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A Ética e a Quimbanda

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Tata Caratu (Templo Caminhos da Serpente.)

Nesse texto, espero conseguir expressar a ética através de duas perspectivas: uma delas é aquela estabelecida pelo senso comum, ou seja, a socialmente aceita; e a outra é a ética sob um prisma mais intrínseco a nós, quimbandeiros.

Esta fala possui caráter abrangente, por assim dizer, e acredito que poderá ser usada para compreender a postura da grande maioria das vertentes de Quimbanda. Sendo eu o responsável por esta generalização, me ponho à disposição para o debate sobre qualquer mal-entendido.

Comecemos este texto explicando aquilo que compreendemos como ética:

“Ética é a área da filosofia dedicada às ações e ao comportamento humano, também chamada de filosofia moral. O objeto de estudo da ética são os princípios que orientam as ações humanas e a capacidade de avaliá-las. Ética e moral se diferenciam porque a ética é compreendida de maneira universal, enquanto a moral está sempre ligada aos fatores sociais e culturais que influenciam os comportamentos. De forma sucinta, a ética é uma teoria que se ocupa dos princípios que orientam as ações, enquanto a moral é prática e está relacionada às regras de conduta. A palavra ética é derivada do grego ethos, que significa “hábito”, “comportamento”, “modo de ser”.

A ética abrange uma vasta área e pode ser aplicada à vertente profissional. Existem códigos de ética profissional que indicam os princípios fundamentais que orientam uma profissão. Assim, pode-se pensar em princípios básicos para o comportamento de alguns profissionais, tais como médicos, jornalistas, advogados, empresários, políticos ou professores, sendo possível falar em ética médica, ética jornalística, ética empresarial, ética pública, entre outras.

A ética não pode ser confundida com a lei. Embora a lei tenha como base princípios éticos, a ética não é normativa como as leis. Os códigos de ética possuem direcionamentos, e o seu descumprimento pode ser passível de sanção, mas não são considerados crimes.”

Texto de: Pedro Menezes – Professor de Filosofia, Mestre em Ciências da Educação.
(https://www.significados.com.br/etica/)

Considerando o exposto acima, podemos partir para os comparativos supracitados entre aquilo que pode ser considerado ético em termos gerais e aquilo que poderá ser entendido como a ética da Quimbanda. Pois sim, diferentemente do que alguns podem considerar, a Quimbanda possui uma ética. Vamos discorrer sobre ela e juntos pensar de maneira clara, a fim de criar uma visão crítica e elucidativa sobre o assunto.

O primeiro fato que vamos abordar é que não necessariamente temos o mesmo conceito de ética dos espíritos. Nós nos apropriamos dos conceitos que eles trazem em sua bagagem e os absorvemos para nossa vida, como, por exemplo, a repulsão ao Cristianismo. No Brasil, quase ninguém percebe os malefícios do Cristianismo. Não percebem que, na grande maioria das vezes, você será julgado, subjugado e cerceado de direitos pela sua cor, crença ou sexualidade – julgamentos estes feitos a partir de bases bíblicas disfarçadas sob a máscara do “Deus bonzinho”, que supostamente prega o amor, a caridade e o perdão. Fecham-se os olhos para as atrocidades do passado que permitiram a proliferação do Cristianismo, não só no Brasil, como em inúmeros países do mundo.

Quando estudamos a vida dos nossos ancestrais na Quimbanda, quando paramos para escutar suas histórias de vida, começamos também a moldar nossa visão de mundo e passamos a entender que certos posicionamentos podem, sim, ser uma ofensa aos espíritos que cultuamos. Entenda: lidamos com espíritos de insurgentes, marginalizados e indivíduos que foram escravizados. Por isso mesmo, para não perpetuarmos as ações que outrora condenaram nossos ancestrais a essas condições, devemos ter cuidado com nossa própria conduta ética.

Pare e pense: Você considera ético julgar uma prostituta sabendo que um grande número de Pombagiras teve suas vidas vividas na prostituição? Você considera ético praticar o culto a Zé Pelintra, e a toda a sua malandragem, e permitir policiais em sua Casa? (Aqui não quero dizer que este ou aquele policial seja necessariamente alguém desonesto, mas me refiro ao que a farda representa historicamente.)
Você considera ético cultuar espíritos de antigos feiticeiros, que provavelmente sofreram com a Inquisição, enquanto você fica aí “passando pano” para padres?

Estas são algumas reflexões possíveis para traçarmos paralelos que nos permitam desenvolver nosso senso crítico sobre o assunto.

A ética engloba o todo, ou seja, ela fala de conceitos amplos que independem das suas especificidades pessoais. Mário Cortella nos diz: “Se você é ético no Brasil, você também será ético no Japão”. A moral, embora use a ética como base, está muito mais ligada a uma cultura e à ideia de bem e mal, portanto, é muito mais relativa do que a ética em si. Não por acaso, costumamos dizer que Exu é amoral, pois, sendo almas advindas de outros tempos, culturas e contextos, possuem em sua perspectiva moral valores que, por vezes, são distintos dos nossos, mas que são explicados por suas próprias vivências. Entretanto, embora moralmente distintos, nos ligamos a eles através de conexões espirituais e éticas.

Nesta altura do campeonato, você deve estar pensando: “Então quer dizer que devo ser extremo em meu posicionamento e me opor a tudo que tem envolvimento cristão, seja ele de cunho pessoal ou social?”
Não estou dizendo isso. Estou apenas trazendo alguns pontos de vista para que possamos pensar juntos. Tenho consciência de que, para quase todos, a negação de convivência com cristãos e com o Cristianismo é quase impossível: muito provavelmente, seu empregador é cristão (você trabalha para deixá-lo mais rico), assim como seu colega de trabalho ou faculdade, seus parentes. Muito provavelmente você escuta um louvor ou outro no transporte público. E acredite, Exu sabe de tudo isso que passamos. Todavia, existe um lugar “secreto” onde podemos evitar que a ignorância entre, e esse lugar é a nossa essência: ela é imutável, amorfa e rebelde. O jeito de fazermos isso é trazendo luz para nossa consciência.

É estudando, melhorando o jeito como pensamos, e absorvendo a energia ígnea de nossos amados Exus e Pombagiras que evitamos que a ignorância faça morada na nossa Quimbanda. Isso é a ética de Exu: não permitir que nada que seja escravista ou opressor bata à nossa porta; é não permitir que as lembranças dos nossos ancestrais sejam jogadas na lama da hipocrisia, para que possamos firmar ainda mais as pegadas e eternizar a memória dos antigos nesta terra.


Tatá Caratu. Quimbanda Luciferiana, Bruxaria Ancestral. Grupo do Telegram, Instagram: @caminhosdaserpente


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