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Uma das principais causas da diminuição do entusiasmo é a sensação de que não nos querem, enquanto o sentir-se amado, ao contrário, aumenta o entusiasmo mais do que tudo. Um homem pode ter a sensação de que não lhe querem bem pelas mais diversas razões. Consegue, por exemplo, considerar-se uma pessoa tão horrível que ninguém poderia amá-lo; talvez em sua infância tenha sido obrigado a acostumar-se a receber menos amor do que outras crianças; e pode realmente tratar-se de uma pessoa a quem ninguém ama. Mas, neste último caso, o motivo provavelmente é a falta de confiança em si, devido a uma infância infeliz.
O homem que não se acha querido pode, em conseqüência disso, adotar várias atitudes. Pode fazer esforços desesperados para ganhar o afeto dos outros, possivelmente atos de excepcional amabilidade. É quase certo que não se saia bem quanto a isso, pois os beneficiários percebem facilmente o motivo de tanta bondade, e é típico da condição humana estar mais disposta a conceder seu afeto àqueles que menos o solicitam. Assim, o homem que se propõe comprar afeto com atos benévolos fica desiludido ao comprovar a ingratidão humana. Nunca lhe ocorre que o afeto que está tentando comprar tem muito mais valor que os benefícios materiais que oferece como pagamento e, no entanto seus atos se baseiam nesta convicção. Outro homem, ao dar-se conta de que não é amado, pode querer vingar-se do mundo, provocando guerras e revoluções, ou molhando sua pena no amargor, como [Jonathan] Swift. Esta é uma reação heróica à desgraça, que requer força de caráter suficiente para que um homem se atreva a enfrentar o resto do mundo. Poucos são capazes de alcançar tais alturas; a grande maioria, tanto homens como mulheres, quando se acredita não querida, afunda em uma tímida desesperação, só aliviada por ocasionais centelhas de inveja e malícia. Como regra geral, essas pessoas vivem muito concentradas em si mesmas, e a falta de afeto lhes dá uma sensação de insegurança de que procuram instintivamente escapar, deixando que os hábitos dominem por completo suas vidas. As pessoas que são escravas de uma rotina invariável costumam agir assim por medo do frio mundo exterior e porque sentem que não tropeçarão se continuarem trilhando o mesmo caminho que fazem todos os dias.
Aqueles que enfrentam a vida com sensação de segurança são muito mais felizes do que os que enfrentam com insegurança, desde que a sensação de segurança não os conduza ao desastre. E, em muitos e muitos casos, embora não em todos a própria sensação de segurança ajuda-os a escapar de perigos a que outros sucumbiram. Se alguém caminha sobre um precipício por uma tábua estreita, terá mais possibilidade de cair, caso sinta medo, do que se não o sentir. E o mesmo se aplica a nosso comportamento na vida. Positivamente, o homem sem medo pode deparar-se de imediato com o desastre, mas é quase certo que saia incólume de várias situações difíceis, nas quais um tímido se arranharia. Como é natural, esse tipo tão útil de autoconfiança geral é, sobretudo, conseqüência de estarmos acostumados a receber o afeto de que precisamos. É deste hábito mental, considerado uma fonte de entusiasmo, que desejo falar neste capítulo.
O que causa esta sensação de segurança é o afeto recebido, não o afeto dado, embora na maior parte dos casos costume ser o carinho recíproco. Em termos estritos, não é apenas o afeto, mas a admiração, o que produz mais resultados. As pessoas que, por profissão, precisam ganhar a admiração do público, como os atores, pregadores, oradores e políticos, dependem cada vez mais do aplauso. Quando recebem o ansiado prêmio da aprovação pública, suas vidas se repletam de entusiasmo; quando não o recebem, vivem descontentes e compenetrados. A simpatia difusa de uma multidão é para eles o que é, para os outros, o carinho concentrado de uns poucos. A criança cujos pais a querem bem aceita o afeto deles como lei da natureza. Pouco pensa nisso, nas aventuras que lhe vão acontecendo e naquelas ainda mais maravilhosas que ocorrerão quando for mais velha. Por trás de todos esses interesses externos se acha a sensação de que o amor de seus pais a protegerá contra qualquer desastre.
Já a criança que, por alguma razão, não pode contar com o amor parental, reúne muitas possibilidades de tornar-se tímida e retraída, cheia de medos e autocompaixão, e já não é capaz de enfrentar o mundo com o espírito da alegre exploração. Tais crianças começam a refletir cedo sobre a vida, a morte e o destino humano. A princípio, são introvertidas e melancólicas, mas com o tempo buscam o consolo irreal de algum sistema filosófico ou teológico. O mundo é um lugar muito confuso, que contém coisas agradáveis e coisas desagradáveis misturadas ao acaso. E o desejo de encontrar um rumo ou um sistema inteligível é, no fundo, conseqüência do medo. De fato, é uma agorafobia, ou medo dos espaços abertos. Entre as quatro paredes de sua biblioteca, o estudante tímido sente-se a salvo. Se lhe acontece convencer-se de que o universo é igualmente ordenado, mostrará a mesma quando tiver que aventurar-se pelas ruas. Caso essas crianças houvessem recebido mais carinho, seu medo do mundo seria menor e não teriam que inventar um mundo ideal para substituir o real em suas mentes.
Nem todo carinho tem esse efeito de incentivar a aventura. O afeto dado deve ser forte, não tímido, e objetivar a excelência do ser amado mais do que sua segurança, embora, naturalmente, não devamos ser indiferentes à segurança. A mãe ou babá medrosas, que estão sempre avisando às crianças dos desastres que podem lhes ocorrer, que acham que todos os cães mordem e que todas as vacas são touros, podem inculcar-lhes apreensões iguais às suas, fazendo-as sentir que nunca estarão a salvo se saírem da barra de suas saias. Uma mãe extremamente possessiva pode achar bastante agradável essa sensação por parte do filho: interessa-lhe mais que o menino dependa dela do que da própria capacidade para enfrentar o mundo. Neste caso, a longo prazo, certamente, a criança cresce pior do que se não a houvessem amado.
Os hábitos mentais adquiridos nos primeiros anos de vida tendem a persistir durante todo o tempo. Muitas pessoas, quando se apaixonam, buscam nisso um pequeno refúgio contra o mundo, onde possam estar seguras de ser admiráveis, e elogiadas, embora não sejam dignas de elogios. Para muitos homens, o lar é um refúgio contra a verdade: o que procuram é uma companheira com o qual possam descansar de seus medos e apreensões. Procuram na esposa o que obtiveram de uma mãe tola e, ainda assim, surpreendem-se quando as esposas os consideram crianças grandes.
Definir o melhor tipo de caminho não é em nada fácil, visto que, evidentemente, sempre haverá nele algum elemento protetor. Não somos indiferentes às dores das pessoas a quem amamos. Creio que a apreensão ou o temor da desgraça – que não deve ser confundida com a solidariedade quando realmente aconteceu alguma desgraça – deve desempenhar o menor papel possível no carinho. Ter medo por outros é pouco melhor que termos medo por nós próprios. E, além disso, quase sempre é apenas uma camuflagem dos sentimentos possessivos. Ao infundir temor no outro, pretendemos adquirir um domínio mais completo sobre ele. Esta, naturalmente, é uma das razões porque os homens gostam de mulheres tímidas, já que, ao protegê-las, sentem que as possuem. A quantidade de solicitude de que uma pessoa pode ser objeto sem sair arranhada depende de seu caráter: uma pessoa forte e aventureira agüenta o bastante sem ser prejudicada, mas, a pessoa tímida deve ser encorajada a esperar pouco nesse sentido.
O afeto recebido cumpre uma função dupla. Até agora falei do tema em relação à segurança, mas na vida adulta ele tem um propósito biológico ainda mais importante: a procriação. Ser incapaz de inspirar amor sexual é uma grande desgraça para qualquer homem ou mulher, já que os priva das maiores alegrias que a vida pode oferecer. É quase certo que, mais cedo ou mais tarde, tal privação venha a lhes destruir o entusiasmo e conduzi-los à introversão. O mais freqüente é que a infância infeliz ocasione defeitos de caráter que são a causa da incapacidade de inspirar amor mais adiante. Certamente isso afeta mais os homens do que as mulheres, já que, em geral, as mulheres amam os homens por seu caráter, ao passo que estes amam as mulheres por sua aparência. Devemos dizer que, neste aspecto, os homens se mostram inferiores às mulheres, uma vez que as qualidades que estes acham agradáveis nas mulheres são, em seu conjunto, menos desejáveis do que aquelas que as mulheres acham agradáveis nos homens. Não estou certo de que seja mais fácil adquirir bom caráter do que adquirir boa aparência. Seja como for, as medidas necessárias para conseguir esta última são mais conhecidas, e as mulheres se esforçam mais nisso do que os homens se esforçam para adquirir bom caráter.
Até agora falei do carinho que uma pessoa recebe. Agora me proponho a falar do carinho que uma pessoa dá. Neste caso, existem também dois tipos diferentes: um deles traduz-se possivelmente na manifestação mais importante do entusiasmo pela vida, ao passo que o outro é uma manifestação de medo. O primeiro me parece inteiramente admirável, enquanto o segundo é, na melhor das hipóteses, um simples consolo. Se, em um belo dia de sol, estamos fazendo um passeio de barco, ao longo de um formoso litoral, admiramos suas praias e isso nos causa prazer. O prazer decorre completamente desse gesto de olhar para fora e nada tem a ver com qualquer necessidade premente que possamos ter. Mas se o barco vira e precisamos nadar até a praia, isso nos inspira um novo tipo de afeto: o da segurança contra as ondas – e a beleza e a feiúra do local deixam, então, de ser importantes. O melhor tipo de afeto é equivalente à sensação do homem cujo barco se acha seguro; o menos bom corresponde ao do náufrago que se vê obrigado a nadar. O primeiro desses dois tipos de afeto só é possível quando a pessoa se acha segura ou indiferente aos perigos que a cercam; o segundo tipo, ao contrário, é causado pela sensação de insegurança.
A sensação gerada pela insegurança é muito mais subjetiva e egocêntrica do que a outra, já que a pessoa amada é valorizada pelos serviços prestados e não por suas qualidades intrínsecas. Não tenho a intenção se afirmar que este tipo de afeto não desempenhe um papel legítimo na vida. Com efeito, quase todo afeto real combina algo de ambos os tipos e, se o afeto cura realmente a sensação de insegurança, o homem se vê livre para sentir novamente este interesse pelo mundo que se anula nos momentos de perigo e de medo. Entretanto, mesmo reconhecendo o papel que este tipo de afeto desempenha na vida, persisto em sustentar que não é tão bom quanto o outro tipo, porque depende do medo, e ter medo é ruim e, além do mais, é um sentimento egocêntrico. O melhor tipo de afeto faz com que o homem espere uma nova felicidade e não o escape de uma antiga infelicidade.
O melhor tipo de afeto é reciprocamente revitalizador. Cada qual recebe carinho com alegria e o oferece sem esforço, e ambos acabam por achar o mundo mais interessante, como conseqüência dessa felicidade recíproca. Mas existe uma outra modalidade, que não é rara, na qual uma pessoa suga a vitalidade da outra. Uma recebe o que a outra dá, mas não oferece quase nada em troca. Alguma pessoas de extrema vitalidade pertencem a esse tipo vampírico. Extraem a energia vital se uma vítima após a outra, mas, enquanto prosperam e se tornam cada vez mais interessantes, as pessoas de onde tiram sua vitalidade vão ficando apagadas e tristes. Essas pessoas utilizam os outros para os seus próprios fins e nunca os consideram como um fim em si. Na verdade, não lhes interessam as pessoas que julgam amar em cada momento; só lhes interessam o estímulo para suas próprias atividades, que podem ser do tipo muito impessoal. Com certeza, isso se deve a algum tipo de defeito de caráter, mas seu diagnóstico e sua cura não são fáceis. É uma característica que costuma estar associada com uma grande ambição – e que eu diria que se baseia numa opinião exageradamente unilateral daquilo que constitui a felicidade humana.
O afeto, no sentido de autêntico interesse recíproco de duas pessoas – e não apenas como um meio para que cada qual obtenha benefícios, mas sim como um ajuste com vistas ao bem comum -, é um dos elementos mais importantes da autêntica felicidade, e o homem, cujo ego se encontra de tal forma encerrado entre muros de aço que não o deixa expandir, perde o que melhor a vida pode oferecer, por maior que seja o êxito de sua carreira. A ambição que não inclui o afeto em seus planos costuma ser conseqüência de algum tipo de ressentimento ou ódio à raça humana, provocado por uma infância infeliz, por injustiças sofridas posteriormente ou por qualquer das causas que conduzem à mania de perseguição. Um ego demasiadamente forte é uma prisão da qual o homem deve escapar se quiser desfrutar plenamente o mundo. A capacidade de sentir afeto autêntico é um dos sinais de que alguém conseguiu escapar desse cárcere de ego. Receber afeto não é o bastante; o afeto que este alguém recebe deve liberar o afeto que deve ser dado em retribuição e só quando ambos existem em igual medida é que tornam realidade suas melhores possibilidades.
Os óbices psicológicos e sociais que inibem o florescimento do afeto recíproco são um grave mal de que o mundo tem padecido. As pessoas resistem a conceder seus afetos com medo de equivocar-se; e sentem dificuldade em dar amor, com medo de que a pessoa amada as faça sofrer, ou mesmo com medo de que o mundo lhes seja hostil. Alimentamos a cautela, tanto em nome da moral quanto em nome da sabedoria profana, e o resultado é que procuramos evitar a generosidade e o espírito aventureiro nas questões afetivas. Tudo isto tende a produzir timidez e ira contra a humanidade, já que muitas pessoas ficam privadas durante toda a sua vida de uma necessidade fundamental que, para 90% delas, é condição indispensável à felicidade e à possibilidade de uma atitude aberta para com o mundo. Não devemos supor que as pessoas consideradas imorais sejam superiores às outras nesse aspecto.
Nas relações sexuais quase nada há que possamos chamar de autêntico afeto; muitas vezes existe mesmo uma hostilidade básica. Cada qual procura não se integrar, tenta manter sua solidão fundamental, por pretender manter-se intacto e, por isso, o afeto não frutifica. Tais experiências não tem nenhum valor fundamental. Não digo que devam ser evitadas, já que as medidas que precisariam ser tomadas para isso interfeririam também nas ocasiões em que poderia crescer um afeto mais valioso e profundo. Mas teimo em que as relações sexuais que possuem autêntico valor são aquelas em que não há reticências, em que as personalidades de ambas as pessoas se fundem em uma nova e única personalidade. Entre todas as formas de cautela, a cautela no amor é, possivelmente, a mais letal para a autêntica felicidade.
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