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Entre as três religiões ditas afro-brasileiras, a Quimbanda é a irmã maldita, a renegada, aquela com a qual o Candomblé e Umbanda não querem jamais ser confundidas; porque a Quimbanda é a religião presidida por Exu, aquele a quem Nzambi deu liberdade para escolher e sendo livre, sem nenhum constrangimento ético, Exu, as vezes acolhe o bem; as vezes, abraça o mal… Muitos estudiosos, especialmente os umbandistas e seus simpatizantes, que se referem à Quimbanda como uma praga espiritual, um verdadeiro “caso de polícia” astral:
“A quimbanda se constitui num verdadeiro flagelo do espaço sideral e da Terra. Os membros desta hoste são os chamados Quiumbas, os serra filas das Quiumbandas, onde sua disposição em fazer o mal está sempre presente, pois é só que sabem fazer. Tendo sido marginalizados do astral, procuram de todas as maneiras a infiltração na sociedade, a fim de saciarem seus desejos mesquinhos, espalhando a confusão entre os seres humanos. Quiumbas são seres atrasadíssimos pertencentes a diversas classes, sendo que muitos ainda não encarnaram uma única vez. Exímios em mistificação, muitas vezes fazem-se passar por Caboclos e Pretos-Velhos, e até mesmo por Exus.
Mas, há a Polícia Astral, sempre vigilante na defesa de sua jurisdição contra esses verdadeiros salteadores do espaço. Quando apanhados são mandados conforme seu estado, para hospitais, escolas ou, em alguns casos, para prisões do astral. No entanto, o castigo da prisão costuma ser insuficiente. O que mais aterroriza os Quiumbas é o perigo de não poderem encarnar por um certo período, por isso é que fazem mil promessas aos encarregados da justiça astral, buscando outra oportunidade de recuperação. Quando têm oportunidade de recuperação e não a aproveitam, são eliminados, isto é, impedidos de encarnar. Este é o maior castigo imposto a um Quiumbanda pela Polícia do Astral, nossos amigos Exus, que se encontram sempre vigilantes, protegendo-nos, junto com a nossa generosa Umbanda. Por tudo o que foi dito, é fácil concluir que ser Exu é possuir um certo grau de elevação espiritual” [BITTENCOURT, José Maria. No Reino dos Pretos Velhos, p 105].
Tal como o Candomblé, a Quimbanda nasceu na África mas diferente da devoção aos orixás, seus adeptos não aceitaram nem fingiram aceitar, especialmente para si mesmos, a religiosidade dos conquistadores, colonizadores e senhores cristãos. Seu fundamento, embora possa ser entendido como espírita, em termos contemporâneos, não se configura como um culto a ancestrais nem mesmo a deuses regentes da Natureza e da vida dos homens; antes, trata-se de um interagir com os espíritos, um recorrer aos desencarnados para que interfiram nos problemas humanos em troca de obrigações que manifestam respeito e oferendas que funcionam como recompensas pelos serviços prestados.
No Brasil, o sincretismo, na Quimbanda, é menos religioso e mais cultural, um ponto de convergência agregando crenças e costumes de africanos, indígenas e mestiços que praticamente despreza as tradições católico-cristãs dos brancos, vistos como os algozes, os dominadores pela força. Uma atitude de rebeldia que começou na África, onde povos que foram submetidos aos portugueses recusaram a conversão religiosa; atitude que assim se manteve no solo de Pindorama [nome indígena do Brasil].
Também entre os índios brasileiros houve resistência; nem todos submeteram-se de bom grado à catequese e muitos recusavam a conversão. Assim como os africanos os nativos do Brasil acreditavam no sobrenatural, na influência dos mortos sobre os vivos. Em muitos casos, doenças e dificuldades com a caça, por exemplo, eram atribuídas dos espíritos, fossem espíritos dos mortos ou espíritos da natureza; espíritos da natureza governantes da fauna, flora e cursos d’água.
Para manter ou recuperar suas boas relações com tais entidades, os índios se valiam da intermediação dos seus xamãs, pajés, dotados de poderes mágicos. Se alguém morria de causa considerada natural, sua alma teria descanso e felicidade no Reino da Morte, mas se morria de “morte feia”, por prejudicar a comunidade ou vítima de feitiço, então a alma perturbada, presa ao mundo dos vivos, vagaria pelas florestas, rondaria o próprio túmulo.
por Ligia Cabús
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