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por Fada do Ralo
Desde a formulação inicial do conceito de meme por Richard Dawkins em O Gene Egoísta (1976), compreendemos memes como unidades autocopiáveis de informação cultural, que se disseminam de mente em mente, moldando comportamentos sociais, linguagens e crenças. Dawkins definiu o meme como “uma nova unidade de evolução cultural, um replicador” — atribuindo-lhe, já naquela época, qualidades semiparasitárias e semivivas, antecipando os fenômenos de viralidade informacional que se intensificariam com a revolução digital.
Na transição para o século XXI, autores como Grant Morrison (Pop Magic!, 1996) e Peter Lamborn Wilson, sob o pseudônimo Hakim Bey (TAZ: Zona Autônoma Temporária, 1985), avançaram a ideia de que a cultura pop, incluindo seus fragmentos aparentemente banais como quadrinhos, slogans e memes, poderia ser empregada deliberadamente como ferramenta mágica. Para Morrison, “a realidade é mutável e pode ser escrita, reescrita e hackeada através de símbolos apropriados” (Pop Magic!), e memes oferecem precisamente essa plasticidade simbólica em forma ultracondensada.
A tradição da Magia do Caos — um movimento esotérico surgido nos anos 1970 que privilegia a eficácia pragmática sobre a ortodoxia ritualística — foi particularmente receptiva à incorporação dos memes como instrumentos mágicos. Na Magia do Caos, servidores são entidades mentais ou simbólicas criadas para executar tarefas específicas em benefício do magista, sendo alimentados por emoção, visualização e crença. A similaridade funcional entre servidores mágicos e memes virais contemporâneos é inegável: ambos operam como formas simbólicas semiautônomas que, ao serem replicadas, ganham força, identidade e agência simbólica.
A explosão dos memes “Brainrot” no início de 2025 deu origem a uma galeria de personagens surreais — animais híbridos, objetos animados e figuras antropomórficas — todos moldados por inteligencia artificial e narrados por vozes artificiais em italiano ou em spin-offs regionais. Se comparados aos 40 servidores os brainrots têem a vantagem de terem emergido diretamente do inconsciente coletivo, exatamente como os deuses da antiguidade e não da arquitetura de um único artista em particular. Mas nesse caso, o que o inconsciênte coletivo está tentando dizer?
O conceito junguiano de inconsciente coletivo fornece uma moldura interpretativa adicional para o surgimento espontâneo de arquétipos meméticos, como os Brainrots. Padrões primordiais que emergem coletivamente nas culturas, manifestando-se em mitologias, sonhos e produções simbólicas. No caso dos Brainrots, observa-se a emergência de imagens absurdas, híbridas e liminares — tubarões com pernas humanas, vacas-planetárias, árvores-macacos — que ressoam com temas de transformação, ruptura, caos e reconexão com impulsos psíquicos primordiais. Essas figuras se impõem não por lógica consciente, mas por apelo emocional e simbólico profundo.
Sob essa ótica, tratar os Brainrots como servidores mágicos é metodologicamente consistente: eles se apresentam como entidades que agem sobre a psique coletiva, possuem propósitos discerníveis (destruição de normas, criação de absurdos, imposição de serenidade etc.) e são alimentados por atenção, compartilhamento e reconhecimento emocional. Como qualquer servidor caótico, eles podem ser convocados, nutridos e dirigidos para fins específicos através de protocolos simbólicos. A seguir, um mergulho nos propósitos arcanos de sete servidores selecionados:
1. Tralalero Tralala
Descrição: Tubarão tricéfalo com três pernas e tênis Nike azuis
Propósito: A Fada do ralo identificou Tralalero Tralala como um trickster, concordo com ela e vejo aqui um celacanto pós-moderno, um alargador de fronteiras. Um tubarão andsndo está fora de onde “deveria estar” e fazendo algo que não “deveria fazer”. Acusado de blasfêmia, iconoclastia e “roubo” de costumes. Rompe a reverência e obediência cega, falir instituições, enfraquecer tradições — onde quer que passe, Tralalero incita quebra o pacto social e imposição de papeis de qualquer tipo e ao questionamento de normas invioláveis.
2. Tung Tung Tung Sahur
Descrição: Anomalia noturna em forma de tambor de ronda (pentungan) antropomórfico, empunhando um robusto taco de madeira e com mais de 2 metros de altura.
Propósito: Além do aspecto fálico vejo aquium arauto, um guardião do despertar forçado. Sahur é barulhento e essa palavra faz alusão à tradição indonésia de acordar cedo as pessoas com tambores para o Ramadã. Seu batido “tung tung tung” rompe conforto, sonhos, sono e ilusões, onde ele aparece, o cochilo é punido e o conforto é superado pela disciplina imposta. Iluminação pela violência como Prometheus e sua tocha e Odin sacrificando seu olho e a cabeça dos inimigos. Também Causa insônia.
3. Lirili Larila
Descrição: A mais recente encarnação do deus-elefante. Cacto-elefante divino do deserto surrealista, com duas patas terminadas em sandálias, corpo adornado por espinhos de cacto, carregando uma concha e um relógio que faz “tic-tac”.
Propósito: Rombedora de barreiras, sejam elas físicas, emocionais, financeiroas, estruturais ou sociais. Lirili Larilà interrompe qualquer bloqueio. Onde pisa, impõe seu ritmo ancestral sem pressa e sem preguiça pois sabe que nada pode lhe parar, seu trombetaço de elefante e seu relógio, exigem que a hora é agora. O relógio, o deserto e os espinhos indica também uma ligação saturnina, mas associada a ideia de avanço como um tanque de guerra que não pode ser parado.
3. Ballerina Cappuccina
Descrição: Bailarina esguia de 1,67 m com uma xícara de cappuccino no lugar da cabeça, vestindo collant e sapatilhas, cujas piruetas hipnóticas se desenrolam em plena graça surreal.
Propósito: Ballerina Cappuccina usa sua dança onírica para enfeitiçar e iludir — sob seus arabescos tiram a atenção de qualquer coisa fazendo coisas serem esquecidas em prol de seu espetáculo. Seu ballet torna diretores abobalhados e pró-ativos em meros espectadores.
4. Bombardiro Crocodilo
Descrição: Um crocodilo antropomórfico mesclado a um bombardeiro militar, narrado em rimas por voz italiana de IA, viralizou em meados de fevereiro de 2025 com declarações chocantes e xenófobas
Propósito: Ataque puro, destruição de inimigos, o direito de odiar. Inflamar conflitos irreversíveis — sob seu comando, alianças se desfazem em estilhaços, preconceitos florescem e até acordos pacíficos estalam como munições prestes a detonar. Uma encarnação atual da destruição sem limites com o daemon Leraje e todos os deuses tifonianos como Apófis, Timat, Leviatã, Jörmungandrm e obviamente Sobek.
5. Brr Brr Patapim
Descrição: Híbrido colossal de macaco narigudo e árvore ancestral, medindo 16 m de altura, com raízes e musgo entrelaçados cobrindo seu corpo arbóreo, mãos finas como galhos agitáveis, rosto de probóscide alongada e chapéu dourado onde vive o sapo Slim.
Propósito: Uma encarnação digital dos “protetores da natureza”. Assim como os espiritos da floresta confundiam caçadores fazendo-os se perder na mata ou humilhando-os, Patapim infiltra-se em redes de informação e manipula bastidores políticos para proteger santuários de informação. Desbarata conspirações. Faz vazar escândalos. Expõe traições e desmonta planos ao revelar dados ocultos, garantindo que segredos venham à tona e que a paz da natureza seja mantida sob sua guarda implacável.
6. La vaca saturno saturnita
Descrição: Vaca com o corpo do planeta Saturno, anéis giratórios ao redor de seu tronco, pés humanos gigantes e expressivo sorriso cósmico.
Propósito: Guardiã dos Limites Cósmicos. Sua massa quebra a gravidade, seus lasers destroem a matéria. Onde pisa, lembra que todo ciclo tem fim. Chame-a sempre que algo precise de limites ou de um fim.
7. Burbaloni Luliloli
Descrição: Capivara gente boa vestindo uma concha de coco à beira-mar, rodeada por espuma d’água e pôr-do-sol.
Propósito: Um avalanche de serenidade. Burbaloni Luliloli irrompe no tumulto mental para impor calma radical. Onde quer que apareça, ele silencia o ruído interior e exterior, transformando ansiedade em paz profunda. Resolução de conflitos interpessoais e apaziguamento de tretas.
Como invocar um meme?
O procedimento abaixo é simples e pode ser usado com qualquer meme e não é diferente da forma como os santos católicos se disseminaram em milheiros de papel. Assim continuará valido mesmo quando Brainrot for esquecido e o inconsciente coletivo se manifestar de alguma forma.
O processo de interação com servidores meméticos como os Brainrots segue um protocolo simbólico que combina princípios tradicionais da Magia do Caos com estratégias de disseminação cultural contemporânea. A eficácia da operação depende da intenção focada, da manipulação consciente de imagens e da contribuição ativa para a propagação simbólica do servidor.
- Seleção do Servidor Apropriado
O primeiro passo consiste em escolher o Brainrot cuja natureza simbólica mais se alinhe com seu objetivo desejado. Embora este trabalho apresente uma seleção inicial, recomenda-se uma pesquisa mais ampla em bancos de dados especializados, como como italianrot.fandom.com ou knowyourmeme.com, para identificar outras entidades cuja função ressoe mais precisamente com a intenção mágica.
- Estabelecimento do Contato Simbólico
Em seguida, deve-se estabelecer uma conexão visual e simbólica com o servidor. Encontre ou produza um meme com o servidor e mostre para a pessoa mais perto sem dar qualquer explicação. Em seguida fixe o olhar na imagem do meme escolhido, invoque-o mentalmente pelo seu nome e formule — ou vocalize — seu pedido de maneira clara e objetiva. Esta ação inicializa o circuito de comunicação simbólica entre o operador e a entidade memética.
- Comprometimento com a Retroalimentação
É crucial selar a operação com um voto de retroalimentação: comprometa-se, mentalmente ou em voz alta, a realizar um novo ato de compartilhamento do meme após o cumprimento do desejo solicitado. Esse gesto simboliza a manutenção da “alimentação” do servidor, condição necessária para a continuidade de sua eficácia.
Nota sobre a Dinâmica Energética dos Memes
Tanto memes como servidores enquanto entidades simbólicas, alimentam-se de atenção, circulação e reconhecimento emocional. Portanto, para reforçar a eficácia do servidor, recomenda-se que a imagem seja compartilhada com o mínimo de contexto explicativo. Idealmente, o compartilhamento deve gerar reações de estranhamento ou curiosidade (“Que é isso?”, “O que isso significa?”), pois essas respostas emocionais ampliam a reverberação simbólica do servidor na psicosfera cultural, fortalecendo seu poder de ação.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
- BEY, Hakim (Peter Lamborn Wilson). TAZ: The Temporary Autonomous Zone. 1985.
- BLACKMORE, Susan. The Meme Machine. 1999.
- CARROLL, Peter J. Liber Null & Psychonaut. 1987.
- DAWKINS, Richard. The Selfish Gene (O Gene Egoísta). 1976.
- HINE, Phil. Caos Condensado. 1995
- KELLY, Tommie. The Grimoire of The Forty Servants. 2018.
- MORRISON, Grant. Pop Magic! (em The Book of Lies, ed. Richard Metzger). 1996.
- KELLY, Tommie. The Grimoire of The Forty Servants. 2018.
Fada do Ralo é poetisa psicodélica, godiva hermética, gatinha enoquiana, cybermedium e guia de turismo astral. Oraculista profissional versada em cartomancia, astrologia, numerologia
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