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PROFESSOR RÔMULO ANGÉLICO
Material criado para o II Simpósio Saberes da Jurema Sagrada, 2023
Ancestralidade juremeira
Conforme as últimas pesquisas que tenho realizado, o Culto à Jurema pode ser considerado uma Tradição cujas raízes remontam a um passado realmente longínquo. Enquanto a maioria dos historiadores e antropólogos que escreveram sobre a Jurema limitaram-se a comentar, em seus trabalhos, o período colonial brasileiro (século XVI ao XIX) como sendo o espaço em que o Catimbó se formou – se partirmos de estudos arqueológicos encontraremos indícios (principalmente pinturas rupestres) da existência de um culto pré-cabralino muito anterior ao momento em que o território brasileiro foi colônia portuguesa.
Nesse universo investigativo, uma questão que pode ser colocada é se houve ou não uma etnia primeira a cultuar a Jurema e a realizar ritos e práticas análogas as encontradas no Catimbó contemporâneo. Seguem, abaixo, as justificativas para tal questionamento.
Não é novidade que a Jurema é uma Tradição de matriz indígena nordestina. Se tomarmos como possível a hipótese de que todas as nações nativas do Nordeste foram (e continuam sendo) juremeiras: em eras distantes, no passado, teria existido um grupo específico de onde os ritos de Jurema irradiaram para outras sociedades? Ou seria possível que, em momentos muito distantes de nossa atual geração de juremeiros, os grupos do passado tenham sido um só e mesmo grupo que, com o tempo, se dividiu e deu origem a outras sociedades que partilharam dos mesmos mistérios culturais e espirituais de sua matriz? Terá existido, de fato, um Culto à Jurema semelhante ao que existe nos dias atuais?
Tomemos como exemplo as sociedades tradicionais originárias do território do estado do Rio Grande do Norte. Sabemos que antes dos Tarairiú terem chegado às terras da citada região, assim como bem antes dos Kariri e dos Potiguara (índios do tronco linguístico e cultural Tupi) esta área acertar, o solo norte-rio-grandense foi habitado por um grupo aparentado aos negros africanos – sociedade da qual pouquíssima coisa se sabe.
Teria sido aquele antiquíssimo “povo do buraco”, como o chamam alguns pesquisadores, os primeiros catimbó-juremeiros? Por enquanto permanecemos em especulações – e assim continuaremos até que os historiadores nos tragam novos dados.
O fato é: por mais que, durante o período colonial, os invasores portugueses tenham encontrado aqui no Nordeste diversas etnias com línguas e costumes diferentes, todas aquelas comunidades pareciam ter um mesmo trato ritualístico e cultual com uma Planta de Poder que está presente (desde o período colonial aos nossos dias) nos catimbós indígenas e caboclos. Essa planta é o Tabaco – seu uso ritualístico ficou conhecido como “catimbó”.
A palavra “catimbó” tem origem no Tupi Antigo (ka’atimbór) e, em língua portuguesa, significa “fumaça de mato”. É uma expressão que faz referência às antigas defumações realizadas à base de ervas, empregadas com diversas finalidades
– especialmente em trabalhos de cura e evocação de entidades espirituais. Os pajés de nossos ancestrais indígenas praticavam catimbó sempre que necessitavam evocar espíritos; abençoar os guerreiros antes das guerras, atribuindo-lhes força; curar enfermos; benzer casais de noivos; e proporcionar a fertilidade do solo antes do plantio. Atualmente, os mestres de Jurema chamam essas práticas de “fumaçada” – havendo as “fumaçadas às direitas”, voltadas à cura, e as “fumaçadas às esquerdas”, direcionadas ao desmanche de malefícios ou ao combate.
A Divindade do Fumo
É comum encontrarmos, nas comunidades indígenas e caboclas, assim como em terreiros de Jurema, o Fumo (Tabaco) sendo utilizado como substância presente na evocação e invocação de seres espirituais. Podemos observar, ainda, nesses universos culturais, certa reverência à citada planta.
Dos três principais povos que habitam o território do Rio Grande do Norte, os Potiguara utilizaram o Tabaco, principalmente, em cerimônias mágico-medicinais. Os Tarairiú, conforme podemos apreender de fontes neerlandesas, foram exímios evocadores de espíritos: sem a Planta de Poder nenhuma entidade poderia ser conjurada e, durante suas evocações, aqueles espíritos se tornavam visíveis e audíveis aos presentes. Mas os Kariri (cujos familiares que não se convertiam ao cristianismo e preferiam preservar as antigas Tradições eram chamados Chumimy), além de práticas semelhantes, possuem um mito de origem e um nome para a Divindade que preside a Planta e manifesta-se como o próprio Vegetal. Esse deus, filho do Deus Criador (Nhinhó) se chama Badzé.
Os pesquisadores apresentam Badzé como um “herói civilizador” (uma vez que Ele esteve, como homem, entre os ancestrais dos Kariri, ensinando diversas práticas que se tornaram costumes), deus do Fumo, divindade dos sonhos e dos encantamentos e protetor das florestas.
Dentre os ensinamentos que Badzé legou aos Kariri, podemos citar: a cura com o assopro, com palavras e cantigas; a pintura corporal feita com Jenipapo, com o objetivo de ocultar-se de Nhêwô (entidade espiritual encarregada de levar as doenças); o espalhar cinzas em volta da casa em que habita um doente e no caminho por onde um algum enfermiço tenha passado (com o objetivo de confundir Nhêwô); fazer vinho e derramar no chão para saldar Poditã; varrer o adro das casas para expulsar as bexigas.
Conforme a mitologia Kariri, Badzé teria gerado dois filhos: Poditã, o mais velho, dono das caatingas, dos frutos e dos mantimentos, senhor da caça e da pesca e deus das chuvas; e Warakidzã, filho menor, companheiro e amigo, símbolo do grupo que luta ao lado na defesa da terra e da tribo vizinha.
Além disso, os índios Kariri costumavam ir à floresta para se confessar com Badzé ou Poditã – prática que revoltava os padres catequistas, uma vez que lhes atrapalhava em seus trabalhos de ouvir os nativos através de confidências íntimas que os nativos preferiam entregar às suas próprias divindades.
Poditã, por sua vez, gerou uma entidade chamada Popó, que originou Crorobaé; e Warakidzã foi o pai de Byrae. Possivelmente outros seres nasceram dessas entidades – espíritos que talvez não tenham sido notados pela historiografia. Mas como todos esses seres provém de Badzé, o deus do Fumo pode ser considerado o Pai dos Encantados.
Elementos práticos
Importante se faz, para lidarmos ritualisticamente com o Tabaco, agirmos conforme tradições nativas nos ensinam. Os pajés e os mestres catimbozeiros tratam o Reino Vegetal com muita reverência e jamais deixam de pedir licença aos Guardiões da Floresta e às plantas sagradas antes de coletá-las.
Antes de entrar na mata, portanto, é importante pedir licença aos seus Guardiões e tal chancela pode ser obtida mediante oferendas de Tabaco e Mel deixadas na entrada do matagal. Uma vez estando na mata, ao localizarmos as plantas das quais partes serão coletadas, deixemos, também, para o Espírito que rege o vegetal, a mesma oferenda acima citada – em sinal de gratidão.
Folhas, sementes, flores e frutos, se coletam preferencialmente durante a Lua Nova. Cascas, durante a Crescente e raízes durante a Cheia. Plantas como o Pinhão Roxo e a Mamona podem ter suas folhas coletadas em qualquer período – são vegetais poderosos às limpezas através da defumação.
Sugiro que, em todas as defumações, o Tabaco esteja presente. É importante lembrar que a mistura que será empregada em uma defumação deve ser preparada com um número ímpar de plantas que, caso precisem ser secas, que a secagem se realize na sombra.
Defumações que tenham o objetivo de limpar um ambiente devem ser realizadas de dentro para fora de casa, ou seja, dos fundos à porta de entrada (ou em sentido horário). E defumações que sejam realizadas para chamar novas e boas energias são operadas da entrada para os fundos do local de morada (ou em sentido anti-horário).
Lembre-se que, sempre, após uma limpeza, você precisará, também, limpar-se. Em processos de autodepuração você pode empregar, junto ao Tabaco, sementes de Girassol e folhas de Boldo – elementos vegetais realmente fáceis de se encontrar.
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