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Cultos Afro-americanos

A Encantaria e os Encantados

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(Síntese do seminário ministrado pelo professor Rômulo Angélico @romulo_guyrauna )

 Podemos, em linhas gerais, considerar “encantaria” como um termo genérico que envolve toda Tradição, seja culto ou religião, através da qual entidades espirituais chamadas “encantados” são cultuadas ou com as quais se trabalha.

Com essa expressão temos condições de nos referir tanto às práticas mágicas, medicinais e ritualísticas, puramente indígenas (que também são, genericamente, chamadas “pajelança”); como às tradições híbridas, caboclas, semelhantes ao atual Catimbó-Jurema nordestino.

O termo “encantaria” nasceu, possivelmente, durante o período colonial da História do Brasil. No contexto dos encontros e inter-relacionamentos ocorridos entre nativos de diversas etnias indígenas e povos adventícios dos continentes europeu e africano, elementos culturais se fundiram – dando origem a outros elementos e práticas espirituais comumente chamadas pela academia “miscigenadas”. O Catimbó contemporâneo é um grande exemplo que corrobora esta afirmação.

O termo inkant, da língua Brobó (dialeto da grande nação Tarairiú), nomeia um antigo ritual através do qual seres espirituais eram evocados. A semelhança dessa palavra com “encanto”, de origem ibérica, é evidente – e por proximidade fonética os termos podem ter sido fundidos. Além disso, enquanto bruxas e cabalistas portugueses que estiveram no Brasil durante o período colonial acreditavam que por trás da Natureza, habitando-a, havia uma série de espíritos (mouras encantadas, espíritos elementais, sereias, dentre outros), os índios, por sua vez, compreendiam que havia, nas florestas, seres responsáveis pela guarnição da fauna e da flora e outros espíritos ligados a determinados vegetais, animais e estrelas (aqui não faço alusão a entidades de matriz africana, mesmo sabendo que determinados seres dos panteões afro também se assemelham às entidades ibérica e indígena). Essa miríade de entes passou a compor o universo dos encantados e a Encantaria (conforme esta perspectiva mais geral e abrangente).

Conforme a visão de juremeiros mais antigos de nossa geração, o que seria o Encanto? Seria uma espécie de lugar ou reino sagrado, espiritual, misterioso, que envolve ou está intimamente ligado ao mundo em que habitamos e que, por sua vez, é lugar de morada de centenas de entidades chamadas “Mestres” e “Caboclos”. Os mestres juremeiros chamam-no, também, de “Juremal” – e afirmam que esse “Reino da Jurema” está dividido em reinos menores nos quais são encontradas diversas cidades e aldeias.

Analisando o que nos ensina a Tradição do Catimbó e as manifestações de encantados nas sessões ritualísticas características do Culto à Jurema; e tentando interpretar minhas análises à luz de ciências ocidentais (como a Psicologia Transpessoal e a Física Quântica) e da Parapsicologia, tentei esboçar uma nova definição que, embora ainda esteja em construção, tende a nos trazer uma maior clareza sobre o Encanto e seus habitantes.

A princípio observei, ao longo de anos, os tipos de seres que se manifestam nas sessões (principalmente nas cerimônias ocorridas no litoral sul do Rio Grande do Norte, nos espaços sagrados dos juremeiros canguaretamenses) com o objetivo de compreender minimamente suas origens. Percebi que nas “mesas” (é este o nome que se dá às sessões de Jurema) manifestam-se: espíritos de seres humanos, homens e mulheres que, em algum momento de suas vidas, interagiram com os Mistérios da Jurema e se literalmente encantaram (passaram para esse Reino Espiritual sem sofrer a experiência de morte), ou que, após o desencarne, tiveram suas almas encantadas (sejam essas pessoas índios, caboclos, negros, ciganos, bruxas, padres, cabalistas, parteiras, rezadeiras, etc.); espíritos de animais sagrados chamados “xerimbabos”, responsáveis pela existência e sustento de diversas espécies; entes vegetais, protetores das mais diversas classes de plantas; e entes estrelares, provenientes de estrelas específicas ou constelações.

Todos esses seres são chamados, no Catimbó, “encantados”, “mestres” e “caboclos”, e podem atuar nas sessões de diversas formas: seja irradiando energias e forças, protegendo os terreiros; ou dialogando e trabalhando através de médiuns juremeiros.

Espíritos de pessoas mortas também podem se fazer presentes em determinados trabalhos de Jurema, assim como Exus, Pombogiras, Guardiões da Floresta e espíritos elementais – o que me levou a concluir, mesmo que provisoriamente, que o que chamamos “Encanto” não é exatamente um lugar, mas, uma faixa vibratória ou frequência que envolve diversas outras faixas: a de seres humanos vivos e mortos, o Reino Animal, o Reino Vegetal, o Reino Elemental, a Floresta e a contraparte energética dos mundos estrelares.

No Catimbó-Jurema contemporâneo, nas casas juremeiras que conservam elementos tradicionais mais antigos, encontramos a manifestação de encantados que se destacaram na história da religião – dentre os quais podemos citar: Manicoré, o último dos grandes pajés de linhagem divina, oriundo de uma genealogia de Karaíba (homens santos) emanados do próprio Criador de Todos os Seres (Munhangara, Criador, conforme o Tupi Antigo); Kanindé, guerreiro Tarairiú, principal líder do maior movimento de combate à invasão portuguesa da História do Brasil (evento conhecido na historiografia brasileira como Guerra dos Bárbaros), cultuado e reverenciado pelos antigos juremeiros do Rio Grande do Norte como Rei da Jurema; Mestre Carlos, Rei dos Catimbozeiros, que mergulhou no Encanto ainda menino e de lá, três dias após ter desaparecido, retornou como Mestre que aprendeu a trabalhar sem por ninguém ser ensinado; Florzinha da Mata (também chamada Comadre Florzinha e Mestra Andilina Caipora), entidade protetora da Floresta e dos animais de pequeno porte; e Mestre José Pelintra, Padrinho dos Catimbozeiros, considerado “Rei das Tribos” justamente por poder caminhar e trabalhar em todas as encantarias e ainda em outras Tradições.


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