Categorias
Alta Magia

Filtros e Magnetismo – Dogma e Ritual da Alta Magia

Leia em 14 minutos.

Este texto foi lambido por 293 almas esse mês

Viajemos, agora, na Tessália, no país dos encantamentos. É aqui era Apuleio foi enganado como os companheiros de Ulisses e sofreu uma vergonhosa metamorfose. Aqui tudo é mágico, os pássaros que voam, os insetos que zunem na erva, e até as árvores e flores; aqui se compõem ao clarão da lua os venenos que fazem amar; aqui as estriges inventam encantos que as fazem jovens e belas como as Charites. Jovens tomai cuidado convosco.

A arte dos envenenamentos da razão ou dos filtros parece, com efeito, conforme as tradições, ter desenvolvido com mais luxo na Tessália, que em qualquer outra parte a sua eflorescência venenosa; mas, ainda nisso, o magnetismo representou o papel mais importante, porque as plantas excitantes ou narcóticas, as substâncias animais maleficiadas e doentias, travam toda a sua força nos encantamentos, isto é, dos sacrifícios realizados pelas feiticeiras e das palavras que pronunciavam, preparando os seus filtros e suas beberagens.

As substâncias excitantes e as que contêm mais fósforos são naturalmente afrodisíacas. Tudo o que age vivamente sobre o sistema nervoso pode determinar a sobreexcitação passional e se uma vontade hábil e perseverante sabe dirigir e influir sobre estas disposições naturais, ela se servirá das paixões dos outros em proveito das suas, e reduzirá logo as personalidades mais altivas a tornarem – se, num tempo dado, instrumentos dos seus prazeres.

É de uma tal influência que é importante se preservar e é para dar armas ao fracos que escrevemos este capítulo.
Eis, primeiramente, quais são as práticas do inimigo:

Aquele que se quer fazer amar (atribuímos somente a um homem todas estas manobras ilegítimas, não supondo que uma mulher tenha necessidade delas), aquele, pois, que se quer fazer amar, deve, primeiramente, fazer- se notar e produzir uma impressão qualquer na imaginação da pessoa que deseja. Que a encha de admiração, espanto ou terror, de horror até, se só tiver este expediente; mas é preciso a todo o preço que, para ela, ele saia da posição dos homens comuns e que tome, de boa ou má vontade, um lugar na sua memória, nas suas apreensões e nos seus sonhos. O Lovelace não é, certamente, o ideal escolhido das Clarisses; elas, porém, pensam nele sem cessar, para o reprovar, amaldiçoar, lamentar suas vítimas, desejar sua conversão e seu arrependimento; depois quereriam regenerá – lo pelo devotamento e o perdão; depois a vaidade secreta lhes diz que seria bonito fixar o amor de um Lovelace, ama – lo e resistir- lhe. E eis minha Clarisse que se surpreende a amar o Lovelace; ela não o quer amar, ela cora por isso, ela o renuncia mil vezes e o ama mil vezes mais; depois, quando vem o momento supremo, ela se esquece de lhe resistir.
Se os anjos fossem também mulheres, como os representa o misticismo moderno, Jeová teria agido como pai bem prudente e bem sábio, quando pôs Satã à porta do céu.

Uma grande decepção para o amor- próprio de certas mulheres honestas é achar bom e irreprovável, no íntimo, o homem pelo qual se tinham apaixonado, tomando – o por um bandido. O anjo deixa, então, o bonachão com desprezo, dizendo – lhe: “Tu não és o diabo! ”Disfarçai -vos, pois, em diabo o mais perfeitamente possível, vós que quereis seduzir um anjo.

Nada é permitido a um homem virtuoso. “Por quem, com efeito, aquele homem nos toma? – dizem as mulheres – acaso acredita que a gente tem menos moralidade que ele? ”Mas tudo é perdoado a um mandrião: “Que quereis esperar de melhor de uma tal pessoa? ”

O papel do homem de grandes princípios e caráter rígido só pode ser um poder junto a mulheres que nunca há necessidade de seduzir; todas as outras, sem exceção, adoram os maus homens.

É tudo o contrário nos homens, e é este contraste que fez do pudor o apanágio das mulheres: é nela o primeiro o mais natural dos galanteios.

Um dos médicos mais distintos e um dos mais amáveis sábios de Londres, o doutor Ashburner, contou- me que um dos seus clientes, saindo da casa de uma grande dama, lhe dissera um dia:

– Acabo de receber um estranho cumprimento. A marquesa de *** me disse, olhando -me face a face: “Senhor, não me fareis abaixar os olhos com vosso terrível olhar ”.

– Pois bem! – respondeu- lhe o doutor, sorrindo. – Sem dúvida, vos lançastes imediatamente ao seu pescoço e a abraçastes?

– Não, porém fiquei muito admirado com o apóstrofe.

– Pois então, meu caro, não ides mais à casa dela; estais perdido no seu espírito.

Dizem ordinariamente, que os ofícios de algoz se transmitem de pai a filho. Os algozes têm, pois, filhos? Sem dúvida, pois que nunca faltam mulheres. Marat tinha uma amante que o amava ternamente, a ele, o horrível leproso; mas também era o terrível Marat, que fazia tremer a todos.

Podia – se dizer que o amor , principalmente na mulher, é uma verdadeira alucinação. Apesar de um outro motivo insensato, ela se determinará quase sempre para o absurdo. Enganar Joconda por causa de um tesouro oculto, que horror! – Ora, pois, se é um horror, por que não o fazer? Deve ser tão agradável fazer, de tempos em tempos, um pequeno horror.

Sendo dado este conhecimento transcendental da mulher, há uma segunda manobra a operar para atrair a sua atenção: é não se ocupar dela ou ocupar – se de um modo que humilhe o seu amor- próprio, tratando -a como uma criança e afastando bem longe a idéia de lhe fazer corte. Então, os papéis mudarão: ela fará tudo para vos tentar, ela vos iniciará nos segredos que as mulheres se reservam, vestir- se -á e despir- se- á de vós, dizendo -vos coisas como estas: “Entre mulheres – entre velhos amigos – não vos temo – não sois homem para mim ”, etc., etc. Depois observa os vossos olhares, e se os acha calmos e indiferentes, ela ficará irritada; aproximar- se- á de vós sob um pretexto qualquer, vos roçará com seus cabelos, deixará o seu roupão se abrir… Viram – se até algumas, em tais circunstâncias, arriscar um assalto, não por ternura, mas por curiosidade, por impaciência e porque estavam excitadas .

Um mago que tem espírito não tem necessidade de outros filtros a não ser esses; dispõe também das palavras enganosas, dos sopros magnéticos e contatos ligeiros, mas voluptuosos, com uma espécie de hipocrisia, como se não pensasse nisso. Os que dão beberagens devem ser velhos tolos, feios, impotentes; e, então, para que serve o filtro? Todo homem que é verdadeiramente um homem tem sempre à sua disposição os meios de se fazer amar, contanto que não procure obter um lugar já ocupado. Seria soberanamente mal feito tentar a conquista de uma jovem casada por amor, durante as primeiras doçuras da sua lua de mel, ou de uma Clarisse que já tenha um Lovelace que a torna muito infeliz e cujo amor reprova amargamente.

Não falaremos aqui das imundícies da magia negra a respeito dos filtros; acabamos com elas com as cozinhas de Canidia. Pode – se ver, nos Epodos de Horácio, como esta abominável feiticeira de Roma compunha os venenos, e pode- se, para os sacrifícios e encantamentos de amor, ler as Eglogas e Teócrito e Virgílio, nas quais as cerimônias dessas espécies de obras mágicas são minuciosamente descritas. Não transcreveremos aqui as receitas dos engrimanços, nem as do Pequeno Alberto , que todos podem consultar. Todas estas diferentes práticas participam do magnetismo ou da magia envenenadora, e são ingênuas ou criminosas.

As beberagens, que enfraquecem o espírito e perturbam a razão, podem assegurar o império já conquistado por uma vontade má e é assim que, conforme dizem, a imperatriz Cesônia fixou o amor feroz de Calígula. O ácido prússico é o mais terrível agente destes envenenamentos do pensamento. É por isso que é preciso evitar qualquer distilação que tenha o gosto de amêndoa, afastar do seu quarto de dormir as amendoeiras e os daturas, os sabonetes de amêndoas, os leites de amêndoas e, em geral, todas as composições de perfumaria em que o cheiro das amêndoas dominarem, principalmente se a sua ação sobre o cérebro for ajudada pela do âmbar.

Diminuir a ação da inteligência é aumentar, igualmente, as forças de uma paixão insensata. O amor, tal como o querem inspirar os malfeitores de que falamos aqui, seria um verdadeiro embrutecimento e a mais vergonhosa de todas as escravidões morais.

Quanto mais excitarmos um escravo, mais o tornamos incapaz de se libertar, e é este verdadeiramente o segredo da magia de Apuleio e das beberagens de Circe.

O emprego do fumo, quer como tabaco, quer para fumar, é um auxiliar perigoso dos filtros entorpecedores e dos envenenamentos da razão. A nicotina, como se sabe, não é um veneno menos violento que o ácido prússico e se acha em maior quantidade no fumo do que este ácido nas amêndoas.

A absorção de uma vontade por outra muda, muitas vezes, uma série inteira de destinos, e não é somente para nós mesmos que devemos velar sobre nossas relações e aprender a discernir as atmosferas puras das atmosferas impuras; porque os verdadeiros filtros, os filtros mais perigosos, são invisíveis, são as correntes de luz irradiante que, misturando – se e substituindo- se, produzem as atrações e simpatias, como as experiências magnéticas não permitem duvidar disso.

Fala- se, na história da Igreja, de um heresiarca chamado Marco, que deixava todas as mulheres loucas por si, soprando nelas; mas o seu poder foi destruído por uma corajosa cristã que foi a primeira a soprar nele, dizendo – lhe: “Que Deus te julgue! ”

O Cura Gaufredy, que foi queimado como feiticeiro, pretendia deixar apaixonadas por si todas as mulheres que fossem atingidas pelo seu sopro.

O celebérrimo padre Girard, jesuíta, foi acusado pela Senhora Cadière, sua penitente, de lhe ter feito perder completamente o juízo, soprando sobre ela. Era – lhe muito necessária esta desculpa para atenuar o horror e o ridículo das suas acusações contra este padre, cuja culpabilidade, aliás, nunca foi bem provada, porém que, de boa ou má vontade, tinha certamente inspirado uma bem vergonhosa paixão a essa infeliz moça.

“A Senhora Ranfaing, tendo ficado viúva em 16… – diz Dom Calmet, no seu Tratado sobre as Aparições – foi pedida em casamento por um médico chamado Poirot. Não tendo sido ouvido no seu pedido, ele lhe deu primeiramente filtros para se fazer amar por ela, o que causou estranhos desarranjos na saúde da Senhora Ranfaing. Logo, coisas tão extraordinárias aconteceram a esta senhora, que a julgaram possessa, e os médicos, declarando nada entender do seu estado, a recomendaram aos exorcismos da Igreja ”.

“Depois disso, por ordem do Sr. De Porcelets, bispo de Toul, nomearam para seus exorcistas o Sr. Viardin, doutor em teologia, conselheiro de Estado do duque de Lorena, um jesuíta e um capuchinho; mas, no decorrer desses exorcismos, quase todos os religiosos de Nancy, inclusive o bispo, o bispo de Tripoli, sufragante de Strasburgo, o Sr. De Sancy, embaixador do rei cristianíssimo em Constantinopla, e então padre do Oratório, Carlos de Lorena, bispo de Verdun, dois doutores da Sorbonne enviados expressamente para assistirem aos exorcismos, a exorcizaram muitas vezes em hebreu, grego e latim, e ela, que apenas sabia ler o latim, sempre respondeu pertinazmente:

“Refere o certificado dado pelo Sr. Nicolau de Harlay, muito hábil em linguagem hebraica, que reconhece que a Senhora Ranfaing era realmente possessa, e que ele tinha respondido somente com o movimento dos lábios e sem que tivesse pronunciado palavra alguma, e ela havia dado várias provas da sua possessão. O Sr. Garnier, doutor da Sorbonne, tendo – lhe dado também várias ordens em língua hebraica, ela lhe respondeu pertinazmente, dizendo que o pacto era que só falaria língua ordinária. O demônio acrescentou: “Não é bastante que te mostre que entendo o que dizes? ”O mesmo Sr. Garnier, falando – lhe em grego, empregou por distração um caso por outro. A possessa, ou antes o diabo, lhe disse: Tu erraste . O doutor disse – lhe em grego: Mostra o meu erro . O diabo respondeu: Contenta- te que denuncie o teu erro: não te falarei mais nada dele . O doutor dizendo – lhe que se calasse, ele lhe respondeu: Ordenas- me que me cale, e eu não me quero calar .

Este notável exemplo de afecção histérica levada até ao êxtase e a demonomania, depois de um filtro administrado por um homem que se julgava feiticeiro, prova, mais do que tudo o que poderíamos dizer da onipotência da vontade e da imaginação reagindo uma sobre a outra e a estranha lucidez dos extáticos e sonâmbulos, que entendem a palavra lendo – a no pensamento, sem ter a ciência das palavras. Não ponho, de modo algum, em dúvida a sinceridade das testemunhas mencionadas por Dom Calmet; admiro – me somente de que homens tão sérios não tivessem notado esta dificuldade que tinha o pretenso demônio em lhes responder numa língua estranha à da doente. Se o meu interlocutor fosse o que entendiam por um demônio, não somente teria entendido o grego, mas também teria falado em grego; um não custaria mais do que o outro para um espírito tão sábio e maligno.

Dom Calmet não diz só isso a respeito da história da Senhora Ranfaing; conta uma série de perguntas insidiosas e de ordens pouco sérias da parte dos exorcistas, e uma série de respostas mais ou menos confusas da pobre doente, sempre extática e sonâmbula. Este bom padre não deixa de tirar disso as conclusões luminosas deste outro bom Sr. de Mirville. As coisas que se passavam estando acima da inteligência dos assistentes, deve – se concluir que tudo isso era obra do inferno. Bela e sábia conclusão! O mais sério do negócio é que o médico Poirot foi julgado como mago e, posto em torturas, confessou a sua falta, sendo queimado. Se realmente, por meio de um filtro qualquer, tinha atentado contra a razão desta mulher, merecia ser punido como envenenador: é tudo o que podemos dizer.

Mas os filtros mais terríveis são as exaltações místicas de uma devoção mal entendida. Que impurezas igualarão os pesadelos de Santo Antonio e os tormentos de Santa Teresa e de Santa Ângela de Foligny. Esta última aplicava um ferro em brasa à sua carne revoltada, e achava que o fogo material era um refrigério para os seus ardores ocultos. Com que violência a natureza pede o que lhe recusam dar, pensando continuamente em o detestar! É pelo misticismo que começaram os pretensos enfeitiçamentos das Madalenas de Bavan, das senhoritas De la Palud e De la Cadière. O temor excessivo de uma coisa quase sempre a torna inevitável. Seguindo as duas curvas de um círculo chega – se ao mesmo ponto. Nicolau Remigius, juiz criminal em Lorena, que fez queimar vivas oitocentas mulheres como feiticeiras, via a magia em toda parte; era a sua idéia fixa, a sua loucura. Queria pregar uma cruzada contra os feiticeiros, de que via cheia a Europa; desesperado por não ser acreditado sobre palavra, quando afirmava que quase todos eram culpados de magia, acabou por declarar feiticeiro a si próprio e foi queimado pelas suas próprias afirmações.

Para se preservar das más influências, a primeira condição seria, pois, evitar que a imaginação se exalte. Todos os exaltados são mais ou menos loucos, e sempre é fácil dominar um louco, tomando – o pela sua loucura. Ponde-vos, pois, acima dos temores pueris e desejos vagos; crede na sabedoria suprema e ficai convencido de que esta sabedoria, tendo – vos dado a inteligência para único meio de a conhecer, não pode querer armar laços à vossa inteligência ou razão. Vedes em toda parte, ao redor de vós, efeitos proporcionados às causas; vedes as causas dirigidas e modificadas no domínio do homem pela inteligência; vedes, em suma, o bem ser mais forte e mais preferido que o mal: por que suporeis, no infinito, uma imensa irracionalidade, se há razão no finito? A verdade não se oculta a ninguém. Deus é visível nas suas obras, e nada pede aos seres contra as leis da natureza deles, da qual ele próprio é autor. A fé e a confiança; tende confiança não nos homens que vos falam mal da razão, porque são loucos ou impostores, mas sim na eterna razão que é o verbo divino, esta luz verdadeira oferecida, como o sol, à intuição de toda criatura humana que vem a este mundo.

Se acreditardes na razão absoluta e se desejais mais do que tudo a verdade e a justiça, não deveis temer ninguém, e só amareis os que são amáveis. A vossa luz natural repelirá instintivamente a dos malvados, porque ela será dominada pela vossa vontade. Assim, até as substâncias venenosas que poderiam vos ser administradas não afetarão a vossa inteligência. Poderão tornar-vos doente, mas nunca vos farão ficar criminoso.

O que contribui para tornar histéricas as mulheres é a sua educação débil e hipócrita. Se fizessem mais exercícios, se lhes ensinassem as coisas do mundo, franca e liberalmente, elas seriam menos caprichosas, menos vaidosas, menos fúteis e, por conseguinte, menos acessíveis às más seduções. A fraqueza sempre se simpatiza com o vício, porque o vício é uma fraqueza que se dá aparência de uma força. A loucura tem horror à razão e se compraz em todas as coisas com as exagerações da mentira. Curai, pois, primeiramente a vossa inteligência doente. A causa de todos os enfeitiçamentos, o veneno de todos os filtros e a força de todos os feiticeiros estão aí.

Quanto aos narcóticos ou outros venenos que nos poderiam ser administrados, é negócio de medicina e de justiça; mas não pensamos que tais barbaridades se reproduzam muito atualmente. Os Lovelaces não adormecem mais as Clarisses a não ser pelas suas galanterias, e as beberagens, como os raptos por homens mascarados e as prisões em subterrâneos, não teriam mais lugar nem mesmo nos nossos romances modernos. É preciso deixar tudo para o confessionário dos penitentes negros ou nas ruínas do castelo de Udolph.

Eliphas Levi – Dogma e Ritual da Alta Magia


Conheça as vantagens de se juntar à Morte Súbita inc.

Deixe um comentário


Apoie. Faça parte do Problema.