Leia em 60 minutos.
Este texto foi lambido por 208 almas esse mês
OS NAZARENOS, OS OFITAS E OS DRUSOS MODERNOS.
Trataremos nos dois capítulos seguintes das mais importantes seitas secretas cristãs – as chamadas “Heresias”, que se difundiram entre o primeiro e o quarto séculos de nossa era.
Lançando rapidamente a vista nos ofitas e nos nazarenos, passaremos às suas cisões que ainda existem na Síria e na Palestina, sob o nome de drusos do Monte Líbano, e próximo a Basra ou Bassorah, sob o nome de mandeus, ou Discípulos de São João. Todas essas seitas têm uma conexão imediata com o nosso assunto, pois pertencem à família cabalística, tendo outrora abraçado a secreta “Religião da Sabedoria” e reconhecido como Supremo o Deus dos Mistérios do Inefável Nome. Dando notícia dessas numerosas sociedades secretas do passado, iremos compará-las com outras tantas sociedades modernas. Concluiremos com uma rápida análise dos jesuítas, e desse venerável pesadelo da Igreja católica romana – a Franco-maçonaria moderna. Todas essas fraternidades antigas e modernas – excetuada a moderna Franco-maçonaria – estiveram e estão mais ou menos relacionadas com a Magia – tanto prática como teoricamente, e todas elas – sem exceção da Franco-maçonaria – foram e ainda são acusadas de demonolatira, blasfêmia e imortalidade. Uma após outra, a maré do tempo engolfou as seitas dos primeiros séculos, não deixando subsistir senão uma única em sua integridade primitiva. Esta única existe, ainda ensina a doutrina de seu fundador, ainda exemplifica sua fé em obras de força. As areias movediças que engoliram todas as outras conseqüências da agitação religiosa dos tempos de Jesus, com seus relatos, relíquias e tradições, lhe forneceram terra firme. Expulsos de sua terra natal, seus membros encontraram refúgio na Pérsia, e hoje ainda o viajante ansioso pode conversar com os descendentes diretos dos “Discípulos de João”, que ouviram, nas margens do Jordão, o “homem enviado por Deus” por quem foram batizados e em quem acreditaram. Esse povo curioso, que conta com cerca de 30.000 almas, é erroneamente chamado de “CrisTãos de São João”, mas, na verdade, deveria ser conhecido por seu antigo nome, nazareus, ou pelo novo mandeus.
A designação que se lhes dá de Cristãos é totalmente errônea. Eles não acreditam em Jesus como Cristo, nem aceitam sua expiação, não aderem à sua Igreja e não o reverenciam suas “Escrituras Sagradas”. Nem cultuam ao Deus-Jeová dos judeus e dos cristãos, circunstância que prova naturalmente que seu fundador, João Batista, também não lhe prestava culto. E se assim for, que direito tem ele a um lugar na Bíblia, ou na galeria de retratos dos santos cristãos? Além disso, se Ferho era seu Deus, e se ele foi “um homem enviado por Deus”, deve ter sido enviado pelo Senhor Ferho, e foi em seu nome que ele batizou e pregou. Ora, se Jesus foi batizado por João, a conclusão a que se chega é que ele foi batizado de acordo com a fé do Batista; portanto, também Jesus acreditava em Ferho, ou Faho, como o chamam; tal inferência parece ser corroborada pelo seu silêncio em relação ao nome de seu “Pai”. E por que pareceria ridícula a hipótese de que Faho não é senão uma das muitas corruptelas de Fho, ou Fo, que é o nome pelo qual os tibetanos e os chineses chamam o Buddha? No Norte do Nepal, Buddha é invocado com muito mais freqüência pelo nome Buddha. O livro de Mahâvansa mostra como o trabalho de proselitismo do Budismo se iniciou bastante cedo no Nepal; e a história ensina que os monges budistas invadiram a Síria e a Babilônia no século anterior à nossa era, e que Buddhasp (Nosdhisattva), o pretenso caldeu, foi o fundador do Sabianismo ou batismo. Qual era o credo dos verdadeiros batistas, al-Mughtasilah, ou nazarenos, explicamo-lo noutras partes, pois eles são os mesmos nazarenos de quem já tanto falamos, e cujo Codex citamos. Perseguidos e ameaçados de aniquilação, eles encontraram refúgio na comunidade nestoriana, permitindo-se assim o serem arbitrariamente classificados como cristãos, mas, assim que a oportunidade se ofereceu, separaram-se e hoje, passados vários séculos, não merecem sequer nominalmente a denominação. Que sejam assim chamados, não obstante, pelos autores eclesiásticos, não é difícil de compreender. Eles conhecem muito bem o Cristianismo primitivo para se ignorá-los por completo, pois testemunhar contra eles com suas tradições, sem o estigma da heresia, viria destruir a confiança no que eles podem dizer.
Não se pode negar-lhe o legado da doutrina batista; suas tradições não apresentam um única falha. O que eles ensinam hoje, seus antecessores ensinaram na própria época em que fizeram sua aparição na história. Eles são os discípulos daquele João que anunciou o advento de Jesus, que o batizou e que declarou que ele (João) não era digno de desamarrar as sandálias . Quando ambos – o Mensageiro e o Messias – estavam no Jordão, e quando o mais velho consagrava o mais jovem – seu próprio primo, também, humanamente falando – os céus se abriram e o Próprio Deus, na forma de uma pomba, desceu num raio de luz sobre o seu “Amado Filho”! Se esse relato é correto, como podemos explicar a infidelidade dos nazarenos sobreviventes? Longe de acreditar que Jesus era o Filho Único de Deus, eles na verdade afirmaram aos missionários persas, que, no século XVII, foram os primeiros a revelá-los aos europeus, que o Cristo no Novo Testamento era “um falso mestre”, e que o sistema judeu, assim como o de Jesus (?), vieram do reino das trevas ! Quem o saberia melhor do que eles? Onde se podem encontrar testemunhas vivas mais fiéis? Os clérigos cristãos nos querem impingir um Salvador ungindo e anunciado por João, e os discípulos desse mesmo Batista, desde os primeiros séculos, estigmatizaram esse personagem ideal como um impostor, e a seu putativo Pai, Jeová, como “um Deus espúrio”, o Ialdabaôth dos ofitas! Infelizmente para o Cristianismo, o dia virá em que algum destemido e honesto erudito persuadirá seus pares mais velhos a lhe permitirem traduzir o conteúdo dos livros secretos e compilar suas antigas tradições! Uma estranha ilusão faz com que alguns autores pensem que os nazarenos não têm nenhuma outra literatura sagrada, nenhuma outra relíquia literária do que as quatro obras doutrinárias, esse curioso volume repleto de Astrologia e Magia que eles são instados a ler atentamente no pôr-do-Sol (domingo).
Essa busca da verdade conduz-nos, de fato, a caminho tortuosos. Muitos são os obstáculos que a astúcia eclesiástica colocou no caminho de nossa descoberta da fonte primeira das idéias religiosas. O Cristianismo está em julgamento, e assim tem sido desde que a ciência se sentiu bastante, forte para agir como um Promotor Público. A presente obra expõe uma parte do processo. Quantas verdades há nessa Teologia? Através de que seitas elas tem sido transmitida? Donde provém ela primariamente? Para respondê-lo, devemos traçar a história da Religião Mundial, tanto através das seitas cristãs como através das de outras grandes subdivisões religiosas da raça, pois a Doutrina secreta é a Verdade, e a religião que a conservou de forma menos adulterada é a que mais se aproxima do divino.
ETIMOLOGIA DE IAÔ.
O primeiro esquema (Encontra-se no cap. IV) – o dos ofitas -, desde o início, difere da descrição dada pelos padres, na medida em que torna Bythos, a profundidade, uma emanação feminina, e lhe atribui um lugar que corresponde ao de Pleroma, mas numa região muito superior, ao passo que os padres nos asseguram que os gnósticos davam o nome de Bythos à Causa Primária. Como no sistema cabalístico, ele representa o vazio ilimitado e infinito no qual está oculto nas trevas o motor Primeiro Desconhecido de tudo. Ele envolve como um véu: em suma, reconhecemos novamente o “Shekinah” do Ain-Soph. Tomado separadamente, o nome de `IAO, Iao, assinala o centro superior, ou antes o presumido em que se supõe que o Desconhecido possa permanecer. Em torno de Iao, corre a legenda CEMEC EIAAM ABPA∑A≡, “O eterno Sol-Abrasax” (o sol espiritual central de todos os cabalistas, representando em alguns diagramas destes últimos pelo círculo de Tiphereth).
Dessa região de insondável Profundeza surge um círculo formado de espirais, que, na linguagem do simbolismo, significa o grande ciclo, composto de ciclos menores. Enrolada em seu interior, de modo a seguir as espirais, repousa a serpente – emblema da sabedoria e da eternidade – o Andrógino Dual: o ciclo que representa Ennoia, a Mente Divina, e a Serpente – o Agathodaimôn, o Ophis – a Sombra da Luz. Ambos eram os Logoi dos ofitas; ou a unidade como Logos que se manifesta como um princípio duplo de bem e mal, pois, de acordo com suas concepções, esses dois princípios são imutáveis, e existem desde a eternidade, e continuarão a existir para sempre.
Este símbolo explica a adoração por esta seita da Serpente, como o Salvador, enrolada em torno do pão Sacramental, ou de um Tao. Como unidade, Ennoia e Ophis são o Logos; quando separados, um é Árvore da Vida (espiritual), o outro, a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Por conseguinte, descobrimos Ophis incitando o primeiro par humano – a produção material de Ialdabaôth, mas que devia seu princípio espiritual a Sophia-Akhamôth – a comer o fruto proibido, embora Ophis represente a Sabedoria Divina.
A Serpente, a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, e a Árvore da Vida, são símbolos transplantados do solo da Índia. A Arasamaram, a árvore baniana, tão sagrada para os hindus, desde que Vishnu, durante uma de suas encarnações, repousou sob sua enorme sombra e aí ensinou filosofia e ciência à Humanidade, é chamada de Árvore do Conhecimento e Árvore da Vida. Sob a protetora ramada dessa rainha das flores, os gurus ensinam a seus pupilos as primeiras lições sobre a imortalidade e os iniciam nos mistérios da vida e da morte. Na tradição caldaica, os Yava-ALEIM do Colégio Sacerdotal passam por ter ensinado aos filhos dos homens como se tornarem iguais as eles. Até o presente, Foh-tchou, (Foh-tchou significa literalmente, em chinês, o senhor de Buddha, ou o mestre das doutrinas de Buddha-foh.) que vive em seu Foh-Maëyu, ou templo de Buddha, no topo do “Kuen-lun-shan”, a grande montanha, produz seus maiores milagres religiosos sob uma árvore chamada, em chinês, de Sung-Ming-Shu, ou a Árvore do Conhecimento e a Árvore da Vida, pois a ignorância é morte, e só o conhecimento dá imortalidade. Esse maravilhoso espetáculo ocorre de três em três anos, quando uma enorme multidão de budistas chineses se junta em peregrinação no local sagrado.
Ialdabaôth, o “Filho das Trevas” e o criador do mundo material, habitava o planeta Saturno, que o identifica ainda mais com o Jeová judeu, que era o próprio Saturno, de acordo com os ofitas, que lhe recusam o nome sinaítico. De Ialdabaôth emanam seis espíritos que habitam, respetivamente, com seu pai, os sete planetas. Estes são: Tsabaôth – Marte; Adonaios – Sol; Iao – Lua; Eloaios – Júpiter; Astaphaios – Mercúrio (espírito da água); e Horaios – Vênus, espírito do fogo.
Em suas dadas funções e descrição, os sete planetas são idênticos aos Sapta-lokas hindus, os sete locais ou esferas, ou os mundos superiores ou inferior, pois representam as sete esferas cabalísticas. Para os ofitas, eles pertencem às esferas inferiores. Os monogramas desses planetas gnósticos são igualmente budistas, diferindo estes últimos embora em pequena escala, dos das usuais “casas” astrológicas.
O diagrama nazareno, exceto numa troca de nomes, é idêntico ao dos gnósticos, que, evidentemente, dele extraíram suas idéias, acrescentando umas poucas designações derivadas dos sistemas de Basilides e Valentino. Para evitar repetições, apresentaremos os dois quadros em paralelo.
Assim, descobriremos que, na Cosmogonia nazarena, os nomes de seus poderes e genii estão nas seguintes relações com os dos gnósticos:
NAZARENO
PRIMEIRA TRINDADE Senhor FERHO – a Vida que não é Vida – o Deus Supremo. A Causa que produz a Luz, ou o Logos in abscondito. A água de Jordanus Maximus – a água da Vida, ou Ajar, o princípio feminino. Unidade numa Trindade, encerrada em ISH AMON. SEGUNDA TRINDADE 1. Senhor MANO – o Rei da Vida e da Luz – Rex Lucis. A Primeira VIDA, ou o homem primitivo. 2. Senhor Jordão – manifestação ou emanação de Jordanus Maximus – as águas da graça. Segunda VIDA. 3. O Pai Superior – Abathur. Terceira VIDA. Essa Trindade produz também uma díada – Senhor Lehdoio, e Phtahil, o genius (o primeiro, uma emanação perfeita; o segundo, uma emanação imperfeita). Senhor Jordão – “o Senhor de todos os Jordão”. manifesta NETUBTO (Fé sem Obras). |
GNÓSTICO-OFITA
PRIMEIRA UNIDADE NUMA TRINDADE IAÔ – o Inefável Nome da Divindade Desconhecida – Abraxas, e o “Abraxas, e o “Sol Espiritual Eterno”, Unidade encerrada na Profundeza, Bythos, princípio feminino – o círculo ilimitado, no qual repousam todas as formas ideais. Dessa Unidade emana a SEGUNDA TRINTADE 1. Ennoia – mente. 2. Ophis, o Agathodaimôn. 3. Sophia – Andrógina – sabedoria, que, por sua vez – fecundada pela Luz Divina -, produz Cristos e Sophia-Akhamôth (um, perfeito, aoutra, imperfeita), como uma emanação. Sophia Akhamôth emana Ialdabaôth – o Demiurgo, que produz a criação material e sem alma. “Obras sem Fé (ou graça).
|
Ademais, os sete genii planetários ofitas, que emanam um do outro, reaparecem na religião nazarena, sob o nome de “Sete demônios impostores”, ou estrelares, que “enganarão a todos os filhos de Adão”. São eles: Sol; Speritus Venereus (o Espírito Santo, em seu aspeto material), a mãe dos “sete estrelares mas dispostos”, que correspondem ao Akhamôth gnóstico; Nebu, ou Mercúrio, “Um falso Messias, que depravará o antigo culto de Deus”; SIN (ou Luna, ou Shuril); KHÎYÛN (ou Saturno); Bel-Júpiter; e o sétimo, Nerig, Marte (Codex Nazaraeus, I. p.55).
O Cristos dos gnósticos é o chefe dos sete Aeons, os sete espíritos de Deus segundo São João; os nazarenos têm também seus sete genii ou bons Aeôns, cujo chefe é Rex Lucis, seu Cristo. Os Sapta-Rishis, os sete sábios da Índia, habitam os Sapta-Puras, ou as sete cidades celestiais.
Nas jóias ofitas de King, encontramos o nome de Iao repetido e amiúde confundido com o de Ievo, ao passo que este último representa simplesmente um dos genii antagônicos a Abraxas. A fim de que tais nomes sejam tomados como idênticos com o nome de Jeová judeu, não tardaremos em dar a explicação dessa
palavra. Parece-nos muito estranho que tantos eruditos arqueólogos tenham tão pouco se empenhado para mostrar que há mais de um Jeová, e que o nome teve origem com Moisés. Iao é certamente um título do Ser Supremo, e diz respeito apenas parcialmente ao Inefável Nome; mas ele não se originou com os judeus, nem foi propriedade única destes. Mesmo se aprazou a Moisés conferir esse nome ao “Espírito” tutelar, a suposta divindade nacional protetora do “povo escolhido de Israel”, não há nenhuma razão possível para que outras nacionalidades O recebam como o Deus Supremo e Único. Mas negamos sumariamente tal pretensão. Além disso, há o fato de que Yâho ou Iao era um “Nome dos mistérios” desde o início, pois jamais foram empregados antes da época do Rei Davi. Anteriormente, poucos ou nenhum nome próprio havia sido composto com iah ou yah. Parece antes que Davi, tendo estado entre os tirenses e os filisteus (2 Samuel), deles tenha trazido o nome de Jeová. Ele nomeou Zadok sumo-sacerdote, e é dai que provêm os zadoquias ou saduceus. Viveu e reinou em primeiro lugar em Hebron, Habir-on ou cidade de Kabir, onde os ritos dos quatro (deuses dos mistérios) eram celebrados. Nem Davi, nem Salomão reconheciam a Moisés ou à sua lei. Eles aspiravam construir um templo a Iao, como as estruturas erigidas por Hirão a Hércules e Vênus, Adon e Astartê.
Diz Fürst: “O antiquíssimo nome de Deus – Yâho (…) que em grego se escreve ‘Iaw, parece, à parte sua etimologia, ter sido um antigo nome místico da divindade suprema dos semitas. Foi assim que ele foi passado a Moisés, quando este teve a sua iniciação em HOR-EB – a caverna – sob a direção de Jethro, o sacerdote kenita ou cainita de Madiã. Na antiga religião dos caldeus, vestígios da qual se acham entre os neoplatônicos, a divindade suprema entronizada acima dos sete céus, que representa o princípio de luz espiritual Nous (Nous, a designação dada por Anaxágoras à Divindade Suprema, foi tomada do Egito, onde o chamavam NOUT) e que é concebida como um demiurgo, (Por um pequeno número, todavia, pois os criadores do universo material sempre foram considerados como divindades subordinadas ao Deus Supremo.) chamava-se ‘Iaw, que era, como o Yâho hebreu, misteriosa e indizível (…) e cujo nome só era comunicado aos iniciados (…) Os fenícios tinham um deus supremo, cujo nome era trilítero (literatrina) e secreto (…) e que era ‘Iaw.
Para compreender o sentido real e primitivo do termo ‘IAO e a razão pela qual ele se tornou a designação para a mais misteriosa de todas as divindades, precisamos buscar a sua origem na fraseologia figurativa de todos os povos primitivos. Devemos, antes de mais nada, recorrer, para nossa informação, às fontes mais antigas. Num dos Livros de Hermes, por exemplo, afirma-se que o número DEZ é a mãe da alma, e que a vida e a luz estão nele unidos. Pois “o número 1 (um) nasce do espírito, e o número 10 (dez) da matéria”, “a unidade fez o DEZ, o DEZ, a unidade”.
Uma vez que reconhecemos o fato de que, entre todos os povos da mais alta Antigüidade, a concepção mais natural da Primeira Causa que se manifesta em suas criaturas – as quais não podiam deixar de lhe atribuir toda a criação – era a de uma divindade andrógina; de que o princípio masculino era considerado como o espírito invisível vivificante, e o feminino, a mãe Natureza, poderemos então compreender por que essa misteriosa causa veio a ser inicialmente representada (na escrita pictográfica, talvez) como a combinação do alfa e do Ômega dos números, um decimal, e depois como IAÔ, um nome trilítero, que contém em si uma profunda alegoria.
IAÔ, em tal caso, significaria – etimologicamente falando – o “Alento da Vida”, gerado ou produzido entre um princípio natural masculino ereto e um princípio feminino como a forma de um ovo; pois, em sânscrito, as significa “ser”, “viver ou existir”, sendo sua significação original a de “respirar”. “Foi com base nessa raiz”, diz Max Müller, “em seu sentido original de `respirar’, que os hindus formaram asu, “alento”, e asura, o nome de Deus, que significa, seja o “alento”, seja o doador do alento”. Seu sentido é certamente este último. Em hebraico, “Iâh” e “Iâh” significa “vida”. Cornélio Agripa, em seu tratado sobre a Preeminência da Mulher, mostra que a palavra Eva sugere uma comparação com os símbolos místicos dos cabalistas, tendo o nome da mulher uma afinidade com o inefável Tetragrammaton, o nome mais sagrado da divindade. Os nomes antigos tinham sempre uma consonância com as coisas que representavam. Em relação ao misterioso nome da Divindade em questão, a insinuação até aqui inexplicável dos cabalistas quanto à eficácia da letra H, “que Abarão retirou de sua esposa Sarah” e “colocou no meio de seu próprio nome”, torna-se clara.
Os tempos mais sagrados dos hindus são os do Jagan-nâtha. Essa divindade é reverenciada por todas as seitas da Índia igualmente, e Jagan-nâtha é chamado de “Senhor do Mundo”. Ele é o deus dos mistérios, e seus templos, que são muito numerosos em Bengala, têm todos a forma de uma pirâmide.
Não há nenhuma outra divindade que forneça tal variedade de etimologista quanto Yâho, nem um nome que possa ser pronunciado de maneira tão diversa. Foi apenas associando-o com os pontos massoréticos que os rabinos das épocas posteriores conseguiram transformar Jeová em “Adonai” – ou Senhor. Philo Byblius grafa-o em caracteres gregos como ‘IEYΩ (IEVO). Theodoret diz que os samaritanos pronunciavam tal nome com ‘Iaßé (Yabe), e os judeus Aïa; Diodorus afirma que “os judeus relatam que Moisés chamava seu Deus de “Iaϖ”, o que a faria pronunciar como já indicamos – Iah-Ô. É com base na autoridade da própria Bíblia, por conseguinte, que afirmamos que antes de sua iniciação por Jethro, seu sogro, Moisés jamais ouviu a palavra Yâho. A futura Divindade dos filhos de Israel chama da pira ardente e dá Seu nome como “Eu sou o que sou”, e especifica cuidadosamente que é o “Senhor Deus dos Hebreus” (Êxodo, III,18), não de outras nações. A julgar por seus próprios atos, através dos relatos judeus, temos dúvidas de que o Cristo, se tivesse surgido nos dias do Êxodo, seria bem recebido pela irascível Divindade sinaítica. Contudo, o “Senhor Deus”, que se torna, segundo Sua própria confissão, Jeová apenas no sexto capítulo do Êxodo (versículo 3), vê sua veracidade posta em dúvida no Gênese, XXII, 9, 14, em cuja passagem revelada Abarão edifica um altar a Jehovh-Jireh.
Por conseguinte, pareceria natural estabelecer uma diferença entre o Deus dos mistérios ‘Iaw, adotado desde a mais alta antigüidade por todos os que participavam do conhecimento esotérico dos sacerdote, e suas contrapartes fonéticas, tratadas com tão pouca reverência pelos ofitas e outros gnósticos. Tendo sido oprimidos, como o Azâzêl dos desertos, pelos pecados e iniqüidades da nação judaica, parece agora difícil para os cristãos terem que confessar que aqueles a quem consideravam aptos a considerar o “povo eleito” de Deus – seus únicos predecessores no monoteísmo – eram, até um período muito tardio, tão idólatras e politeístas quanto os seus vizinhos. Os sagazes talmudistas escaparam por longos séculos da acusação, escondendo-se atrás da invenção massorética. Mas, como em todas as outras coisas, a verdade veio por fim à luz. Sabemos agora que Ihoh, deve ler-se Yâhoh e Yâh, não Jeová. Yâh dos hebreus é exatamente o Iacchos (Baco) dos mistérios; o Deus “de quem se espera a libertação das almas – Dioniso, Iacchos, Iachoh, Iahoh, Iao”. Aristóteles, portanto, estava certo quando disse: “Joh, era Oromazdes e Ahriman Pluto, pois Deus do céu, Ahura-Mazda, monta uma carroça que o Cavalo do Sol segue”. E Dunlap cita Salmos, LXVIII, 4 que diz:
“Louvai-o por seu nome Yâh,
Que monta os céus a um cavalo”.
e então que “os árabes representavam Iauk (Iach) por um cavalo. O Cavalo do Sol (Dionísio)”. Iah é um abrandamento de Iah”, explica ele. “h e h são intercambiáveis; assim como também, e se abranda em h. Os hebreus exprimem a idéia da VIDA tanto por um h quanto por um h; como hiah, `ser’, hiah, `ser’; Iah, Deus da Vida, Iah, `Eu sou'”. Podemos portanto repetir essas linhas de Ausônio:
“Os filhos de Ogyges chamam-me Baco; o Egito pensa que sou Osíris;
Os misianos chamam-me Phanaces; os indianos vêem-me como Dionísio;
Os ritos romanos fazem-me Liber; a raça árabe pensa que sou Adoneus;
Os lucanenses, o Deus Universal (…)”
E o povo eleito, Adónis e Jeová – poderíamos acrescentar.
Quão pouco se compreendeu a filosofia da antiga doutrina secreta, provam-nos as atrozes perseguições dos Templários pela Igreja, sob a acusação de adorarem o Demônio na forma de um bode – Baphomet! Sem aprofundar os antigos mistérios maçônicos, não há um só maçom – dentre os que sabem alguma coisa, que não esteja a par da verdadeira relação entre Baphomet e Azâzêl, o bode expiatório do deserto, cujo caráter e cujo significado foram inteiramente pervertidos nas traduções cristã. “Esse terrível e venerável nome de Deus”, diz Lanci, bibliotecário do Vaticano, “através da pena dos glossários bíblicos, transformou-se num demônio, numa montanha, num deserto, num bode. Na Royal Masonic Cyclopaedia, de MacKenzie, o autor assinala com correção que “essa palavra deveria ser dividida em Azaz e El”, pois ela “significa Deus da Vitória, mas é aqui empregada no sentido de Autor da morte, em contraste com Jeová, o Autor da vida; este último recebia um bode morto como oferenda”. A Trindade hindu é composta de três personagem, que se podem converter numa única. A Trimûrti é una, e, em sua abstração, indivisível. No entanto, vemos que uma divisão metafísica tem lugar desde o início. Ao passo que Brahmâ, embora coletivamente represente os três, permanecendo sob o pano, Vishnu é o Dador da Vida, o Criador, o Preservador, e Shiva é o Destruidor, a divindade mortuária. “Morte ao doador da Vida, vida ao propiciador da Morte. A antítese simbólica é grande e bela”, diz Bliddon. “Deus est Daemon inversus” – essa frase dos cabalistas torna-se agora clara. É apenas o intenso e cruel desejo de apagar o último vestígio das antigas filosofias, pervertendo-lhe o sentido, por medo de que os seus próprios dogmas não lhe sejam corretamente atribuídos, que impele a Igreja Católica a exercer uma tal perseguição sistemática contra os gnósticos, os cabalistas e mesmo os relativamente inocentes maçons.
Ai de nós! Quão pouco a divina semente, disseminada pelas mãos do humilde filósofo judeu, fincou raízes ou produziu qualquer fruto! Se aquele que verberou a hipocrisia, que lutou contra a prece pública, recriminando-lhe o exibicionismo inútil, pudesse lançar seu pesaroso olhar sobre a Terra, das regiões de beatitude eterna, veria ele que essa semente não caiu, nem num terreno estéril, nem à margem do caminho. Não, ela fincou fundas raízes no solo mais fértil; aquele enriquecido até a pletora pelo sangue e pela mentira humana.
O SIGNIFICADO DO NIRVANA.
Desde o dia mesmo em que o primeiro místico encontrou os meios de comunicação entre este mundo das hostes invisíveis, entre a esfera da matéria e a do puro espírito, concluiu ele que abandonar essa misteriosa ciência à profanação do vulgo seria perdê-la. Abusar dela levaria a Humanidade a uma rápida destruição; seria o mesmo que fornecer bombas explosivas a um grupo de crianças em dar-lhes fósforos. O primeiro adepto iniciou apenas uns poucos selecionados, e guardou o segredo das multidões. Ele reconheceu seu Deus e sentiu que o grande Ser estava consigo. O “Âtman”, o Si-Mesmo, o poderoso Senhor e Protetor, assim que o homem o conheceu como o “Eu sou”, o “Ego Sum”, o “Asmi”, deu a prova de todo o seu poder àquele que era capaz de reconhecer a “voz do silêncio”. Desde os dias do homem primitivo, descritos pelo primeiro poeta védico, até a nossa época moderna, não houve um único filósofo digno desse nome que não tenha conquistado, no santuário silencioso de seu coração, a grande e misteriosa verdade. Se era um iniciado, ele a aprendeu como uma ciência sagrada; se não, como Sócrates, que repetia a si mesmo, assim como a todos os seus colegas, o nobre preceito, “Ó homem, conhece-te a ti mesmo”, conseguiu reconhecer seu Deus em si mesmo. “Sois deuses”, diz-nos o rei salmita, e vemos que Jesus lembra aos escribas que a expressão “Sois deuses” se dirigia a outros homens mortais, e que ele reclamava para si o mesmo privilégio sem incorrer em qualquer blasfêmia. E, como um eco fiel, Paulo, embora afirmado que somos todos “o templo do Deus vivo”, acrescenta cautelosamente que afinal de contas todas essas coisas são apenas para os “sábios”, e que não é “lícito” falar delas.
Portanto, devemos aceitar o convite, e anotar simplesmente que mesmo na fraseologia bárbara e torturada do Codex nazaraeus, encontramos a mesma idéia. Como uma corrente subterrânea, rápida e clara, ela flui sem misturar sua pureza cristalina com as ondas lodosas e pesadas do dogmatismo. Entontramo-lá no Codex, assim como nos Vedas, no Avesta, no Abhidharma, tanto nos Sânkhua-Sûtras de Kapila como no Quarto Evangelho. Não podemos atingir o “Reino dos Céus” sem antes nos unir indissoluvelmente como nossa Rex Lucis, o Senhor Esplendor e da Luz, nosso Deus Imortal. Devemos primeiro conquistar a imortalidade e “tomar o Reino dos Céus pela força”, oferecido ao nosso eu material. “O primeiro homem, tirado da terra, é terrestre; o segundo homem é o Senhor do céu (…) Vede, eu vos dou a conhecer um mistério”, diz Paulo (I Coríntios, XV, 47,51). Na religião de Sâkya-Muni, que os eruditos comentadores se têm comprazido em considerar como puramente niilista, a doutrina da imortalidade é definida com muita clareza, não obstante as idéias européias, ou antes, cristãs, sobre o Nirvana. Nos livros sagrados jainistas de Pattana, o Gautama Buddha moribundo é assim interpelado: “Sobe ao Nirvi (Nirvana) saindo desse corpo decrépito ao qual foste enviado. Sobe à tua morada anterior, ó Abençoado Avatâra!” Isto nos parece o próprio oposto do Niilismo. Se Gautama é convidado a retornar à sua “morada anterior”, e essa morada é o Nirvana, então é incontestável que a Filosofia Budista não ensina a aniquilação final. Assim como se pretende que Jesus apareceu a seus discípulos após a morte, do mesmo modo acredita-se ainda hoje que Gautama retorna do Nirvana. E se ele existe aí, tal estado não é um sinônimo de aniquilação.
Gautama, assim como todos os outros grandes reformadores, tinha uma doutrina para os seus “eleitos” e outra para as massas, embora o objetivo principal se sua reforma consistisse em iniciar a todos, na medida em que era permissível e prudente fazê-lo, sem distinção de castas ou riquezas, nas grandes verdades até então mantidas em segredo pela egoísta classe bramânica. Gautama Buddha foi o primeiro, na história humana, quem movido pelo generoso sentimento, reúne toda a Humanidade num único amplexo, convidando o “pobre”, o “aleijado” e o “cego” à mesa do festival real, da qual excluiu aqueles que haviam até então se sentado a sós, em orgulhoso isolamento. Foi ele quem, como mão enérgica, abriu pela primeira vez a porta do santuário ao pária, ao decaído e a todos os “aflitos pelos homens” vestidos em ouro e púrpura, porém que eram amiúde mais dignos de piedade do que os proscritos a quem apontavam desdenhosamente o dedo. Tudo isso fez Siddhârtha seis séculos antes de outro reformador, tão nobre quanto bondoso, embora menos favorecido pela sorte, em outra terra. Se ambos, conscientes do grande perigo de fornecer a uma população inculta a espada de dois gumes do conhecimento que dá poder, deixaram na mais profunda sombra o quadrante mais interno do santuário, quem, familiarizado com a natureza humana, poderá censurá-los por isso? Mas, ao passo que um agiu por prudência, o outro foi forçado a adotar esse meio. Gautama deixou intacta a parte esotérica e mais perigosa do “conhecimento secreto”, e viveu até a idade avançada de oitenta anos, com a certeza de ter ensinado as verdades essenciais, e de a elas ter convertido um terço do mundo; Jesus prometeu a seus discípulos o conhecimento que confere ao homem o poder de produzir milagres ainda maiores do que aqueles que ele fizera, e morreu, deixando apenas uns poucos homens fieis, a meio caminho do conhecimento, para lutarem com o mundo ao qual não podiam comunicar senão o que eles próprios conheciam pela metade. Mai tarde, seus seguidores desfiguraram a verdade ainda mais do que eles próprios o haviam feito.
Não é verdade que Gautama nunca ensinou qualquer coisa a propósito da vida futura, ou que ele negou a imortalidade da alma. Perguntai a qualquer budista inteligente quais são suas idéias sobre o Nirvana, e ele expressar-se-á como o fez o conhecido Wong Ching Foo, o orador chinês, agora em viagem a este país,
numa recente conversa conosco sobre o Niepang (Nirvana). “Esse estado”, observou ele, “segundo todos entendemos, significa uma reunião final com Deus, que coincide com a perfeição do espírito humano por sua libertação final da matéria. É exatamente o contrário da aniquilação pessoal”.
O Nirvana significa a certeza da imortalidade pessoal no Espírito, não na Alma, que, como uma emanação finita, deve certamente desintegrar suas partículas – um composto de sensações humanas, paixões e anseios por alguma espécie objetiva de existência – antes que o espírito imortal do Ego esteja completamente livre, e por conseguinte certo de não mais sofre qualquer forma de transmigração. E como pode o homem atingir esse estado, enquanto o Upâdâna, esse estado de anseio pela vida e mais vida, não desaparecer do ser senciente, do Ahamkara vestido, contudo, com um corpo sublimado? É o “Upâdâna”, o intenso desejo, que produz a VONTADE, e é a vontade que desenvolve a força, e esta gera a matéria, ou qualquer objeto provido de forma. Assim, o Ego desencarnado, movido por esse desejo imortal que nele reside, fornece inconscientemente as condições de suas sucessivas autoprocriações em várias formas, que dependem de seu estado mental e de seu Karma, as boas e más ações de sua existência anterior, comumente chamadas de “mérito e demérito”. Eis por que o “Mestre” recomendava a seus mendicantes o cultivo dos quatro graus de Dhyâna, o nobre “Caminho das Quatro Verdades”, i.e., essa aquisição gradual da indiferença em face da vida ou da morte; esse estado de autocontenplação espiritual durante a qual o homem perde completamente de vista sua dupla individualidade física, composta de corpo e alma, e unindo-se com seu terceiro eu imortal, o homem real e celeste, mergulha, por assim dizer, na Essência divina, donde o seu próprio espírito procede como uma centelha oriunda de uma chama comum, Assim, o Arhat, o santo mendicante, pode alcançar o Nirvana quando ainda na Terra; e seu espírito, totalmente liberto dos entraves da “sabedoria psíquica terrestre e demoníaca”, com a designa São Tiago, e sendo por natureza onisciente e onipotente, pode sobre a Terra, por meio simplesmente de seu pensamento, produzir os maiores fenômenos.
DA ANTIGUIDADE DAS RELIGIÕES.
Exceto uns poucos arqueólogos imparciais que reconhecem um claro elemento budista no gnosticismo, assim como em todas as seitas efêmeras, pouco conhecimento temos de autores que, escrevendo sobre o Cristianismo primitivo, conferiram ao assunto a sua devida importância. Não temos fatos suficientes para, pelo menos, sugerir algum interesse nesta direção? Não aprendemos que já nos dias de Platão havia “brâmanes” – leia-se missionários budistas, samaneus, samãs ou shamans – na Grécia, e que num dado momento eles invadiram o país? Não mostra Plínio que eles se estabeleceram nas costas do Mar Morto, por “milhares de anos”? Fazendo o devido desconto ao exagero, restam-nos ainda vários séculos antes de nossa era como margem. E não é possível que sua influência tenha deixado marcas mais profundas em todas essas seitas do que geralmente se acredita? Sabemos que a seita jainista afirma derivar o Budismo de seus dogmas – esse Budismo que existia antes de Siddhârtha, mais conhecido como Gautama Buddha. Os brâmanes hindus, a quem os orientalistas europeus negam o direito de conhecer qualquer coisa a respeito de seu próprio país, ou de entender sua linguagem e seus registros melhor do que aqueles que nunca estiveram na Índia, com base no mesmo princípio pelo qual os judeus são proibidos, pelos teólogos cristãos, de interpretar suas próprias Escrituras -, os brâmanes, dizíamos, têm registros autênticos. E estes mostram que a encarnação do regaço da Virgem Avany do primeiro Buddha – Luz Divina – teve lugar alguns milhares de anos antes de Cristo, na ilha do Ceilão. Os brâmanes rejeitam a afirmação de que ele foi um dos avatâra de Vishnu, mas admite o surgimento de um reformador do Bramanismo nesse época. A história da Virgem Avany e de seu filho divino, Sâyamuni, está registrada em um dos livros sagrados dos budistas singaleses – o Culla-Niddesa; e a cronologia bramânica fica a grande revolução budista e a guerra religiosa, e o desenvolvimento subseqüente do Sâkya-muni no Tibete, na China, no Japão e em outros lugares, no ano 4.620 a.C.
É claro que Gautama Buddha, o filho do Rei de Kapila-vastu, e o descendente do primeiro Sâkya, através de seu pai, que era da casta guerreira, Kshatriaya, não inventou sua filosofia. Filantrópico por natureza, suas idéias foram desenvolvidas e amadurecidas quando ele ainda estava sob a tutela de Tîrthamkara, o famoso guru da seita jainista. Esta afirma que o Budismo atual era um ramo divergente de sua própria filosofia, e que ela é a única a congregar os poucos seguidores do primeiro Buddha, a quem se permitiu ficar na Índia, após a expulsão de todos os outros budistas, provavelmente porque haviam assumido algum compromisso, abraçando certas noções bramânicas. É curioso, para dizer o mínimo, que três religiões dissidentes e inimigas, como Bramanismo, Budismo e Jainismo, concordem tão perfeitamente em suas tradições e cronologias quanto ao Budismo, e que nossos cientistas dêem ouvidos apenas às suas próprias injustificadas e especulações e hipóteses. Se o nascimento de Gautama pode, com alguma razão, ser fixado por volta do ano 600 a.C., então os Buddhas precedentes devem ter algum lugar na cronologia. Os Buddhas não são deuses, mas simplesmente indivíduos protegidos pelo espírito de Buddha – o raio divino. Ou será que é porque, incapazes de sair da dificuldade pela ajuda apenas de suas próprias pesquisas, nossos orientalistas preferem suprimir e negar o todo, a atribuir aos hindus o direito de conhecer algo sobre sua própria religião e história? Estranha maneira de descobrir a verdade!
O argumento comum aduzido contra a pretensão jainista, no tocante a ser a fonte da restauração do antigo Budismo, de que o dogma principal desta última religião é oposto à crença dos jainistas, não resiste à análise. Os budistas, dizem nossos orientalistas, negam a existência de um Ser Supremo; os jainistas admitem um, mas protestam contra a afirmação de que “Ele” pode interferir no governo do universo. Os budistas não negam em absoluto tal coisa. Mas se algum erudito desinteressado pudesse estudar cuidadosamente a literatura jainista, nos milhares de livros preservados – os deveríamos dizer ocultos – em Râjputâna, Jaisalmer, em Pattan e outros lugares; e especialmente se ele pudesse apenas ter acesso aos mais velhos de seus volumes sagrados, descobriria uma perfeita identidade de pensamento filosófico, se não de ritos populares, entre os jainistas e os budistas. O Âdi-Buddha e o Âdinâtha (ou Âdisvara) são idênticos em essência e propósito. Mas, se seguirmos os traços dos jainistas, com seus reclamos quanto à possessão dos templos-cavernas mais antigos, e seus registros de um antigüidade quase incrível, dificilmente poderemos vê-los sob uma luz diferente daquela em que eles próprios se vêem. Devemos admitir com toda certeza que eles são os únicos verdadeiros descendentes dos primitivos proprietários da Índia antiga, desapossados por aquelas misteriosas hordas conquistadoras de brâmanes de pele clara que vemos, na aurora da história, surgir como os primeiros pioneiros nos vales do Jumnâ e do Ganges. Os livros dos Sravakas – os únicos descendentes dos Arhats, os jainistas primitivos, os eremitas nus das florestas de outrora, podaríamos lançar alguma luz talvez sobre muitas questões enigmáticas. Mas terão os nossos eruditos europeus, na medida em que seguem à sua própria política, tido jamais acesso aos volumes correto? Temos nossas dúvidas a esse respeito. Perguntai a qualquer hindu digno de fé como os missionários trataram os manuscritos que por má sorte caíram em suas mãos, e julgai então se podemos censurar os nativos por tentarem salvar da profanação os “deuses de seus pais”.
OS CRISTÃOS E OS CRESTÃOS.
Os gnósticos cristãos surgiram por volta do início do século II, e justamente na época em que os essênios desapareceram misteriosamente, o que indica que eles eram os essênios, e, ademais, crististas puros, isto é, acreditavam no que um de seus próprios irmãos havia pregado, e o compreenderam melhor do que ninguém. Insistir em que a letra Iota, mencionada por Jesus em Mateus (V, 18), indicava uma doutrina secreta relativa aos dez Aeons, basta para demostrar a um cabalista que Jesus pertencia à Franco-maçonaria daqueles dias; pois “I”, que é o Iota em grego, tem outros nomes em outras línguas; e é, como o era entre os gnósticos daqueles dia, uma senha, que significa o CETRO do Pai, nas fraternidades orientais que existem ainda hoje.
Mas no primeiros séculos, esses fatos, mesmo se conhecidos, foram propositadamente ignorados, e não apenas negados à opinião pública na medida do possível, mas veementemente negados sempre que o assunto vinha à baila. As denúncias dos padres tornaram-se mais amargas na proporção da verdade que procuravam refutar.
“Deduz-se daí” – escreve Irineu, queixando-se dos gnósticos – “que eles não aceitam nem as Escrituras, nem a tradição”. Devemos, portanto, nos espantar, quando mesmo os comentadores do século XIX, tendo apenas uns poucos fragmentos dos manuscritos gnósticos para comparar com os volumosos escritos de seus caluniadores, foram capazes de detectar a fraude em quase todas as páginas? Quanto mais os gnósticos polidos e eruditos, como todas as suas vantagens da observação pessoal e do conhecimento dos fatos, compreenderam o estupendo esquema de fraude que estava sendo consumado diante de seus próprios olhos! Porque acusariam eles a Celso por afirmar que sua religião se baseava por completo nas especulações de Platão, com a diferença de que as doutrinas deste eram muito mais puras e racionais do que as deles, quando vemos Sprengel, dezessete séculos depois, escrevendo o seguinte? – “Não apenas pensavam eles [os cristãos] descobrir os dogmas de Platão nos livros de Moisés, mas, além disso, pesavam que, introduzindo o platonismo no Cristianismo, elevariam a dignidade dessa religião e a tornariam mais popular entre os pagãos.”
Eles o introduziram tão bem que não apenas a Filosofia Platónica foi selecionada como uma base para a trindade, mas mesmo as lendas e as histórias míticas correntes entre os admiradores do grande filósofo – homenagem tradicional a todo herói digno de deificação – foram restauradas e utilizadas pelos cristãos. Sem ir para além da Índia, não tinham eles um modelos pronto para a “concepção miraculosa”, na lenda de Perictionê, a mãe de Platão? A esse respeito, afirmava também a tradição popular que ela o havia concebido imaculadamente, e que o deus Apolo era seu pai. Mesmo a anunciação por um anjo a José “num sonho”, os cristãos a copiaram da mensagem de Apolo a Ariston, esposo de Perictionê, de que a criança a nascer dela era filho desse deus. Assim também, afirma-se que Rômulo era filho de Marte e da virgem Réa Sílvia.
Tertuliano, de quem des Mousseaux faz a apoteose em companhia de seus outros semideuses, o vêem com olhos bem diferentes Reuss, Baur e Schwegler. A falacidade da afirmação e a inexatidão de Tertuliano, diz o autor de Supernatural Religion, são amiúde ostensivas. Reus caracteriza seu cristianismo como “âpre, insolent, brutal, ferrailleur. Carece de unção e de caridade, e às vezes mesmo de lealdade, quando se vê diante de uma oposição (…) Se no século II, todos os partidos, com exceção de alguns gnósticos, eram intolerantes, Tertuliano era o mais intolerante de todos”!
A obra iniciada pelos primeiros padres foi completada pelo bombástico Agostinho. Suas especulações supratranscendentais sobre a Trindade; seu diálogo imaginário com o Pai, o Filho e o Espírito Santo, e as revelações e as veladas alusões a seus ex-irmãos, os maniqueus, levaram o mundo a cobrir o gnosticismo de opróbrio, e lançou em profunda sombra a insultada majestade do Deus único, adorado em reverente silêncio por todos os “pagãos”.
Eis por que toda a pirâmide de dogmas do Catolicismo romano repousa, não sobre provas, mas sobre suposições. Os gnósticos haviam colocado os padres na parede com muita habilidade, e a única salvação destes foi recorrer à fraude. Durante quase quatro séculos, os grandes historiadores quase contemporâneos de Jesus não tiveram a menor notícia seja de sua vida, seja de sua morte. Os cristãos espantam-se com uma omissão tão incompreensível do que a Igreja considera o maior evento da história universal.
A primeira e a mais importante seita de que ouvimos falar é a de Nicolaitenses, de quem João, no Apocalipse, faz a voz em sua visão dizer que odeia sua doutrina. Esses Nicolaitenses eram os seguidores, contudo, de Nicolau de Antioquia, um dos “sete” escolhidos pelos “doze” para distribuir os fundos comuns aos prosélitos de Jerusalém (Atos, II, 44, 45; VI, 1-5), algumas semanas, ou talvez meses, depois da Crucificação; e um homem “de bom nome, cheio de Espírito Santo e de sabedoria” (versículo 3). Parece, pois, que o “Espírito Santo e a sabedoria” vindos do alto garantiam tão pouco contra as acusações de “heresia”, como se os “eleitos” dos apóstolos jamais os houvessem protegido.
Seria fácil descobrir que espécie de heresia era essa que ofendia, mesmo se não tivéssemos outras fontes de informação mais autênticas, nos escritos cabalísticos. A acusação e a natureza precisa da “abominação” figuram no segundo capítulo do Apocalipse, versículo 14, 15. O pecado era simplesmente – o matrimônio. João era “virgem”; vários padres atestam o fato com base na autoridade da tradição. Mesmo Paulo, o mais liberal e o mais nobre de todos, encontra dificuldades para reconciliar a posição de um homem casado, com a de um fiel servo de Deus. Há também “uma diferença entre um esposa e uma virgem”. Esta última cuida “das coisas do Senhor”, e a outra apenas “de como pode agradar ao esposo”. “Se alguém julga agir de modo inconveniente para com a sua virgem (…) que se casem. Mas aqueles que, no seu coração tomou firme propósito (…) e tem a força de vontade, e assim decidiu (…) conservar sua virgem, esse procede bem”. Portanto, aquele que se casa “age bem” (…) mas aquele que não a dá em casamento procede melhor ainda”. “Estás ligado a uma mulher?” pergunta ele. “Não procures mulher. Não estás ligado a uma mulher”. (27) E assinalando que, de acordo com seu julgamento, ambos serão mais felizes se não se casarem, acrescenta, como grave conclusão: “E julgo que possuo o Espírito de Deus” (40). Muito longe desse espírito de tolerância estão as palavras de João. Segundo sua visão, há “apenas cento e quarenta e quatro mil que foram resgatados da terra”, “esses são os que não se contaminaram com mulheres: são virgens”. Isso parece conclusivo; pois, exceto Paulo, nenhum desses primitivos Nazari, “apartados” e devotados a Deus, parece fazer uma grande diferença entre “pecado” com o relacionamento do matrimônio legal e a “abominação” do adultério.
Com tais opiniões e com tal estreiteza de espírito, é perfeitamente natural que esses fanáticos tenham começado por lançar essa iniqüidade como uma mácula à face dos irmãos, prosseguindo em suas acusações. Como já mostramos, é apenas Epifânio que dá minuciosos detalhes dos “toques” e outros sinais de reconhecimentos entre os gnósticos. Por outro lado, é absurdo acreditar que pessoas como os gnósticos – que, de acordo com Gibbon, eram os homens mais ricos, mais orgulhosos, mais polidos e mais sábios dentre os que “se chamavam cristãos” – fossem culpados das ações reprováveis e libidinosas com que Epifânio se compraz em acusá-los. Mesmo se eles fossem como esse “grupo de maltrapilhos, quase nus, de rostos ferozes”, que Luciano descreve como os seguidores de Paulo, hesitaríamos em acreditar em tal infame história. É muito menos provável que homens que eram não apenas platônicos, mas também cristãos, tenham sido culpados de ritos tão absurdos.
DA PUREZA DAS REFORMAS RELIGIOSAS.
Todas as grandes reformas religiosas foram puras em seu início. Os primeiros seguidores de Buddha, assim como os discípulos de Jesus, eram homens da mais alta moralidade. A aversão pelo vício experimentada pelos reformadores de todas as idades está comprovada nos casos de Sâkyamuni, Pitágoras, Platão, Jesus, São Paulo, Amônio Saccas. Os maiores líderes gnósticos – se tiveram menos sucesso – não foram menos virtuosos na prática, nem menos puros moralmente. Marcion, Basilides, Valentino eram famosos por suas vidas ascéticas. Os Nicolaitenses, que, se não pertenciam ao grande corpo dos ofitas, contavam entre as pequenas seitas que foram por ele absorvidas no início do século II, devem sua origem, como já mostramos, a Nicolau de Antioquia, “um homem de bom renome, cheio do Espírito Santo e de Sabedoria”. Que absurda a idéia de que tais homens teriam instituído “ritos libidinosos”! Seria o mesmo que acusar Jesus de ter promovido os ritos similares que vemos praticados com tanta freqüência pelos cristãos medievais ortodoxos atrás da segura proteção dos muros monásticos.
O cristianismo dogmático e fabricado do período Constantino é simplesmente um rebento das numerosas seitas conflitantes, elas mesmas meias-castas, nascidas de pais pagãos. Cada uma delas poderia reivindicar seus representantes convertidos ao chamado corpo ortodoxo de cristãos. E como todo dogma recém-nascido tinha de ser aceito por maioria de votos, toda seita coloria a substância principal com a sua própria nuança, até o momento em que o imperador impunha ao mundo, como a religião de Cristo, essa miscelânea, de que ele evidentemente não entendia uma palavra. Fatigado por seus vãos esforços para aprofundar esse pântano insondável de especulações internacionais, incapaz de apreciar uma religião baseada na pura espiritualidade de uma concepção ideal, o Cristianismo entregou-se à adoração da força bruta representada pela Igreja edificada por Constantino. Desde então, entre os milhares de ritos, dogmas e cerimônias copiados do Paganismo, a Igreja só pode reivindicar uma única invenção, absolutamente original, a saber, a doutrina da condenação eterna, e um costume, o do anátema. Os pagãos rejeitavam a ambos com horror. “Uma execração é uma coisa temerária e terrível”, diz Plutarco. “Por tal razão, a sabedoria de Atenas foi condenada por ter recusado a amaldiçoar Alcebíades [por profanação dos mistérios], quando o povo lhe pedia para fazê-lo; pois, ela era uma sacerdotisa de preces, não de maldições”.
“Pesquisas aprofundadas mostrariam” – diz Renan – “que quase tudo no Cristianismo é mera bagagem trazida dos mistérios pagãos. O culto cristão primitivo nada é senão um mistério. Toda a política interna da Igreja, os graus de iniciação, o imperativo do silêncio, e a mesma de frases da linguagem eclesiástica, não têm outra origem. A revolução que sufocou o Pagamismo parece à primeira vista (…) uma ruptura absoluta com o passado (…) mas a fé popular salvou seus símbolos mais populares do naufrágio. O Cristianismo introduziu, de início, tão poucas modificações nos hábitos da vida privada e social que para muitos, nos séculos IV e V, é incerto se deve contá-los entre os pagãos ou entre os cristãos; muitos parecem ter trilhado um caminho indeciso entre os dois cultos.” Falando mais adiante da Arte, que formou uma parte essencial da religião antiga, diz ele que “foi difícil quebrar uma de suas tradições. A arte cristã primitiva não passa, na verdade, de arte pagã em sua decadência, ou de natureza inferior. O Bom Pastor das catacumbas em Roma é uma cópia do Aristeu, ou do Apolo Nomios, que figura na mesma postura dos sarcófagos pagãos, e ainda traz a flauta de Pan no meio das quatro estações. Na tumba cristã do Cemitério de São Calixto, Orfeu encanta os animais. Noutro lugar, o Cristo como Júpter-Plutão, e Maria como Proserpina, recebem as almas que Mercúrio, portanto um elmo de largas bordas e trazendo na mão o caduceu do condutor de almas (psychopompos), lhes leva, na presença das três parcas. Pégaso, o símbolo da apoteose; Psychê, o símbolo da alma imortal; o Céu, personificado por um homem velho; o rio Jordão, e Vitória, representada em inúmeros monumentos cristãos.”
Como já mostramos alhures, a comunidade cristã primitiva era composta de pequemos grupos espalhados por toda parte, e organizados em sociedades secretas, com senhas e sinais. Para evitar as incessantes perseguições de seus inimigos, eles eram obrigados a buscar segurança e a se reunirem em catacumbas abandonadas, em locais inacessíveis das montanhas, e em outros esconderijos seguros. Toda reforma religiosa depara, em seu início, com tais dissabores. Desde a sua primeira aparição, vemos Jesus e seus doze discípulos reunindo-se à parte, em refúgios seguros no deserto, e entre os amigos de Betânia. Se a cristandade não se tivesse composto de “comunidades secretas” desde o início, a história teria mais fatos para relatar sobre seu fundador e seus discípulos do que aqueles que agora dispõe.
É verdadeiramente surpreendente constatar a pouca importância que a personalidade de Jesus exerceu sobre seu próprio século. Renan mostra que Fílon, que morreu por volta do ano 50, e nasceu muitos anos antes de Jesus, vivendo na Palestina, onde a “boa nova” era pregada por todo o país, segundo os Evangelhos, jamais ouviu falar dele (Essa afirmação, infelizmente, é errada. Fílon, o judeu, residiu principalmente em Alexandria, “a morada favorita dos judeus cultos” (Yonge, The Works of Philo Judaeus, Prefácio), mas visitou Jerusalém pelo menos uma vez. N. do Org.) Josefo, o historiador, que nasceu três ou quatro anos após a morte de Jesus, menciona a sua execução numa breve sentença, e mesmo essas poucas palavras foram alteradas “por mão cristã”, diz o autor da Vida de Jesus. Escrevendo no final do século I, quando Paulo, o erudito propagandista, conforme se alega, havia fundado tantas igrejas, e Pedro, estabelecido a sucessão apostólica, que a cronologia irinaico-euseviana pretende já contar com três bispos de Roma, Josefo, o cuidadoso enumerador e minucioso historiador mesmo das seitas mais insignificantes, ignora inteiramente a existência de uma seita cristã. Suetônio, secretário de Adriano, escrevendo na primeira quadra do século II, sabe tão pouco de Jesus ou de sua história a ponto de dizer que o Imperador Cláudio “baniu todos os judeus, que causavam contínuas perturbações, por instigação de um tal Chêstos”, ou seja, Cristo, segundo podemos supor. O próprio Imperador Adriano, escrevendo ainda mais tarde, estava tão pouco impressionado com os dogmas ou com a importância da nova seita que, numa carta a Serviano, mostra acreditar que os cristãos eram adoradores de Serapis. “No século II”, diz C. W. King, “as seitas sincréticas que haviam surgido em Alexandria, o berço do gnosticismo, encontraram em Serapis um tipo profético de Cristo como Senhor e Criador de tudo, e Juiz da vida e da morte”. Portanto, ao passo que os filósofos “pagãos” jamais haviam considerado Serapis, ou antes a idéia abstrata que nele se encarnava, senão como uma representação da anima mundi, os cristãos antropomorfizaram o “Filho de Deus” o seu “Pai”, não encontrando modelo melhor para ele do que o ídolo de um mito pagão! “Não há dúvida” – assinala o mesmo autor – “que a cabeça de Serapis, marcada como é sua face por uma grave e pensativa majestade, forneceu a primeira idéia para as imagens convencionais do Salvador”. (King, The Gnostic, etc. p.68 [p. 161-62 na 2ª ed.]. Em Symbolical Language of Ancient Art and Mythology, de R. Payne Knight, Serapis é representada com longos cabelos, “penteados para trás e dispostos em madeiras que caem sobre seus ombros como os da mulher. Todo seu corpo está sempre envolto num traje que lhe desce até os pés” (§ CXLV). Essa é a imagem convencional de (Jesus) Cristo.)
Nas notas tomadas por um viajante – cujo episódio com os monges do Monte Athos foi mencionado acima – encontramos que, durante sua juventude, Jesus havia tido freqüentes contatos com os essênios pertencentes à escola pitagórica, e conhecidos como koinobioi. Acreditamos que Renan se equivoca quando afirma dogmaticamente que Jesus “ignorava por completo os nomes de Buddha, Zoroastro e Platão”; que ele jamais havia lido um livro grego ou budista, “embora mais de um elemento de sua doutrina procedesse do Budismo, do Parsismo e da sabedoria grega”. Isso é conceder um meio-milagre, e dar muita oportunidade ao acaso e à coincidência. É um abuso de privilégio quando um autor, que afirma escrever fatos históricos, tira deduções convencionais de premissas históricas, e então chama sua biografia de – uma Vida de Jesus. Assim como qualquer compilador das lendas relativas à história problemática do profeta nazareno, não tem ele uma polegada de terreno seguro em que se apoiar; não se pode afirmar o contrário, exceto por vias dedutivas. No entanto, ao passo que Renan não tem um único fato solitário para mostrar que Jesus jamais havia estudado os dogmas metafísicos do Budismo e do Parsismo, ou tido conhecimento da filosofia de Platão, seus oponentes têm as melhores razões do mundo para suspeitar o contrário. Quando eles acreditam que – 1ª, todas as suas máximas têm um espírito pitagórico, quando não repetições verbatim; 2ª, seu código de ética é puramente budista; 3ª, seu modo de vida e seus atos são essênios; e 4ª, sua maneira mística de expressão, suas parábolas, e seus hábitos são os de um iniciado, seja grego, caldeu ou mágico (pois os “Perfeitos”, que falaram da sabedoria oculta, pertenciam à mesma escola de saber arcaico em todo o mundo), é difícil escapar à conclusão lógica de que ele pertencia ao mesmo corpo de iniciados. É um pobre tributo pago ao Supremo, essa tentativa de impingir-Lher quatro evangelhos, nos quais, contraditórios como são, não há uma única narrativa, sentença ou expressão peculiar, cujo paralelo não possa ser encontrado em alguma doutrina ou filosofia mais antiga. Na verdade, o Todo-Poderoso – não fosse apenas para poupar às gerações futuras a sua atual perplexidade – poderia ter trazido Consigo, em Sua primeira e única encarnação na Terra, algo original – algo que traçasse uma linha distinta de demarcação entre Ele e os numerosos outros deuses encarnados pagãos, que haviam nascidos de virgens, e todos salvadores, mortos ou sacrificados para o bem da Humanidade.
Concessões demais foram feitas ao lado emocional da história. O que o mundo precisa é uma concepção menos exaltada, porém mais fiel, de uma personagem por cuja adoração aproximadamente metade da cristandade destronou o Todo-Poderoso. Não contradizemos o erudito mundialmente famoso, quando em sua Vida de Jesus, aduz com afirmações históricas. Contestamos apenas umas poucas asserções injustificáveis e insustentáveis que o narrador emotivo deixou escapar nas páginas, por outro lado tão belas, de sua obra – uma vida construída sobre meras probabilidades, mas de alguém que, se aceito como personagem histórica, tem maiores direitos ao nosso amor e à nossa veneração, falível como é em toda a sua grandeza, do que se o representamos como um Deus onipotente. É apenas neste último caráter que Jesus pode ser visto por todo espírito reverente como um fracasso.
Não obstante a escassez das obras filosóficas de que agora dispomos, poderíamos apresentar inúmeros exemplos da perfeita identidade entre as máximas pitagóricas, as hindus e as do Novo Testamento. Não há dúvida a esse respeito. O que é necessário é um público cristão que examine o que lhe for mostrado, e que dê seu veredicto de maneira honesta. A fraude já teve sua hora, e cometeu o que havia de pior. “Não devemos nos assustar”, diz o Prof. Müller, “se descobrimos traços de verdade cristã, entre os sábios e os legisladores de outras nações.”
Após a leitura dos seguintes aforismos filosóficos, quem poderá acreditar que Jesus e Paulo jamais leram os filósofos gregos e indianos?
VERSÍCULOS DO NOVO TESTAMENTO 1. “Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça e o caruncho os destroem, e onde os ladrões arrombam e roubam”(Mateus, VI, 19).2. “E se tua mão te escandalizar, corta-a; é melhor para ti entrares mutilado para a vida, do que, tendo duas mãos, ir para o inferno”, etc. (Marcos, IX,43). 3. Não sabeis que sois um templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1 Coríntios, III,16). 4. “Deste modo vos tornareis filhos de vosso Pai que está no Céu (…) sede perfeitos como o vosso Pai que está no céu é perfeito (Mateus, V, 45-8). 5. “Fazei ao próximo o que desejais que o próximo vos faça.” 6. “Ele faz nascer o seu Sol igualmente sobre maus e bons, e cair a chuva sobre justos e injustos” (Mateus, V, 45). 7. “Pois àquele que tem, lhe será dado (…) ao que não tem, mesmo o que tem lhe será tirado” (Mateus, XIII, 12). 8. “Bem-aventurado os puros de coração, porque verão a Deus” (Mateus, V, 8). |
MÁXIMAS DE SEXTO, O PITAGÓRICO, E DE OUTROS PAGÃOS
1. “Possui apenas as coisas que ninguém te possa roubar.” 2. É melhor queimar uma parte do corpo do que deixá-la no estado em que está, assim como é melhor para um homem depravado morrer que viver.” 3. “Tendes em vós algo semelhante a Deus: portanto, considerai-vos como o templo de Deus.” 4. “A melhor honra que se pode prestar a Deus é conhecê-lo e imitá-lo.” 5. “O que não desejo que os homens me façam, eu também não faço para os homens” (Analetos de Confúcio, cap. V, XV; ver Masx Müller, Chips, I, pp. 304 e s.). 6. “A Lua brilha mesmo na casa do Pecador”( Manu). 7. “Dá-se àquele que dão; rouba-se aqueles que roubam” (Ibid.). 8. “Só a pureza da mente permite ver a Deus” (ibid.) – ainda hoje uma máxima popular na Índia. |
Platão não escondeu o fato de que extraiu suas melhores doutrinas filosóficas de Pitágoras, e que foi simplesmente o primeiro a reduzi-las a uma ordem sistemática, mesclando-se ocasionalmente com suas próprias especulações metafísicas. Mas o próprio Pitágoras obteve suas recônditas doutrinas, primeiro dos descendentes de Mochus, e depois dos brâmanes da Índia. Ele foi também iniciado nos mistérios dos hierofantes de Tebas, os magi persas e caldeus. Assim, podemos traçar, passo por passo, a origem de muitas de nossas doutrinas na Ásia Menor. Retirai do Cristianismo a personalidade de Jesus, tão sublime graças à sua incomparável simplicidade, e o que resta? A História e a Teologia comparada nos dão a melancólica resposta: “Um esqueleto esfarelado constituído dos mitos pagãos mais antigos”!
Enquanto o nascimento mítico e a vida de Jesus são uma cópia fiel do Krishna bramânico, seu caráter histórico de reformador religioso na Palestina, é o que mais se assemelha a Buddha, na Índia. Em mais de um sentido, sua grande semelhança nas aspirações filantrópicas e espirituais, assim como nas circunstâncias externas, sendo tudo verdadeiramente impressionante. Embora filho de um rei, ao passo que Jesus era apenas um carpinteiro, Buddha não pertencia por nascimento à alta casta dos brâmanes. Como Jesus, ele se sentiu insatisfeito com o espírito dogmático da religião de seu país, a intolerância do clero, sua exibição externa de devoção, e suas cerimônias e orações inúteis. Assim como Buddha rejeitou violentamente as leis e as regras tradicionais dos brâmanes, Jesus declarou guerra contra os fariseus e os orgulhosos saduceus. O que o nazareno fez como conseqüência de seu nascimento e de sua posição humilde, Buddha o fez como uma penitência voluntária. Ele viajava como um mendigo; e – ainda como Jesus -, no curso da vida, procurava de preferência a companhia dos publicanos e dos pecadores. Ambos tinham em mente tanto uma reforma social, como uma reforma religiosa; e, dando o golpe de misericórdia à antiga religião de seus países, ambos se tornaram o fundador de uma nova religião.
“A reforma de Buddha”, diz Max Müller, “teve na origem muito mais um caráter social do que uma caráter religioso (…) O elemento mais importante da reforma budista sempre foi o seu código social e moral, não suas teorias metafísicas. Esse código moral (…) é um dos mais perfeitos de que o mundo tem notícia (…) e aquele cujas meditações procuravam libertar a alma do homem da miséria e do medo da morte, libertaram o povo da Índia da servidão degradante de uma tirania sacerdotal.” Ademais, o conferencista acrescenta, por outro lado, que, se fosse diferente, “Buddha poderia ter ensinado a filosofia que lhe aprouvesse, e dificilmente lhe teríamos ouvido o nome. O povo não lhe teria notado a existência, e seu sistema cairia como uma gota no oceano da especulação filosófica, pelo qual a Índia tem sido inundada por todos os tempos.”
ASPECTOS DA CRUCIFICAÇÃO DE JESUS.
Ocorreu o mesmo com Jesus. Enquanto Fílon, que Renan chama de irmão mais velho de Jesus, Hillel, Shammai e Gamaliel, são raramente mencionados – Jesus tornou-se um Deus! No entanto, puro e divino como era o código moral ensinado por Jesus, ele jamais poderia ser comparado como o de Buddha, não fosse a tragédia do Calvário. O que propiciou a deificação de Jesus foi sua morte dramática, o sacrifício voluntário de sua vida, que foi feito, como se pretende, para o bem da Humanidade, e o posterior dogma conveniente da expiação, inventado pelos cristãos. Na Índia, onde não se dá nenhum valor à vida, a crucificação teria produzido pouco efeito, se algum. Num país em que – como o sabem todos os indianistas – os fanáticos se condenam à morte lenta, em penitência que duram anos; em que as macerações mais terríveis são auto-inflingidas pelos faquires; em que jovens e delicadas viúvas, num espírito de bravata contra o governo, assim como por causa do fanatismo religiosos, sobem à pira funerária como um sorriso nas faces; em que, para citar as palavras do grande conferencista, “os homens na flor da idade se jogam sob o carro de Jaggeernâth, para serem esmagados até a morte pelo ídolo em que acreditam; em que o querelante que não consegue justiça se deixa morrer de fome à porta de seu juiz; em que o filósofo que pensa que aprendeu tudo que este mundo lhe pode ensinar, e que aspira pela absorção na Divindade, se joga tranqüilamente no Ganges, a fim de chegar à outra margem da existência”, em tal país, mesmo uma crucificação teria passado despercebida. Na Judéia, e mesmo entre nações mais bravas que os judeus – os romanos e os gregos -, em que todos eram mais ou menos apegados à vida, lutando desesperadamente para conservá-la, o fim trágico do grande reformador deveria ter produzido um profunda impressão. Os nomes de heróis menores como Mucius Scaevola, Horatius Cocles, a mãe dos Gracchi, e outros, chegaram à posteridade; e, durante nossos anos de escola, e mesmo depois na vida, suas histórias despertaram nossa simpatia e granjearam uma reverente admiração. Mas poderemos jamais esquecer o sorriso de desprezo de certos hindus em Benares, quando uma senhora inglesa, esposa de um clérigo, tentou impressioná-los com a grandeza do sacrifício de Jesus, ao dar sua vida para nós. Foi então que pela primeira vez ficamos impressionados com o papel que o grande drama do Calvário exerceu nos eventos subseqüentes da fundação da cristandade. Mesmo o imaginativo Renan foi impelido por esse sentimento a escrever, no último capítulo de sua Vida de Jesus, umas poucas páginas de singular e delicada beleza.
Apolônio, contemporâneo de Jesus de Nazaré, foi, como ele, um entusiasta fundador de uma nova escola espiritual. Talvez menos metafísico e mais prático do que Jesus, menos terno e perfeito em sua natureza, ele, não obstante, inculcou a mesma quintessência de espiritualidade, e as mesmas elevadas verdades morais. Seu grande erro consistiu em confiná-las por demais às classes superiores da sociedade. Enquanto o pobre Jesus pregava “Paz na terra e boa vontade para com os homens”, Apolônio era o amigo dos reis, e privava com a aristocracia. Nasceu no seio desta, e era um homem de riqueza, ao passo que o “Filho do Homem”, representando o povo, “não tinha onde repousar a cabeça”; não obstante, os dois “fazedores de milagre” exibiam uma impressionante similaridade de propósitos. Já antes de Apolônio havia aparecido Simão, o Mago, denominado “o grande Poder de Deus”. Seus “milagres” são mais extraordinários, mais variados e mais bem atestados do que os dos apóstolos ou os do próprio filósofo galileu. O materialismo nega o fato em ambos os casos, mas a história o comprova. Apolônio seguiu a ambos; e quão grandes e renomados foram seus atos miraculosos em comparação como os do pretenso fundador do Cristianismo, conforme afirmam os cabalistas, temos novamente a história e Justino o Mártir, para comprová-lo.
CONSIDERAÇÕES SOBRE BUDDHA, JESUS E APOLÔNIO DE TIANA.
Como Buddha e Jesus, Apolônio foi um intransigente inimigo de toda a ostentação exterior de piedade, de toda a exibição de cerimônias religiosas inúteis e de toda a hipocrisia. Se, como o Salvador cristão, o sábio cristão, o sábio de Tyana tivesse, por preferência, buscado a companhia do pobre e do humilde; e se, ao invés de morrer confortavelmente, e com mais de cem anos de idade, tivesse sido um mártir voluntário, proclamado a verdade divina de uma cruz, seu sangue se teria provado tão eficaz para a subseqüente disseminação das doutrinas espirituais, como o do Messuas cristão.
As calúnias atiradas contra Apolônio foram tão numerosas como falsas. Mesmo dezoito séculos depois da sua morte, ele foi caluniado pelo Bispo Douglas em sua obra contra os milagres. Nisso o justo Rev. Bispo colidiu contra os fatos históricos. Se estudarmos o assunto com um espírito imparcial, percebemos rapidamente que as éticas de Gautama Buddha, Platão, Apolônio, Jesus, Amônio Saccas, e seus discípulos, baseavam-se todas na mesma filosofia mística; que todos reverenciavam um Deus, seja O considerado como o “Pai” da Humanidade, que vive no homem como o homem vive nele, seja como o Incompreensível Princípio Criador; todos viveram vidas sublimes. Amônio, falando de sua filosofia, ensinava que sua escola datava dos dias de Hermes, que trouxe sua sabedoria da Índia. Tratava-se da mesma contemplação mística do iogue: a comunhão do Brahman com seu próprio Eu luminoso – o “Âtman”. E esse termo hindu é cabalístico par excellence. O que é o Eu? – pergunta-se no Rig-Veda; “O Eu é o Senhor de todas as coisas (…) todas as coisas estão contidas nesse Eu; todos os eus estão contidos nesse Eu. O próprio Brâhman não é senão Eu”, é a resposta. Diz Idrah Rabbah: “Todas as coisas são Ele, e em todas as partes Ele está oculto. O Adão-Cadmo dos cabalistas contém em si todas as almas dos israelitas, e está em todas as lamas”, diz o Zohar. Os princípios fundamentais da Escola Eclética eram portanto idênticos às doutrinas dos iogues, os místicos hindus, e do Budismo primitivo dos discípulos de Gautama. E quando Jesus assegurava a seus discípulos que “o espírito da verdade, que o mundo não pode receber porque não O vê, nem O conhece”, está com eles e neles, que “estão nEle e Ele neles, ele apenas expunha a mesma doutrina que reconhecemos em toda filosofia digna desse nome.
Saint-Hilaire, o erudito e cético sábio francês, não acredita numa palavra da parte miraculosa da vida de Buddha; não obstante, ele é franco ao dizer que Gautama só é excedido por Cristo na grande pureza de sua ética e de sua moralidade pessoal.
“Não hesito em dizer”, assinala Barthélemy Saint-Hilaire, “que, com exceção apenas de Cristo, não há, entre os fundadores de religiões, uma figura mais pura ou mais tocante do que a de Buddha. Sua vida é imaculada. Seu heroísmo constante iguala suas convicções (…) Ele é o modelo perfeito de todas as virtudes que prega; sua abnegação, sua caridade, a doçura inalterável de seu caráter não o abandonam em nenhum momento. Ele abandonou, aos vinte e nove anos, a corte de seu pai para tornar-se um monge e um mendigo (…) e quando morreu nos braços de seus discípulos, foi com a serenidade de um sábio que praticara a virtude por toda a vida, e que morre convencido de ter encontrado a verdade. Esse merecido panegírico não é mais vigoroso do que aquele que o próprio Laboulaye pronunciou, e que despertou a ira de des Mousseaux. “É mais do que difícil”, acrescenta este último, “compreender como homens não assistidos pela revelação subiram tão alto e se aproximaram tão perto da verdade”. É curioso que haja tantas almas elevadas “não assistidas pela revelação”!
E por que deveríamos nos espantar com o, fato de que Gautama morreu com serenidade filosófica? Como afirmam corretamente os cabalistas: “A morte não existe, e o homem jamais abandona a vida universal. Aqueles que pensamos estarem mortos ainda vivem em nós, assim como nós vivemos neles (…) Quanto mais se vive para os seus semelhantes, menos se deve temer a morte”. E, poderíamos acrescentar, aquele que vive para a Humanidade faz muito mais por ela do que aquele que morre.
O Inefável Nome, em busca do qual tantos cabalistas – que não conheciam nenhum adepto oriental, ou mesmo europeu – consumiram em vão seus conhecimentos e suas vidas, repousa latente no coração de todos os homens. Esse nome mirífico que, de acordo com os antigos oráculos, “se lança nos mundos infinitos, pode ser obtido de duas maneiras: pela iniciação regular, e através da “pequena voz” que Elias ouviu na caverna de Horeb, a montanha de Deus. E “quando Elias a ouviu, cobriu o rosto com o manto, e saiu, e pôs-se à entrada da caverna. E veio-lhe uma voz (…)”.
Quando Apolônio de Tiana desejava ouvir a “sigilosa voz”, ele costumava envolver-se dos pés à cabeça com um manto de fina lã, após ter feito alguns passes magnéticos, e pronunciava, não o “nome”, mas uma invocação bem-conhecida de todo adepto. Então, lançava o manto sobre a cabeça, e seu espírito translúcido ou astral se libertava. Nas ocasiões ordinárias, ele não trajava nenhuma veste de lã. A posse da combinação secreta do “nome” conferia ao hierofante o poder supremo sobre qualquer ser, humano ou não, inferior a ele em força de alma. Portanto, quando Max Müller nos fala da “Majestade Oculta” quíxua, que jamais devia ser aberta por mãos humanas, o cabalista compreende perfeitamente qual o sentido da expressão, e não se surpreende ao ouvir a exclamação desse erudito filólogo: “Ignoramos do que se trata!”
Não podemos repetir suficientemente que é apenas através das doutrinas das filosofias mais antigas que se pode entender a religião pregada por Jesus. É através de Pitágoras, Confúcio e Platão que podemos compreender a idéia que subjaz ao termo “Pai” no Novo Testamento. O ideal platônico da Divindade, que ele chama de Deus eterno e invisível, o Criador e Pai de todas as coisas, é o próprio “Pai” de Jesus. Esse Ser Divino de quem o sábio grego diz que não pode ser nem invejoso, nem o criador do mal, pois não pode produzir senão o que é bom e justo, não é com certeza o Jeová mosaico, o “Deus ciumento”, mas o Deus de Jesus, que “só é bom”. Ele louvou Seu poder divino que a tudo abarca, e Sua onipotência, mas insinua que, por ser imutável, Ele não pode jamais alterar suas leis, i.e., extirpar o mal do mundo através de um milagre. Ele é onisciente, e nada escapa de Seu olhar vigilante. Sua justiça, que descobrimos encarnada na lei da compensação e da retribuição, não deixará um crime sequer sem punição, uma virgula sequer sem recompensa; e portanto declara que o único meio de honrar a Deus é cultivar a pureza moral. Ele rejeita por completo não apenas a idéia antropomórfica de que Deus teria um corpo material, mas rejeita com repulsa as fábulas que atribuem paixões, querelas e crimes de toda sorte aos deuses menores. Ele nega com indignação que Deus Se permite ser propiciado, ou antes subornado, por preces e sacrifícios.
O Fedro de Platão expõe tudo o que o homem foi uma vez, e o que ainda pode vir a ser. “Antes de o espírito do homem cair na sensualidade e nela ser incorporado pela perda de suas asas, ele vivia entre os deuses do mundo aéreo espiritual, onde tudo é verdadeiro e puro”. No Timeu, ele diz que “houve um tempo em que a Humanidade não se perpetuava, mas vivia na forma de espíritos puros.” No mundo futuro, diz Jesus, “nem eles se casam, nem elas são dadas em casamento”, mas “são como os anjos de Deus no Céu”.
Quando lemos a verdadeira história de Buddha e do Budismo escrita por Müller, e as entusiásticas opiniões expressas por Barthélemy Saint-Hilarie e Laboulaye, e quando, finalmente, um missionário papal, uma testemunha ocular, e alguém que pode ser acusado de tudo, menos de parcialidade para com os budistas – queremos falar do Abade Huc -, não consegue senão expor a sua admiração pelo elevado caráter individual desses “cultores do demônio”, devemos considerar a filosofia de Sâkyamuni como algo mais do que a religião de fetichismo e ateísmo que os católicos nos querem forçar a acreditar. Huc foi um missionário e seu primeiro dever consistia em considerar o Budismo como um rebento do culto de Satã. O pobre Abade Huc foi riscado da lista de missionários em Roma, após a publicação de seu livro de viagens. Isto ilustra quão pouco podemos aprender da verdade sobre as religiões de outros povos através dos missionários, quando seus relatos são preliminarmente revisados pelas autoridades eclesiásticas superiores, e os viajantes severamente punidos por falar a verdade.
Quando Marco Polo perguntou a homens que recebiam, e ainda recebem, a pecha de “ascetas obscenos”, em suma, os fieis de certas seitas da Índia, geralmente chamados de “iogues”, “se não tinham vergonha de andarem nus como o faziam”, eles responderam ao indagador do século XII como o fariam a um missionário do século XIX: “Andamos nus”, disseram eles, “porque nus viemos ao mundo, e nada desejamos possuir que seja deste mundo. Ademais, não temos conhecimento de um pecado da carne e, por conseguinte, não temos vergonha de nossa nudez, tal como vós não tendes ao mostrar vossas mãos e vossos rostos. Vós que conheceis os pecados da carne, vós tendes razão em vos envergonhar, e em cobrir vossa nudez”.
Isis Sem Véu – VOLUME III – TEOLOGIA I
Alimente sua alma com mais:
Conheça as vantagens de se juntar à Morte Súbita inc.