes possibilidades no homem e na mulher.
A realidade do corpo da mulher põe diante de nós o fato de que a filosofia e a medicina que adotemos para elas devem ser completamente distintas das do homem ou das do Grande Mundo. As doenças da mulher não concordam com as do homem e não devem ser designadas pela simples semelhança dos seus sintomas.
O médico deverá considerar o homem e a mulher com modos diferentes, ainda que a doença e a morte sejam iguais para os dois.
A morte e a miséria não são mais que uma, da mesma forma que a fome e a sede. Sem dúvida, quando o homem tem fome ou sede, é o mundo médio que as tem, e quando a mulher as sente a exigência vem do último mundo (postremus). O pequeno mundo, o mundo médio e o mundo último ou mínimo estão tão separados entre si como a mãe de seu filho.
É preciso então desprezar para sempre os erros dos antigos autores que se equivocaram totalmente ao identificar a patologia dos homens com a das mulheres.
Dizer por isso que só existe uma apoplexia, uma epilepsia ou uma paralisia é absolutamente falso.
A medicina consiste no conhecimento das causas e na ciência do tratamento. Quando a menstruação e outras coisas do gênero aparecem entre as doenças, esses males adotam uma fisionomia completamente diferente que no homem, o que é coisa sabida até pelo último aldeão que se reconhece diferente de qualquer mulher.
O médico consciente é da mesma opinião. Ao contrário, só insiste em permanecer no erro aquele que é um sedutor da medicina e dos doentes.
CAPÍTULO IV
(Razão pela qual as medicinas do homem e da mulher são diferentes)
Existem duas medicinas na Terra: a dos homens e a das mulheres, com seus remédios e peculiaridades próprias.
O bom médico deve dizer assim: “A apoplexia do homem tem esta ou aquela causa, foi criada e dada desta maneira mas somente ao homem. A apoplexia da mulher vem de sua própria raiz, isto é, da matriz, colocada por isso desta ou daquela maneira”.
Este é o bom fundamento da medicina e aquele que não faça estas diferenciações nunca terá a arte para combater a mais simples hidropisia.
As medicinas para os homens e para as mulheres só têm uma coisa em comum: tanto uns como outras tomam os remédios pela boca, sendo que até os efeitos variam constantemente em cada caso.
Por que todo mundo pensa que tal erva é masculina ou feminina? Sem dúvida porque umas e outras doenças são perfeitamente distintas, e se todas elas fossem uma coisa só, como seria permitido dividir a natureza em função da medicina?
O certo é que a natureza e as doenças foram divididas porque existem dois mundos diferentes: o do homem e o da mulher, divididos em suas doenças e por conseguinte em seus medicamentos. Tudo isso nos demonstra o engano, a falsidade, e a má fé na qual a medicina foi mantida até hoje. Somente os ignorantes e os impostores podem negar que as receitas devem ser elaboradas separadamente para os homens e para as mulheres segundo suas anatomias respectivas.
Contudo ainda ampliaremos estes conceitos, e quem sabe alguns deles consigam comover os ouvidos dos nossos inimigos.
Digo que a mulher está muito mais perto do mundo que o homem. Isto se deve à própria natureza da anatomia masculina e se explica assim: sabemos pela filosofia que o mundo subsiste nos quatro elementos, dos quais o homem toma diariamente o seu sustento. O ar, o céu, a terra e a água são em verdade os alimentos do homem, satisfazendo com eles as suas necessidades. Concluímos que tudo isto deve existir na matriz, porque a semente do homem está no homem mesmo, e ela exigirá alimentos idênticos.
Os alimentos da semente humana não estão no mundo exterior (macrocosmo) nem no mundo médio (microcosmo) do homem desenvolvido, mas precisamente no último mundo (postremo), ou seja, na matriz feminina que o homem não tem.
O homem não se diminui, não se divide, desagrega-se e nem cresce no Grande Mundo, mas no mundo mínimo (na matriz), que deve prover de alimentos o gérmen humano até que, completamente desenvolvido, saia para o Grande Mundo. Compreende-se assim que a mulher tenha que ser diferente do homem na totalidade do seu corpo, já que tem que ter nele um céu, uma terra, uma água e um ar que sirvam de alimento ao homem desde sua concepção até completar a fase inicial de sua evolução e até mesmo um pouco depois, porque a criancinha recebe o seu alimento da mulher e não do homem.
Depois de formar o homem e a mulher, deixando para esta a missão de guardar a semente humana, conforme a sua anatomia, filosofia e a sua física nos mostram, Deus quis com isto mostrar ao homem a grandeza de sua origem. Com estas explicações, ficam mostradas as diferenças que existem entre o homem e a mulher.
CAPÍTULO V
(Diferenças das raízes do homem e da mulher)
A raiz do homem está nele mesmo. A raiz da mulher tem a incumbência de alimentar o gérmen humano.
A separação entre o homem e a mulher é semelhante à que existe entre uma pereira e a terra.
O homem é a semente, tanto de outros homens como de outras mulheres, e a semente está nele, no espírito do sêmen. Sem dúvida sua separação e nascimento correspondem à mulher.
Na comparação que fizemos antes vimos que à árvore basta estar plantada na terra para desenvolver-se; se isto não acontece a árvore seca (arescit).
Em princípio todas as sementes têm a propriedade de crescer por si mesmas, apesar de necessitarem da terra para se transformarem em árvores.
E com igual força, potência e semelhança a mulher gera em sua matriz um novo ser, seja menino ou menina; se a mulhei é comparável a um campo, deve se comportar como qualquer campo do mundo, isto é, possuir os quatro elementos.
Assim como o campo e a semente da árvore, a matriz tem uma terra em seu receptáculo especial (receptaculum peculiare). E assim como a terra não pode produzir nada sem os outros três elementos, a mulher os possui em seu sangue (que é a água), no ar do caos1 e no fogo dos astros. Assim como os frutos da terra precisam do Sol, da Lua, das estrelas e do ar para crescer, nada pode desenvolver-se na matriz sem a colaboração de tais elementos.
Se tais elementos podem e devem existir, é preciso saber apenas que eles são diferentes dos que o homem possui e que essa diferença, o seu motivo e o seu fim, estão a serviço da nutrição.
Esta é a razão da dualidade do homem e da mulher: eles possuem outro mundo e outra monarquia e sobre isso devem se instruir o melhor possível. Pois assim como a terra e a árvore, ainda que misturados conservam cada um a sua natureza e espécie segundo as substâncias de seus corpos, o homem também fica separado da mulher, cada um dentro de seus limites respectivos.
Depois de tudo isso percebemos facilmente como é grande o erro no julgamento das doenças das mulheres e dos homens, já que as causas e os tratamentos não devem ser definidos e determinados pelas semelhanças dos sinais, mas justamente por suas diferenças, que devem ser analisadas em cada caso com o máximo cuidado.
Isto poderia ter sido definido corretamente pelos autores antigos se tivessem considerado que a mulher é passível das mesmas doenças que o homem, pois ela mesma vem do homem. Mas além disso está submetida à outras especiais que o homem nunca poderá sofrer.
O fato de ter colocado os homens e as mulheres dentro de um mesmo capítulo e uma mesma terapêutica com todas as suas doenças foi o que indubitavelmente lhes enganou. Prescindiram assim da consideração filosófica. Mesmo que a mulher provenha do homem o fato é que ela não permaneceu nele, motivo pelo qual suas doenças não são viris, mas femininas.
Finalmcnte convém observar que a Providência divina dividiu a anatomia de todas as coisas que nascem em macho e fêmea. E isso não foi em vão (nonfrustra), mas a fim de que o médico veja a natureza como em um espelho e saiba atuar em cada caso.
Os maus médicos desprezaram e abandonaram a luz da natureza, e, deixando-se levar por suas fantasias, viciaram a medicina de tal modo que finalmente ficaram na situação daqueles que quiseram ver através de um muro o que estava acontecendo atrás dele; ò que naturalmente é impossível.
Assim, este livro foi escrito da mesma maneira que todas as verdadeiras artes. Quer dizer; evitando as especulações da fantasia e sendo guiado pela experiência dos nossos próprios olhos e pela luz da natureza.
Somente quem vê uma coisa diretamente pode afirmar que dela teve experiência.
Por isso somente testemunharemos sobre aquilo que as coisas nos ensinaram e que vimos com os nossos olhos. E isto é muito importante para a medicina porque vemos nela duas anatomias distintas, igual a todas as coisas e seres que nascem no universo.
Nesta base, não tendo um só caminho para os dois, estabeleceremos uma monarquia para a mulher e outra para o homem, acrescentando que necessitaremos conhecer além disso todos os acidentes (casus) particulares que as mulheres possam experimentar, assim como a afinidade feminina que caracteriza as doenças que, ainda que próprias do homem, são também sofridas pelas mulheres.
Esta correlação dá origem a uma outra física que a multidão dos médicos enganadores não souberam nem de longe farejar (olfecit). Não preciso dizer o quanto é bárbara e indigna essa atitude.
CAPÍTULO VI
(Sobre a origem das doenças da mulher)
Tirem pois os médicos de seus olhos todas as vendas, abandonem essa seita miserável, e não repitam a infâmia de considerar igualmente homens e mulheres para nenhuma doença determinada. Convém por isso estudar com esmero as enfermidades femininas de acordo com a sua física própria e sua distinta anatomia.
Não pensem assim que o cérebro, o coração e o fígado delas são como os do homem, pois o cérebro da mulher é um cérebro feminino, assim como o seu coração e todos os outros órgãos.
Se exteriormente, como é notório, existem as diferenças que todos podem ver entre os homens e as mulheres, quais não serão as diferenças entre aquelas coisas mais íntimas, mais unidas ainda pela física e por isso mesmo mais separadas?
A diferença da mulher se refere (incumbit) sempre à sua própria raiz, que é a matriz onde foi criada, na qual fica estabelecida, fixa, e que toma seu nome.
Sua natureza e condição virão por isso da matriz.
O homem cresce conforme sua maneira masculina (viri instar) enquanto a mulher o faz segundo a sua natureza (ex natura muliebri), ou melhor, pela matriz.
Isto nos leva mais longe ainda. Como resultado disto os membros da mulher crescem, desenvolvem-se e são governados pela matriz, desde a matriz, assim como todas as suas doenças.
Com isso compreendemos a distância considerável que existe por exemplo entre a paralisia do homem e a da mulher, por mais semelhantes que sejaip seus sinais externos.
Não significa que a mulher não toma parte da criatura humana, mas que sua física é diferente e sua monarquia de outra natureza e espécie. Não é suficiente mostrar a diferença pelo fato da mulher possuir e ser uma matriz, ao contrário do homem.
Mesmo sendo iguais os nomes das doenças, tanto dos homens como das mulheres, não prova nada ao contrário mas unicamente mostra que ambos estão compreendidos no gênero humano (homines). Deduzir daí que suas respectivas naturezas e suas condições são iguais é um tremendo erro. A mulher está feita sobre a matriz, sobre a qual cresce e crescerá, pois a matriz é a sua raiz e a primeira coisa que o médico deve considerar quando se tratar de doenças femininas, porque elas nascem devido a potência da matriz (matricalis) e não à potência viril.
Conforme estas potências ele deverá examinar com todo o cuidado a física, as causas e os indícios, sem o que todo o empenho será em vão. É preciso conservar com muita clareza a independência das raízes masculina e feminina.
Não se vê em seus escritos que eles tenham observado o conhecimento destas raízes, nem que tenham preferido morder os dedos antes de publicar toda esta quantidade de mentiras, pois em verdade nada podem sustentar com sua física, causas e sintomas, a menos que reconheçam a divisão e a independência das duas raízes e trabalhem separadamente para os homens e para as mulheres. Caso contrário não poderão ser considerados médicos, mas somente impostores.
E isto é fácil de ser porque a capacidade para mentir e adular é muito simples e aprende-se nas academias com a maior naturalidade.
Nunca encontrarão tais aberrações na monarquia nem na física. Pois assim como a pereira nasce de sua própria raiz e a macieira da sua, tudo o que cresce reproduz o sabor de sua raiz; do mesmo modo acontece com a doença. Não é porque a pereira esteja longe (absit) da sua raiz que vai deixar de formar um corpo com ela: o que pode ser dito também para a cólica e para a matriz.
Para deixar bem firmes estes fundamentos ainda lhes darei uma outra proposição: “Sendo as doenças em geral, tanto as masculinas quanto as femininas, parecidas em uma série de aspectos, afinal das contas elas vêm dos homens ou das mulheres?” Sobre isto lhes direi que nenhuma doença foi reconhecida (imprehenditur) no homem antes de ter sido criada na mulher.
O homem nunca esteve doente ou afligido por doenças que os seus descendentes fizeram chegar até os nossos dias, nem morreu espontaneamente até que foi criada a mulher. Isto nos permite compreender que todas as nossas doenças, misérias e aflições vêm da mulher. Este conceito torna-se o melhor e o primeiro objeto do nosso estudo e conhecimento, pois é claro que não saímos da matriz somente com a carne e o sangue, mas com todas as misérias e doenças.
Já que as coisas são assim é preciso distinguir as doenças dos homens e as das mulheres, e como estas últimas podem derivar até as primeiras. Da mesma forma será preciso distinguir e separar as ervas das medicinas, como a semente do homem que permanece masculina e a transmutação pela qual se separa da mulher. Separação que não é feita somente pela forma externa, mas também pela sua natureza.
Convém então que se instruam no processo de sua formação e de sua separação,1 mesmo que nenhuma doença que não venha da mulher deva ser atribuída à primeira raiz. E já que não existe no homem uma outra raiz sem ser aquela que vem da mulher, é preciso convir que a sua nova disposição (traducta) deve-se a uma física distinta que os autores antigos esqueceram — não sem certas vantagens para seu sectarismo —- fazendo com que suas ideias permanecessem até hoje.
CAPÍTULO VII
(Gênese divina das sementes e os germens do homem e da mulher
Tudo o que cresce é com efeito distinto e diferente daquilo sobre o que se realiza o crescimento. E o homem, segundo isto, não o é em relação à mulher, como o peixe para a água em que vive e sem a qual não pode existir. Neste caso o peixe pertence à natureza da água ainda que seja diferente dela. Assim o homem e a mulher são unidos e sem dúvida diferentes. A mulher poderia ser comparada com o mar onde vivem muitos peixes1 semelhantes aos homens. Mar e peixes, homens e mulheres, estarão unicamente separados em seus nascimentos, o que é especialmente útil ao homem para que ele sempre tenha em mente que não passa de um animal do mundo (animal mundi). A alma (mens) que o homem tem é que o impede de acabar tornando-se um peixe.
Por isso é justo que o médico preste a máxima atenção para essas semelhanças e saiba que o homem é a semente e a mulher o campo. E inclusive que mesmo a semente da mulher só perdura nela através do homem.
A mulher antes de sair do corpo de Adão também era homem. Somente quando as mãos do oleiro (Deus) tiraram-na dali deixou de ser uma simples costela do homem.
Estes fatos devem ser perfeitamente conhecidos e compreendidos porque nos levarão a colocar a mulher no devido lugar. Isto é, em uma monarquia particular, com uma teoria e uma física próprias que observaremos com os olhos bem abertos.
Quando certas pessoas escrevem equivocadamente que tal capítulo trata da icterícia (icteritia) comum aos homens e às mulheres, somente acumulam provas falsas, como fizeram durante tanto tempo Galeno, Avicena, Rasis e outros.
Nem eles, nem vocês, ou mesmo eu, podemos oferecer outras provas melhores do que aquelas que estão na filosofia e na luz da natureza. Somente ela poderá demonstrar e provar todas as coisas e não os charlatães e curandeiros que colocam a base e o fundamento dos fatos nas extravagâncias que lhes saem da cabeça e não fazem outra coisa senão enganar aqueles que confiam nas suas palavras.
Como podemos falar da natureza da matriz se ninguém nunca viu a sua primeira matéria? E quem poderia ver o que existiu antes de cada um? O certo é que todos viemos da matriz e ninguém a viu porque ela existiu antes que o homem.
O mundo, o homem, e a criação vieram da matriz. Apesar disto, o homem sai (prodeat) e nasce dela sem conseguir vê-la (conspexit).
Será importante que digamos o que é a matriz na qual o homem existe e se desenvolve.
Declararemos previamente que tudo contido nos quatro elementos deve ser invisível aqui e que da mesma maneira que o mundo é a matriz de todas as coisas, assim também deve ser considerada a matriz em relação ao corpo.
Antes que o céu e a terra fossem formados o espírito de Deus pairava sobre as águas, sustentado de certo modo por elas.2 Pois bem, essas águas eram a matriz. O espírito divino que existe no homem está na matriz e vem dela, não existindo nas outras criaturas.
Para que este espírito não ficasse sozinho, o homem foi criado, o qual o assimila e o conserva assim. Isso nos explica que o espírito divino do homem venha de Deus e volte para Ele depois da morte.
O espírito do Senhor fez assim o mundo sobre a água. que deve ser considerada como a matriz do mundo e de todas as suas criaturas.
A matriz do homem é a morada de seu espírito na carne, situado por Deus no mundo inteiro, sendo a sua semente o limbo, e este fica sendo a semente do universo. Assim se realiza o primeiro acontecimento do homem. Depois o homem se separa dessa grande matriz e forma dentro de si sua própria matriz, quer dizer, a mulher, na qual está novamente o mundo inteiro e na qual o espírito de Deus se insinua (insinuat) e se afirma (imprimit) residindo3 em seu fruto, da mesma forma quando estava nas águas antes da criação. Esse espírito que todos os homens levam sobre a terra e a água nunca foi visto nem o será jamais. Por isso a mulher que o leva em sua matriz nunca deve fornicar. Porque Deus, que nela colocou seu próprio espírito divino, deve poder recolhê-lo em igual estado de pureza.
O limbo está na semente e o espírito na matriz. E assim como a semente criada e formada por Deus dá origem ao homem, da mesma forma o homem encontra no lugar que Deus lhe destinou, seu próprio limbo, e nele, sua semelhança com o Criador.
No entanto, não tendo sido conveniente que o homem se criasse a si mesmo do barro da terra, Deus teve que criar uma matriz e um limbo diferentes, a fim de lhe dar alma , ficando deste modo o homem na natureza do mundo.
A diferença importante está em que, enquanto Deus fechou o céu para nele ficar, dali criando o homem, este necessita da oportunidade de encontrar uma matriz para se gerar. Deus, com efeito, não teve que se levantar de seu trono para isso (ex solio suo), pois bastou que Ele estendesse a mão; o mesmo que o homem faz ou pode fazer com tudo aquilo que lhe foi destinado.
Vemos pois que existem três matrizes: a primeira é a água, sobre a qual foi levado o espírito do Senhor (super quibus). Nela o céu e a terra foram criados. A segunda, a matriz de Adão, é a terra amassada pela mão de Deus para a formação do primeiro homem. A terceira matriz, de onde saíram e sairão todos os homens, é a mulher.
Do mesmo modo como Deus fechou seu reino e o mundo que o cercava (circundabat), fechou também a mulher dentro de sua própria pele, já que todo o seu corpo é matriz. Por isso, apesar da sua semelhança, e de ter sido feita dele, a mulher não pode nem deve ser comparada com o homem, pois dele difere em substância, condição, natureza e propriedades. Cada um sofre (patitur) suas próprias misérias, unidas somente na misericórdia de Deus. Por isso Deus pode sempre ser conhecido na dupla medicina de suas criaturas: na viril dos homens e na feminina das mulheres. Quando se tratar pois de mulheres o médico deverá cuidar de agir dentro dessa terapêutica que Deus previu, que é a verdadeira e não a errada. E afirmo que quem possui esta graça protege-se a si mesmo.
CAPÍTULO VIII
(Sobre a origem do homem e o funcionamento da matriz)
Do mesmo modo compreende-se que o médico deve conhecer o limbo, essência e primeira matéria do homem. O limbo é na verdade o céu e a terra, a esfera superior e a inferior, os quatro elementos e tudo o que contém. Por isso é lógico chamá-lo microcosmo, uma vez que ele está no mundo inteiro. Ê portanto necessário que o médico conheça as duas esferas, os quatro elementos, as substâncias, naturezas e propriedades, pois somente desse modo poderá conhecer as fraquezas e indisposições que perturbam o homem. Aquele que foi criado por Deus (o médico) deve saber e conhecer muito mais coisas do que aquele que somente se reconhece filho do homem (o doente). Somente assim uniremos a ciência e a razão divinas.
Tudo isso deve ser aplicado igualmente à semente. E antes de continuar é necessário que todos saibam que Deus criou o primeiro homem da matriz, sem ajudante ou intermediário, tirando-o dele mesmo, uma vez que Deus decidiu dar ao homem um limbo para que ele mesmo fosse um limbo; quer dizer, para que ele seja o seu próprio filho se por acaso quiser tê-lo. Ao mesmo tempo Deus lhe deu também a matriz, ou seja, a mulher. São pois necessários dois elementos — e não um somente — para gerar os homens, os quais, no entanto, ainda que procedam do homem, realizam-se na matriz.
Por isso seus germens e suas carnes estão destinadas a se unir e a formar daí para a frente um só gérmen e uma só came. Com isso o homem, que já o é no limbo, plasma-se, toma forma, cresce na matriz do mesmo modo como já falamos do primeiro homem formado no seio do Grande Mundo. No futuro será necessário conhecer as doenças do modo como acabamos de explicar a geração.
Existirá, com efeito, uma série de doenças provenientes do limbo e outras da matriz, de modo que as causas serão diferentes, e quero sublinhar essa diferença a fim de que não voltem a cair em erro. Isso torna-se mais fácil pelo fato de a matriz ser visível, sendo somente invisíveis suas propriedades e operações.
Quem olha a mulher vê a matriz do homem, ou seja, o mundo do qual nasce. Em compensação, ninguém vê o que faz (fabricat) o homem. Pois do mesmo modo como Deus fez o homem à sua imagem e semelhança no começo da criação, assim o continua fazendo desde então, como o espírito do Senhor que flutua sobre as águas. A água é com efeito o receptáculo da semente du qual o homem nasce, contida previamente no limbo.
A natureza e operações da matriz são invisíveis e o que é invisível não adoece (nihil patitur) razão pela qual não discorreremos sobre elas.
O que é visível é a mulher, situada como todos os corpos no enxofre, no mercúrio e no sal. Tudo o que lancemos mão deve existir em forma visível e tangível já que nele contém as três substâncias. Somente é invisível a primeira matéria destas três coisas, mas não a última, que é visível e constitui o corpo inteiro da mulher.
Dissertaremos pois sobre esta última matéria e sobre ela filosofaremos segundo a sua monarquia porque todas as suas doenças vêm das três substâncias. E conhecendo-as poderemos influenciar e tratar da primeira matéria.
Estas doenças procedem, consciente ou inconscientemente das três substâncias da mulher, no passado, no presente e no futuro. Tudo isso os ensina que as mulheres estão submetidas, do mesmo modo que os homens, aos astros eternos bem como a uma física diferente.
Acontece como o pão, que é alimento para todos os seres. Quando o homem come pão, o pão forma e se transforma em sua carne; do mesmo modo o peixe forma a sua carne do pão que come. Contudo as carnes do homem e do peixe são diferentes. Assim, considerando com cuidado as diferenças, a gente deve saber separar a teoria das impressões, infecções e situações congêneres.
Já que todos os médicos assim como todas as ervas possuem esta diferença, será bom que os primeiros saibam distinguir o que está do lado da verdade ou da mentira.
Os médicos antigos que descreveram a matriz na parte inferior do corpo como se somente ali pudesse estar a matriz inteira, separada do corpo da mulher, cometeram um grave erro. Além disso a mulher era igualada em tudo ao homem, o que era um erro maior ainda. Esses médicos esqueciam-se de que existe um buraco (foramen) no mundo pelo qual Deus enfia a sua mão, manobra e constrói tudo o que quer; do mesmo modo construiu Deus a mulher como um mundo no qual o homem encontra-se no lugar de Deus, podendo agir e operar como ele. Do mesmo modo como Deus estende suas mãos desde o seu reino sobre o céu e a terra e deles forma o limbo, assim também o homem pode fazer com a mulher.
Os que dizem que isso é errado, ou seja, que Deus pode tomar um só limbo ou um só lugar e não todos juntamente, equivocam-se novamente porque não souberam e nem compreenderam que o homem é o mundo, e o limbo é o mundo inteiro. Com igual razão tudo isso pode ser aplicado à matriz, uma vez que toda a mulher é matriz e de todos os seus membros o campo (ager) do homem foi gerado. Assim como a terra precisa ser sustentada em todos os seus elementos, quer dizer, em todas as forças do mundo inteiro, também o homem necessita do corpo inteiro da mulher.
O corpo da mulher adquire assim a categoria de centro destas operações e acesso de toda periferia externa (aditus). Nela a matriz constitui o eixo central do corpo, quer dizer, do coração, fígado, baço, carne e sangue. Digo-lhes pois que a matriz está tão distante e separada do corpo do homem como os seus respectivos sangues. Que importa então que ambos sejam igualmente vermelhos?
É desculpável que um simples aldeão confunda estas coisas mas não um médico, a não ser que seja tão leigo como um aldeão, porque se considera médico e entende a ciência como um aldeão, temos de convir que não poderá tirar dela nenhum proveito. Esquecem as diferenças existentes entre os metais, as pedras, as madeiras, assim como as que existem entre o homem e a mulher, que mesmo sendo uma criatura humana somente, possuem duas formas, duas figuras, e duas naturezas e que a mulher pode por causa disso governar uma monarquia diferente em todas as enfermidades.
CAPÍTULO IX
(Sobre a menstruação)
Acontece da mesma forma como as marés com as quais o mar manifesta as suas forças. E perguntamos: a que se deve este fluxo e refluxo do mar?
É devido ao fato de que o mar consome e mata tudo o que entra nele, devorando e aniquilando todas as águas, do mesmo modo como são todos os homens sobre a terra.
Todas as coisas que realizam esta operação de consumir e de matar possuem a propriedade de romper ou quebrar (infringit) tudo o que recebem. E isto com uma regularidade perfeita, uma vez por dia.
Acontece assim com o homem quando ele toma seu alimento: imediatamente começa o seu cozinhamento (concoquit) que causará a destruição do que foi ingerido; e durante esta operação o ventre incha e se distende.
Assim como as águas que morrem no mar não voltam nunca mais, também todas as coisas que nasceram na terra morrerão e ficarão nela.
O fluxo e o refluxo do mar acontece também na mulher, que torna-se assim mãe dos seus filhos, como o mar em mãe das águas.
Precisamente porque a mulher é mãe, o mesmo fluxo é gerado nela. Essa agitação (oestuatio) acontece em cada quatro semanas com a expulsão de todos os restos e coisas mortas. Nisto ela se diferencia do mar que não devolve nada. Esta expulsão tem a finalidade de não deixar nada morto ali onde o homem deve ser concebido para nascer.
A menstruação é então uma confluência de coisas excrementícias que vão parar na matriz para morrer nela e daí serem expulsas em seguida.
A afirmativa de alguns médicos, que levados pela sua imaginação disseram que esse excremento menstrual é a flor da mulher, comparável às de uma árvore qualquer, é completamente falsa. A flor da mulher manifesta-se no ato de conceber. Depois o fruto sucederá à flor e o filho será produzido.
Ignoram por acaso, oh! médicos, que as árvores florescem justamente por causa do fruto que sairá delas? E não sabem que a árvore sem frutos também não floresce?
Como é possível que a mulher floresça sem dar nenhum fruto? Quando dizem, por exemplo, que as virgens florescem em suas menstruações, eu gostaria que me dissessem qual é, e onde está seu fruto. Certamente não existe. Por isso digo que a menstruação é um excremento e não um fruto.
Os galenistas, avicenistas e outros médicos destas seitas erram indecorosamente (conspurcet) quando dizem que uma virgem pode florescer longe do homem, do qual precisamente vem a sua flor. Pois se para que exista fruto é preciso uma prévia floração, o mesmo deve ser pensado sobre os homens e as mulheres, a menos que se admita que as crianças nasçam sem pai.
Oh, doutores mentecaptos! (bliteos docíores) Como podem permanecer no erro da sua ciência não baseada na experiência (inexplorata) destruindo-se a si mesmos?
Não vêm que a matriz é verdadeiramente um microcosmo feminino e que, se está pronto para gerar, deve se purificar e manter-se limpo de toda sujeira?
Não compreendem que se a depuração não for feita escrupulosa e perfeitamente essa matriz não poderá conceber?
Digo-lhes que este estado de pureza deve continuar até à cessação do leite, que não é gerado de modo algum da menstruação mas das tetas, especialmente feitas para isso. Enquanto dura a amamentação não se produz nenhum excremento, quando tudo está tranquilo e inibido. Nesse momento nada de impuro ou expulsável é produzido porque isto faz parte da natureza da mulher. Desde o momento em que concebe ela se transfigura. Todas as coisas se comportam como se fosse um verão: sem neves, nem geadas e tudo se torna alegre e agradável.
A matriz traduz assim toda alegria desse tempo de verão, deixando tranquilos os seus excrementos até que o inverno volte com suas neves e geadas. Por isso devemos conhecer muito bem o tempo da geração (tempus pariendi), assim como suas proporções e condições. Pois se o médico o ignora, tudo o que disser será inútil. Dizer que o leite do qual o menino se alimenta vem da menstruação é uma indução cega (coeca inductio) e uma insensatez. Seria melhor que esses médicos olhassem um pouco a natureza antes de redigir seus livros e as suas receitas!
Vamos expor todas essas coisas com mais clareza e detalhes na filosofia, na parte referente à geração do homem.
CAPÍTULO X
(Sobre a amamentação e o parto)
A anatomia da matriz lhes ensinará tudo isso e lhes dirá como é o corpo inteiro da mulher. E como o menino, na matriz e fora dela, extrai sua comida das mamas, onde o leite aparece como o melhor e mais nobre dos alimentos; e não o excremento da matéria menstrual. Como se explicaria que a menstruação, um dos venenos mais violentos que existe, pudesse servir de alimento para uma criança?
Quem quiser transformar este pernicioso excremento da mulher1 em uma coisa pura e excelente é um grosseiro ignorante. Digo que nenhum veneno pode ser transformado em alimento e que sempre continuará sendo veneno. Qual pai daria a seus filhos pedras e serpentes em vez de pão? Nenhum! Não se esqueçam que Deus muito menos faria isso.
Entretanto é certo que a natureza detém e retém (supprimi) o seu veneno. E assim como o Sol parou no tempo de Josué, também a natureza suspende todos os seus movimentos desde a concepção até ao término do desenvolvimento do feto, ou melhor, uté o momento em que devn finulmente nutrir-se, alimentar- se e sucumbir como os homens.
Também é verdade que tudo o que se expele com a criança durante o nascimento é igualmentc inútil. Daí poderia sair um verme2 mas não o leite como vocês supõem.
Tudo isso c um sinal de como a fidelidade divina protege o fato impedindo que estas imundícies possam ofendê-lo.
Por isso quando supõem e afirmam sem a menor vergonha que o feto se nutre de semelhantes coisas, estão dizendo o maior dos disparates. Porque nada pode alimentar-se de coisas que não sejam puras: árvores, ervas, raízes e licores sutis como o orvalho e a chuva.
A criança sem dúvida está por cima disso tudo, conforme seus alimentos especiais e por causa da sua maior fragilidade. E digo que isto tem uma importância maior que a erva dos campos.
Esta é a razão pela qual se confia o menino ao seio (pectus) da mãe, que é a fonte do alimento mais sutil, até que tenha força suficiente para digerir todas as espécies deles.
Em verdade lhes digo que todas as coisas são purificadas por meio da espuma (spuma). Por isso a espuma purifica a natureza que assim pode dar à criança o seu alimento mais puro e raro.
Não é exato então que a espuma seja alimento, que o leite venha da menstruação, e nem que esta fique retida na matriz até o nascimento do menino transformando-se em seguida no leite. Digo que essa ideia só serve para mostrar a mentira da filosofia com a qual foram educados. O que transborda — lembrem-se bem — é a espuma das coisas que cozinham (eje cocta), e que é justamente aquilo que deve alimentar a criança dentro do útero e o que deve chupar das tetas de sua mãe.
Na verdade não são os excrementos que provocam essa espuma (exspumentur). Não compreendem que se a bebida for privada de sua espuma (exspumari) não restará nada mais que uma coisa inútil?
CAPÍTULO XI
(Sobre a patologia especial da mulher)
Convém tratarmos tanto da saúde como da doença da mulher em uma monarquia separada da do homem. E isto não só pela considerável distância que há entre um e outro, pela existência dos seios, da matriz, das menstruações, mas porque todo o corpo da mulher é diferente, justamente porque foi feito em função dos seios, da matriz e das menstruações. Isto quer dizer que o corpo da mulher foi feito de acordo com a natureza feminina e não segundo a masculina.
O que explica a utilidade de uma mesma medicina para os homens e as mulheres, como acontece com aquelas administradas para a peste, as febres etc., deve-se à natureza narcótica, estupefaciente ou sudorífica destes remédios que não são empregados nestes casos segundo a verdadeira origem das medicações regulares e saudáveis. O resultado desta falta de legitimidade é que às vezes esses medicamentos são eficazes hoje mas não amanhã, podendo aliviar a peste mas não outras doenças, conforme explicaremos cm um capítulo especial.
Existindo, como existe, um método legítimo para o tratamento das doenças, é justo que seja conservada a separação entre homens e mulheres tanto para a saúde como para as enfermidades.
Daremos um exemplo: a mulher pode ser comparada com uma árvore, porque as duas levam um fruto em si. O homem se assemelha ao fruto, porque os dois nascem da árvore. Assim, vejam que a árvore precisa de muitas coisas para o seu sustento e para conseguir a produção (proferat) do fruto que é a razão de sua existência. E também são muitas as coisas que podem atacar a árvore e muito poucas as que podem ofender o fruto. O mesmo acontece com a mulher em relação ao homem, pois este é em relação àquela o que é o fruto para a árvore. E embora o fruto caia, a árvore permanece fixa voltando sua atenção para os novos frutos que virão sucessivamente ao longo de sua vida. Por isso a árvore e a mulher estão destinados a suportar e sofrer muitas outras coisas responsáveis pelo desenvolvimento dos seus respectivos frutos.
Considerem cuidadosamente este exemplo e vejam como devem interpretá-lo se pretendem ser bons médicos. Se examinarem detalhadamente esta monarquia poderão deduzir que nem tudo aquilo que é necessário para a árvore o é para o fruto, e vice-versa, o que, em todo caso, se constitui num sinal externo como podem observar igualmente no homem e na mulher.
Com isto devem estabelecer que a diferença (discrimen) que existe entre um menino e uma menina é semelhante a que se vê entre uma pera (pyrus) e os grãos ou sementes que existem no centro do seu núcleo. A distância que existe entre as duas naturezas pode ser comparada com a que separa os meninos das meninas, cuja argumentação deixamos para a filosofia.
Nunca pensaram sobre o fato de que o homem esteja no alto, ou melhor, que venha do limbo, e a mulher não? Isto porque a mulher é a segunda criatura, devendo por isso estar atrás e abaixo do homem, pois não vem do limbo e se constitui num corpo distinto. Em verdade lhes digo que se tivesse sido feita do mesmo corpo que Adão foi feito, teria tomado parte do limbo.
O fato de ter sido feita depois do homem, de sua costela e de sua carne viva e palpitante, com o que o limbo pôde criar uma carne diferente da que saiu dele, explica que estava destinada a formar outra monarquia.
A mulher, saída do homem, acaba sendo assim tão separada dele como o próprio homem o é em relação ao barro do qual foi criado.
Tudo isto dá lugar à constituição de uma nova teoria e uma nova física sobre a mulher, para a confusão e vergonha desses mentirosos que garantem que o homem e a mulher são semelhantes. Toda a cortesia dos seus discursos não basta para explicar tudo o que se refere à matriz onde o menino é gerado c quais são as suas funções.
Se considerarem essas necessidades do feto, já que ele precisa possuir a totalidade do corpo e que todo o seu sangue é imprescindível para a matriz, até a última gota, compreenderão o erro que se comete quando pretendem separar estes dois sangues.
Ainda existem médicos e aspirantes a médicos que hoje em dia não compreendem isto. Quando eles afirmam que “Galeno disse isto”, ou “Avicena explica aquilo”, acreditam de boa fé que alcançaram a verdade, Ê possível que julguem estar certos apenas enunciando alguma coisa? Digo que primeiro é necessário estabelecer a veracidade do autor, sua exatidão e infalibilidade para que possamos dar valor às suas afirmações.1 Saibam que sempre é mais difícil conhecer o homem do que sua obra.
Dar crédito excessivo e irrazoável a autores verdadeiramente podres (putridi), considerando suas palavras como afirmações evangélicas, não lhes trará nem um grão de sabedoria a mais. Por isso certos médicos podem se dar bem com esses falsários. Em verdade lhes digo que todos os que se assemelham acabam se reunindo. E este fato se constitui numa das mais características ocupações do diabo.
Repito sobre a constância da natureza da mulher, sua monarquia independente e a necessidade que a mesma — e a que corresponde ao homem — se mantenha perfeitamente diferente. E assim o conhecimento do céu e das esferas os conduza para a conformidade microcósmica (microscomica consensio), esquecida pela cegueira dos médicos citados acima.
CAPÍTULO XII
(Sobre a necessidade de uma terapêutica especial para a mulher)
Dada a divisão que estabelecemos para o corpo humano, diferente para o homem e para a mulher, é necessário também fixar semelhantes diferenças para as suas respectivas doenças. Para efeito de uma compreensão melhor e mais rápida, daremos o seguinte exemplo: a icterícia (icteritia) do homem é completamente diferente da icterícia da mulher. Certo, é que ambas apresentam os rhesmos sintomas e que o seu prognóstico é semelhante. As mesmas circunstâncias e indicações nos dizem que se trata da mesma doença, contudo o tratamento tem de ser diferente e explicarei por quê.
Não nego que existem medicamentos hermafroditas, úteis para ambos os sexos e a respeito disso escreverei um livro especial, cuja tarefa adio no momento. Agora explicarei como devem chegar a possuir o verdadeiro nexo dessas coisas. A mulher sofre de icterícia do mesmo modo que o homem, mas em grau ainda maior, porque além de impregnar-se de amarelo, todo o seu corpo se transforma em um perpétuo e imanente transbor-damento (profluvium). A expressão desse estado corporal não está somente no excremento mensal mas em todo o corpo do qual emana a menstruação. Por isso, quando o corpo retém essa emanação o licor microcósmico transforma-se em doença.
Esse licor se submete à icterícia de um modo especial, pois, ainda que a causa seja a mesma, os corpos são diferentes.
Acontece como quando tingem um pano de amarelo ou um pedaço de madeira; a cor é a mesma mas as naturezas são diferentes. Do mesmo modo com a icterícia: é a mesma doença mas são dois corpos diferentes.
Por isso a medicina deve se ajustar aos corpos e não às cores, pois não é a cor, mas a plaina, que dominará a madeira; assim como o martelo, e não a cor que dominará o ferro. Tudo o que foi dito sobre estas coisas e sobre o corpo o médico deve igualmente observar atentamente, pois só assim poderá dominar e expulsar a doença, uma vez que de nada adianta eliminar a cor com diversos medicamentos sem eliminar o corpo.
Vemos assim que quando o líquido do microscomo persiste em escorrer por si mesmo (profluvium), sua cor se torna clara e esbranquiçada, constituindo a icterícia branca, diferente da icterícia amarela, da qual não difere por dedução, mas por uma nova disposição mais espessa (congregatio)
Todas essas efusões: a vermelha, a branca, a amarela e a negra devem ser compreendidas e incluídas portanto num único capítulo. Se o corpo deve ser considerado em si mesmo mas não as cores isoladamente, apesar de aparecerem unidos corpo e cor, compreende-se que exista uma medicina diferente para cada um desses casos.
Quando esses médicos se servem de remédios hermafroditas não agem segundo a verdadeira arte mas segundo a incompreensão e a estupidez. Misturar medicinas masculinas com medicinas femininas só pode dar certo por pura sorte, pois a verdadeira arte não entende dessas misturas e consiste sempre e exclusivamente em manter a anatomia de cada monarquia, dando a homens e mulheres os remédios apropriados e específicos. As misturas nunca podem dar frutos perfeitos, e, no que se refere às medicinas hermafroditas, direi que podem ser dadas mas não elaboradas. O “llanten” cura igualmente a disenteria do homem e da mulher precisamente porque possui as duas anatomias e pode assim ser útil a ambas monarquias. O mesmo acontece também com outras plantas. De qualquer maneira, sempre que uma delas se aplica ao homem, o arcano da mulher morre simultaneamente e vice-versa.
Essas medicinas hermafroditas permitiram realizar um grande número de experiências, em maior número das que podemos observar com os medicamentos simples, próprios para um só sexo, através da prática canônica
Com isso não queremos dizer que as experiências (experimentum) hermafroditas sejam suficientes para demonstrar tudo, mas simplesmente que são úteis. Essa utilidade consiste em fazer-nos conhecer que as doenças acontecem não segundo normas fixas (canonice), mas contra toda regra (canon). Tudo o que sobrevém segundo regras pré-fixadas deve ser tratado de acordo com as normas clássicas (cura canonica) e no caso nenhuma experiência tem verdadeira utilidade. E vice-versa.
Em momento apropriado, mais adiante, encontraremos coisas que serão de muita valia para a compreensão de tudo isso.
Agora insistiremos em dizer que quando os autores propõem com frequência um tratamento prévio e sistemático canonicamente na base de que todas as doenças têm origem canônica, cometem engano. Da aplicação e série de tratamentos canônicos nasce efetivamente o erro.
Além disso, a solução é simples, porque em todos esses casos nos quais fracassa o tratamento canônico, basta ater-se ao que diz o “Tesouro dos Pobres” e outros livros semelhantes.
Nesses casos é só dizer: “deve-se usar tal coisa”, ou “isso tem resultados benéficos frequentemente”, ou “isso é muito eficaz”. Assim o erro permanece de modo manifesto uma vez que os médicos que assim procedem desconhecem as diferenças entre a cura canônica de Avicena e a verdadeira experiência: boa prova da notória cegueira deles.
Além de tudo isso devem levar em conta, seguindo o exemplo que eu dei a propósito da icterícia e doenças semelhantes, que não existe somente uma cor amarela exclusiva (flavedo) mas várias, e do mesmo modo diversas icterícias. A bílis, com efeito, manifesta todas as tonalidades da cor amarela e não uma somente, como teremos ocasião de ensinar mais tarde num capítulo à parte. Do mesmo modo não poderão ser desconhecidas as diferenças entre as bílis dos homens e as das mulheres e suas cores respectivas, do que mais uma vez se deduz a diferença das medicinas de um e de outro.
A asa é uma erva que produz cores (colorum promotrix) assim como a rosélia8é uma planta que as desfaz e a centáurea uma erva especialmente apta para realizar as experiências mais diversas (experimentum). Em todo caso lhes direi que os arcanos mais importantes (principalia arcana) estão nestas coisas que não possuem um valor hermafrodita e nem servem para matizar as cores. Pelo contrário, devemos deduzir as coisas segundo o seu verdadeiro fundamento, a fim de que o corpo obedeça à sua ação devidamente.
Nas doenças canônicas os corpos mudam (mutantur) mas a cor permanece invariável, sem nunca desaparecer, ficando unida ao corpo numa só entidade.
Esta conformação das coisas nos ensina que a medicina não pode existir dessa maneira, mas partindo da monarquia e considerando o corpo sempre em si mesmo. Com isso, ao restabelecer-se o corpo (reductio), a saúde volta e automática e simultaneamente a doença se retira. Nunca deve ser desconhecido que todas as doenças possuem duas naturezas, uma com o corpo e outra sem ele.
A falta de observação desta diferença deu lugar ao erro cm torno do qual divagaram tantos tratamentos.
A bílis diferente da mulher não pode ser dominada nas enfermidades canônicas e não ser através de monarquia feminina, com uma medicina distinta da que requer a anatomia e a física da medicina dos homens.
Por isso o efeito que produz no homem a centáurea-macho é semelhante ao que produz na mulher a centáurea-fêmea .
A importância que Deus concedeu a essas coisas explica também por que atribuiu às mulheres uma monarquia particular. E assim como constituiu as mulheres com um corpo e uma natureza diferentes da natureza masculina, lhes destinou um mundo, um alimento e necessidades específicas, ordenando ao médico que pesquise e tome conhecimento de todas essas coisas, não como Galeno e Avicena fizeram. Porque eu afirmo que a Providência foi muito mais adiante do que esses gênios mentirosos criando o verdadeiro médico, quer dizer, aquele que eu criei. Os outros são falsos,.
Com isso, basta que se iluminem com a luz da natureza para saber onde está o autêntico e o farsante.
CAPÍTULO XIII
(Diferenças entre alimentos, elementos e medicamentos masculinos e femininos)
Do mesmo modo que todas as coisas da Criação estão divididas em duas monarquias distintas, como acabamos de explicar, também o firmamento, a terra, a água e o ar conservam cada um deles sua natureza e propriedades. Isso explica que o alimento do homem e o alimento da medicina não sejam uma coisa só, quer dizer, não sejam de uma só condição ou natureza.
A razão está em que as substâncias que se comem são necessariamente simples: sua distinção em duas monarquias afeta somente as suas virtudes médicas (vires médicas) mas não o alimento simples.
Por essa razão, freqiientemente o alimento que damos às mulheres segundo a monarquia delas é mais saudável que o alimento masculino. A causa disso é que o corpo leva em si a própria monarquia e não por alguma razão inerente ao alimento.
A respeito disso, lembrem-se de que existem no ventrículo um artesão e um preparador (faber et opifex) destinados a formar a carne humana. Todavia, provocando um só cozinhamento, possuem duas naturezas dotadas de tal modo que podem gerar a carne feminina nas mulheres e as masculinas nos homens.
O alimento é sempre da maior simplicidade, sendo papel do arcano prepará-lo para cada monarquia. Por isso o médico não deve preocupar-se com a alimentação mas se limitar a dar corretamente as medicinas segundo cada monarquia.
A constituição do alimento fica a cargo do arcano, que o domina e o elabora devidamente no ventrículo, da mesma forma como um ferreiro competente faria com o ferro.
A medicina é diferente e deve ser administrada segundo a monarquia correspondente a fim de que seja conservada pela natureza, já que o arcano não pode.
Quando o homem come qualquer coisa ele está comendo a si mesmo, isto é, o seu sangue e a sua carne, já que somos exatamente isto. Ao contrário, não somos medicina e cada uma delas deverá ser aplicada para isto ou para aquilo, segundo o mal que nos aflija. Isso deve ser sempre levado em conta porque o ventrículo não produz por si mesmo o que precisamos, mas na medida em que nós mesmos lhe fornecemos. Caso contrário o ventrículo, conservado em sua própria potência, volta-se contra si mesmo: por isso as doenças do corpo são duplas.1
De acordo com esta regra o regime deve ser feito de tal maneira que fique dividido conforme a sua monarquia. Na realidade não podemos dar um regime para que a carne e o sangue sejam produzidos, mas para consertar o que o uso indevido e o abuso da carne e do sangue corromperam e contaminaram. O regime produz carne e sangue mais em função da medicina do que pela sua qualidade de alimento, porque atua de duas maneiras e durante as doenças o corpo não só deixa de crescer como também diminui. Por isso o regime deve ser medicina além de alimento e manter os dois modos a sua monarquia no enfermo, durante o tempo que a doença exigir.
No corpo sadio isto não é preciso. Apesar disto, todas estas coisas que são medicina e alimento ao mesmo tempo, como a alface, o bredo, as nabiças etc., devem ser reservadas durante um certo tempo por sua qualidade de medicina, por ser conveniente separar a monarquia da mulher e do homem, que corresponde por exemplo aos bredos.
A negligência destes princípios atrai (incidant) o firmamento e os movimentos astrais, provocando uma ruptura e a dissolução do corpo oposto ao da monarquia diretamente afetada.
Assim, enquanto nos homens manifesta-se a sua própria carne, nas mulheres o tempo prepara perfeitamente o seu ciclo. O que deste modo é produzido para o bem do homem, torna-se inconveniente e prejudicial para a mulher.
Impor um regime a um homem sadio é quase pior do que fazer um doente recuperar a saúde à força.3 Isto se explica porque, enquanto existe uma sensibilidade e conhecimento difusamente repartido em todos os membros do homem sadio, no do doente tudo fica reduzido, o regime se restringe (minimum) e os arcanos aumentam seu poder e importância.
Aquela que prescreve uma dieta na presença de um estado saudável divide a monarquia e avança com o conhecimento do céu e dos sujeitos das pessoas até ao movimento dos alimentos, os quais também possuem o seu astro, de certo modo em oposição aos astros do céu.
Isto é importante. E digo que aquele que não o compreende está em permanente perigo de cair em erro, pois nada daquilo que deva adiantar-se adiantará e se manterá presente.
A arte consiste pois em trazer para um primeiro plano (antevertatur) aquilo que existe positivamente, ainda que mais ou menos escondido.
O médico deve possuir um grande conhecimento desses fatos; caso contrário sua arte acaba transformando-se em algo mortífero e assassino.
A matéria da carne e do sangue do homem, quer dizer, o alimento e a bebida são uma coisa só. Dessa única matéria-prima são deduzidas duas matérias diferentes que são a carne macho c a carne fêmea, tão diferentes entre si como a carne e o pescado. Contudo nada disso deve ser considerado separadamente, uma vez que Deus, que uniu o homem à mulher formando uma única carne, destinou a ela uma única espécie de comida e não duas, como corresponde a exclusiva primeira matéria.
À luz de tudo isso vemos a diversidade do arcano que tempera e matiza (ingreditur) justamente a monarquia de cada alimento em cada carne, mesmo que ambas se alimentem dos mesmos alimentos (ex una olla).
Se fôssemos elaborar uma teoria a respeito de tudo o dito, seria necessário compreender de que modo o arcano possui tudo o que existe em si e fora de si, e que distância existe entre a carne do macho à carne menstrual.
A propósito disso direi que uma vez que as doenças têm origem através dos alimentos, é necessário conhecê-las em suas causas, as quais residem na última matéria e nunca na primeira. Segundo o que ficou dito, a última matéria possui forças hermafroditas com caráter de medicina e monarquia separadas, aptas para o homem e para a mulher.
Assim, deixaremos de lado tudo o que se refere à matéria primeira para nos ocuparmos da última. A última matéria se desfaz e se corrompe com grande facilidade e com muita frequência. Por isso devemos pesquisar nela as doenças que aparecem desse modo.
Esta teoria nos levará diretamente para esta física especial, que nos fornecerá as indicações necessárias.
Isso nos fará estudar e conhecer o intervalo que separa não somente as monarquias como também as últimas matérias dos homens e das mulheres, porque se não procedermos assim acabaremos por pegar uma enfermidade mortal ou crônica.
CAPÍTULO XIV
(A natureza microcósmica, mineral e cirúrgica das doenças da matriz)
Vamos fazer algumas referências a respeito da matriz. Uma delas será da conveniência de seu conhecimento microcósmico, quer dizer, de como a natureza microcósmica toma posse de tão pequena criatura, a terceira e a última do universo do homem.
Este vaso dentro do qual o ser é concebido (condit) e onde o menino se protege e esconde, chama-se efetivamente, matriz, ainda que toda mulher também o seja por extensão, assim como a semente de onde a mulher tem a sua origem. A mulher foi constituída justamente em razão desse recipiente e não porque suas partes ou membros o necessite. A mulher é em si mesma a terra e todos os elementos. E a matriz é a árvore que surge da terra, cujos frutos são os filhos.
A mulher por sua vez, assim como a árvore, possui em seus campos a terra, o fogo, o ar e a água, quer dizer, os quatro frutos, os quatro elementos, a esfera superior e a esfera inferior.
Assim como a terra, os frutos e os elementos existem precisamente para a sustentação da árvore. Do mesmo modo a matriz cuida da sustentação de todos os membros da mulher com suas respectivas naturezas e propriedades, é lógico que o conhecimento de semelhante criatura deve ser empreendida com o maior cuidado tanto no que se refere ao sujeito como no que se refere à respectiva medicina.
Voltando ao exemplo da árvore diremos que a sua nutrição, o seu crescimento e, numa palavra, a sua vida integral, assim como todas as alterações e mudanças pelas quais passará para chegar a ser uma árvore e se manter nesse estado, vai depender da influência que os quatro elementos, os quatro frutos, a esfera superior e a inferior exerçam sobre os alimentos.
Do que for dito se deduz que a matriz tem necessidade de alimentar-se e de se purificar mensalmente dos excrementos. Se estão de acordo com tudo isso, com a semelhança da árvore e do mar com a matriz, compreenderão facilmente como podem manifestar-se os seus defeitos e os sintomas das suas doenças.
Assim é o microcosmo do mundo último ou menor e por isso contêm em seu corpo todos os minerais do universo. Saibam que o corpo toma do mundo suas próprias medicinas porque ele mesmo também é mundo.
O resultado disto é a propriedade saudável que todos os minerais apresentam para o homem, assim como tudo o que se une aos minerais no corpo do microcosmo. Quem ignore isto não pode dizer que é médico ou filósofo. Porque se o médico diz que a marcassita, por exemplo, é boa para isto ou para aquilo, é preciso que primeiro saiba o que é e como é a marcassita do macrocosmo e a do microcosmo. Esta é a verdadeira filosofia. E se ele quiser falar como médico deverá acrescentar: esta marcassita é um doença do homem, mas esta outra é benéfica neste caso.
Sem ser um mineral, o que mais pode fazer com que uma ferida se transforme em úlcera e acabe corroendo a pele e o corpo do homem? Digo que isto acontece como se existisse uma espécie ou gênero de sal na ferida.
Ao contrário, vejam como o colcotar1 cura essa erosão (foramen). Por quê? Simplesmente porque o colcotar é um sal que se forma na ferida2; assim como o mercúrio e o arsênico para outras úlceras especiais.
Se conhecerem bem o exterior e o verdadeiro poderão distinguir as diferenças das coisas por experiência própria, e saber assim que existem algumas úlceras que se curam com isto e não com aquilo, que estas feridas são de uma natureza e aquelas de outra, que tal espécie de sal cura algumas lesões mas não todas e que ainda existem determinados sais que não curam nenhuma ferida. Saibam que os sais que curam as feridas são os que as feridas mesmas criam e não os que vêm de fora, dos quais os mais eficazes são a soda, a “múmia” e os bálsamos.
Por isso os sais, os vitríolos, e os arsénicos que provocam por si úlceras e chagas (foramina), não podem ao mesmo tempo curá-las, o que deve ser feito com os bálsamos, a “múmia” e a soda.
Nos casos em que as feridas ou chagas são produzidas na pele, devem saber que elas possuem em seu interior todos esses mesmos minerais. E o conhecimento disto é ainda mais importante do que o dos humores, pois todos os corpos possuem todos os minerais, além das três substâncias.
É preciso então que conheçam e recordem a primeira e última matéria. Todas as coisas subsistem nessa concordância. Aqueles que ignoram isto não podem ser chamados professores nem condutores (doctor ac ductor) em medicina.
A matriz gera e concebe suas doenças da terra. E assim como a árvore corrompida na terra perde a sua verdura, natureza, frutos e poder, a mulher também sofrerá a mesma coisa se perder a saúde e a concordância com a matriz, que se tornará também fraca, insalubre e estéril, corrompendo-se e causando toda uma série de doenças.
Por isso conheçam este microcosmo, isto é, a matéria, tão 140 141 perfeitamente como a terra e seus frutos. E saber que aquilo que a terra corrompe na árvore, corrompe igualmente a matriz.
Da matriz feminina origina-se a causa que provoca nas crianças diversos transtornos em seu crescimento, na sua cor, chegando a matá-los ou então cobrindo seu corpo de pequenas manchas (lengintines panni) Sobre isto lhes digo que tudo o que o homem tinge e planta na árvore com suas próprias mãos, o faz igualmente a mulher através de sua imaginação, como veremos mais adiante.
O estado de saúde ou de doença da matriz depende do estado do corpo que a contém, ou melhor, da saúde ou doença da mulher.
Se quisermos julgar essas enfermidades, devemos examinar todos os minerais do corpo, os quatro elementos, os frutos, o firmamento e as duas esferas. Só com um cuidadoso juízo de todas essas coisas conheceremos a causa aflitiva em questão, levando em conta que a primeira manifestação das doenças da mulher sempre é traduzido pela dor, que por sua vez é a sua intérprete mais sensível.
Quem desconhece as diferentes espécies de minerais não pode perceber o que ofende a matriz. Pois se a caquimia pode gerar o bócio (strumoe) nas árvores, assim como o talco por meio dos vermes que corroem a sua cortiça, também pode fazer a mesma coisa na matriz, provocando o bócio, excrecências, tumores, gânglios (ganglia) e inchações (nodi). Com este exemplo compreenderão o que acontece em muitas doenças.
Ê uma falsidade que falem de fleumas, melancolias, quando tudo isso deve ser atribuído ao mineral que é o responsável pela incrementação desses tumores, vasculares ou carnosos, pois todas as doenças podem ser enquadradas nestas causas.
Quanto à erupção das espécies nos minerais, eis aqui o que devemos examinar e adotar.
As espécies sempre vêm em estado de dominação. E sob esta forma governam todas as árvores que apareçam na terra.
Ainda é preciso saber que quando uma natureza qualquer se infiltra (influit) na espécie referida, não pode sair dela até que a espécie seja consumida ou dominada por outra nova mistura.
Assim nascem os loucos (fatui), os insensatos (amentes), os corcundas e
demais monstros da natureza, do caráter, da propriedade, da pessoa, dos membros ou da proporção.
Deste modo algumas enfermidades às vezes vêm de uma parte, e outras de outra. Como então não pode existir uma teoria distinta para a matriz se uma semelhante natureza a domina?
CAPÍTULO XV
(Sobre a concepção, as doenças e os estados que o homem causa à mulher)
Se de acordo com o que acabamos de dizer um pai pode gerar filhos semelhantes a si mesmo porque a sua espécie existe incorporada na semente, e não obstante as espécies minerais deste gênero, devemos declarar com respeito à matriz que esta possui um acidente duplo. Um vem dela mesma e se refere à árvore: uma boa árvore produz bons frutos, quer dizer, frutos sadios e fecundos tanto na árvore como na terra. Nestas condições dizemos que a árvore e o fruto que produz são bons.
O outro acidente consiste e se refere à geração das criaturas ou ao fato de que uma boa semente produz um bom fruto.
Semente e árvore são então duas coisas perfeitamente separadas. A árvore da terra pode dar seus frutos sem que seja necessária a presença da semente. Ao contrário, na árvore da mulher a frutificação requer precisamente que o homem tenha colocado sua semente nela.
Daí se deduz com toda a evidência a importância da semente, sobre a qual diremos que deve ser de excelente qualidade por si mesma, pois uma vez colocada na árvore não poderá melhorar espontaneamente, nem sob a influência da boa saúde que a árvore possa ter.
Tudo o que acontece com a árvore pode acontecer também com a semente. Por isso convém que ambos sejam bons. Se assim for, o fruto também será bom ao ponto de podermos julgar através dele a qualidade da semente e da árvore que o gerou.
Na implantação da semente no corpo da matriz podem intervir diversos acidentes e doenças. Sem dúvida tudo isso deve ser julgado segundo a natureza do homem e não segundo a da mulher. Neste ponto devemos considerar a matriz
dividida em duas partes: uma para as doenças próprias, femininas, e outra para as enfermidades estranhas que o homem lhe transmite.
Esta teoria é indiscutivelmente bem feita já que sai da luz da natureza e não de uma imaginação febril. Além disso nem é preciso dizer que para estas doenças transmitidas pelo homem à mulher devem ser usadas medicinas viris. Os remédios para os cálculos1 do homem, por exemplo, também curam os da mulher. E isto não é porque os cálculos do homem e da mulher tenham a mesma origem, como dizem os falsos médicos, mas justamente porque a mulher recebe seus cálculos do homem. Por este motivo e não por outro é que o mesmo remédio serve para os dois, não só neste caso mas às vezes em muitas outras doenças.
A semente copulada por um homem que sofre icterícia provoca a icterícia também na mulher através da matriz, pois em qualquer caso a matriz atrai a semente e a sua anatomia é invadida pela anatomia da qual a semente está impregnada.
O corpo se acha tão ansioso para emitir seu esperma que ensina e incentiva todos os seus órgãos para esta ação. E quando tais órgãos se retiram (secedant) cada anatomia conserva a parte de onde vem as doenças, acabando assim por envenenar e adoecer a si mesmos.
Quando os médicos ignorantes dizem: “esta medicina curou tal doença em tal lugar igualmente os homens e as mulheres”, cometem um erro grosseiro pois evidentemente falam sem saber o que estão dizendo. O mesmo no que se refere às moças ainda não tocadas por nenhum homem (de puellis virum mondum expartis), porque em sua ignorância não sabem que elas levam na semente com a qual foram geradas pelo pai, a herança direta da sua saúde, das suas doenças, e de uma série de coisas deste tipo. Por isso é lógico que possam ser curadas com as mesmas medicinas usadas para curar seus pais.
A ignorância desses fatos e a incapacidade desses médicos os impede de examinar corretamente as causas dessas doenças. Entretanto se contentam em imitar Juan de Garlande2 resolvendo tudo com os quatro humores, da mesma forma que aquele autor fazia, repetindo sem maiores méritos nem valor as indicações de Alexandre3.
É preciso conhecer bem o modo como as coisas que vêm do homem se adaptam ao corpo da mulher. Observem sobre isto que existem dois corpos cuja mistura (permixtio) causa invariavelmente a morte de um deles. São estes: o corpo da doença e o corpo da mulher, que sofrerá ou dominará o primeiro. Somente quando o corpo da mulher se conserva íntegro, sem feridas nem fraturas, pode conseguir beneficiar-se com a medicina, que em caso contrário
nada poderá fazer. Porque é como se fosse uma madeira que tivesse sido quebrada, queimada e reduzida a pedaços de carvão, não sendo possível voltar a possuir um todo sadio e inteiro.
O corpo das doenças da mulher que vem do homem é um corpo da última matéria e não da primeira. Os dois corpos, o do homem e o da mulher, estão perfeitamente separados; o primeiro é de natureza espiritual e o segundo de natureza material.
Tanto o espiritual como o material podem existir em um corpo, assim como o ar, a água, a madeira, a pedra etc. Nestes casos vemos que quando o ar, por exemplo, não está doente, ‘ a madeira e a pedra adoecem (morbosum)\ não porque o estejam por si mesmos mas por causa do ar que as envolve. Assim então o ar, e não a madeira ou a pedra é que deve ser o objeto da nossa atenção.
Onde a semente do homem adoece o ar se impregna de doença. Deste modo a enfermidade se transforma na anatomia do corpo da mulher com o único acréscimo das cores, que neste caso concorrem e que não existem somente no ar. Às vezes, quando se trata de doenças passageiras, o corpo pode manifestar-se sob uma cor somente: a mesma que tinha no momento em que foi tomado pela doença.
Isto é tão importante quanto são os quatro corpos que existem em uma só substância e que guardam as doenças como verdadeiros licores do corpo, o qual é mais distinto que os simples humores.
Em verdade lhes digo, médicos humoristas, que antes de colocarem sobre a cabeça o barrete vermelho4, devem aprender a conhecer os quatro corpos, pois sem isso sua arte ficará reduzida a bem pouca coisa. Só assim poderão saber onde está a peste e se se encontra em maior grau no sangue ou na carne. Digo então que o sangue é um corpo quádruplo como a pedra e muitas outras coisas semelhantes.
CAPÍTULO XVI
(Doenças e influênc ias celestes que as mulheres padecem)
O médico verdadeiro é aquele que descobre o corpo dos abcessos, pois com isso consegue demonstrar ao mesmo tempo que o sangue dá origem somente a corpos admiráveis, todos eles de igual estrutura.
Excelente e honesto é também o médico que conhece a razão pela qual a mulher concebe em sua matriz o fruto do homem. Digo que isso acontece pelo seguinte motivo.
O céu criou outro homem (vir), outra humanidade (homo) e outra mulher, tudo dentro do poder do firmamento e do curso dos astros. Por sua vez o homem vem a ser, por razão semelhante, o astro, o firmamento, e o céu de toda mulher. Porque do mesmo modo que o céu faz outro homem, este pode fazer outra mulher, quer dizer, outra natureza, caráter, condição e propriedades, todas sob a dependência microcósmica. Sob a influência que o homem exerce, as constelações que cercam a mulher (sidera) são deslocadas pelas constelações do homem.
Certamente essas coisas parecem inverossímeis para aqueles que desconhecem os astros; somente quem os conhece está próximo da medicina. Não existe maior inimigo da natureza do que aquele que se julga mais inteligente que ela, sem perceber que ela é a nossa melhor escola.
Todo o trabalho que os autores antigos realizaram sobre as enfermidades femininas tornou-se inútil exatamente porque eles se esqueceram dessa mudança que o corpo interior, ou seja, a matriz da mulher experimenta sob a influência dos astros do homem e a mútua relação resultante dessas duas naturezas microcósmicas.
A natureza inferior recebe o influxo da superior de tal modo que o que está debaixo se inclina sob o que está em cima.1 O poder de sua teoria e de sua física nos leva a descrevê-las de duas maneiras diferentes, porque se o corpo do homem fica enfermo no seu astro, o da mulher, que está inclinado sob ele, fica igualmente afetado (inficit).
Acontece o mesmo quando as estrelas lá do céu compelem o doente no decorrer de sua enfermidade. É necessário a existência de outro corpo diferente na mulher para receber as enfermidades que se regem por outra física.
Esta é a razão porque há médicos cegos que não enxergam essas coisas e só cuidam de buscar o lucro e não a arte de modo desinteressado.
Se observarem atentamente esse céu que existe na mulher, produzido pelo homem, poderão ver que nele está a causa de muitas doenças que erradamente atribuímos a outras origens.
A asfixia da matriz, por exemplo, de onde vem, a não ser do céu que o homem constelou sobre o corpo da mulher, verdadeira origem do mal?
Quando sobrevém tal enfermidade o homem e o astro estão enfermos e caducos, ou pelo menos inclinados para a decadência num estado semelhante ao das estrelas, as quais, ainda que não sofram nenhuma enfermidade no céu, podem de lá influenciar para que os homens as padeçam. Quando a citada constelação provoca uma conjunção ou dá lugar a uma impressão, a asfixia da matriz se manifesta de modo semelhante como acontece com o mal caduco3.
É curiosa a ignorância dos médicos de quase todas as escolas sobre isto, porque ainda que tenham escrito sobre a decadência e a asfixia, esqueceram-se grosseiramente de assinalar qual dos quatro corpos recebe primeiro a doença ou em qual dos astros ela se esconde. O silêncio deles significa simplesmente a ignorância e por isso mesmo os comentários que fizeram não passam de alusões pessoais ou de observações de aldeões (ut rusticorum ).
Todo médico que queira descrever o corpo deve previamente conhecer bem a substância: nela está o fundamento de tudo quanto devemos guardar e registrar sobre a arte da medicina.
A mesma coisa podemos dizer sobre o homem que aparece de tal modo constelado no seu céu que pode consumar em si próprio a conjunção, a qual deve romper (erumpere) para encontrar os dois corpos, a saber, o corpo da mulher e o seu próprio corpo.
Por isso, quando a inclinação já existe no corpo do homem, o seu astro e a sua vontade se retiram. Mas se a inclinação se dirige para o corpo da mulher, o mal caduco aparecerá na matriz sem se parecer em nada ao do homem.
A inclinação do céu externo parece-se pois com a do homem; e a do céu do homem à asfixia da matriz.
Os três “males caducos” portanto são: o do homem, ou viril; o da mulher, ou feminino; dependentes um do outro sob um mesmo céu de natureza viril; e um terceiro, próprio do corpo interior, que recebe o seu céu do próprio homem.4
CAPÍTULO XVII
(Da superioridade do céu do homem sobre o céu da mulher e da superioridade de Deus no céu do homem. Razões sobre a hierarquia dos médicos)
Sabemos que todas estas coisas se transmitem por hereditariedade através do fruto, tanto por via paterna como por via materna. Sabemos igualmente que o homem não se corrompe (inficiat) por si próprio nos verdadeiros males caducos do céu interior, mas somente pela síncope, da mesma maneira que na mulher acontece pela asfixia da matriz.
A asfixia da adolescente (puella) se dá de duas maneiras: uma enquanto é virgem e a outra depois de tornar-se mulher (muliebriter). A asfixia virginal é semelhante à síncope, ao mal caduco, e inclusive é mais do que a síncope1. Sobre isso falaremos mais adiante em capítulos à parte, nos quais explicaremos o mecanismo (ad intelligendum mechanicum) da sua produção.
A asfixia da mulher é entendida quando se verifica sua precipitação no céu do homem. Sobre isso direi que todas as doenças da matriz, muito mais numerosas do que podemos supor, vem do céu do homem. Essas doenças, com efeito, têm como causa igualmente a terra, o firmamento, o ar, a água, mas a causa principal está sem dúvida na constelação do céu masculino.
A peste, por exemplo, nasce do céu por cima da natureza do homem, nele começa e nela tem a sua matéria.
A precipitação tem origem do mesmo astro que gera a apoplexia. O derramamento da matriz (profluvium) encontra a sua causa no mesmo astro do qual emanam a lienteria, a diarreia e a disenteria, todas elas se dirigindo para a matriz de acordo com o corpo do microcosmo.
Tudo isso demonstra que o médico deve considerar essas coisas em primeiro lugar segundo a origem, e depois passar para outras causas que serão interpretadas de acordo com a monarquia correspondente.
Será necessário então especificar as doenças segundo os quatro corpos e fixar o primeiro princípio de cada um. Permanecer nas respectivas anatomias e considerar a criatura separadamente em suas duas formas de homem e de mulher e as artes específicas de suas medicinas. Se isso não for observado pelos médicos a arte deles será como um cinamomo seco e sem seiva, que se derreterá em suas bocas como um gorro forrado de cabelo (pileus villosus).
As artes e as ciências amam aqueles que as ama, quero dizer, aqueles aos quais Deus conferiu essa graça. Por isso, quanto mais ciência tiverem dessas coisas, mais devem divulgá-la para o benefício de todos, pois para todos foi criada a medicina.
Somente o médico pode louvar a Deus com toda a categoria e hierarquia devida e por isso ninguém deve ser mais instruído do que ele. Ninguém como ele pode conhecer o homem com maior profundidade e exatidão, uma vez que Deus lhe conferiu tanta grandeza.
Unicamente ao médico está reservado o ato de dar ao conhecimento público as obras de Deus, a nobreza do mundo e a nobreza ainda maior do homem, assim como demonstrar de que modo procede um do outro. E digo que ninguém pode se glorificar com a medicina se ignora essas coisas.
É um verdadeiro milagre ver como a verdadeira ciência forma, ordena, deduz e especula tudo no homem, pois — devíamos pensar sobre isto com mais frequência -— verdadeiramente nada existe no céu e na terra que não esteja presente no homem.
Este é o motivo do silêncio das virtudes celestes. E isto se explica porque Deus que está no céu também está no homem. Onde está o céu senão no homem?4 O certo é que a melhor maneira que temos para nos servirmos do céu é termos o céu em nós mesmos. Graças a este céu que tão intimamente nos conhece Deus pode saber diretamente os nossos desejos e assim chegar mais perto dos nossos corações, dos nossos pensamentos e das nossas palavras.
Assim Ele impregnará o nosso céu com o seu céu fazendo-o segundo à sua semelhança, mais espaçoso, agradável, nobre e excelente, pois não há dúvida de que Deus está no céu e por isso no homem.
Ele disse que moraria em nós, entre nós, e que seríamos seu próprio templo. Roguemos então por Ele ali onde se encontra, quer dizer, no céu… e no homem.5
Pese e examine o médico com a maior atenção o que tem em suas mãos.
E saiba que a mais alta e nobre das causas está em seu poder.
CAPÍTULO XVIII
(Discurso sobre as naturezas e o casamento)
Como o médico pode conhecer o homem, no qual todo o céu e a terra estão presentes, se não conhece o firmamento, os elementos e nem o mundo?
Digo que todas as coisas e todos os médicos com suas respectivas monarquias foram formados pelo mesmo artesão que criou o homem de tal maneira para que se instrua e aprenda por meio das outras criaturas e não baseie suas opiniões nas especulações de sua imaginação. Pois em verdade nenhum fundamento ou ciência emanam direta e exclusivamente do homem.
Somente a vontade de Deus é capaz de criar os médicos como parte integrante do seu próprio domínio; e assim eles nascem por essa vontade e não quando os homens querem.
Quando vemos a terra formar os seus frutos e árvores sob a influência do céu (ex coelo) e percebemos em quão poucos anos a terra conserva seu domínio e natureza, por melhor que seja, descobrimos o poder e a força que existem latentes em todas as coisas destinadas a nascer. Acontece justamente assim no corpo da mulher, que possui em todos os casos a mesma inclinação peculiar.
Nunca é demais repetir que, a menos que intervenham circunstâncias do céu exterior, a boa terra dará sempre bons frutos com uma regularidade perfeita.
Isto deve ser compreendido no sentido de que não devemos nos adiantar ao que a terra pode dar por si mesma, deixando-a que prospere livremente seguindo a natureza do seu céu, a menos que a casualidade encontre alguém que conheça a filosofia médica das coisas naturais.
A mesma coisa, ou mais ainda, acontece com a mulher: ela pode se conservar de tal modo que não se infeste pelo céu inferior, ou melhor, o homem.
Se conseguir evitar a infecção e sendo uma boa terra, poderá gerar bons frutos por meio dele.
É da maior importância saber que a árvore de boa natureza gera bons
frutos. A árvore feminina é tão forte e de natureza tão excelente, e está tão enraizada na bondade que nenhuma natureza má poderá dominá-la.
Isto está de acordo com a alegoria que Cristo enunciou ao dizer: “a boa árvore dá bons frutos”. E em verdade lhes digo que Cristo elegeu seus discípulos precisamente dentro desta raça (progenies) para assegurar a boa natureza. Da outra natureza de onde vem o mal, escolheu somente o duodécimo discípulo, que se chamou Judas.
Já sabem que nenhum apóstolo de natureza boa traiu o Cristo e que somente aquele gerado pela natureza má o fez.
Ao apresentar-nos de maneira tão ostensiva as bondades e maldades da natureza Cristo quis assim que conservássemos profundamente gravados os seus ensinamentos, e atribuir à natureza a origem de todas as coisas.
Nossas medicinas serão eficazes se trabalharmos com uma boa natureza. Caso contrário poderemos esperar o mesmo pagamento que Cristo recebeu de Judas.
Digo também que será prudente não menosprezar o sentido desta alegoria porque dela — e não de nenhum outro fundamento — provêm as doenças curáveis e incuráveis.
Se Cristo deu tanta importância ao que é da natureza, devemos compreender da mesma forma o que se refere à salvação eterna. Aceito este pensamento, devo dizer que uma mulher saudável e de boa natureza pode ser protegida ou pervertida por seu céu inferior, que é o homem. Isso é desculpável nessas pessoas de boa fé que podem ser levadas facilmente para o bem ou para o mal por meio de conversas, pois neste caso a palavra do sedutor possui um céu e uma inclinação indiscutível.
Se isto existe pelo céu convém não esquecer que o homem é o céu da mulher, atuando sobre ela não precisamente por palavras, mas pelo fato de que os dois foram gerados da mesma carne.
Seguindo o exemplo que demos, vemos que da mesma forma como os oradores de má fé conseguem seduzir o povo para a maldade com suas frases perniciosas, os tribunos das causas boas sabem se manter na boa natureza.
Por isso dizemos que a natureza da mulher deve ser conservada e perpetuada num homem de boa natureza, porque nunca a união dos bons pode gerar maldade.
Quando Cristo falou sobre o matrimônio seguiu este curso natural das coisas. Por que, em vez de dizer que “os casamentos podem ser dissolvidos e cada um fazer o que bem entende’’, disse: “os matrimônios que Deus uniu devem permanecer para sempre”? Simplesmente porque este é o seu verdadeiro vínculo. Por isso os homens e mulheres da má natureza se conduzem mal no casamento. E por isso as crianças que têm o amor de Deus nascem de casamentos unidos n’Ele e por Ele. Saibam que essas coisas nunca podem separar-se e que quando Deus uniu o pai à mãe de Pedro, de João, de Judas, de Bartolomeu, de Simão e de Felipe etc., mantendo-os unidos juntos aos seus pais e outros antepassados, é porque eles eram de boa natureza e nunca serão separados.
Se Cristo criou espécies tão excelentes da natureza tirando dela seus próprios discípulos é lógico que o médico também conheça a boa natureza e procure conservá-la, ou melhor, trate de dar a cada microcosmo o microcosmo conveniente tanto nas virtudes como nas propriedades corporais das quais estamos falando. O conhecimento destes fatos é da maior importância.
Desta maneira Cristo escolheu seus apóstolos, seus reis, suas terras e seus magistrados.
Judas, ao contrário, cuja má natureza se escondia diante dos pobres sob uma bondade disfarçada, não procurava mais que o seu próprio e único proveito. Vemos assim como as más naturezas usam palavras e razões mais sedutoras que as boas naturezas, apesar do que devemos sempre confiar nestas últimas.
A boa natureza está nas obras e não nas palavras. Acostumem então a julgar com o coração e não com a boca que nunca produziu nada.
Compreendam assim todas essas coisas e saibam que o médico deve conhecer a boa espécie que existe na boa natureza, pois achando-se a primeira no coração é lógico que a natureza a mostre.
As palavras de Cristo que já citamos: “não separe o homem aquilo que Deus uniu“ quer dizer que a boa natureza existente nos casamentos deve perdurar e que não devemos tentar seduzi-la ou separá-la.
Uma conjunção pode constituir ou não um casamento; e isto é fácil de reconhecer. Digo também que estas uniões devem ser buscadas na mesma natureza e que, não sendo boas, não devem esperar que deem algo bom.
Essa natureza dupla dos homens que age na retaguarda do casamento é uma natureza tenebrosa e nociva, verdadeiro fruto do diabo; fora isto também devemos admitir que ela está separada em todas as coisas, como o Sol e a Lua, a noite e o dia, os anjos e os demônios.
Quando a natureza é assim não pode produzir nenhuma utilidade ou bem. Por isso digo e repito que a árvore deve conservar-se boa, quer dizer, que a mulher deve conservar-se boa se no seu princípio foi de boa natureza. Neste caso o céu inferior do homem não pode estragá-la e digo que de toda natureza boa nascerão sempre frutos bons e sadios.
A mesma regra serve para o coração, que é de pouco interesse para o médico. Esta distinção deve ser sempre conservada, apesar de que uma terra que dá bons frutos porque recebeu boas sementes no passado pode se degenerar no futuro. Ou melhor, cada coisa deve pertencer à sua natureza e que somente assim a terra e a semente podem concordar da mesma forma que a mulher e o homem unidos por Deus no matrimônio.
Ao contrário, quando a semente mesmo não sendo má por si mesma cai sobre uma rocha, fica perdida e acaba secando. A boa natureza deve conservar- se cuidadosamente; assim evitará cair em desgraça diante de Deus, guardando-se num coração desta espécie, como convém a uma boa natureza.
O mesmo acontece com a medicina. Quando alguém fica doente só a força da medicina pode fazer o paciente sair da doença. Mas se a má natureza chegar a vencê-lo, ele permanecerá de cama. Este é o fundamento pelo qual dividimos os doentes em curáveis e incuráveis.
A comparação destes doentes entre si nos mostra como uns se parecem com São Pedro e outros com Judas: estes últimos acabarão enforcando-se e tornando-se incapazes para toda ressurreição.
CAPÍTULO XIX
(Sobre o espírito e a virtude da doença)
Já dissemos até agora muitas coisas sobre as doenças incuráveis, mas ainda não nos referimos ao seu fundamento. Sobre isto digo que a boa natureza também pode morrer, a menos que ressuscite com a ajuda da medicina. Somente a ignorância dos médicos explica que às vezes se diga: “isto é incurável”, quando na verdade pode perfeitamente ser curável.
Isto obriga-nos a estudar detida e sucessivamente o céu, a natureza, o corpo e finalmente a matriz, onde encontraremos tudo o que constitui a teoria.
Uma natureza semelhante deve ser pesquisada na medicina pois do seu fundamento deduz-se á arte da composição, que por sua vez deriva da anatomia e não dos graus, temperamentos ou experiências.
Sem anatomia não .existem verdadeiras fórmulas, cuja arte deve saber conduzi-las por entre todas as coisas sem esconder nada, já que é perfeitamente sabido que o homem e a mulher devem se unir segundo suas anatomias e que a doença e os doentes devem fazê-lo de acordo com as suas naturezas.
O médico que sabe qual medicina cura determinada doença deve também saber que existe mais de uma doença e mais de uma medicina, as quais estarão por sua vez unidas e separadas precisamente em razão de suas anatomias.
O fato de existir uma medicina mais elevada que outras, reunindo as anatomias de todas as doenças e de todos os medicamentos não impede que o
céu caia (recidet) somente no tempo devido. Assim, definitivamente só existe uma doença e uma medicina.
Compreendo que unicamente os médicos e os astrônomos me entenderam, pois certamente a audácia e a ignorância dos sofistas, apesar de chegar até aqui, não puderam encontrar o grande arcano. Isto confirma o fato de que a torpeza dos farmacêuticos acaba sempre corrompendo as preparações da medicina.
Voltando ao princípio, e para alcançar a conclusão do que lhes disse, quero explicar como se reúnem o centro e a totalidade da matriz, e de que maneira podem se corromper mutuamente.
O espírito das doenças vem do centro da matriz, e não pelos poros ou pelos meatos, com a mesma sutileza com que o Sol atravessa o cristal, esquentando o conteúdo do vaso, ou como o fogo da estufa pela casa, sem estragar as coisas que existem nela.
É preciso considerar com toda a reserva a opinião de que as grandes doenças agudas passam através dos poros, pois sendo todas elas de natureza espiritual vêm como o calor do Sol, que queima tudo o que seu espírito queima. Observem uma diferença: é certo que o Sol esquenta através do cristal e o fogo através do fogão, mas ao contrário não o fazem assim através da pele do homem. O calor que surge do homem é precisamente o calor do corpo que se fortifica desde fora e que faz ferver seus licores e humores. Nestas condições ele expulsa o seu vapor até o exterior, como é próprio da condição fervente, expulsando-o pelos poros.
O espírito da doença deve ser considerado fora do centro da matriz, enquanto a substância da matriz é distinta do Sol, não obstante o Sol seja a sua substância e se encontrem separados em suas três naturezas e centros.
De acordo com isto, quando a matriz guarda qualquer doença, tal doença se transforma num corpo que deve permanecer deitado (quod ipsum decumbit). Igualmente o espírito que vem da doença escapa sob a forma de um cheiro como de rosas ou de almíscar, penetrante e tenaz, que ninguém pode ver ou captar.
Todas as doenças que invadem o corpo partindo da matriz têm estas características. As que invadem a matriz vindo do corpo existem no organismo com o seu próprio corpo, segundo explicaremos mais tarde.
Os espíritos que invadem o corpo a partir da matriz estão impregnados de uma cor artificial (Farben gemachet) que, assim como o espírito colorido do vitríolo, tingem as doenças como se realmente tivessem um corpo.
Acontece além disso, ainda que sejam numerosas as doenças da matriz, que frequentemente umas são curadas com as outras. A mesma coisa acontece quando o centro da matriz fica doente e o restante da matriz o cura, ou vice-
versa, quando a cura parte do centro da matriz para as outras partes da mesma.
Não existe, com efeito, nenhuma razão para que uma coisa possa levar à outra o mal e a doença e não possa levar igualmente à saúde e à cura. Afirmo pois que no mesmo lugar onde as doenças nascem, encontra-se também a raiz da saúde e vice-versa.
Além de tudo isso há também a possibilidade da doença e da saúde procederem diretamente delas mesmas, do mesmo modo quando ficamos doentes por causa de um acidente e um acidente nos devolve a saúde1, pois a mesma causa pode se manifestar em nós de modo antagônico.
Se o astro nos fez adoecer também poderá curar-nos, assim como o sangue, pois em sua própria natureza está o verdadeiro socorro (auxilium) e não nas coisas estranhas.
Quando isto se encontra no corpo do microcosmo, a saúde exterior triunfa sobre a doença inferior, ou melhor, a saúde do corpo vence a enfermidade central e esta a doença corporal da matriz.
Se o céu pode nos consumir com a doença, afetando nosso corpo fixo na terra, atuando a partir do exterior, ele também pode nos conservar a saúde e proteger-nos da fraqueza doentia e malsã.
O mesmo acontece aqui. E por isso o sentido das palavras de Hipocrates expressa justamente que uma força precisa sempre de outra força que a expulse: “a virtude é o que cura a doença”.
Neste sentido a virtude (virtus) é uma força que vem do céu e não da medicina, ou melhor, que é uma medicina invisível. Por isso quando um doente sara por si mesmo sem nenhuma medicina, diz-se que foi curado pela virtude ou pela astronomia celeste. Os que não podem se curar assim deverão usar os medicamentos e recuperar a saúde por meio dos arcanos.
O arcano é um poder (potentia) e uma força, mais que uma verdadeira virtude (virtus). A opinião dos médicos que consideram as forças do homem (vires potentiales) como verdadeiras virtudes (virtutes) está completamente errada e só demonstra que eles não compreenderam e nem entenderam os comentários de Hipocrates.
CAPÍTULO XX
(Conclusão)
Terminarei agora, de um modo geral, a monarquia referente às mulheres. Advirto no entanto que isto não é definitivo, pois espero que Deus me permita descrever com mais amplidão e detalhes tudo o que se refere a cada doença da mulher, seja ela própria e sem nenhuma relação com as dos homens ou mesmo as que são comuns aos dois. Com isto a compreensão, explicação e esclarecimento de todas as coisas e causas da monarquia do microcosmo serão conseguidas através de um ensinamento anatômico e alquimista (alchimicis demonstrationibus) do homem, unido a uma certa instrução mundana que nenhum médico pode deixar de ter.
A diferença principal que me separa dos velhos médicos está no fato de eles se conformarem em tratar as doenças sem compreendê-las ou fundamentá- las, escrevendo habitualmente sem a luz da natureza.
E isto não deve ser assim, pois somente sob esta luz deve-se escrever. Além disso, para tirar a medicina da terra é preciso que o médico também seja terra antes de ser homem. Somente assim cada um poderá dar o que melhor lhe convenha.
Se não trabalharem assim suas dissertações e esforços não criarão mais do que meras seduções das quais nem os médicos nem os doentes tirarão proveito. Diante disso não adianta que esses médicos consigam colocar suas quatro colunas4 no átrio das academias, nem que por causa de tais aparências solenes ninguém se atreva a combatê-los.
Todas estas coisas criadas por eles não demonstram nenhuma de suas especulações já que só se consideram obrigados a um reduzido número de razões e experiências.
Assim, quando se trata de conhecer um fundamento qualquer eles dispensam toda a responsabilidade.
Por isso lhes digo que a coluna que se levante deste modo terá uma base muito deficiente; o que não impede que tenham construído numerosas coisas
sobre ela, e que afirmem que pelo fato de terem sido reconhecidas pelas academias não podem conter nenhuma falsidade.
Existe aqui um erro grosseiro no qual eles estão incluídos. É o de colocar Cristo na base da coluna dada como exemplo, dizendo que os enfermos precisam de um médico que os atenda5, pois com isto estão usurpando um título de médico que estão muito longe de possuir.
Seria melhor considerarmos que Deus criou os médicos e a medicina diretamente da terra à qual verdadeiramente pertencem. Compreendo que neste caso os alunos das novas escolas teriam o direito de se perguntarem se vocês foram criados por Deus ou pelo diabo. Deste modo também seria possível ver imediatamente se estão com a verdade ou com a mentira, e de qual delas nasceram.
Não é possível que Deus tenha criado e capacitado como médicos todos os professores condenados das academias, procuradores, boticários, padres, freiras e outros semelhantes.
Por outro lado é tão certo que as universidades de Leipzig, Tubinga, Viena, Ingolstadt etc., são as que os formaram, como devem procurar assemelharem-se com o seu Criador.
Verdadeiramente o que sentiram na astronomia, na filosofia e na lógica não os esfriou nem os esquentou grande coisa. E digo que se o astrônomo rejeitasse os sortilégios, o filósofo as coisas aparentemente irrazoáveis e o lógico as suas mentiras, seria preciso reconhecer neles um certo fundamento em medicina.
É completamente inútil que se defendam com a autoridade de Macaon 6, Apolônio7, Aristóteles, Galeno, Averróis, Avicena etc pois a primeira coisa que deviam fazer era provar se eles mentiram ou não. Só depois, tendo isto claramente estabelecido, podiam admiti-los ou não. E digo que se esses escritos fossem tubos de órgão, faltaria um organista muito bom que pudesse tirar deles a mais simples canção.
Acontece o mesmo com esses geômetras, que depois de desenvolverem teoricamente uma série de círculos e instrumentos maravilhosos que se movem e andam sozinhos, acabam desaparecendo no ar com as suas especulações. São verdadeiramente como cavalos de madeira; a ilusão acaba quando tentam montá- los.
Se não tivessem Deus como desculpa e não vendessem em seu nome essa sabedoria absurda, poderiam reconhecer-se como muito mais grosseiros que qualquer alquimista ou profeta nigromante.
Quando dizem: “Deus não quer isto”, ou “Deus fez aquilo”, quem ousaria resistir a esse juízo e poder? Mas lhes digo que o fato de terem constantemente
nos lábios o Verbo do Senhor não escondem a suas más naturezas. Claro que não fazem o menor caso disto, e quando se pergunta por que os doentes devem ter seus médicos, não sabem responder. Seria melhor que nunca abrissem a boca, porque apenas sabem falar de dinheiro e da fé como justificativa para suas palavras, pois verdadeiramente o coração do médico está muito longe de sua língua.
Meditem bem em tudo isso e procurem não cair neste tremendo pecado da irresponsabilidade.
Alimente sua alma com mais:
Conheça as vantagens de se juntar à Morte Súbita inc.