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Reino do Acaes: a primeira casa da Jurema

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Fonte:http://www.espacoacademico.com.br/074/74andradejunior.htm )
Os índios sempre foram lacunas na historiografia paraibana, portanto fazer uma história que remonta a uma aldeia indígena do litoral da Paraíba não é nada fácil, pois as informações são poucas e as que existem são lacunares e muitas vezes contraditórias. Ao tentar construir a História da Vila de Alhandra, partimos da idéia de que o índio é o motivo de sua elevação à primeira Vila da Paraíba, se tornando parte principal dessa trama. Contudo, o reconstruir da História desse povo se faz no remonte de histórias e na análise dos discursos, na tentativa de entender esses primeiros habitantes do território que hoje corresponde a Paraíba.
Na Paraíba a população estimada, no século XVI, era de 100 mil índios (MELO, 1999). No litoral viviam os índios pertencentes à Tribo dos Tupis, os quais se dividiam em dois grandes grupos, os Tabajaras e os Potiguaras. Já na região do interior, ao longo dos rios do Peixe, Paraíba e Piancó, se fazia presente a Nação dos Kariris, que tinha uma grande variedade de tribos, enquanto no sertão, Seridó, Curimataú e parte dos Kariris Velhos, concentrava-se o grupo dos Tarairús. Essas informações provêm de José Elias Barbosa (1984), um dos poucos a falar da existência do grupo dos Tarairús na Paraíba.
Os índios que viviam no território do atual Estado da Paraíba viviam da caça, pesca e coleta, praticando uma agricultura primitiva, basicamente de mandioca, milho, fumo e algodão. A maioria deles eram nômades e sua organização social se dava:
… sob a forma de tribos, compostas por varias aldeias, que reuniam os indivíduos em função de algum tipo de trabalho ou da guerra. A organização do trabalho se baseava no sexo e na idade dos componentes do grupo […] As mulheres se ocupavam de todas as tarefas relacionadas com a manutenção da aldeia e com a produção de alimentos para as pessoas que nela viviam.[…] Os homens preparavam a terra para o plantio, derrubando a mata, fazendo a queimada e destocando. Também caçavam, pescavam, fabricavam armas e construíam as casas e canoas. (CAVALCANTI. 1996, p. 20)
Vale destacar que todo trabalho era coletivo, assim como a distribuição de tudo o que era por eles produzidos. As crianças eram inseridas na vida da aldeia acompanhando os adultos em suas tarefas. Quanto às tradições essas eram passadas oralmente de geração em geração, de modo que a importância dos mais idosos era de grande relevância, pois eles eram os responsáveis pela transmissão dos costumes, das tradições, dos rituais, pela manutenção da cultura indígena (Op. cit., p. 20). Isso é um pouco, ainda que superficial, do que podemos hoje saber desses povos que aqui moravam antes da chegada dos colonizadores, pois a partir da chegada desses, nada seria como antes, o contato dessas diferentes culturas, mudou não só a vida dos índios, mas também a própria vida do europeu.
Com a chegada dos portugueses, a vida dos nativos não, de inicio alterada, pois a principio os colonizadores só exploravam o pau-brasil, utilizando a mão-de-obra indígena, através do conhecido escambo. Porém quando os portugueses decidem povoar essas terras e implantar a agricultura, as coisas começam a tomar outros rumos e os índios começam a sofrer interdições na sua cultura das mais variadas formas.
Quando os portugueses perceberam, já em 1534, que não bastavam às expedições esporádicas, e a exploração do pau-brasil não era suficiente para assegurar sua posse, constataram que apenas o povoamento garantiria maiores rendas e evitaria a perda do território para outras potências européias. O Brasil foi assim dividido em capitanias hereditárias. A conquista e ocupação do território da Paraíba se inicia então quando é criada a Capitania de Itamaracá, que se estendia do rio Santa Cruz, hoje Igaraçu – PE, até a Baía da Traição, doada a Pero Lopes de Souza. No entanto, a Paraíba vai continuar sendo uma área pouco cuidada pelos portugueses, onde serão constantes os conflitos entres os nativos e colonizadores, principalmente os Potiguaras que sempre foram bastante hostis aos portugueses.
Em 1574, por um Decreto Real, a Paraíba foi desmembrada de Itamaracá, sendo criada a Capitania Real da Paraíba, cujos limites iam do rio Abiaí à Baia da Traição (SILVEIRA, 1999). A conquista da Paraíba só foi consolidada em 1585, com a fundação da cidade de Nossa Senhora das Neves (atual João Pessoa), depois de onze anos de expedições e inúmeras batalhas sangrentas entre colonizadores e os nativos locais. Os Potiguaras aliados dos franceses não facilitaram em nada a ação dos colonizadores portugueses nessas terras. O ato considerado fundante da Paraíba foi uma aliança celebrada entre os portugueses e os Índios Tabajaras, cujos personagens conhecidos desse fato são João Tavares e Piragibe.
 
Como aconteceu em todo o Brasil, após a conquista definitiva das terras da Paraíba pelos portugueses foram criadas as aldeias missionárias, a exemplo de Jacoca (atual cidade de Conde), e a dos Arataguis (atual cidade de Alhandra). Nas missões, os índios ficavam sobre os cuidados de religiosos, que vestidos segundo os ideários cristãos levavam os índios à prática dos “bons costumes”, ensinando a educação moral e religiosa. O índio era visto como aquele a ser salvo, pois os consideravam como os “pobrezinhos” que não conheciam a verdade, era dever dos padres mostrar-lhes o caminho do céu. A mentalidade européia e cristã da época, não entendia e nem aceitava o diferente.
Nesse sentido, a cultura indígena era vista como algo que precisava ser superado pelo ideário católico, tendo nos jesuítas os primeiros padres missionários a estarem na Paraíba. Segundo Wilson Seixas (1979), os padres jesuítas Simão Travassos, Jerônimo Machado e Baltazar Lopes fundaram residência na região, dando inicio as práticas que se ocupavam na catequese dos índios situados nas aldeias tanto do litoral quanto do sertão. Com a chegada dos franciscanos, que também passaram a se ocupar com os serviços de catequização das aldeias, vieram os conflitos. Os jesuítas acabaram sendo expulsos da Capitania, em 1593, pelo então governador da Paraíba Feliciano Coelho de Carvalho, restando aos franciscanos todo o trabalho missionário da região.
…após a expulsão dos jesuítas cresceu muito na capitania a devoção e o número dos cristãos impulsionados pela grande confiança que tinham os padres franciscanos sobre os quais recaia o peso de muitos serviços nas aldeias, tanto que passaram a ser considerados como os melhores auxiliares na conversão moral e religiosa entre os índios e moradores. (SEIXAS, 1979. p. 47)
Para Seixas (1979) os franciscanos eram melhores na catequização indígena que os jesuítas, inclusive eles eram detentores do afeto dos nativos da região. Neste discurso ingênuo até parece que não havia conflitos e nem resistência por parte dos índios, uma vez que por trás desse conflito entre jesuítas e franciscanos estava um interesse maior, o dos colonos pela mão-de-obra indígena, acabando por desencadear na escravização.
Os franciscanos foram assim construindo igrejas e conventos nas aldeias, no intuído de exercer uma maior presença e por isso controle sobre os índios. Assim foi fundada a igreja de Alhandra com a invocação de Nossa Senhora da Assunção, uma das primeiras a ser erguidas em 1740. Sob um estilo barroco rural, a igreja de Nossa Senhora de Assunção já sofreu muitas alterações, porém conserva até hoje muito de sua arquitetura original. Associado a isto, houve a construção da igreja e do convento pelos próprios índios, o que corroborou no deslocamento de sua cultura e de sua religião, pela visão e instituição do deus cristão. Sob esta perspectiva temos que “Na Paraíba, as tabas foram sendo esvaziadas, virando aldeias missionárias, manipulados por poucos religiosos… A política colonialista era de misturar os índios de tribos e nações diferentes…” (MELO, 1999, p. 201). O autor reforça a concepção já discutida que as aldeias, na Paraíba, passaram a ser responsabilidade dos religiosos, onde a política colonialista misturava diferentes aldeias e nações indígenas, demonstrando que sempre que uma nova aldeia era conquistada pelos brancos ela era levada para um outro lugar, este já espaço de índios amansados.
BAR ONDE O MESTRE ZEZINHO DO ACAES BEBEU ANTES DE MORRER 1968
A aldeia missionária de Alhandra, ao que parece, sempre recebia novos índios, trazidos de outras partes da Paraíba, principalmente do interior (sertão). Tal fato pode ser percebido quando nos deparamos com os dados: em 1804, Alhandra tinha cerca de 766 índios, no ano seguinte ela já apresentava 1.372 (MEDEIROS, 1999). Segundo Maria do Céu Medeiros, essa faceta dos colonizadores possibilitava a concentração de mão-de-obra indígena, o que se fazia necessário na produção do litoral canavieiro (o sertão paraibano era um território relegado pelo interesse dos colonizadores), na construção de obras públicas, nas lavouras e engenho, enfatizando o índio como um “produto” cobiçado pelas nações. Alhandra era, então, um espaço propício de índios para o trabalho, provindos muitas vezes do sertão, predispostos aos mandos e desmandos das autoridades coloniais.
Daí a aldeia missionária ser de extrema importância para os colonizadores europeus, pois tiravam os índios de seu território e levavam para um lugar estratégico, propiciado pelas missões. Estas ações de isolamento e controle dos índios eram bem sucedidas, servindo na pacificação dos índios. A importância da missão indígena de Alhandra foi enfática, pois uma vez a capela construída, a cidade logo foi elevada a Freguesia de Nossa Senhora da Assunção (1749), sendo a segunda freguesia a ser criada na Paraíba. A freguesia de Alhandra era ligada à diocese de Olinda. Após a criação da freguesia, em 1758, o reduto indígena foi tornado vila: “…Em virtude da Carta Régia de 14 de Setembro e Alvará desta data, é elevada a categoria de villa a aldeia de Arataguy, com o nome de Alhandra.” (PINTO. 1977, p. 158).
Em 1758 se torna a primeira vila da Paraíba, sendo apenas instalada em 1765. Após Alhandra se seguiram quatro vilas, a de Pilar (1758), a de São Miguel da Baía da Traição (1762), a de Monte-Mor da Preguiça (1762) e a de Jacoca, (atual Conde em 1768). Todas elas fundadas a partir de aldeias indígenas. Percebe-se que todas foram criadas em um curto espaço de tempo, e todas além de serem aldeias indígenas, ficavam também na faixa litorânea. O que nos demonstra um maior controle indígena. Na medida em que Alhandra deixa de ser uma simples aldeia missionária e passa a ser vila, ela deixa de ter apenas as autoridades religiosas, e passa a ter um controle das autoridades civis. Nesse sentido o índio deixa de obedecer ao padre e passa a obedecer ao capitão-mor e ao capitão dos índios e as demais autoridades civis locais.
Alhandra não era, portanto, um lugar de grande expressão, era um pequeno lugarejo. Consta que por volta de 1774, possuía cerca de 620 construções e 1089 habitantes, isso é mais do que a população de Jacoca que, no mesmo ano possuía 445 construções e 744 habitantes. Mas se comparada a Pombal que foi elevada a vila depois, no mesmo ano de 1774 já tinha 2451 construções e 5422 habitantes (SILVEIRA, 1999. p. 33). Contudo a maior razão por ter sido Alhandra a primeira vila foi por certo os índios.
Alhandra não surge vila assim, por sua grandeza, desenvolvimento ou por ser um povoado de relevante expressão. Mas sim para atender a uma estratégia da política colonialista, não é de se estranhar que Alhandra irá permanecer por mais de duzentos anos na categoria de vila.

A Criação da vila e o isolamento dos índios

Fundada a vila de Alhandra, a população indígena é forçada a viver como os brancos, passando a morar em casas individuais e não mais em tabas comunitárias, vivendo os costumes trazidos pelos europeus, como relata o presidente da Província:
… Os índios que existem nesta província estão todos aldeados e habitam pela maior parte em vilas sujeitas às autoridades civis (…) e já estão todos degenerados da origem primitiva que a maior parte nem o idioma de suas tribos falam; estão hoje confundidos na massa da população e apenas nas vilas de Alhandra, conde e antiga vila da Baía da Traição vivem no meio das outras raças que inteiramente os sobrepujam em número e importância… (MELO. 1999, p. 211).
O relatório do Presidente da Paraíba fala do período de 1845, onde Alhandra aparece como sendo um dos poucos lugares de existência da presença indígena, estando os índios subjugados às leis civis, como uma minoria que perdeu suas referências no meio dos brancos, assim acontece com a língua indígena, que já não falam mais.
De acordo com Melo em seu, “Índios do Nordeste: Temas e Problemas”, algumas leis foram criadas referentes aos índios, algumas delas diz respeito à distribuição limitada de terras aos nativos, como a lei de 1700, que estabelecia a “doação de uma légua de terra em quadro para cada aldeia, bem como casas para os padres e igreja” (1999, p. 214), e a de 1703, referente a “Carta Régia de 22/05 – dava aos índios terras necessárias para sua vivenda e ferramenta para cultivarem a terra” (1999, p. 214). Consta ainda que após a publicação da Lei de Terras, de 1850, o patrimônio dos índios de Alhandra eram de pequenas ilhas, envoltas de propriedades privadas, o que implica na perda de terras indígenas para os ditos civilizados. A estratégia dos colonizadores se cumpria, aos poucos tomavam posse de todas as terras dos nativos, de modo que, os índios foram obrigados a se engajarem na sociedade colonial, muitas vezes como pequenos proprietários de terras, camponeses

Mestra Maria do Acaes

Alhandra: a ‘Cidade Jurema’ de identidade indígena

Inúmeras eram as manifestações culturais indígenas, entre elas o politeísmo (a fé em vários deuses), fator inaceitável para a mentalidade cristã católica.Talvez tenha sido esse um dos maiores conflitos entre o mundo europeu e o mundo indígena, afinal, para a mentalidade católica da época só haveria salvação pela conversão católica, pelo abandono de hábitos ‘selvagens’ e pela adesão dos bons costumes e princípios dos ditos ‘civilizados’. Só o cristianismo poderia tirar os selvagens de sua situação ‘animalesca’ e dar-lhes uma nova condição, tornando-lhes cristãos, de um estado de selvageria para o de humanidade, pelo menos era isso que ditava o pensamento europeu quinhentista. Mas que um viés econômico, essa questão era perpassada por noções de verdade, realmente acreditava-se num projeto salvacionista. Mas os nativos não abandonaram suas crenças tão facilmente, resistindo a imposição dos europeus.
As missões nas aldeias indígenas tinham essa forte, se não principal, preocupação em levar os índios a crer no Cristo e aceitar o evangelho. Os índios ao que parecem inicialmente aceitaram com um certo entusiasmo, porém logo:
…se desinteressavam do culto de modo que era preciso levá-los à força. Preferiam ficar nas suas roças e lavouras fora da aldeia onde permanecendo, parece que ficavam desobrigados de frequentarem a igreja que então só os atraia na época do São João por causa das fogueiras, ou pela quaresma, atraídos pelo ritual da flagelação no qual viam mais uma prova de coragem do que um ato de penitencia daqueles que se submetiam a ela. (MEDEIROS, p. 33).
A tarefa dos missionários não era simples, uma vez que além de catequizar viam um processo de ressignificação de seus rituais pelos índios, fugindo muitas vezes daquilo que era proposto pelos padres. Com o uso da força os índios eram obrigados a participar das missas, porém eram os povos Tabajaras os mais receptivos à cultura européia, assim logo sendo confundidos com os demais da população.
Em Alhandra, os problemas dos missionários não pareciam ter sido diferente, as dificuldades de levarem os índios a crerem num só Deus não foi tarefa das mais fáceis. Embora que os povos Tabajaras se mostravam mais receptíveis à cultura européia do que os Potiguaras. E isso talvez explique, em partes, que ainda hoje encontremos no território da Paraíba aldeias Potiguaras, enquanto os Tabajaras desapareceram sem deixar muitos vestígios, como vemos na aldeia indígena de Alhandra. Contudo, mesmo os Tabajaras sendo um tanto mais afetuosos aos padres (MEDEIROS, 1999), ainda assim não deixaram sua cultura de forma tão pacifica e muitas vezes se tornavam cristãos batizados mantendo seus rituais e costumes. Foi o que aconteceu em Alhandra, que manteve um forte sincretismo religioso.

 

Tumulo do Mestre Flósculo filho de Maria do Acaes II
O misticismo religioso que perdurou por muito tempo em Alhandra é uma clara herança indígena. Esse sincretismo é tão forte, que a cidade chegou a ser conhecida com a “Cidade Jurema”, isso porque nos locais de prática dos rituais de catimbó é constante a presença da jurema, caracterizada pelos seus efeitos alucinógenos. Esse é um tema que desperta a atenção de inúmeros estudiosos, chegando a ganhar destaque internacional pela fama de seus poderes sobrenaturais:
…Certo dia a cidade acordou com uma novidade, os repórteres da BBC de Londres vieram do outro lado do mar para conhecer Alhandra, todos aqueles equipamentos esquisitos coisas do primeiro mundo e uma língua enrolada para fazer uma reportagem sobre a cidade da jurema, sendo assim Alhandra seria conhecida internacionalmente (…) conseguindo trazer estudiosos de toda a parte do mundo, curiosos com o misticismo do lugar. (SOARES, 1999. p. 55)
Alhandra sempre despertou a atenção de muitos, que atraídos pelos famosos mestres da jurema, buscavam a realização de desejos e fantasias. Mais que um local de estudo, Alhandra era um território de misticismo e magia. Jurema (branca) é uma árvore, da qual se faz a bebida de poderes alucinógenos, que por seu efeito era controlada. A perseguição de policiais sob os ‘mestres da jurema’ obrigou que os rituais fossem realizados as escondidas, afastados da cidade, deslocando em espaço e tempo a crença herdada pelos índios. Conta-se que quando morriam não tinham o direito de serem enterrados no cemitério local, sendo sepultados em lugares afastados, onde se plantava um pé de jurema para marcar o local do sepultamento. Nesses mesmos locais eram também sepultados todos aqueles seguidores do mestre da jurema, colaborando no surgimento das chamadas “cidades da jurema”, como: Cidade de Manoel Cadete, Cidade de Rosalina, Cidade de Maria do Acais, Cidade do Mestre Adauto, Cidade do Rei Heron, Cidade dos Encantos (Tambaba) e Cidade de Águas Claras (SOARES, 1999).
A ‘cidade da jurema’ mais conhecida é a do Acaís, um pequeno povoado situado às margens da estrada que leva ao município de Alhandra. A fama dos poderes sobrenaturais e mágicos desse lugar mereceu uma reportagem no jornal, A União de 20 de julho de 1997, que estampava a manchete: “Ciências ocultas em Alhandra: Pacto de silêncio protege a Cidade Sagrada da Jurema”. Esta reportagem, de Machado Bitencourt, ressaltava que a família Guimarães, descendentes da ‘Mestre de jurema’ Maria do Acais, guardam os segredos da preparação das bebidas feitas com a jurema.
Para entendermos melhor como era a realização do culto da jurema, vejamos como se dava entre os índios Tuxás:
O culto da jurema, tal como se apresenta entre os tuxás, desenrola-se em torno da bebida ou o vinho da jurema, o qual produz alterações na consciência que auxiliam a propiciar o transe. Orlando Sampaio Silva em sua pesquisa encontrou mais do que elementos mágicos europeus ou assimilação do catolicismo, referencias extraídas do espiritismo kardecista e da umbanda. As entidades cultuadas são denominadas de encantados, que são espíritos dos gentios – falantes das línguas nativas – habitantes do reino encantado, que descem para curar e realizar trabalhos para os vivos, também chamados de mestres ou caboquinhos. Cascudo menciona em seu estudo a crença em dois reinos encantados: do Vajucá e do Juremal, sem especificar distinções entre eles.(ANDRADE, 2002. p. 225)
A respeito da prática do culto da jurema e do catimbó em Alhandra, destacamos a atuação da Mãe Maria do Acais, que segundo a reportagem da ‘A União’:
… Essa respeitável senhora exerceu ofícios de videntes e conselheira de milhares de doentes e portadores de doenças exóticas e não sabidas das ciências médicas. Através dos conselhos de “Mãe Maria do Acais”, das suas preces e evocações, a maioria desses adoentados recuperava a saúde física, a tranqüilidade e o uso pleno das suas faculdades mentais. Nas práticas de “Mãe Maria do Acais” incluía-se a ingestão de um tipo de vinho fabricado com sementes da “Jurema”, planta que crescia e se multiplicava no sitio dos Guimarães, em Acais. Folha, sementes casca e raízes desse vegetal serviam para o preparo de garrafadas licores, chás, banhos e condimentos desenvolvidos em formulas que Maria do Acais manteve em segredo, até sua morte, no ano de 1937… (A União, 20 julho de 1997).
A reportagem nos traz a informação do uso do vinho feito da jurema, a mesma referência que Andrade (2002) nos dá a respeito dos índios Tuxás na Bahia, sobre a origem desses poderes sobrenaturais do Acais. Tudo teria começado com a índia Maria Gonçalves de Barro, conhecida por Maria índia, que teria recebido do Imperador Dom Pedro II as terras do Acais, onde teria assentado moradia. Maria Índia teria dado inicio, então, ao uso da jurema para curar os mais variados males. Como não teve filhos, a sua sobrinha, Maria Eugênia Gonçalves Guimarães, recebeu a herança da tia, e logo ficaria famosa como sendo, a ‘mestre’ Maria do Acais. Depois de sua morte, Flóscolo Gonçalves Guimarães, seu filho, foi seu continuador, nos demonstrando os laços de parentesco que circundam sob os domínios do segredo da jurema.
Existe, assim, um forte sincretismo, que apesar dos traços de um culto indígena no uso da Jurema, também se faz sinais da umbanda, do espiritismo e do catolicismo. A influência católica é, portanto, a mais evidente, uma vez que em Alhandra, em frente à casa dos Guimarães onde viveu e fez seus trabalhos espirituais, Maria do Acais, há uma capelinha dedicada a São José.
Entre os muitos mestres de juremas de Alhandra, cogita-se que um dos mais famosos seja Zé Pilintra, também nascido na Vila. A cidade, assim, figura entre esse lugar cheio de mistérios sobrenaturais. Muitos conhecem a fama de Alhandra e de seus mestres da jurema, mas sua história continua a ser um desafio, uma vez que sobre esse misticismo envolto pela jurema, os que sabem afirmam ser uma herança dos índios Arataguis. A junção dos elementos da religião européia e indígena resultou nessa mistura, fazendo de Alhandra a ‘cidade jurema’ no país do evangelho.
A identidade de Alhandra, como sendo a ‘Cidade Jurema’, é então resultado de seu passado indígena, onde mesmo sofrendo inúmeras interdições, aculturações e fortes influências de outras religiões, termina por culminar no traço principal indígena, que é o uso da Jurema. Reconhecer esse passado é também resgatar essa identidade, muitas vezes rejeitada pelos próprios habitantes da cidade, que assumem uma identidade branca e cristã, e renegam (pelo simbolismo negativado que hoje existe) as identidades de indígena e catimbozeiro.
De aldeia a primeira vila da Paraíba, Alhandra é um exemplo do passado e da herança indígena não só do povo paraibano, mas do povo brasileiro. A identidade indígena brasileira precisa ser resgatada com maior afinco, para que possamos aos poucos preencher as lacunas da história ou das histórias do Brasil.
Por: LUIZ FRANCISCO DA SILVA JÚNIOR & VIVIAN GALDINO DE ANDRADE

ALHANDRA E O CLÃ DO ACAIS

fonte de pesquisa: http://lassuncao.blogspot.com.br/2009/07/alhandra-e-o-cla-do-acais.html
Em 1864, dois anos após a extinção dos aldeamentos indígenas na freguesia de Alhandra, inicia-se a medição e demarcação das terras indígenas na Paraíba, dividindo-as em lotes e entregues com seus respectivos títulos aos índios, na qualidade de posseiros. Segundo a documentação oficial da época, Inácio Gonçalves de Barros, ultimo regente dos índios de Alhandra, recebeu 62:500 braças quadradas de terras, em um lugar denominado Estivas. Documentos demonstram, ainda, a insatisfação do regente, através de pedido de restituição das terras dos índios.
Para os juremeiros da região nordeste, Alhandra é uma das mais fortes referências mitológicas e simbólicas da prática do catimbó e da ciência da jurema. Essa tradição foi cultuada e mantida pelo mestre Inácio e seus descendentes.
Mestre Inácio era irmão da mestra Maria Gonçalves de Barros, a primeira Maria do Acais e pai do meste Casteliano Gonçalves e de Maria Eugenia Gonçalves Guimarães, a segunda e prestigiosa Maria do Acais.
A segunda Maria do Acais foi casada com o português José Machado Guimarães, com quem teve nove filhos, entre eles o mestre Flósculo Guimarães, casado com a mestra Damiana. Antes de ir morar em Alhandra, Maria residia no Recife, onde era catimbozeira respeitada, o que justifica o fato de ter sido a herdeira das terras do Acais, pois segundo a tradição da família, o trabalho de um mestre deveria ser continuado por um descendente, herdando mais do que terras, a tradição da família. Damiana, falecida em 1978, era filha de Casimira, sobrinha de Maria e a ultima mestra do Acais.
Maria chegou ao Acais por volta de 1910. Construiu uma casa para residência e, em frente, a capela para São João Batista. Por traz da casa, sob os pés de jurema existentes, cultuava suas cidades e seus mestres. Um pouco mais em baixo, em uma casa de taipa, realizava suas mesas de jurema. Seu filho, mestre Flósculo, foi sepultado em 1959 atrás da capela. Sobre seu túmulo foi colocada uma escultura em concreto de um tronco de jurema.
Maria do Acais foi referida por vários escritores, como: Arthur Ramos, Roger Bastide, Gonçalves Fernandes. Porém nenhuma referência é mais fortes e significativas que o ponto cantado nas muitas sessões de jurema espalhadas por esse nordeste:
Eu dei um grito
Tão longe
E ninguém me atendeu.
Mestra Maria do Acais
A melhor mestra sou eu.
Venho de tão longe
Eu venho é trabalhar
Trazendo as correntes
Sereias do mar.
Mestra Maria do Acais
Pra que mandou
Me chamar.
Maria do Acais faleceu (ou se encantou) em 1937.
Para saber mais:
VANDEZANDE, René. Catimbó. Dissertação de Mestrado. Recife: UFPE-PIMES, 1975.
ASSUNÇÃO, Luiz. O reino dos mestres. Rio de Janeiro: Pallas, 2006.
SALLES, Sandro Guimarães de. À sombra da jurema. Um estudo sobre a tradição dos mestres juremeiros na umbanda de Alhandra-PB. Dissertação de Mestrado. Natal: UFRN-Pgcs, 2004.A foto do Acais foi cedida pela FCP UMCANJU e Profa. Ana Júlia Cardoso (João Pessoa-PB). Meus agradecimentos.

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