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Quando se fala em religião afro-brasileira, a maioria das pessoas pensa imediatamente no Candomblé, de tradição mais antiga e maior visibilidade nos meios de comunicação. O Candomblé aparece freqüentemente na dramaturgia da TV, novelas e minisséries, e também no mercado editorial, com destaque para os livros de Jorge Amado e, mais recentemente, de outro baiano, João Ubaldo Ribeiro. Porém, a Umbanda, de história oficialmente bem mais recente e menos “badalada”, tem mais adeptos que o Candomblé.
Essa popularidade silenciosa ainda que irrelevante diante do Catolicismo e das Igrejas Evangélicas deve-se ao fato de que a Umbanda é mais acessível ao povo, no que se refere à iniciação, menos complexa e mais barata, em termos de gastos, no que diz respeito às suas práticas, e seu peculiar sincretismo, sua mistura de crenças, onde elementos brasileiros, embora fortemente influenciados pelo espiritismo kardecista e pelos rituais de magia européia se sobrepõem à liturgia e teologia de raízes africanas.
A “teologia” e “liturgia” da Umbanda são temas dos mais assombrosamente controversos dentro do próprio meio umbandista e no panorama das religiões em geral. A polêmica divide os estudiosos do tema entre:
1. os que consideram a Umbanda uma religião afro-brasileira;
2. os que proclamam a Umbanda como única religião genuinamente brasileira;
3. os que afirmam que a Umbanda é muito mais que uma religião, reivindicando para o conjunto de práticas e crenças o status de ciência [!], filosofia e religião planetária [!], com o domínio de conhecimentos ancestrais, passando pelo Egito, Índia e até pela Atlântida! Nas palavras do autor José Ricardo de Souza Ribeiro:
“O Primado de Umbanda [PRIMU]*, como escola Iniciática de Umbanda, tem por princípio básico que todas as tradições e conhecimentos legados à raça humana foram revelados à primeira Raça-Raiz, em remotíssimos tempos, que antecederam as civilizações Lemuriana e Atlante, cujos nossos índios são remanescentes dessa fabulosa raça, que consta em todos os anais iniciáticos como sendo a raça vermelha [primeiro homem físico humano]… Assim é que todo esse conjunto de conhecimentos que hoje chamamos Umbanda [conhecida como Doutrina Secreta entre os Iniciados], após longa jornada de expansão a todos os recantos do planeta, hoje reaparece em seu solo natal em forma de movimento filo-religioso para restabelecer a antiga tradição do saber humano…” [SOUZA, Primado de Umbanda: Fundamentos Básicos Litúrgicos]
* O Primado de Umbanda é uma organização federativa nacional de Umbanda, fundada em 05/10/1952 por diversas Tendas de Umbanda, tendo como seu idealizador a Entidade Espiritual denominada Caboclo Mirim… O Primado de Umbanda é um órgão de cúpula de Umbanda… com sua sede na Rua Espírito Santo 215, Praça Seca – RJ… [Entrevista do Primado de umbanda à Revista ‘Religiões’ da Abril Cultural em 20/04/2004
Esta articulista, não costuma dar opinião em textos expositivos de um tema mas, neste caso, os dedos coçam: a Doutrina Secreta a qual se refere o delirante autor é de origem arcaica, aliás, “arcaiquíssima”. Foi conservada em território indiano-tibetano nas famosas Estâncias de Dzyan e apresentada ao Ocidente pela ocultista H.P. Blavatsky no século XIX em sua obra monumental e homônima, A Doutrina Secreta. Segundo esta Doutrina, a Primeira Raça Raiz, muito anterior à Lemuriana, que é 3ª Raça e a Atlante, que é 4ª Raça, precedente da atual, aquela Primeira Raça era constituída de seres “Sem Ossos”, etéreos, que de “físico” humano, nada tinham… Meditemos…
O fato é que chegando mais perto desse universo de contradições o que se vê é uma salada um tanto indigesta que mistura Jesus Cristo, mestres indianos, chineses e tibetanos, pretos velhos, caboclos, índios e Exús, espiritismo, catolicismo, pajelança e “Alta Magia” de almanaque, com ou sem sacrifício de animais, vestidos de branco ou vestidos como amerabas Tupis, com ou sem chocalhos e cocares! E é assim que a Umbanda se apresenta como religião Universal! Um chá de boldo, por favor..
Significado de Umbanda: A Etimologia da Palavra
A mixórdia umbandista começa pela origem da denominação “Umbanda”:
1. Para alguns, a palavra mbanda [umbanda] provém dos dialetos Kimbundo e Kikongo, do povo Bantu, habitantes da região que compreende Angola, Congo, Guiné e significa “O Além, onde moram os espíritos” servindo para designar um culto aos mortos cujos sacerdotes eram chamados Kimbandas [Ki-mbanda], aqueles que se comunicam com o Além. A função mais destacada destes sacerdotes era a cura de moléstias do corpo e da alma. Admitindo-se esta origem fica claro que a relação da Umbanda com o espiritismo que não teria sido “descoberto” por Alan Karde é antiga e muito anterior ao espiritismo kardecista e, considerando o caráter de religião espírita que a Umbanda apresenta atualmente, é provável que esta seja a etimologia correta.
2. Outra interpretação, que também localiza a origem da palavra na África, em um tempo situado há 7 mil anos, sem indicação de região geográfica, alega que Umbanda é vocábulo composto dos radicais Um=Deus e Banda=povo, o resulta em “Povo de Deus”.
3. Uma terceira investigação desloca a procedência da palavra da África para o Brasil-Pindorama, pré-colonização, derivando o termo da língua Abanheenga, pertencente a uma nação indígena Tupi, herança sagrada e perdida de Agartha, uma cidade oculta nas entranha da terra, para uns; localizada no plano astral, para outros, revelação de Espíritos Superiores, tão evoluídos que transcenderam os ciclos da reencarnação. Composta de três radicais de uma língua morta, não se sabe se o Senzar ou o Devanagari, indianas: AUM=DIVINDADE SUPREMA, BAN=CONJUNTO, SISTEMA; DAN=REGRA, LEI, Umbanda, então, significaria “Conjunto das Leis Divinas”. Essa terceira versão, ao que parece, possivelmente foi engendrada pela linha umbandista que pretende fazer desta religião o supra-sumo da espiritualidade do terceiro milênio, defendida pelo Primado de Umbanda, mencionado acima.
Fatos Históricos da Umbanda
Em 16 de novembro de 1908, um jovem de 17 anos, Zélio Fernandino de Moraes, depois curar-se milagrosamente de uma paralisia nas pernas, inaugurou “oficialmente” o culto umbandista no Brasil com a fundação da Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, localizada na rua Floriano Peixoto, 30, Neves, município de São Gonçalo, Rio de Janeiro, residência do médium que recebia, presidindo as sessões, o Caboclo das Sete Encruzilhadas além de um preto-velho auto-denominado Pai Antônio. “Entre 1917 e 1918, sob a orientação do Caboclo das Sete Encruzilhadas mais sete tendas se estabeleceram: Tenda Nossa Senhora da Guia; Nossa Senhora da Conceição; Santa Bárbara; São Pedro; Oxalá; São Jorge e Tenda de São Jerônimo” [LOPES, 2002].
Apesar do registro tão bem definido, dados históricos indicam que cultos precursores da Umbanda foram praticados em vários estados brasileiros desde o século XVI:
Já no século XVI, o xamanismo indígena e a antropofagia ritual somavam-se à devoção aos santos católicos. “Em 1583… manifestou-se um desses movimentos em forma bastante expressiva na Bahia. Pelas imediações das vilas apareceram grandes grupos indígenas com insígnias e emblemas católicos mas com danças, cantos e instrumentos nativos: nesses grupos manifestavam-se transes, faziam-se sacrifícios de crianças e praticavam-se ritos…” [AZEVEDO apud SILVA, 1978 – p 382]
Nesse culto indígena, cujo chefe era denominado “papa”, idolatrava-se um ídolo de pedra que recebia o nome de Maria, o qual tinha como função promover a incorporação do “espírito da santidade [Espírito Santo] no fiel através do uso do tabaco, conforme prática comum entre os pajés indígenas [cf. Bastide, 1985 – p 243]. …No século XVII, ao sincretismo indígena/católico foi acrescentada a influência das religiões trazidas pelos escravos negros. [SILVA, p 25/26] …
No século XVIII, cultos chamados calundos, dos quais há registros em Minas e Pernambuco “englobavam uma série de cerimônias misturando elementos africanos [atabaques, transe de possessão, adivinhação por meio de búzios, trajes rituais, sacrifício de animais, banhos de ervas, ídolos de pedra etc.] aos elementos católicos… e ao espiritismo e superstições populares de origem européia [adivinhação por meio de espelhos, almas que falam através dos objetos ou incorporadas nos vivos etc..” [SILVA, p 46].
Diante destes fatos que julgue o leitor se a Umbanda é uma religião afro-brasileira, se é um balaio de gatos ou se é uma nova religião revelada, eivada dos mais elevados princípios e destinada a orientar a espiritualidade em âmbito planetário.
por Ligia Cabús
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