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A Doutrina Paracelsiana dos Elementais

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Thiago Tamosauskas

Embora Paracelso seja um nome frequentemente lembrado por ocultistas de diversas vertentes, poucos sabem que, além de ser um grande alquimista, e ter literalmente cunhado o termo Espagiria, ele também criou conceitos que são amplamente utilizados hoje em diversas áreas dentro e fora do esoterismo. Entre esses termos, destacam-se: Microcosmo e Macrocosmo, Arquétipo e Psicosomatismo. Ainda menos conhecido é o fato de que ele foi pioneiro na elaboração de uma doutrina não-religiosa sobre os Elementais.

Indiscutivelmente, o conceito paracelsiano de criaturas elementais tem suas raízes em tradições mitológicas e folclóricas muito mais antigas, assim como, de acordo com seus defensores, na própria compreensão da realidade universal. Assim, para sermos totalmente honestos, é importante mencionar algumas possíveis origens das ideias de Paracelso.

Após as disputas entre filósofos neoplatônicos sobre a natureza do Arche, a substância primordial, Empédocles propôs a existência de quatro elementos básicos: ar, água, fogo e terra. Posteriormente, esses quatro elementos foram associados pelos neoplatônicos à natureza das esferas nas quais o cosmos estava organizado. Essas esferas eram associadas ao Fogo (morada dos deuses), Éter (morada dos daimones), Ar e Água (morada dos semideuses) e Terra (morada dos humanos, plantas e animais). Seguindo a trilha dos neoplatônicos, Jâmblico sugeriu a existência de daemons elementais que habitavam os quatro elementos, assim como daemons materiais que habitavam animais e plantas.

Antes de nos aprofundarmos na doutrina de Paracelso, é crucial mencionar as perspectivas de ocultistas católicos e protestantes. No terceiro volume dos “Três Livros da Filosofia Oculta”, Agrippa menciona classes de seres correspondentes aos quatro elementos, associados a entidades angelicais e a uma hierarquia celestial:

“Do mesmo modo, são estes distribuídos em mais ordens, sendo alguns do fogo, alguns da água, alguns aéreos e alguns terrestres: quatro espécies de anjos que são classificadas de acordo com os quatro poderes celestiais: a mente, a razão, a imaginação e a natureza vivificante e movente.” – Livro III, cap XVI

Se para Agrippa os tais espiritos que regem os elementos eram anjos para Johannes Trithemius eram demônios. Segundo ele anjos caídos ficaram presos em cada um dos elementos durante sua querda ao inferno e assim existem demônios do Fogo (Igneum), do Ar (Aerum), etc..

Mas a doutrina dos elementais de Paracelso não ensina que estes seres são anjos nem demônios, e também não regem seus elementos, mas vivem neles tal como o ser humano vivem em suas moradas. O que o Hermes Suiço fez em seu livro de 1566 “Ex Libro de Nymphis, Sylvanis, Pygmaeis, Salamandris et Gigantibus” (O livro sobre ninfas, sílfides, pigmeus, salamandras e Gigantes) foi tentar classificar diversos seres conhecidos no folclore, religião e mitologia em categorias universais.

Os Elementais segundo Paracelso

Paracelso propôs que seres como Duendes, Trolls, Fadas, Dragões, Gênios e outros, conhecidos por diferentes nomes em várias culturas, poderiam ser classificados em quatro grupos principais: Ondinas (associadas à água), Silfides (associadas ao ar), Gnomos (associados à terra) e Salamandras (associadas ao fogo). Ele usou nomes populares já existentes em sua época, porém, reforçou esses termos para sustentar e expandir seu próprio sistema alquímico-filosófico, de maneira semelhante ao conceito de Homúnculo, que ele também incorporou à filosofia natural.

A fim de evitar debates religiosos sobre anjos e demônios, Paracelso estabeleceu uma premissa em seu “Livro sobre ninfas”: se a humanidade não pode compreender os habitantes visíveis e invisíveis do mundo natural, como pode se aventurar na teologia e discutir esferas mais distantes? Ele afirmou que o mundo natural abriga muitos fenômenos estranhos, incluindo seres frequentemente ocultos, mas testemunhados ao longo da história humana. Nesse contexto, ele incluiu seres correspondentes aos quatro elementos: ninfas (água), sílfides (ar), gnomos (terra) e salamandras (fogo). Paracelso rejeitou a visão católica cristã, que via os elementais como anjos, e também a visão protestante que os considerava demônios. Ele argumentava que esses seres eram partes integrantes do mundo natural e, portanto, podiam ser estudados por meio da Filosofia Natural.

A concepção paracelsiana dos elementais não se concentra em explicar, mas sim em descrever esses seres. Eles podem aparecer e desaparecer, mas também têm corpos físicos, muitas vezes humanoides, com necessidades semelhantes às humanas, como alimentação, sono, roupas e afeto. Os elementais não apenas se assemelham aos humanos em aparência e dieta, mas também possuem sociedades organizadas e realizam atividades produtivas.

Na classificação de Paracelso, os espíritos da natureza foram agrupados não com base em teorias sobre sua natureza, mas com base em suas características observáveis. Ele categorizou-os em quatro grupos, um para cada elemento, dando a cada grupo um nome popular e um “nome correto” (recht namen):

 Nome correto Nome Popular (Latim) Elemento
Nymphis Ondinas Água
Sylvanis Sylvestris Ar
Pygmaeis Gnomus Terra
Salamandris Vulcanus Fogo

Os nomes em latim, embora chamados de nomes populares não tem registro em nenhuma obra anterior ao livro de Paracelso. Ele também muitas vezes se referia aos grupos apenas como “povo da água”, “povo da montanha”, etc.. Em “Em De Meteoris”, livro de  1569 ele se refere coletivamente aos espíritos da natureza como Sagani.

“Existem dois tipos de carne: um que vem de Adão, e outro que não vem de Adão. A primeiro é material e grosseira, visível e tangível para nós; a outra é intangível, sutil e invisível. Um ser que não descende de Adão pode passar por certas matéria sólida sem lhe causar nenhum dano. Tanto os seres que não descendem de Adão quanto os que descendem dele são organizados e têm um corpo substancial, mas há tanta diferença entre a substância que compõe seus respectivos corpos, como há entre a Matéria e o Espírito. No entanto, os elementais não são propriamente espíritos, porque têm carne, sangue e ossos; eles vivem e propagam sua espécie, comem e falam, trabalham e dormem, etc. São seres que ocupam um lugar entre os homens e os espíritos, assemelhando-se aos primeiros na sua forma e organização, e aos segundos na velocidade da sua locomoção. Portanto, eles não são imortais e, quando morrem, perecem como animais. Nem a água nem o fogo podem prejudicá-los e eles não podem ser encerrados em nossas prisões materiais. Eles são, no entanto, sujeitos a doenças. Seus costumes, ações, modos e maneiras de falar, etc., não são muito diferentes dos dos seres humanos, mas existem muitas variedades.

Paracelso fala ainda de “Missgestaltete Varietät”, literalmente “Variedade Disforme” dentro de cada reino elemental. No povo da água estas variações incluem Sereias e os Monges do Mar (Meermönche), no povo da terra os Anões Mitológicos (Zwerge). Entre os Silfos, os Gigantes (Riesen) e entre Salamandras os Fogo Fátuos (Irrlichter)

Em português os nomes mais usados são Ondinas (Água), Silfides (Ar), Gnomos (Terra) e Salamandras (Fogo). Por meio de uma antologia Folclórica Paracelso descreve uma aparência mais ou menos uniforme dentro de um desses grupos, Ondinas são mais semelhantes aos humanos em tamanho e forma, Silfides são mais fortes, largos e ásperos. Gnomos são pequenos, muitas vezes menores que uma pessoa de estatura reduzida e enquanto as Salamandras são enfaticamente altos e magros.  

Um ponto importante na teoria de Paracelso é que além de se tornarem visíveis aos humanos apenas em ocasiões especificas e extraordinárias cada elemental tem a capacidade de se mover atravessando a matéria, mas cada um apenas dentro do seu próprio elemento. Portanto Gnomos podem atravessar livremente rochas, paredes e qualquer tipo de solo e podem literalmente viver debaixo do chão. Ondinas habitam confortavelmente as águas seja o fundo de lagos, o leito de rios ou o fundo do mar. Salamandras por sua vez vivem no próprio fogo e em lugares quentes que seriam insuportáveis para os seres humanos. Contudo os elementais parecem ser restritos por elementos foras do seu.   Como Paracelso afirma,  cada um permanece saudável apenas em seu “caos” particular.

Os Silvestres

Silfides são os mais próximos dos humanos em sua concepção porque vivem e se movem pelo ar como nós, embora alguns deles possam voar. No entanto como explicado acima, queimam da mesma forma ao tocar o fogo, podem se afogar nas águas e são restritos pelas pedras.

Segundo Paracelso alguns Silfides vivem em “ilhas no ar” londe de qualquer interação humana, mas há também aqueles que por compartilharem nosso meio de deslocação coexistem em nosso mundo, mas se afastam das cidades a aglomerações urbanas e são  frequentemente descritos como habitando as matas, as florestas e os bosques. Estes receberam o nome de Silfides Vegetais.

O ser humano corre portanto o risco de invadir seus espaços sempre que explora mata virgem e assim deve no mínimo pedir licença e permissão na colheita de flores e folhas silvestres ao adentrar seus espaços, caso não queira despertar o descontentamento desses seres.

A presença dos Silvestres em ambientes naturais, longe das agitações das cidades, é emblemática de sua estreita afinidade com a flora e a fauna. Paracelso acreditava que esses seres habitavam as matas e florestas, movendo-se em harmonia com os ritmos naturais.  Por isso, se for estabelecida uma relação de troca, respeito e confiança é possível adquirir dos Silvestres sua sabedoria sobre as propriedades medicinais das plantas. E não apenas isso, mas também como aprimorar a eficácia das ervas e substâncias vegetais em poções, elixires e remédios.

Assim, Paracelso enfatizava a importância de reconhecer e respeitar os invisíveis habitantes e donos dos ambientes e recursos naturais, alertando que o ser humano, ao adentrar as profundezas das florestas, deveria fazê-lo com reverência, ciente do impacto de suas ações sobre os seres sutis que as habitam.

Elementais Degenerados

Paracelso concebeu os seres humanos como sendo compostos de três partes, um corpo elemental, um espírito sideral e uma alma divina imortal. O ser humano está em sintonia com os quatro elementos enquanto que os elementais com apenas um deles. Ao contrário de Agrippa, o corpo dos espíritos elementais segundo Paracelso não consiste no respectivo elemento, mas é mais sutil que este para que os espíritos possam se mover através do elemento.  Ele possuiriam também um corpo sideral que lhes conferiria sensciência, emoções, intelecto e  volição, etc… mas faltaria a eles a última parte, uma alma imortal.

“Eles têm apenas intelecto animal e são incapazes de desenvolvimento espiritual. Esses espíritos da natureza não são animais; eles têm razão e linguagem como o homem; eles têm mente; mas não alma espiritual. Eles têm filhos, e estes são como eles. E assim como o homem é feito à imagem de Deus e está mais próximo de Deus, os espíritos elementais são feitos à imagem do homem e estão mais próximos do homem.” 

No entanto, pelo casamento com um ser humano, o elemental e sua prole poderiam ganhar uma alma e compartilhar da vida eterna. Estes conceitos foram depois explorados por Crowley em sua Magia Sexual, mas Paracelso entendia o casamento como um sacramento, tal como os cristãos de sua época. Depois deste casamento os filhos de um homem e uma elemental compartilharam de sua natureza espiritual. Portanto, os elementais estão ansiosos para seduzir as pessoas. Paracelso apenas discute a situação em que uma mulher elemental recebe uma alma ao se casar com um homem humano. A constelação reversa não é expressamente rejeitada por ele, mas não foi discutida por ele.

Conclusão

Portanto na filosofia de Paracelso um elemental não é um anjo, nem um demônio, também não é um ser feito daquele elemento como popularizado na cultura pop, mas uma espécie paralela que vive conosco e ao nosso redor em sua própria frequência e meio e eventualmente cruza a vista dos seres humanos dando origem a uma infinidade de fenômenos inexplicáveis e lendas decorrentes.

Hoje talvez Paracelso diria que estes seres vivem em sua própria “faixa dimensional”  em “dimensões paralelas” mas que dividem conosco um mesmo universo. Cada um em seu elemento possuem suas própria moradas, sociedade, história e leis. São seres individualizados, cada um com sua personalidade e volição própria e portanto, conclui Paracelso, capazes de escolher como nós entre o bem e o mal.


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