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Cultos Afro-americanos

Jurema Preta, Madeira Rainha

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Mestre Neto Juremeiro

Madeira de Lei significa, no Brasil, as madeiras que, por sua qualidade e resistência, são empregadas na construção civil, confecção de móveis de luxo, instrumentos musicais e artigos de decoração. Na Jurema Sagrada Catimbó, as madeiras de lei são utilizadas pelos pajés indígenas para invocar seus bons guerreiros e pessoas de grande destaque dentro das aldeias que desencarnaram. Essa invocação e encantamento são realizados ao pé de uma árvore de lei que, após alguns atos sagrados, passa a ser encantada para o espírito invocado, tornando-se uma cidade encantada para esse espírito.

A árvore Jurema Preta é chamada de Rainha, pois, entre as árvores de lei consagradas aos espíritos encantados, é a mais importante para os juremeiros. Dela se faz o cauim, entre outras lendas. Além dela, existem várias outras árvores veneradas, mas nenhuma tão importante quanto a Jurema Preta, a senhora Rainha. O início dos atos religiosos da pajelança, hoje na Jurema Sagrada de Caboclo – catimbó jurema, começa com a mutilação de um pedaço do tronco para iniciar o encantamento. No catimbó, com vários outros artefatos junto a esse tronco, alguns da natureza, realiza-se um altar com várias energias da natureza para realizar a invocação, a fim de encantar o caboclo ou mestre da corrente do juremeiro.

Esses arranjos são chamados de coisas de truqueira ou o assentamento do espírito encantado, que, quando esteve na terra, foi consagrado juremeiro ou, no ato de sua morte, foi encantado por seu caboclo ou mestre, sendo levado para o mundo dos encantados da Jurema Sagrada. Preparado para ter o direito de ser consagrado nas correntes de um discípulo, inicialmente a convite do dono das correntes, e com sua evolução passará a ser dono de corrente, até chegar o tempo em que não passará mais em terra, sendo consagrados aos que não acosta, sendo os guardiões que não se manifestam nos cultos, mas têm o dom de cantar e invocar o encantado nos coros de seu padrinho mestre. Isso porque sua mediunidade é de trabalhar acordado, pois seu mestre não acosta mais e é um mestre alto.

Toda a ciência deste encantado é puxada no tronco de uma árvore, junto com outros artefatos, criando um elo entre o juremeiro e o espírito encantado. Com o passar do tempo, o espírito encantado nas correntes do juremeiro vai acordando e transmitindo sua ciência aos discípulos, fazendo um elo entre o tronco e a natureza encantada, tendo vida na vida. Na minha rama, do Reino do Juremal, o tronco da árvore é uma representação onde está o espírito encantado na natureza, e não em um pedaço de tronco morto. Portanto, a vida na vida, e ele passa a ser vivo quando está acostado em seus discípulos.

Sobre a Jurema Preta

Jurema-preta (Mimosa hostilis Benth.) é uma árvore pertencente à família Fabaceae, da ordem Fabales, típica da caatinga, ocorrendo praticamente em todo o nordeste brasileiro. Bem adaptada ao clima seco, possui folhas pequenas alternas, compostas e bipinadas, com vários pares de pinas opostas. Possui espinhos e apresenta grande resistência às secas, com grande capacidade de rebrota durante todo o ano. Usada pelos índios da etnia xucurus-cariris em conjunto com a Jurema Branca (Mimosa verrucosa), é utilizada tradicionalmente para fins medicinais e religiosos. Sua casca é usada para fins medicinais, e a casca de sua raiz é a parte da planta usada nas cerimônias religiosas, pois possui grande quantidade de substâncias psicoativas, como o DMT.

Como tradição “mágica” religiosa, a Jurema Sagrada é um assunto muito estudado. É uma tradição nordestina que se iniciou com o uso desta planta pelos indígenas do norte e nordeste do Brasil, mas que atualmente possui influências variadas, desde a feitiçaria europeia até a pajelança, passando pelas religiões africanas, pelo catolicismo popular, e até mesmo pelo esoterismo moderno, psicoterapia psicodélica e pelo cristianismo esotérico. No contexto do sincretismo brasileiro afro-ameríndio, a presença ou não da jurema como elemento sagrado do culto estabelece a diferença principal entre as práticas de umbanda e do catimbó.

Apesar de bastante conhecida no Nordeste do Brasil, ainda não há consenso sobre a classificação exata da planta popularmente conhecida por Jurema.

A Árvore da Jurema Preta

A Jurema (Acacia Jurema mart.) é uma das muitas espécies do gênero Acacia. Várias espécies de Acácia nativas do nordeste brasileiro recebem o nome popular de Jurema. As acácias sempre foram consideradas plantas sagradas por diferentes povos e culturas de todo o mundo. Os egípcios e hebreus veneravam a “Acacia nilotica” (Sant, Shittim, Senneh), os hindus a “Acacia suma” (Sami), os árabes a “Acacia arabica” (Al-uzzah), os incas e outros povos indígenas da América do Sul veneravam a “Acacia cebil” (vilca, Huillca, Cebil), os nativos do Orinoco a “Acacia niopo” (Yopo). E os índios do nordeste brasileiro tinham na “Acacia Jurema Preta” (Jurema, Jerema, Calumbi) sua árvore sagrada, ao redor da qual desenvolveu-se a tradição hoje conhecida como “Jurema Sagrada”.

A Bebida Jurema

Os primeiros juremeiros faziam a Jurema com a raiz da Jurema Preta e outros componentes específicos, como cipós encontrados na mata. Quando os novos iniciados saíram das aldeias, agregaram valores e a bebida passou a ser chamada de Jurema de Caboclo. Essa bebida era feita na mata apenas por discípulos consagrados. Mestre Neto Juremeiro afirma que a bebida ficava em fusão enterrada ao pé das árvores sagradas de 6 meses a 1 ano, sendo ingerida em ritos realizados apenas na mata. Por esse motivo, foi batizada como Jurema de Caboclo, época em que não existia a corrente dos mestres (1532 a 1850).

A Jurema é uma bebida feita com a raiz ou a casca da árvore do mesmo nome. Os pajés, sacerdotes tupis, faziam uma bebida da raiz da Jurema Preta e da Jurema Branca, que induzia sonhos afrodisíacos. Era bebida sagrada, servida em reuniões especiais. Das raízes e raspas dos galhos, os feiticeiros, catimbozeiros do Nordeste, até o século XIX, bebiam jurema, sinônimo de feitiçaria ou prática de magia, pelo que muitos índios e caboclos foram presos acusados de praticarem o “adjunto da jurema”. Segundo Carlos Estêvão, que visitou os Pancararús de Brejo dos Padres em Taracatu, Pernambuco, em 1936, o preparo da Jurema ocorre da seguinte forma: raspada a raiz para eliminar a terra agregada, é colocada sobre outra pedra e macerada. Quando a maceração está completa, a massa é colocada em uma vasilha com água e espremida com as mãos. Pouco a pouco, a água se transforma em uma infusão vermelha e espumosa, até ficar pronta para ser bebida. Pronta, elimina-se toda a espuma, ficando limpa. O mestre cerimônia acende um cachimbo tubular feito de raiz de jurema e, colocando-o de forma invertida na boca, assopra sobre o líquido na vasilha, formando uma figura em cruz com um ponto em cada ângulo.

Os rituais que incluem a ingestão da bebida preparada com a jurema ainda são praticados por diversos remanescentes indígenas no Nordeste do Brasil, apesar do processo de integração à sociedade nacional e do combate pela colonização católica, com a inquisição e a perseguição policial. Podem ser identificados como etnias sobreviventes às Missões indígenas alguns grupos que ainda utilizam a Jurema em seus rituais: Kiriris, Tuxás, Pankararé no Nordeste; Tupinambás de Olivença – Sul da Bahia; Atikun, Fulniôs, Xucuru-kiriri em Pernambuco, Kariri-xocó de Alagoas e os Xocós de Sergipe.

O Uso Medicinal

Partes utilizadas: casca do tronco e da raiz, e folhas. Propriedades terapêuticas: cicatrizante, anti-inflamatória, antiviral, antifúngica e antisséptica. Indicações: o pó da casca é muito eficiente em tratamentos de queimaduras, acne, defeitos da pele e esfoladelas causadas por pressão. Tem efeito antimicrobiano, analgésico, regenerador de células, febrífugo e adstringente peitoral. As folhas são usadas com as mesmas finalidades. A casca da raiz tem efeitos psicoativos. O principal ingrediente ativo nesta parte da planta é N, N-DMT, e há também uma pequena quantidade de beta-carbolinas (de acordo com Raetsch, 2005). A casca é lisa, de cor acinzentada com estrias longitudinais abertas. Tem propriedades sedativa, narcótica, adstringente e amarga (Barbosa, 1988). Os taninos têm função fungicida e bactericida em qualquer solução que possua seus componentes. A jurema preta apresenta 17,74% de taninos condensados, que atuam como captadores de radicais livres e têm atividades antimicrobiana, antiviral, antifúngica, antidiarreica e antisséptica (Monteiro et al., 2005) e doenças gastrointestinais. O extrato de jurema preta apresenta atividade antimicrobiana contra Streptococus ssp. e Staphylococcus ssp., como também contra Proteus mirabilis e Shiguella sonnei (Trugilho, 2003; Paes et al., 2006; Gonçalves et al., 2005).

Modo de usar:

Decocção

  • É indicada no tratamento de feridas cutâneas, tais como queimaduras de segundo grau e feridas traumáticas superficiais.
  • Banhos para curar úlceras, cancros, flegmões e erisipelas pelo efeito cicatrizante.
  • Em animais domésticos, a planta é usada em lavagens contra parasitas.

Uso enteógeno da Jurema

O próprio termo comporta múltiplas denotações, associadas em um simbolismo complexo. Além do sentido botânico, a palavra Jurema designa ainda pelo menos três outros significados: preparado líquido à base de elementos do vegetal, de uso medicinal ou místico, externo e interno, como a bebida sagrada, “vinho da Jurema”; cerimônia mágico-religiosa, liderada por pajés, xamãs, curandeiros, rezadeiras, pais de santo, mestras ou mestres juremeiros que preparam e bebem este “vinho” e/ou dão a beber a iniciados ou a clientes; e a Jurema como sendo uma entidade espiritual, uma “cabocla” ou divindade evocada tanto por indígenas quanto pelos herdeiros de cultos afro-brasileiros, o Catimbó e a Umbanda. A casca da raiz da Jurema tem um papel interessante na história passada e presente do xamanismo psicodélico. É a única planta conhecida que pode ser usada numa poção para beber que, sem a ajuda de outra planta, induz experiências visionárias semelhantes às da ayahuasca. Na história brasileira, era usada no vinho da Jurema, uma cerimônia de preparação e ingestão desta planta. A Jurema é uma fonte comum para os ocidentais prepararem uma poção com uma farmacologia (uma planta inibidora da MAO – Mono Amino Oxidase e outra com DMT) semelhante ao que se faz com a ayahuasca.

O DMT, substância responsável pela experiência enteógena, está presente em maior quantidade na casca da raiz, mas também está disponível na casca do tronco. Apesar disso, ainda se sabe pouco sobre o potencial dessas plantas da caatinga nordestina. A sabedoria popular e alguns autores já mostraram espécies com atividades antioxidantes, anti-inflamatórias e cicatrizantes, entre outras, mas ainda hoje pouco se sabe sobre as substâncias que possivelmente sejam responsáveis por esses efeitos terapêuticos. Mesmo que seja apenas na sabedoria popular, as ervas são de grande importância para as populações locais. A Jurema Preta corresponde à Mimosa tenuiflora, semelhante à Jurema Branca, esgalhada e armada. A Mimosa hostilis pertence à família Leguminosae (Fabaceae), subfamília Mimoseae, tribo Eumimoseae (Mimosa L.), sect. Habbasia e ser. Leptostachyae.

Anahuasca

A Jurema é usada hoje em dia, sobretudo, em combinação com a Peganum harmala para preparar a chamada anahuasca, uma infusão enteógena semelhante à ayahuasca. Os efeitos podem ser descritos como uma limpeza física e mental, e uma ligação de 4 horas a mundos normalmente imperceptíveis. O efeito purgativo pode ser até mais forte do que o da ayahuasca. Aliado à sensação de aspereza e ao gosto amargo proporcionado pelos taninos, a bebida é rotulada como “imbebível”, mas para os conhecedores dos segredos dela, isso pode ser facilmente superado. A intensidade dos efeitos depende de muitos fatores, por isso muitas pessoas têm de adquirir experiência e passar por efeitos leves no início. Quando os efeitos são ligeiros, a maioria das pessoas experimenta algo semelhante ao atingido por cogumelos psilocibinos ou LSD, juntamente com dores de estômago nas primeiras 2 horas. Quando os efeitos são fortes, a maioria das pessoas experimenta uma mudança drástica na interpretação da realidade, ou mesmo algum tipo de transporte de todos os sentidos para outra dimensão. A anahuasca é conhecida por suas visões fortes, tanto positivas quanto negativas. As visões contam histórias sobre quem bebe a poção e sobre todo o universo. Muitas pessoas não têm visões e sentem a anahuasca através dos outros sentidos. Os efeitos purgativos podem ser muito fortes, com diarreia e vômitos.

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