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por Santiago Bovisio
A cultura grega influenciou o mundo cristão inicialmente através do neoplatonismo pagão e, posteriormente, pela adaptação deste aos dogmas e ensinamentos cristãos. No século II, Alexandria já não era a vibrante cidade dos Ptolomeus. A Academia Filosófica, fundada por Auletes, havia decaído consideravelmente, e os grandes pensadores já não a frequentavam. Os romanos, que conquistavam territórios e destruíam relíquias culturais, subjugaram a filosofia grega e rebaixaram a religião egípcia.
Ainda assim, os imigrantes judeus e os novos cristãos contribuíram para um renascimento no estudo das filosofias, com o objetivo de adaptá-las às suas crenças. Esse movimento deu origem à escola eclética, à qual pertenceram homens notáveis como Clemente de Alexandria, São Justino Mártir e Atenágoras.
O cristianismo, que havia traçado um plano de ação dogmático para combater as numerosas heresias, começou a olhar esse novo movimento com desconfiança, mesmo quando grandes figuras cristãs o integravam. Eventualmente, houve uma separação definitiva, o que facilitou o florescimento do neoplatonismo.
Amônio Saccas, nascido em Alexandria no século II, filho de pais cristãos, demonstrava desde cedo aptidões extraordinárias. Durante os ofícios religiosos, entrava em estado de êxtase, o que lhe rendeu o epíteto de Theodidaktos (instruído por Deus). Ainda jovem, frequentou a escola de Clemente de Alexandria, onde desenvolveu grande apreço pela filosofia, da qual nunca se afastaria.
Nessa época, os cristãos se opunham abertamente às ideias gregas. O Bispo de Alexandria proferiu a célebre frase: “Com Cristo ou com os gregos”. Fanáticos invadiram escolas, saquearam bibliotecas e queimaram textos. Indignado, Amônio rompeu com o cristianismo. Ele teve uma visão reveladora de uma montanha coroada por um fogo perene, em cujas chamas se refletiam as civilizações e religiões do mundo, demonstrando que o fogo era eterno, enquanto as sombras que projetava eram passageiras. A partir dessa visão, Amônio considerou o cristianismo um grande ideal humano, mas não o único.
Amônio Saccas fundou a escola neoplatônica Filaletea, que mais tarde se dividiu em duas correntes: os analogistas e os teurgistas. Dessa escola saíram grandes pensadores, como o místico Plotino, o divino Porfírio, o insuperável Jâmblico, o tenaz Orígenes e o devoto Herênio.
O neoplatonismo prosperou por dois séculos, mas eventualmente a influência do cristianismo o reprimiu. A escola neoplatônica foi dirigida por Hipátia, filha do matemático Teón. Ela ensinou sua sabedoria ao Bispo Sinésio, que a transmitiu no Livro da Pedra Filosofal. Contudo, Hipátia tornou-se inimiga de Cirilo, sobrinho do Bispo Teófilo de Alexandria, um homem fanático que mais tarde se destacou no Concílio de Éfeso. Ele tentou em vão converter Hipátia ao cristianismo. Quando uma série de desgraças atingiu a população, Cirilo a culpou, e uma turba fanática a matou brutalmente.
Treze séculos depois, Marcílio Ficino fundou a Academia Florentina, que marcou o renascimento do neoplatonismo. Herênio, discípulo de Amônio, é conhecido por ter sido iniciado na doutrina secreta do mestre, mas quebrou o juramento de sigilo, o que liberou Orígenes e Plotino de sua promessa.
Orígenes, o cristão, foi um dos mais influentes pensadores teológicos após a pregação do Evangelho. Ele percebeu a necessidade de sistematizar as novas noções de Deus e do mundo, e para isso buscou apoio na filosofia. Nascido em Alexandria por volta de 185, foi educado em ciências gregas e cristãs, demonstrando desde cedo um espírito inquisitivo. Seus mestres, São Clemente e São Panteno, o iniciaram no platonismo e no estoicismo.
Após a morte de seu pai, Leônidas, durante as perseguições aos cristãos por ordem do Imperador Septímio Severo, Orígenes, então com dezessete anos, sustentou sua família ensinando gramática. Ele logo se destacou como professor de teologia, atraindo muitos seguidores e realizando importantes conversões. Aos vinte anos, foi nomeado para a cátedra de São Clemente.
Orígenes viveu uma vida de grandes austeridades. Influenciado pelas ideias orientais que viam o corpo como inimigo da alma, submeteu-se a jejuns e penitências extremas, chegando a mutilar-se. Mais tarde, arrependeu-se desse ato, reconhecendo que a verdadeira luta contra as paixões deve ocorrer na alma, sem prejudicar o corpo.
Sua principal obra, Os Princípios, visava sistematizar a doutrina cristã sobre bases científicas e filosóficas. A maior parte de seus escritos nos chegou através de Rufino, que alterou as passagens mais audaciosas para torná-las mais ortodoxas. Orígenes buscava conciliar a filosofia antiga com o cristianismo, tentando fundir a noção platônica de Deus com a ideia de energia proposta por Aristóteles. Ele também desenvolveu a ideia de que a morte de Cristo redime até mesmo Satanás e as almas condenadas.
A ousadia de suas ideias lhe rendeu inimigos. Demétrio, Bispo de Alexandria, que antes o apoiara, tornou-se seu maior opositor, condenando-o ao exílio. Orígenes passou os últimos anos de sua vida em Cesaréia e Tiro, prosseguindo em seus estudos, mas sem escola formal.
Ele morreu aos setenta anos, após sobreviver a torturas durante a perseguição sob o imperador Décio. Embora tenha sido rejeitado por setores da Igreja, sua influência foi marcante no Oriente, e ele continua sendo uma figura fundamental na história da teologia cristã.
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