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O abade Trithème possui, sobre outros personagens do presente livro, a vantagem de ter realmente existido. Nasceu em 1462 e morreu em 1516. teve numerosos historiadores, entre os quais Paul Chacornac: “Grandeza e adversidade do Abade Trithème” (Paris, 1963). No entanto, devo deixar claro desde já que não estou totalmente de acordo com esse eminente historiador. Não quero absolutamente dizer que ponho em dúvida seu valor como historiador, mas que tenho em meu poder certas informações que Chacornac consideraria, talvez, secundárias, mas que me parecem, a mim que sou especialista, ao mesmo tempo, em criptografia e no estudo das técnicas desaparecidas, de capital importância.
De outra parte, minhas fontes não ultrapassam as de Chacornac.
Isto dito, começamos pelo começo. O Abade Jean de Heidenberg, que se fez chamar Abade Trithème, nasceu em 2 de fevereiro de 1462, em Tritthenheim. Entrou para a célebre universidade de Heidemberg em 1480, para aí fazer seus estudos. Obteve certificado de pobreza que o dispensou de pagar os estudos. Fundou com Jean de Dalberg e Rudolphe Huesmann uma sociedade secreta para estudar astrologia, a magia dos números, as línguas e a matemática. Os participantes adotaram pseudônimos. Jean de Dalberg tornou-se Jean Camerarius; Rudolphe Huesmann tornou-se Rudolf Agrícola; Jean de Heidemberg tornou-se Jean Trithème.
Não se escolhia, geralmente, pseudônimos ao acaso, mas não se conhece a origem dessas escolhas, salvo que o número três nelas figurava visivelmente. A sociedade mesma adotou um nome secreto muito significativo: Sodalitas Céltica, a Confraria Celta. Aos primeiros participantes juntou-se o judeu Paul Ricci, que lhes ensinou a Kabala. Em 2 de fevereiro de 1482, dia em que completava vinte anos, Jean Trithème entra para a Ordem dos Beneditinos, no mosteiro de Saint-Martin-de-Spanheim. Seria mais tarde abade de Spanheim, depois de Wurtzbourg. Sua piedade cristã não parecia duvidosa.
Será ela quem o protegerá de certas tentações, quando ele se interessa pela alquimia e pela magia. Esse interesse parece ter sido aquele de um cientista desinteressado que não busca nem riqueza nem poder pessoal. A atitude do abade Trithème parece ter sido idêntica àquela do cônego de nossos dias, Lemaitre de Louvain, que criou a teoria do universo em expansão e que foi admirado pelo próprio Einstein. O que não o impedia de buscar nesse fenômeno suposto do universo em expansão, a prova da existência de Deus.
Trithème reuniu no mosteiro de Saint-Martin a biblioteca mais rica da Alemanha, que se compunha, essencialmente, de manuscritos. Não gostava de livros impressos, recentemente inventados, e que achava vulgares. Essa biblioteca, constituída às suas expensas, custou-lhe mais de 1.500 ducados de ouro.
Fazendo-se passar por erudito e historiador, prosseguiu nas buscas. Bem estranhas buscas. Buscas sobre as quais cometeu o erro de escrever cartas imprudentes a indiscretos e a invejosos que se vingariam dele, prejudicando-o. Suas buscas voltavam-se a um processo para hipnotizar pessoas à distância, por telepatia, como o auxílio de certas manipulações de linguagem. A lingüística, a matemática, a kabala e a parapsicologia se misturavam estranhamente em seus trabalhos.
O livro, em oito volumes, que reunia suas buscas e que continha os segredos de um incrível poder, chamava-se Steganographie. O manuscrito completo foi destruído pelo fogo sob as ordens do Eleitor Philippe II, que o encontrou na biblioteca de seu pai e ficou aterrorizado.
Nenhum exemplar completo desse livro subsistiu. Insistimos, o manuscrito que continha a chave dos maiores poderes foi destruído. Não existe nenhuma cópia. O Dr. Armitage, que na novela de Lovecraft “A abominação de Dunwich”, se serve de manuscritos para decifrar antigos códigos cifrados, foi inventado por Lovecraft, que não acreditava, absolutamente, que seu herói tivesse tido uma realidade histórica, e que não teve certamente em mãos a Steganographie completa, como nenhum outro.
Existe, entretanto, um manuscrito fragmentário que cobre mais ou menos 3/8 da obra, a que nos reportaremos.
Que havia nessa Steganographie?
Citemos, primeiro, alguns testemunhos do próprio Trithème:
“Um dia deste ano de 1499, após sonhar muito tempo com a descoberta de segredos desconhecidos, persuadido, afinal, que o que eu procurava não era possível, fui deitar-me, um pouco envergonhado, pela loucura de querer encontrar o impossível. Durante a noite (em sonho), alguém se apresentou a mim chamando-me pelo nome: Trithème, disse me, não creia ser em vão seus pensamentos. Mesmo que as coisas que procura sejam impossíveis, a você e a qualquer outro homem, elas irão ao seu encontro.
– Ensine-me, disse eu, o que é preciso fazer para tê-las?
Então, ele descobriu todo o mistério e me mostrou que nada era mais fácil.”
Trithème pôs-se, então, a trabalhar e eis aqui, sempre de sua própria boca, o relato do que ele encontrou:
“Posso assegurar que essa obra pela qual ensino numerosos segredos e mistérios pouco conhecidos, parecerá a todos, ainda mais aos ignorantes, conter coisas sobre-humanas, admiráveis e incríveis, visto que nenhuma outra pessoa anteriormente sobre isto escreveu ou falou antes de mim.
O primeiro livro contém e mostra mais de cem maneiras de escrever secretamente, e sem nenhuma suspeita, tudo o que quisermos e não importa em que língua conhecida, sem que se possa suspeitar o teor, e isto sem metátese nem transposição de letras, e também sem nenhum temor nem dúvida que o segredo possa ser conhecido por alguém, a não ser aquela a quem cabalisticamente eu tiver ensinado essa ciência, ou àquela a quem meu binário cabalisticamente transmitir. Como todas as palavras e letras empregadas são simples e familiares, não provocam nenhuma desconfiança e não haverá ninguém, por mais experimentado que seja, que possa por si mesmo descobrir meu segredo, o que parecerá a todos uma coisa formidável, e aos ignorantes uma impossibilidade.
No segundo livro, tratarei de coisas ainda mais maravilhosas, que se aliam a certos meios, graças aos quais, de maneira segura, posso impor minha vontade a qualquer pessoa que receberá o sentido de minha ciência, o mais longe que esteja, mesmo a mais de cem léguas de mim, e isto sem que me possam suspeitar de empregar sinais, figuras ou quaisquer outros caracteres, e se uso para isso um mensageiro e que ele seja preso a caminho, nenhum rogo, ameaça ou promessa, nem mesmo a violência poderá obrigar esse mensageiro a descobrir meu segredo, pois dele não terá nenhum conhecimento; e isto porque ninguém, por mais esperto que seja, poderá descobrir o segredo.
E mesmo todas essas coisas, posso fazer quando quiser, facilmente, sem o auxílio de ninguém, nem mensageiro, mesmo com um prisioneiro encerrado num lugar tão profundo e sob guarda vigilante.”
São pretensões formidáveis.
A maior parte dos historiadores do abade Trithème diz que disso ele nada encontrou e que vivia de ilusões. Não é esta nossa opinião. Penso que Trithème, realmente, fez uma admirável descoberta, que foi obrigado a calar-se, e que a destruição de seu livro faz parte de uma ação que já se torna natural dos Homens de Preto, aos quais meu livro é consagrado.
Trithème agiu mal ao ser muito racionalista para sua época, notadamente por atacar a astrologia. Eis o que ele disse:
“Para trás, homens temerários, homens vãos e astrólogos mentirosos, que enganam as inteligências e que ficam em frivolidades. Pois a disposição das estrelas nada influi sobre a alma imortal, nenhuma ação tem sobre a ciência natural; ela nada tem a ver com o saber supra-celeste, pois o corpo não pode ter poder a não ser sobre o próprio corpo. O espírito é livre e não está submetido às estrelas, não absorve suas influências e não segue seus movimentos, mas está em comunicação somente com o princípio supra-celeste, pelo qual foi feito e pelo qual se tornou fecundo.”
Nessa nota, como em muitas outras cartas e escritos de Trithème, aparece uma mentalidade absolutamente racional. O que ele chama de magia natural, é o que chamamos de técnicas.
Atribui-se a ele livros sobre a pedra filosofal. Não é certo. Os livros de Trithème foram extensamente comentados pelo alquimista inglês George Ripley, que escreveu: “Suplico aos que sabem para não publicar”. Depois de sua morte, uma reputação de mago negro caiu sobre o abade Trithème. Um dos jesuítas mais ferozes da Inquisição, Del Rio, perguntará por que a Steganographie, que entretanto só circulava sob a forma de notas incompletas, não estava entre os livros proibidos censurados. Logo, livros que fazem o tema de meu trabalho.
Em 1610, só então, em Frankfurt, uma primeira edição do que restava da Steganographie foi publicada por Mathias Becker. Tal edição traz a indicação “com privilégio e permissão dos Superiores”, mas nenhum imprimatur aí figura. O que nos faz indagar de quais Superiores se trata.
O livro contém um prefácio que desaparecerá em seguida e onde se encontra uma frase curiosa: “Mas, talvez, alguém me objetará, pois se queres que esta ciência fique escondida, por que, então, quiseste revelar o sentido das cartas em questão?
Eu te responderei que é porque quis beneficiar com estes excelentes princípios certos grupos de pessoas dos quais faço parte, a fim de defendê-los de múltiplos perigos, e a fim de colocá-los ao abrigo de certos acidentes fortuitos.”
É um ponto de vista perfeitamente razoável. Mas o livro, mesmo truncado, parecia ainda perigoso. Também essa edição, apesar de incompleta, foi incluída no Index pela Congregação do Santo Ofício, em 7 de setembro de 1609. tal proibição deveria durar até 1930.
Em 1616, uma defesa do abade Trithème, feita pelo abade Cigisemon, do mosteiro beneditino de Céon, na Baviera, foi publicada. Em 1621, apareceu uma nova edição reduzida. Trazia igualmente a menção “com a permissão e de acordo com os Superiores”. Desta vez, não podia tratar-se de superiores eclesiásticos, pois a obra estava no Index desde 1609. quem são esses Superiores misteriosos?
Existem em algumas bibliotecas alguns números dessa edição. O que se pode encontrar aí uma teoria geral dos códigos de transposição, tais como ainda empregamos, em nossos dias, na diplomacia e na espionagem.
Um certo número de exemplos de textos de transposição conteriam, segundo os eruditos, uma parte ao menos dos ensinamentos contidos na edição completa destruída. Nenhum dos ensinamentos convence. Mais tarde, o Padre Lê Brun assinala que a utilização da Steganographie comporta o uso de uma aparelhagem: “Ouvi dizer, muitas vezes, que algumas pessoas comunicam-se segredos, a mais de cinqüenta léguas de distância, usando agulhas imantadas. Dois amigos tomaram cada um uma bússola, ao redor da qual estavam gravadas as letras do alfabeto e pretendiam que um dos dois, fazendo aproximar a agulha de algumas letras, a outra agulha da outra bússola, distanciada de algumas léguas, se voltasse para as mesmas letras.”
Isto parece muito interessante. Um aparelho desse tipo seria perfeitamente realizável em nossos dias, graças a transistores. Mas se os homens tivessem esse poder no começo do século XVII, teriam a vantagem de ter em mãos um meio de transmissão absolutamente indetectável e, naturalmente, sem nenhum pacto com o demônio e sem colocar em perigo a alma de seu usuário.
Se uma sociedade se apropriou desses segredos, é bem verossímil que tenha querido guardá-los. Isto, ela parece ter conseguido.
Uma outra obra de Trithème, a Poligrafia, trata exclusivamente das escrituras secretas, e de maneira extremamente moderna. A obra apareceu em 1518 e uma tradução francesa foi feita em 1561. Foi largamente plagiada. Nessa obra, só se trata da criptografia pura, sem nenhum segredo do tipo oculto.
Para ser mais exato, assinalemos que, em 1515, Trithème publicou uma teoria cíclica da história da humanidade, lembrando ao mesmo tempo a tradição hindu e certas teorias modernas. O livro se intitula Das sete causas secundárias, isto é, as Inteligências, ou Espíritos do mundo após Deus, ou cronologia mística, encerrando maravilhosos segredos dignos de interesse. A obra é baseada nos trabalhos do cabalista e mago Pierre d’Apone. Este inquietara de tal modo a Igreja, que, quando morreu, em 1313, em Pádua, a Inquisição procurou seu corpo para queimá-lo, mas não conseguiu encontrá-lo. Amigos de Pierre d’Apone haviam guardado seu corpo na Igreja Santa Justina. Raivosa, a Inquisição queimou, em seu lugar, uma efígie sua.
A obra de Trithème tem um grande interesse para o leitor de romances de ficção e de imaginação modernos. Foi nela, com efeito, que C. S. Lewis encontrou a idéia dos edila, anjos que fazem funcionar o sistema solar. Isto dado, a teoria dos ciclos é admitida por pessoas sérias, e uma vez mais Trithème nos fornece idéias modernas. Bem entendido, não se pode tê-lo como responsável dos delírios que seu livro produziu, e notadamente da explicação que, por volta de 1890, dele forneceu uma sociedade secreta, a Hermetic Brotherhood of Luxor. Pode-se, entretanto, lembrar, a propósito, a opinião de Trithème sobre astrologia, opinião que citamos anteriormente.
Para os que apreciam ninharias, assinalamos que Trithème predisse em seu livro, dando-lhe a data exata, 1918, a declaração Balfour relativa à criação de um Estado Judeu em Israel, e que tal afirmação foi feita 400 anos antes do acontecimento.
Passemos sobre os livros desaparecidos de Trithème, dos quais não estamos certos se ele realmente os escreveu, e voltemos à nossa hipótese relacionando-a com a Steganographie.
Parece-nos que Trithème teria encontrado um meio, manipulando símbolos a partir da linguagem, de produzir efeitos que podem ser constatados por outros espíritos a grande distância, e que permitiria controlar tais espíritos. Isto parece extraordinário, mas bem possível. Trithème via o mundo com olhos novos, e era perfeitamente capaz de ter inventado alguma coisa inteiramente nova.
Ele mesmo nunca teve senão pretensões razoáveis: “Nada fiz de extraordinário, e no entanto corre o boato de que sou “mago”. Li a maior parte dos livros de magos, não para imitá-los, mas com a idéia de refutar um dia suas perigosas superstições.”
Por isto, estou inclinado a crer nos poderes perfeitamente naturais, nos quais Trithème insiste, da Steganographie. Um tal poder é evidentemente perigoso. Trithème logo tornou-se prudente. Recomendou, também, a prudência a Henri Cornelius, diz Agrippa, que parece nunca ter sido seu discípulo, mas que o felicitava ardorosamente por sua “filosofia adulta”. Ele o aconselhou sabiamente:
“Dê feno aos bois, mas aos papagaios somente açúcar.”
Quanto a Paracelso, tinha doze anos quando Trithème morreu e nunca se encontrou com ele. Paracelso não lhe inspiraria nenhuma confiança. Quando muito, Paracelso podia ter lido seus livros. Ademais, em quem Trithème poderia confiar se, como sustentamos, ele realmente descobriu um meio de controle telepático à distância? Qual Papa, qual Imperador, seria tão sábio para dispor de um tal poder? Compreende-se que Trithème se tenha calado. Compreende-se, também, que seu manuscrito tenha sido destruído e que as edições truncadas não podiam aparecer senão com a “autorização dos Superiores”.
Citemos, ainda, uma de suas cartas, e imaginemos, por um instante, que ele dizia a verdade. “Pois esta ciência é um caos de uma profundidade infinita que ninguém pode compreender de maneira perfeita, pois apesar de todo o conhecimento e experiência dessa arte, sempre o que tiveres aprendido será bem inferior em quantidade a tudo o que não sabes. Essa arte profunda e tão secreta possui, com efeito, essa particularidade, que o discípulo tornar-se-á facilmente mais sábio que seu mestre, se contudo esse discípulo estiver bem disposto para progredir, e se ele mostra zelo nessas matérias contidas na Kabala hebraica. Se algum leitor não se espantar com o nome, a ordem e a natureza de certas operações dirigidas a espíritos, e pensa ser eu um mago, necromante, ou que concluí algum pacto com o demônio, e que adoto tal ou qual superstição, julgo conveniente erguer um protesto solene neste prefácio, e de preservar, assim, meu nome e minha honra dessa semelhante mancha.”
O caos onde se encontra todo o saber não é o que mais tarde chamaríamos de inconsciente coletivo? Foi talvez interessante que o segredo de Trithème tenha desaparecido, mas não tenho dúvida de que Trithème realmente descobriu um grande e terrível segredo.
por Jacques Bergier
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