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“A colonização do Congo foi a mais infame corrida aos rendimentos, tendo desfigurado, para sempre, a história da consciência humana.”
– Joseph Conrad, Coração das Trevas
Grécia antiga, o lar de quase todas as boas tragédias.
Era lá que vivia, de uma forma ou de outra, Tântalo, o rei de Frígia. Ele era filho de Zeus e lhe deu três netos: Níobe, Dascilo e Pélope. Como aparentemente para esse tipo de gente ter uma vida boa, ser o filho do chefe e ter tudo o que deseja nunca é suficiente, resolveu testar a omnisciência dos deuses, preparando uma festa e lhes oferecendo a carne de seu próprio filho. Óbvio que os deuses ficaram putos e o puniram, sendo proibido eternamente de saciar sua fome ou sua sede. Mas a desgraça da família não pára por ai: Níobe, a filha de Tântalo, teve quatorze filhos, sete homens e sete mulheres. Certa feita, vendo o povo rendendo tributo a Leto, deusa do anoitecer, a escarneceu, insultando-a por só ter tido dois filhos – Apolo e Ártemis. Evidentemente Lato ficou puta e como resultado matou a todos os seus filhos e filhas, mas não de uma vez, ela queria ver Níobe sofrer e se arrepender, então as mortes foram espaçadas e sofridas.
Em 1802, mais de seis décadas antes da publicação da tabela de Mendeleiev, Anders Ekeberg, um sueco, descobriu o que parecia ser um novo elemento e o batizou de Tântalo – o que talvez nos mostre que mesmo então as sementes da nerdisse já se encontravam presentes em muitas pessoas. O problema é que na época, outro mineral parecia ser a amostra de um novo elemento, e foi batizado como Columbium. Por anos se analisaram ambos os elementos e em 1809 William Hyde Wollaston chegou à conclusão de que ambos se tratavam da mesma coisa, apesar da amostra do Columbium possuir uma densidade menor do que a amostra do Tântalo, fora por esse detalhe ambos os minerais era idênticos.
Bem, se eu lhe mostrar duas maçãs e disser que são idênticas, a não ser pelo detalhe de uma ser mais pesada do que a outra, algumas luzes de alerta provavelmente se acenderão em sua mente. E foi o que aconteceu na mente de Heinrich Rose, um químico alemão, que em 1846 resolveu ver qual era a diferença entre esses dois minérios idênticos que apresentavam densidades diferentes e ele descobriu algo assombroso, ao menos para um químico do século XIX: aquela amostra era composta de dois elementos combinados! Como aquilo já era conhecido por Tântalo, Rose resolveu dar um novo nome para o novo elemento que se agarrava ao primeiro, e recorrendo à mitologia o batizou com o nome de um dos filhos do antigo rei grego: a deusa das lágrimas Nióbio.
Talvez uma escolha de nomes nunca tenha sido tão acertada, como veremos adiante.
Hoje ambos os elementos podem ser encontrados na família 5B dos elementos. O Nióbio com número atômico 41 e o Tântalo logo abaixo na coluna, com número atômico 73. Esses dois elementos possuem algumas características interessantes, compartilhadas por seus vizinhos da tabela periódica. Para início de conversa eles são metais, metais densos, são resistentes ao calor, não são corrosivos e ainda agüentam um choque, eles seguram bem uma carga elétrica, e você pode apostar que se não os tiver carregando em seu bolso eles devem estar ao alcance de suas mãos.
Mas vamos dar um tempo com a química chata, para falarmos um pouco sobre política chata.
Quem gosta de acompanhar novos mapas que são lançados todos os anos no mercado já percebeu que existem regiões do mundo em que países mudam de nome com quase mais freqüência que a nossa moeda até a segunda metade dos anos 1990. Veja a África por exemplo.
Durante anos e décadas a instabilidade e as revoltas assolaram uma área em especial até o ano de 1965, quando o tenente-general Mobutu Sese Seko, que na época era o comandante em chefe do exército congolês tomou o poder da região. Mobutu autodeclarou-se presidente por cinco anos e em 1970 consolidou o seu poder ao ser eleito presidente sem oposição renomeado assim a região para República do Zaire. Esse nome perdurou até 1997 quando em finais da Primeira Guerra do Congo Mobutu foi derrubado e fugiu do país. Laurent-Désiré Kabila assumiu a presidência mudou o nome do país para República Democrática do Congo.
Um dos países vizinhos do Congo é Ruanda, ficou famosa internacionalmente graças aos massacres de Ruanda nos anos 1990. Como resultado dessa fama, certo dia em 1996 o governo deposto de Ruanda fugiu para o Congo em busca de asilo. O problema é que a África é um caldeirão de ódio racial e ressentimento, ou para usarmos uma metáfora química é como um enorme e plácido lago com uma enorme pedra de sódio puro equilibrando-se por um fio, prestes a cair em um mergulho de cabeça nas águas logo abaixo. E foi isso o que aconteceu. No final das contas 9 países e duzentas tribos de diferentes etnias, cada uma com seus problemas mal resolvidos e com a justiça a seu favor, estavam em guerra no meio da floresta.
Mas o Congo contava com uma vantagem em nome da paz. Ele possui uma área maior do que o Alasca e é denso como a Amazônia – onde não há desmatamento. Isso implicaria em uma guerra curta, já que sua inacessibilidade não o torna o local ideal para guerras prolongadas. Sem uma entrada constante de dinheiro os aldeões não teriam como sustentar um conflito por muito tempo.
O problema é que no mundo exterior outra revolução começava a tomar dimensões titânicas.
Em 1888 Heinrich Hertz se tornou o pioneiro na transmissão de códigos pelo ar, entre outras coisas a descoberta do físico alemão tornou possível a primeira ligação por telefonia entre continentes em 1914. Em 1979 o telefone celular se tornou uma realidade tanto no Japão quanto na Suécia e em 1983 começou sua conquista em solo Americano.
Em 1989 haviam 4 milhões de assinantes do serviço móvel de telefonia no mundo todo, em 2009 já eram mais de 4,6 bilhões, quase 2/3 da população mundial.
Com o crescimento – explosão seria um termo melhor – da industria dos celulares, a necessidade de grandes quantidades de material para fabricá-los se tornou vital. E aqui voltamos para a química. Por suas características, os elementos 41 e 73 se tornaram partes fundamentais na fabricação dos aparelhos, e adivinhe que país do mundo é responsável por 60% do suprimento desses elementos? No Congo eles são encontrados no solo, na forma de um mineral conhecido como Coltan – ou columbita-tantalita se preferir um termo mais técnico.
Em 1991 as vendas de aparelhos celulares eram de praticamente zero, em 2001 elas atingiam a casa de um bilhão, e a necessidade de Tântalo fez com que o preço do Coltan aumentasse em mais de 10 vezes. As pessoas que compravam minérios para os revender aos fabricantes de celulares não queriam nem saber de onde vinha o Coltan, contando que continuassem chegando remessas cada vez maiores, os mineiros congoleses, por sua vez, não tinham idéia do que faziam com aquela lama espessa que retiravam com pás do leito de riachos, apenas sabiam que os brancos estavam pagando o que pedissem por ela e que esse dinheiro poderia ser injetado na milícia local de sua preferência. Assim, uma guerra que estaria fadada a se extinguir começou a receber combustível para aumentar, foi como jogar gasolina em uma fogueira que estava para apagar.
Ironicamente, quando pensamos no sistema político sob o qual vivemos e que defendemos, imaginamos que estamos criando um país livre de monstros ditadores que odeiam a liberdade. Pensamos em leis anti monopólio, em impostos sendo distribuídos para todos, e achamos que isso é bom. A África, por outro lado, teve uma história repleta de ditadores e exploradores, mas no caso do Coltan, não havia quem o controlasse. Não havia um líder que exigisse receber o dinheiro conseguido com a venda daquela lama, qualquer um com uma pá e um carrinho de mão podia começar uma empreitada financeira de sucesso. E todos perceberam isso. Um homem em poucas horas conseguia ganhar mais dinheiro do que um fazendeiro seria capaz de ganhar em um ano, e conforme o preço do Coltan aumentava mais fazendeiros largaram suas lavouras para ir cavar lama.
O Congo nunca foi famoso por sua distribuição de alimentos, e a perda de fazendeiros e plantações não ajudou com que mais alimento fosse produzido. O suprimento de comida que já era instável foi profundamente perturbado pela mudança de profissão dos nativos e logo as pessoas perceberam que mesmo que possuíssem dinheiro, não havia mais comida para ser comprada, e foi ai que começaram a ter uma idéia brilhante: comer gorilas! Não de uma forma anti-cristã e zoófila, mas os caçando, os matando e os colocando em um espeto. Isso praticamente levou os gorilas à extinção.
Além disso existe um fator contra-intuitivo nesta história. Sempre que pensamos em ajudar alguém, uma ong ou um grupo de pessoas, a idéia de juntar dinheiro é a que surge mais rápido, e geralmente essa é a pior idéia. Injetar grandes – grandes mesmo – quantidades de dinheiro em uma terra de ninguém, onde não existem líderes ou governos, apenas serve para se criar a forma mais feia de capitalismo. Tudo o que existia na região passou a ter um preço, surgiam grandes acampamentos que se assemelhavam a pequenas cidades estado, cercados com prostitutas escravizadas e era comum que qualquer desafeto se tornasse uma recompensa a ser dada para quem resolvesse o assunto na ponta da espada, ou das balas, ou da lança. Assassinos que não apenas matavam, mas removiam as entranhas de suas vítimas e as enrolavam no próprio corpo enquanto dançavam em sinal de vitória.
Levaram alguns anos para que os fabricantes de telefones celulares perceberem que estavam na verdade financiando uma miniatura do inferno na terra, e decidiram que não dariam mais dinheiro àqueles imaturos, passando a comprar o Tântalo e o Nióbio da Austrália, por um preço um pouco mais salgado… mas o que é o dinheiro quando se pode dormir com a consciência limpa. Assim hoje, sempre que você reclamar que está sem sinal da TIM, tenha em mente o custo que isto teve para a vida da Africa, e reclame com a sua operadora.
Em um cálculo geral foram mais de 5.000.000 milhões de mortes humanas, a quase extinção dos gorilas além de horrores e traumas que jamais poderão sequer ser contabilizados. Uma perda de vidas que rivaliza com a II Guerra Mundial, muitos estudiosos afirmam que a contagem de corpos no Congo é muito modesta e que os números ultrapassam qualquer outro massacre histórico.
Como um clímax sinistro para esta história, em 2006 a União Européia, finalmente atendendo a pedidos de milhares de neuróticos, médicos e doidos de plantão, baniu a solda de chumbo usada em produtos de consumo, e a maioria dos fabricantes acabou substituindo o elemento 82 pelo seu vizinho do andar de cima da tabela, o estanho – um metal que por acaso também existe em grandes quantidades no Congo.
por Obito
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