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Neste capítulo, Eliphas Levi começa a traçar um panorama cronológico e cultural das práticas mágicas. Entretanto, o texto do mestre ocultista deixa muitas lacunas de natureza histórica além de ser estruturado de maneira confusa. Por esta razão, este estudo procura ordenar e complementar o conteúdo de História da Magia.
No Ocidente, a escrita surgiu há cerca de 5.000 anos, entre os povos mesopotâmicos, marcando o início da história propriamente dita, história preservada em registros onde são encontradas as primeiras referências documentadas sobre práticas mágicas. Os sumérios são o povo mais antigo a ocupar as terras entre os rios Tigre e Eufrates. Sua cultura influenciou as civilizações que vieram depois: assírios, caldeus, hebreus. Toda a magia da Mesopotâmia, assim como no Egito, tem sua origem enraizada nas mitologias relacionadas à Cosmogênese, sobretudo, à Antropogênese.
Cada povo tem suas tradições mas o estudo comparado sugere uma origem comum. São histórias aparentemente diferentes mas todas que têm a figura de um Deus criador do Universo, da Terra e da humanidade e um Grande Iniciador, um Mestre Divino ou vários deles que promoveram a evolução da Raça Humana transmitindo, a discípulos escolhidos, conhecimentos em diferentes áreas da Ciência: da agricultura à metalurgia, da escrita a astronomia. Estes Iniciados escolhidos foram os primeiros Magos do mundo, uma elite de Sacerdotes e líderes políticos, o que explica a Teocracia predominante nem todos os grandes Impérios Antigos, quando os reis eram considerados representantes ou mesmo encarnações de uma divindade.
Estudos arqueológicos indicam:
“…que a religião foi a força que impulsionou a transformação de povoados em cidades. Os soberanos da região consideravam-se representantes dos deuses e uma parte importante de seus deveres consistia em conduzir cerimônias destinadas a prevenir o mal e ganhar a boa vontade das divindades. Existiam também diferentes tipos de sacerdote em funções diferentes: administração mas também os conjuros, os exorcismos, os augúrios etc.. Além da devoção aos deuses havia a crença em seres sobrenaturais bons e maus: demônios, espíritos, espectros. Julgava-se que alguns demônios eram responsáveis pelas doenças e outras desgraças.” GRANDES IMPÉRIOS, 1997 – Mesopotâmia vol. I, p 74
“Mágica e religião para os povos da Antiga Mesopotâmia eram partes inseparáveis de um mesmo todo, pois tanto uma quanto a outra eram vistas como o traço de união entre a realidade física e palpável e as esferas mais sutis da existência. Daí por que quase todas as invocações e encantos grafados em escrita cuneiforme em geral contém a expressão “Pelo Duranki”, ou seja, pela união de Céu e da Terra. Era através da mágica, por outro lado, que os mesopotâmicos antigos procuravam entender o universo como uma realidade animada e multifacetada, sendo que a prática das artes mágicas visava fundamentalmente tentar afetar fatos ou prever acontecimentos da vida real e do mundo físico. A distinção entre mágica e religião, portanto, fica cada vez mais tênue neste contexto, porque a prática de mágica na Mesopotâmia era praticar religião, uma vez que as artes mágicas eram postas em prática por sacerdotes e sacerdotisas especializados para os mais diversos fins. Portanto, neste contexto, a religião também era vista como um ato mágico”. BABILÔNIA BRASIL, 2005
Na antigüidade, o que hoje denomina-se Magia, não somente se confundia com a religião mas também dominava a área do conhecimento científico. Na medicina, a física e a metafísica aliavam-se a fim de obter a cura de um paciente. Acreditava-se que muitas doenças tinham causas sobrenaturais: deuses, espíritos, demônios etc.. e cada entidade era relacionada a moléstias determinadas, a afecções que atingiam certas partes do corpo. Uma dessas entidades é Lamashtu, um terrivel demônio feminino capaz de provocar anemias profundas, depressão e morte.
Na Mesopotâmia, existiam dois tipos de médico-sacerdote-mago: o Ashipu, fazia o diagnóstico da doença determinando a “assinatura” do espírito ou deus causador do mal. Em certos casos, a doença resultava de algum grande erro ou pecado cometido pelo enfermo. O tratamento consistia então de evocações e encantamentos destinados a apaziguar o espírito causador ou anular a aura negativa do mal feito do paciente. Em questões mais complexas, o próprio Ashipu remetia o doente ao Asu, um especialista em remédios herbáceos, um “físico”, como eram chamados. Em caso de feridas em geral, o Asu preparava receitava banhos, fazia bandagens, ataduras, enfaixamentos, preparava e aplicava emplastros e ungüentos.
O rótulo “Magia”, tantas vezes usado pejorativamente em relação às práticas científicas dos Antigos deve-se, em parte ao desconhecimento da terminologia usada na época. Na tábuas cuneiformes encontradas em sítios arqueológicos há grandes listas de plantas e outras substâncias terapeuticas, porém seus nomes tornam quase impossível identificá-las quando não confundem o leitor com suas denominações exóticas que remetem ao universo da feitiçaria folclórica como: “gordura de leão” ou “fogo da terra”, por exemplo. Entre substâncias que foram identificadas, muitas revelaram ser apenas extratos vegetais, resinas ou condimentos, temperos comuns como pimenta, cominho, hortelã, alho etc.. Plantas que até hoje são utilizadas in natura ou na composição de antibióticos, anti-inflamatórios, antipiréticos, cicatrizantes.
Pérsia: Os persas são um dos povos mais misteriosos da Antigüidade. Os livros de história do Mundo e as enciclopédias temáticas escritas no Ocidente, em geral, dedicam muito pouco espaço a esta civilização ( e o mesmo ocorre em relação a outras nações como as africanas e as orientais: Índia, China, Japão). A desinformação começa com as datas incertas: alguns dizem que este povo “apareceu” no Planalto Iraniano por volta de 2.000 a.C.; outros encontram os rastros desta civilização e de sua cultura no século XV a.C., como nestes trechos da História Geral de Souto Maior e da História da Civilização Ocidental, de MacNall Burns:
“A partir de meados do segundo milênio antes de Cristo, apareceram no noroeste do Planalto Iraniani novos povos indo-europeus, mais tarde conhecidos como medos e persas.” (SOUTO MAIOR, 1976 – p 43)
“Pouca coisa se conhece dos persas antes do século VI a.C.. Até essa época parece terem levado uma existência obscura e pacífica na costa oriental do Golfo Pérsico. [Entretanto, mais adiante, escreve o mesmo autor sobre a religião dos persas] …A influência mais duradoura deixada pelos antigos persas foi, sem dúvida, a religião. As raízes desta religião podem ser encontradas em época tão remota como o século XV antes de Cristo.” (MacNALL BURNS, 1975 – p 97)
Estas contradições mostram a grande confusão em se encontram os historiadores sempre que se fala das origens das culturas mais antigas, que são as orientais. Os persas dos livros de história, cuja existência somente começa a ter registro há poucos milênios antes de Cristo, são um povo, cultura, nação, que vinha se formando ao longo de um processo demorado que consumiu pelo menos 5 mil anos. As pesquisas mais recentes indicam que os persas têm uma origem comum com os indianos; eles foram os proto-indo-iranianos, da etnia dos indo-europeus. Sacerdotes, guerreiros e pastores semi-nômades provenientes das estepes do sudeste da Rússia (CULTURE OF IRAN, 2005) que, em torno de 3.000 a.C., fixaram suas tribos a leste do rio Tigre. Eram duas nações irmãs, como evidenciam estudos da língua, derivada do sânscrito. Os Medos, se estabeleceram no deserto ao sul do Mar Cáspio enquanto os persas ocuparam terras ainda mais ao sul, às margens do Golfo Pérsico.
A herança mágica dos persas está dispersa, misturada à magia dos mesopotâmicos, egípcios, gregos, árabes e hebreus. O sincretismo foi mútuo porém as crenças dos “parses” deixaram um legado poderoso que pode ser identificado em doutrinas teológicas do passado e do presente. Um bom indicativo desta forte influência é a própria palavra “Mago” ou “Magus”, que deriva da língua dos persas onde é designativo da condição de sacerdote. O persas mais antigos diziam “Magi”, os mais modernos, do tempo do império, eram os “Magusk”, significando “homem sábio”. Os gregos adotaram o termo e diziam “Magéia” para se referir às artes de um mago (URBAN, 2002). As práticas mágicas da Pérsia possuíam uma tradição das mais remotas, com origens recuadas até o neolítico de onde vieram os Cultos da Luz, do Fogo e da Água. O precursor desta magia é o mítico Zoroastro ou Zaratustra.
Zoroastro, apontado como o grande Iniciador da magia não é um indivíduo; antes, muito provavelmente, Zoroastro é um nome simbólico como Toth ou Hermes e há vários Zoroastros mencionados nos anais da história persa. Eudóxio e Aristóteles situam sua vida há seis mil anos antes de Cristo. Sua história é envolta em mistério porém:
“os dogmas do verdadeiro Zoroastro são os mesmos da pura Cabala e suas idéias sobre a divindade são as mesmas que as dos Pais da Igreja. Apenas diferem os nomes: Zoroastro chama Tríade o que chamamos de Trindade. As três pessoas divinas, ele chama de as Três Profundidades. A Profundidade primeira ou Paternal é a fonte de Fé; a Segunda ou Profundidade do Verbo, é a fonte da Verdade; a terceira ou Ação Criadora, é a fonte do Amor.” (LEVI, 2004 – p 58)
O Zoroastro histórico viveu no século VI antes de Cristo e a ele é atribuída a ordenação de tradições e crenças populares da religião Mazdeísta, em uma outra religião, um mazdeísmo reformado, estruturado na doutrina chamada zoroastrismo. Sobre os mistérios do fogo, escreveu Zoroastro em seus Oráculos:
“A Natureza nos ensina por indução que existem demônios incorpóreos …O fogo sempre agitado e movendo-se na atmosfera pode tomar uma configuração semelhante à dos corpos. Digamos melhor, afirmemos a existência de um fogo cheio de imagens e ecos. …E quando vires brilhar este fogo incorpóreo, este fogo sagrado cujas flechas atravessam as profundezas do mundo, ouve o que ele te dirá!” (LEVI, 2004 – p 60)
Este “fogo” a que Zoroastro se refere é a luz astral “com sua força configurativa e sua potência para refletir o verbo e repercutir a voz” e o conhecimento da Luz Astral era o começo da iniciação mágica. O adepto que se tornava capaz de “ler” na luz astral tornava-se vidente.
…Depois, tendo posto sua vontade em comunicação com essa luz, aprendia a dirigi-la como se dirige a ponta de uma flecha; ele podia então provocar perturbação ou paz nas almas, comunicava-se à distância com outros adeptos, apoderava-se desta força que é representada pelo leão. É o que significam as antigas figuras encontradas em sítios arqueológicos onde aparecem o leão ou outra fera subjugados diante de um gesto do Mago, bem como as esfinges com corpos de leão e cabeças humanas.” (LEVI, 2004 – p 62)
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