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de Severino Cavalcante (1976).
Excerto de “Feitiços do Catimbó”.
O maracá, instrumento sonoro usado pelos pajés brasileiros, é a arma dos Mestres da Jurema para chamar os espíritos à sessão de fumaça. O maracá é muito conhecido também no toré, na pajelança e em vários ritos populares e sertanejos brasileiros.
O maracá é o “mbaracá” dos guaranis. Os mestres balançam os maracás chamando os caboclos. O som dos sinos, sinetas e campanas é usado desde a Idade Média, pois os crentes acreditam que esse som pode afastar o mal. Por isso, permanece o uso dos maracás nos cerimoniais religiosos.
Ao som dos maracás, são entoadas cantigas para chamar os espíritos.
Mestre Malunguinho é invocado desta forma:
Malunguinho, ó Malunguinho,
Caboclo índio real,
Com as forças de seu maracá
E do nosso Pai Celestial,
Abre as portas que eu te mando.
Sete pedras imperiais
Com a força de Salomão,
Nosso Pai Celestial.
E, imediatamente, reza-se pedindo a este espírito catimbeiro para abrir as portas dos reinos do Além.
ORAÇÃO A MALUNGUINHO
Malunguinho, tu que és o dono da chave que abre os caminhos, os portais do Reino, eu te peço, abra meus caminhos, ajuda-me a caminhar, e eu te darei uma vela de cera, pedindo a Deus que o ajude também em sua caminhada.
O maracá soa com toda a sua poderosa força mágica no instante em que é feita esta invocação.
Malunguinho é uma espécie de sacristão desta missa mágico-folclórica realizada nas caatingas. E os caboclos, os donos da terra, lá estão saravando e invocando seus antigos deuses da lua, do sol e das matas.
Outros sons, dolentes, que fazem um apelo à mente coletiva da gente do sertão, são assim:
MESTRE CARLOS, O MAIS AMADO DOS MESTRES
Vinde, vinde, vinde,
Ó flor da noite,
Reluzindo por todas as mesas.
ô Rei, ô rei, ô rei,
Mestre Carlos, vem trabalhar,
Meia hora de relógio
Licença me queiram dar!
Mestre Carlos é bom mestre,
Que aprendeu sem se ensinar.
Três dias levou caldo
Na raiz da jurema,
Quando ele se levantou,
Estava pronto pra trabalhar,
Triunfando na mesa escura,
Na sua mesa real.*
Mestre Carlos fuma “marcas” grandes, cheias de fumo picado misturado a alfazema e resinas cheirosas. Trabalha geralmente para o bem e não se mistura com catimbozeiros perigosos e malvados. Cura espinhela caída, terçol, amarelidão, e receita carne de onça, saião e agrião.
CAIPORA
Caipora vem do mato,
Trazendo os filhotes perdidos,
Igual a estes filhotes.
Eu quero ser recolhido,
Ora viva quem vem de dentro do mato,
Para flechar e ajudar a gente do mato.
Essa cantiga é para Caipora, uma travessa pequenina, acreditam que tenha o tamanho de um dedo. Quando chega às sessões, vem pulando, dando cambalhotas, trepando e virando com as pernas para o ar. É flechadora.
A origem deste mito é, logicamente, indígena. Caipora nasceu das histórias aborígenes contadas em volta das fogueiras. Para conhecer melhor esse mito, veja o livro “As Sete Giras de Exu”, de Maria Helena Firelli, onde há toda a mitologia africana, indígena e as crenças católicas dos colonos portugueses.
MESTRA FLOR
Ó flor, ó flor,
Ó flor da jurema,
Eu sou a Mestra Flor,
Que os meus irmãos venho salvar.
Espírito feminino, Mestra Flor é casamenteira. Quem desejar sua ajuda em um caso amoroso deve lhe entregar uma flor. Mestra Flor benze a rosa e a devolve. O dono ou dona da flor deve entregá-la à pessoa amada, e basta que essa pessoa a cheire (dizem os crentes) para, imediatamente, ficar apaixonada.
O modo de preparação e a reza para este filtro de amor, recolhido na Paraíba, é o seguinte:
“Primeiro, invoca-se Mestra Flor. Mesmo que não se esteja em uma sessão de catimbó, pode-se fazer a invocação, e depois diz-se o seguinte: Eu, através da força do amor e de Mestra Flor, vou dar a esta rosa toda a vibração de amor que sinto por fulano (ou fulana), e ao me ver, depois de eu mandar entregar esta rosa, fulano (ou fulana) ficará perdido(a) de amor por mim.”
Essa invocação foi feita por uma catimbozeira a uma jovem que vinha de longe para pedir ajuda em seu caso amoroso.
Bebendo jurema (cachaça com mel e ervas), a chefe do catimbó procedeu da maneira descrita. Realmente, o mundo dos catimbós é cheio de encantamentos e crendices, e, secretamente, desde seu surgimento, espalha seu poder mágico entre os sertanejos.
O som dos catimbós e a música de feitiçaria são interessantes e já foram alvo de estudos por Luís da Câmara Cascudo, Mário de Andrade e outros pesquisadores brasileiros. O efeito dessas melodias lentas ou desses ritmos batidos violentamente não é apenas religioso ou mágico. Mas também não é puramente fisiológico ou dinamogênico. Esse som deixa a criatura numa espécie de disponibilidade moral. Isso é o essencial, o princípio da função mágica da música. A música, nesse caso, age como um estupefaciente, violentando o ser físico, tirando-o de sua normalidade e deixando-o em uma verdadeira disponibilidade moral.
Com o som repetitivo, o indivíduo não apenas perde grande parte de sua individualidade, aquilo que é exclusivamente seu, como também retorna àquela forma primária do ser humano que Lévy-Bruhl chamou de mentalidade primitiva. Assim, ele deixa de lado grande parte de sua faculdade de reação intelectual. A música o torna maleável e dominável.
Com o som lento, batido, outras vezes violento, o indivíduo não reage, não recolhe os fatos que estão e passando para compará-los. É assim, facilmente manejado, orientado pelo líder (o dono do maracá, o mestre). Estando disponível, volteia, dança, canta, como um bêbado que pratica ações sem saber o porquê.
Ai está a importância psíquica das melodias, do fumo em excesso, dos incensos, das ervas, dos erós do candomblé, das abluções mágicas da feitiçaria.
No momento em que o ser físico está nesse estado de disponibilidade moral, começa o trabalho do mestre, do pajé, do pai de santo.
Magicamente, o mestre manobra a assistência, os outros médiuns da sessão, conduzindo-os com o poder de seu maracá, de suas ladainhas caboclas, de seus linhos.
O maracá e sua música na feitiçaria são tão importantes que, sem eles, não haveria sessão, não se alimentaria a mesa da Jurema, e não viriam do Além os Carlos, Severinos, Marias do Balaio e Zés Pelintras.
CANTIGA DE ZÉ PELINTRA
Ô Zé, quando for para a lagoa
Toma cuidado com o balanço da canoa.
Ô Zé, faça tudo o que quiser,
Mas não maltrate o coração desta mulher.
Essa cantiga já penetrou na Umbanda, nas giras dos Compadres. É alegre, contagiante, um samba rasgado que faz com que todos cantem e dancem também.
Cantigas como esta fazem a alegria das sessões e são o incentivo para que o catimbó continue a existir.
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