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por Eduardo Berlim
Existem diversos motivos para que se busque a senda espiritual ou uma via religiosa para sua própria vida. É ainda mais comum que tenhamos desejos a seres sanados por esta via, muitas vezes negando a via real de manifestação do mundo. Quantos não buscam os terreiros por amor e prosperidade? Quantas não são as orações destinadas ao neto que precisa passar no vestibular ou à esposa que precisa de um tratamento médico? Quantas não são as mães que oram para que seus filhos encontrem um bom caminho e quantos não são os magistas que buscam espíritos para sanar aquilo que eles mesmos não tentaram?
Especialmente para o magista, ou seja lá como ele se autoproclame, o trato com espíritos tende a ser uma norma, ao invés da exceção. Enquanto religiosos (em geral) aguardam manifestações vindas de um além invisível e desconhecido, o mago clama o contato e comanda os seres para que lhe tragam algo que ele mesmo não conquistou por seus méritos – seja por ausência de tentativa ou por falhas. No dia a dia, vemos que são poucos os que buscam apenas o contato com o sagrado ou um auxílio, um aprimoramento de si mesmos.
Não é que eu considere errôneo pedir algo em momentos de necessidade ou um “turbo boost” para algo que já está em andamento, mas não vejo sentido em pedir a um anjo que ajude “o neto vagabundo que não estuda nada a passar no vestibular de medicina”. Da mesma forma, existem vários pedidos que não deveriam ser feitos aos espíritos. Primeiro porque eles não se importam com os miseráveis setenta e seis anos de expectativa de vida humana atuais – não faz qualquer diferença no tempo de seres não sujeitos ao tempo –, mas também por certas responsabilidades serem genuinamente nossas.
Um trabalho mágico pode ser feito para trazer certa “sorte” a algo iniciado, para gerar transformações íntimas poderosas e para nos tornar melhores que nossas versões passadas. E absolutamente nada disso é alcançado quando se pede o amor de alguém que não te quer (ou mesmo que te queira) ou dinheiro pra se tornar um colecionador de carros antigos. Da mesma forma, existem pedidos que não se faz pelo que podem gerar.
É o famoso caso do magista que pede “iluminação” ou “paciência” apenas para descobrir que determinadas virtudes surgem mediante provação. Um pedido por paciência demanda que tua paciência seja aprovada em testes o suficiente para se solidificar, da mesma forma que pedir por “ver verdade” pode destruir um casamento confortável através da intervenção dos habitantes do apartamento do andar de cima. Por mais que você tenha certo sentimento masoquista intrínseco a si mesmo, lembre-se que os testes não vão surgir nos pontos em que você se sente confortável – ou sequer seriam testes.
Nesta fuga particular dos “desejos que podem dar errado”, muitos magos buscam pela sabedoria, mas… Será que deveríamos pedir por sabedoria?
Em Qabbalah, entende-se que a sabedoria pertence a esfera de Chokmah que quando analisada devidamente apresenta-se como uma espécie de “centro de onde advém todas as possibilidades de algo”. Costumo exemplificar que a sabedoria tangente a ‘grama’ consiste não apenas em ler todos os livros sobre os mais variados tipos de grama, fazer todos os cursos e falar com todos os jardineiros e profissionais que trabalhem com este material, mas também em saber tudo sobre cada única folha de gramado ao redor do planeta. Tanto no presente, quanto no passado e no futuro.
Este é o “saber” ou o “tudo o que há para saber” e se você não sabe Sem saber o quanto de clorofila é produzido pela grama de número oitocentos e quarenta e sete mil novecentos e dezesseis do gramado da casa da tua tia-avó Gertrudes, você certamente não saberá tudo o que há para saber sobre grama. Compreende?
Se você compreende isto, significa que esta informação já ultrapassou outro filtro da Árvore da Vida: o do conhecimento ou Binah. A compreensão ocorre quando a sabedoria é filtrada pelo conhecimento e o que lhe sobra torna-se compreendido dentro do ser. O conhecimento pode ser visto como uma represa metafórica que recebe os oceanos de Chokamah e o entregam gota a gota em um copo localizado mil metros abaixo do cano de saída. O que cai no copo atravessa Daath (compreensão) e lhe será internalizado, mas o que pinga fora, apesar de conhecido, não está compreendido.
Eu poderia dizer que existem mais de doze mil espécies de grama catalogadas e isso lhe será conhecido, mas se daqui quatro anos alguém lhe perguntar quantas espécies de grama existem e a resposta lhe faltar, ela não terá sido compreendida dentro de ti – mesmo sendo conhecida. Ao realizar uma busca no Google e ver que são mais de doze mil tipos você poderia dizer “é verdade… li isto em um artigo há um bom tempo atrás” e talvez agora isto faça parte de um arcabouço compreendido dentro da tua mente como informação, mas antes o fato meramente conhecido não lhe pertencia. Quiçá o que há para além do conhecimento e que habita na sabedoria, como todas as infinitas informações sobre grama que não estão contidas aqui.
Imagine então que você evoque um espírito e peça que ele lhe traga sabedoria. O primeiro erro é não definir a que tipo de sabedoria você se refere, mas vamos supor que você tenha em mente receber sabedoria sobre assuntos diversos. Isso poderá ser facilmente convertido em um vício em conteúdo bastante inútil da tua rede social favorita (ou da mais odiada), gastando horas ininterruptas do teu dia com algo que nunca lhe será útil. A sabedoria está contida em toda informação possível no universo, contendo todas as possibilidades, e por isso ela é completamente inútil para a consciência humana. Não há sequer garantia que você tenha conhecimento do que está lhe sendo entregue.
Quando Shakespeare diz, através da voz de Hamlet que “há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar” é possível afirmar que, se tratarmos apenas do posicionamento de todos os átomos existentes na camada atmosférica, está é uma frase absoluta. Quando somos incapazes de sequer termos conhecimento da existência de algo que não sabemos, pedir sabedoria torna-se completamente inútil. Não há mensuração possível para este tipo de pedido.
No fim, o estranho caso do ET Bilu sempre esteve certo ao proferir “busquem conhecimento”…
Eduardo Berlim é músico, tarólogo e estudante de hermetismo com vasta curiosidade. Tem apetite por uma série de correntes diferentes de magia e se considera um eterno principiante. Assumidamente fanboy dos projetos da Daemon e das matérias do Morte Súbita inc.
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