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Thiago Tamosauskas
Quem quer que se aventure em experiências espirituais não demora a aprender que paciência é uma das principais virtudes que precisam ser desenvolvidas da alquimia. Não apenas o estudo e as leituras são extensas mas as operações demoram muito mais do que gostaríamos e basta um pequeno imprevisto para se perder o trabalho de meses. Processos precisam ser feito e refeitos muitas vezes e eventualmente você fará mais de um ao mesmo tempo. Por fim as vezes, por maior que seja seu cuidado e atenção, as coisas simplesmente não darão certo. Isso não é sinal de que alquimia não é para você, e sinal de que você esta entendendo melhor como a vida funciona.
O trabalho no laboratório espelha a vida e consequentemente essas idas e vindas, trabalhos e retrabalhos também estão presentes na Grande Obra. Em uma reunião de guilda Andressa, uma das integrantes mais sagazes do grupo descreveu isso muito bem ao questionar toda a linearidade que existe dentro das descrições tradicionais do processo alquímico. Disse que na vida prática da alquimia espiritual calcinação e putrefação parecem acontecer juntas e que as preocupações imediatas do Nigredo se misturam com as mais altas aspirações do Citrinitas e que essa simultaneidade parece atrapalhar o progresso como um todo. Estes são comentários de alguém que saiu dos livros e foi sujar a mão com enxofre, alguém realmente tentando aplicar em sua vida às ideias desta tradição.
Acredito que parte desta situação se deve a a ânsia de produtividade que eu, Andressa e provavelmente o leitor possuem por viver na época em que vivemos. Cobramos a nós mesmos para atingirmos o máximo de resultados no mínimo de tempo não só dentro do trabalho mas também em nossos momentos de lazer, em nossos relacionamentos e para aquele que se interessam por isso, até em nossa vida espiritual.
A alquimia tem realmente essa tradição de querer acelerar as transformações da natureza. O que as leis universais constrói por milhares de séculos, os alquimistas tentem reproduzir em poucos anos. Hoje então esse ritmo parece ainda mais acelerado e colocamos nossos anjos da guarda em overclock. Talvez imaginemos que a nossa seja a primeira geração de alquimistas para as quais seja necessário recomendar “ir mais devagar”. Contudo já no Tratado de São Tomás de Aquino sobre a Arte da Alquimia lemos o doutor da Igreja do século XIII recomendar calma:
“Tende Paciência, porque segundo Geber, a pressa é obra do diabo; também aquele que não tem paciência deve suspender todo o trabalho alquímico.”
Note que ele ainda por cima cita os alquimistas islâmicos ainda mais antigos de séculos anteriores. Essa pressa em realizar a Grande Obra portanto não é nenhuma novidade. As transformações da natureza podem ser aprimoradas, controladas e otimizadas, mas não adianta puxar a grama para fazer ela crescer. Como me disse o mestre Sabiá: nove mulheres não produzirão um filho em um mês.
Talvez olhar mais para o Livro da Natureza seja importante para novamente extrairmos dele algumas lições.
A natureza trabalha tanto simultaneamente como por ciclos. Em um feto os dedos das mãos e dos pés se desenvolvem juntos, mas não antes de ter sido criado um sistema circulatório. Um fruto podre pode fermentar e esquentar ao mesmo tempo no chão, mas ele não cairá da árvore no início da época de colheitas. Da mesma forma a alquimia pode trabalhar com processo que podem ser simultâneos e etapas que necessariamente são diferentes, em nosso linguajar às 12 operações e às 4 fases alquímicas.
Estes elementos não estão organizados ao acaso, mas seguem a lógica interna de um itinerário que tem sua razão de ser. Em termos práticos, se você está começando no caminho da alquimia é interessante seguir a ordem proposta no Principia Alchimica para entender a lógica por trás dele e como o resultado de uma operação é usado na operação seguinte. Por fim, quando concluir um primeiro reconhecimento de todo ciclo, verá que algumas operações não são abandonadas conforme o trabalho avança, a Destilação e a Sublimação por exemplo é feita diariamente, mas a maioria delas cumprem propósitos específicos dentro da lógica da etapa em que se está. Além disso, fica claro que todo ciclo de operações poderá ser revisitado inúmeras vezes. Não há nenhum problema em voltar a operações e fases iniciais primeiro porque conforme a vida muda, surgem novos desafios, novos grânulos a serem trabalhados e novas compreensões do que significa do Casamento Alquímico e em segundo lugar porque ao repetir às práticas na segunda vez você já não será a mesma pessoa da primeira.
Da segunda incursão para frente, sinta-se à vontade para fazer mais de uma operação ao mesmo tempo. Assim como no laboratório, a decantação e a fermentação podem ocorrer simultaneamente. Contudo, minha recomendação é que evite misturar operações de fases diferentes por uma simples questão de produtividade, de respeito aos ciclos pessoais de transformação e para não deixar cair tudo no chão enquanto faz a dança dos pratos giratórios.
Defina um período conforme aquilo que mais estiver precisando no momento, mas tente seguir uma escala de valores dando prioridade ao Nigredo, pois dele depende tudo que vem depois. Mas cada etapa bem feita lhe equipará com habilidades e compreensões que transformarão todo seu trabalho no futuro. Por exemplo, no Albedo aprendemos o Solve et Coagula que é a base por trás do Secretum Secretorum, na próxima vez que passar pelo Nigredo você terá todo um ferramental mágico que poderá ser usado para facilitar o modo como lida com os grânulos. Na verdade, o uso destes poderes para a autotransformação é o que justifica todo trabalho do Albedo. Da mesma forma, depois de ter passado pelo Citrinitas é natural que ao voltar para o Albedo você se dedique cada vez mais a usar o Secretum Secretorum para sua evolução espiritual, a própria cerimônia do Casamento Alquímico (e mesmo do ritual de Abramelin) é justamente isso. O Rubedo é consequência desta evolução.
Não espere esgotar todas as possibilidades que a Alquimia oferece logo nos primeiros meses de prática. Se a Pedra Filosofal pudesse ser consumida tão rapidamente ela não seria a Pedra Filosofal, às próprias narrativas tradicionais a descrevem como um tesouro que não pode ser gasto pois tem raízes na eternidade. O ouro que a Pedra produz não pode ser consumido em uma vida, quanto mais em poucos anos. O Elixir da Imortalidade é ele mesmo eterno e tem um gosto novo cada vez que bebemos dele. Não tenha pressa.
* Conheça também o Principia Alchimica, um manual simples e prático dos principais conceitos da alquimia.
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