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Os africanos trouxeram da África para o Novo Mundoos Orixás. No continente negro, em meio a numerosas nações, existia o culto a mais de 400 dessas divindades-ancestrais. O Candomblé e a Umbanda conservaram a devoção aos arquétipos mais significativos na relação com os homens e a natureza, preservando um número variável, entre 12 e 16 daqueles orixás. No entanto, na Quimbanda, somente a figura de Exu domina as crenças e práticas com uma única exceção: o orixá Omolu, reverenciado na linha Omolocô e que, não por coincidência, é Senhor das Coisas Pútridas, uma referência aos cemitérios e, por extensão, à morte. Evidentemente, existe uma razão para que Exu seja a figura central da Quimbanda e esta razão é a sua condição de intermediário, mensageiro entre os mundos de vivos e mortos.
A atitude de rejeição de determinados povos africanos aos valores do cristianismo católico certamente fortaleceu a importância da entidade posto que entre todos os orixás, Exu, logo a princípio, foi identificado pelo clero evangelizador com a figura do diabo, do mal, da falta de pudor e princípios morais. Exu, portanto, foi, desde logo, a figura ideal para representar a resistência da cultura religiosa dos negros, tanto na África quanto no Brasil.
Em 1884, o padre católico R.P. Baudin que pertencia à Sociedade das Missões Africanas e trabalhou como missionário na Costa dos Escravos [Nigéria, Gana] publicou o livro Féticchism e Féticheurs sobre a religião dos Iorubas estabelecendo uma clara identificação entre Exu e o Diabo de persiste até hoje. Segundo Baudin, Exu é o “chefe de todos os gênios maléficos”, que empurra o homem para todo o tipo de mal inclusive e, especialmente, a luxúria, o sexo. Classifica-o com o “Príapo africano” e descrevendo as cerimônias mais importantes dedicadas à entidade, escreve:
“Nas grandes circunstâncias, ele é inundado de azeite de dendê e sangue de galinha, o que lhe dá uma aparência mais pavorosa ainda e mais nojenta. Para completar com dignidade a decoração do ignóbil símbolo do Príapo africano, colocam-se junto dele cabos de enxada usados ou grossos porretes nodosos. Os abutres, seus mensageiros, felizmente vêm comer as galinhas, e os cães, as outras vítimas a ele imoladas, sem os quais o ar ficaria infecto… Uma vez por ano, o feiticeiro de Elegbá [Exu] junta os búzios para comprar um escravo que lhe é sacrificado…”
O sacrifício de animais, negado pela Umbanda, praticado no Candomblé, onde o sangue é derramado e o bicho vai para a panela e para o pao dos adeptos mesmo, na Quimbanda, foi assumido como elemento integrante de certos despachos, cujo nome correto é Ipadê de Exu: galinhas e galos, patas e patos, quase sempre pretos e, eventualmente, cabritos são utilizados nessas mirongas [magias]. Também são utilizados peixes e ovos. As formulas do Ipadês são personalizadas; os “ingredientes” variam caso a caso. Algumas entidades têm preferência por este ou aquele animal, como as Pombasgiras, afeitas às patas pretas, por exemplo. Mas nem todos os Ipadês, seja para Exu masculino ou feminino, Pombas-gira, incluem o sacrifício de animais ou carnes de qualquer espécie. A seguir, ebós light [que dispensam a degola de animais no local], preferidos Pombasgiras notáveis e características de alguns Exus:
Exu Tranca-Rua: Patrono dos empresários e dos militares, resolve causas complicadas, impossíveis, desembaraça encrencas e situações difíceis em geral. As ruas que ele tranca são os caminhos do inimigo. Aprecia cachaça, azeite de oliva, sal, charutos e em seu Ipadê inclui sete ovos. Se o problema envolve dificuldades econômicas, brigas, inveja, saúde e amor, o ebó é feito com um peixe médio sem escamas e sem vísceras, azeitonas verdes, charuto, uma bebida doce e uma vela preta e vermelha.
Exu Caveira: Pode ser evocado [no sentido de chamado] para combater inimigos. Como é um Exu de cemitérios e por isso seus Ipadês ou despachos são assentados, a partir da meia-noite, em cruzeiros de cemitérios. O ritual deve ser iniciado acendendo uma vela na sepultura que estiver mais próxima do cruzeiro: é um pedido de licença. O ebó deve conter um bife cru de carne de porco com farofa e azeite de dendê, cachaça ou absinto, vinagre e azeite doce.
Exu Capa Preta: O Exu Capa Preta É considerado um espírito velhíssimo e versado em magia negra. É um Exu de encruzilhadas e cemitérios. Seus Ipadês incluem carne de porco, farofa e bebidas destiladas e é capaz de solucionar qualquer problema. É chamado de “faca de dois gumes” porque, não raro, volta-se contra aqueles que solicitam seus serviços.
Exu Marabô: Conhecido como Senhor de Sete Cabaças e Senhor do Dendê, seus modos são cavalheirescos, aprecia bebidas finas e bons charutos. Viveu na Idade Média e,segundo alguns biógrafos, no norte da Finlândia! As sete cabaças são os receptáculos de seus segredos mágicos.
Exu Zé Pelintra: Tem fama de boêmio, malandro, brincalhão, beberrão, mas dedica-se a trabalhos “de luz”. Em sua última vida passada, era um caboclo nordestino e brigão mas também um grande conhecedor de ervas curativas para males do corpo e da alma. Também desmancha feitiços. uma cachimbo e anda descalço.
Maria Padilha: favorece a atração de simpatia, amor e destaque em qualquer meio. No Ipadê, os ingredientes são um bife de carne bovina em um prato de barro acompanhado de sete acarajé brancos,sete velas vermelhas, sete rosas abertas vermelhas,sete cigarrilhas, sete maçãs vermelhas e uma garrafa de licor de anis. Se o pedido é de vitória, satisfação de um desejo, Padilha pede dispensa a carne mas, além das maçãs, das rosas e das cigarrilhas, ela requer sete espelhos pequenos, purpurina dourada e prateada, um vidro de perfume e apenas uma vela vermelha. No favorecimento para o amor, em uma panela de barro com tampa são colocados um papel com o nome do pretendido escrito sete vezes, um miolo de boi, uma lata de figos em calda, um quilo de açúcar mascavo, essência de morango, creme chantilly e uma garrafa de anis.
Maria Molambo: Proporciona sucesso e esclarecimento com oferenda de farinha de mandioca, sete gemas de ovos, azeite de oliva e uma vela amarela. Se o caso é medo e insegurança, a pombagira aprecia sete peras d’água,sete ovos crus, sete pedras de carvão, sete rosas amarelas,sete ramos de trigo, perfume e a vela amarela. Maria Molambo também proporciona prosperidade, saúde, afasta rivais e pessoas inconvenientes.
Pombagira das Sete Encruzilhadas: Essa abre os caminhos e também recebe carne bovina crua, ovos caipiras, azeite de oliva, mel, purpurina e folhas de mamona.
Para sentir segurança e remover dificuldades, apela-se para a Pombagira da Figueira; para acabar com as confusões e as demandas, Pombagira Colondina, mestra de grandes feitiços; contra depressão, melancolia e inveja, Pombagira Cacurucaia; prosperidade e fartura, Pombagira Cigana.
Para conhecer com detalhes estes Ipadês e minúcias sobre as oferendas e procedimentos, consulte o livro Presenteie seus orixás e ecuruns: exus, pombagiras, caboclos e preto-velhos, de George Maurício e Vera Barros, online no Google Books. Todavia, é extremamente difícil encontrar literatura, na internet ou nas livrarias contendo “fórmulas” prontas para negociar interesses com aqueles numerosos Exús e Pombas-giras listados nos sete Reinos. Isso porque:1. tais fórmulas, “trabalhos” são configurados de acordo com o problema de cada um; 2. estas fórmulas são um “segredo profissional” dos sacerdotes da Quimbanda ou seja, são uma fonte de renda e para obtê-las torna-se, então, necessário, fazer uma consulta com o especialista…
por Ligia Cabús
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