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excerto de O Ramo de Ouro
Sir James George Frazer. Trad. Waltensir Dutra.
Assim, a interpretação de que a vida de Bálder estava no visco mostra-se perfeitamente de acor- do com os modos de pensar primitivos. Poderia realmente parecer uma contradição o fato de que, se sua vida estava no visco, ele pudesse ter sido morto justamente por um golpe dessa planta. Mas quando a vida de uma pessoa é concebida como estando encerrada num determinado objeto, a cuja existência a sua própria existência está inseparavelmente ligada e cuja destruição representa a sua própria destruição, o objeto em questão pode ser visto, e dele se pode falar, indiferentemente, como sendo sua vida ou sua morte, como acontece nos contos de fada. Portanto, se a morte de um homem está num objeto, é perfeitamente natural que ele seja morto por um golpe desse objeto. No conto de fadas, Koschei, o Sem-Morte, é morto por um golpe do ovo ou da pedra na qual sua vida ou morte estava guardada, e o herói tártaro é advertido de que pode ser morto pela flecha ou espada de ouro na qual sua alma fora encerrada.
A idéia de que a vida do carvalho estava no visco foi provavelmente sugerida pela observação de que, no inverno, este último permanece verde, enquanto o primeiro perde suas folhas. Mas a posição da planta — crescendo não diretamente do solo, mas do tronco ou dos ramos da árvore — poderia confirmar tal idéia. O homem primitivo poderia pensar que, como ele próprio, o espírito do carvalho havia procurado depositar sua vida em algum lugar seguro e, com esse objetivo, escolhera o visco, que, não estando, num certo sentido, nem no céu nem na terra, poderia ser considerado como a salvo de qualquer mal. No primeiro capítulo vimos que o homem primitivo procura preservar a vida de suas divindades humanas mantendo-as entre a terra e o céu, com base na suposição de que este é o lugar menos vulnerável aos perigos que ameaçam a vida do homem na terra. Podemos, portanto, compreender por que é uma regra da medicina popular, tanto da antiga quanto da moderna, que o visco não deve tocar a terra. Se isso acontecesse, seu poder curativo se perderia. Isso pode ser uma reminiscência de velha superstição de que a planta na qual a vida da árvore sagrada está concentrada não deve correr o risco que existe no contato com a terra. Numa lenda indiana, que apresenta um paralelo com o mito de Bálder, Indra jura ao demônio Namuci que não o mataria durante o dia nem durante a noite, que não o mataria com uma lança nem com um arco, nem com a palma da mão nem com os punhos, nem com o que fosse molhado nem com o que fosse seco. Matou-o, porém, no alvorecer do dia, espargindo sobre ele espuma do mar. A espuma do mar é uma dessas coisas nas quais um selvagem poderia colocar sua vida, porque ocupa aquela espécie de posição intermediária ou não definida entre a terra e o céu ou entre o mar e o céu, na qual ele vê segurança. Não é de surpreender, portanto, que a espuma do rio seja o totem de um clã da Índia.
A interpretação de que o visco não foi apenas o instrumento da morte de Bálder, mas que continha a sua vida, fica fortalecida pela analogia com uma superstição escocesa. A tradição diz que a sorte dos hays de Errol, uma propriedade no condado de Perth, perto de Firth of Tay, estava ligada ao visco que crescia num grande carvalho. Um membro da família hay assim registrou essa velha crença: “Entre as famílias das terras baixas os brasões estão quase geralmente esquecidos, hoje. Mas um velho manuscrito e a tradição de algumas pessoas de idade do condado de Perth dizem que a insígnia dos hays era o visco. Havia antigamente, nas vizinhanças de Errol e perto da pedra do Falcão, um grande carvalho cuja idade era desconhecida e no qual o visco crescia em profusão; numerosos sortilégios e lendas ligavam-se à velha árvore, e dizia-se que a duração da família hay estava unida à sua existência. Acreditava-se que um ramo de visco cortado por um hay, na véspera da festa de Todos os Santos, com um punhal escocês novo, depois de ele ter dado três voltas à árvore caminhando no sentido do movimento do sol e pronunciando uma certa fórmula mágica, era um remédio certo contra qualquer encantamento ou feitiçaria, e uma proteção infalível em dia de batalha. Um ramo colhido da mesma maneira era colocado no berço das crianças para evitar que fossem transformadas em duendes pelas fadas. Finalmente, afirmava-se que, quando a raiz do carvalho perecesse, ‘o mato cresceria na lareira de Errol, e um corvo ocuparia o ninho do falcão’. Os dois acontecimentos mais desafortunados que poderiam ocorrer a um hay eram matar um falcão branco e cortar um ramo da árvore de Errol. Nunca pude saber quando foi destruída a velha árvore. A propriedade esteve algum tempo fora do controle da família hay, e afirma-se naturalmente que o carvalho fatal fora derrubado pouco antes”.
A idéia de que a sorte de uma família, enquanto distinta da vida de seus membros, depende de uma determinada planta ou árvore é, sem dúvida, relativamente moderna. A idéia mais antiga pode ter sido a de que a vida de todos os hays estava nesse visco específico, tal como na história indiana a vida de todos os ogres está num limão; arrancar um raminho de visco teria significado, então, matar um dos hays. Da mesma forma, na ilha de Rum, cujas montanhas o viajante que vai de Oban para Skye pode ver do mar, acreditava-se que, se um dos membros da família lachlin matasse um gamo na montanha de Finchra, morreria subitamente ou adoeceria e morreria dentro em pouco. Provavelmente a vida dos lachlins estava ligada ao gamo de Finchra, tal como a vida dos hays estava ligada ao visco do carvalho de Errol.
Não é nova a opinião de que o ramo de ouro era o visco. É certo que Virgílio não o identifica, mas apenas o compara, com essa planta. Mas isso talvez tenha sido apenas um recurso poético para lançar um encanto místico sobre a humilde parasita. Ou, mais provavelmente, talvez sua descrição se baseasse numa superstição popular segundo a qual, em certas épocas, o visco reluz numa sobrenatural resplandecência dourada. O poeta nos conta como duas pombas, guiando Enéias ao vale sombrio em cujas profundezas crescia o ramo de ouro, pousaram numa árvore, “onde o reflexo dourado brilha e contrasta entre as folhagens. Como entre as brumas do inverno, no fundo do bosque, o visco, estranho às árvores que o abrigam, renasce com folhas novas e envolve- lhes os troncos redondos com seus frutos cor de açafrão, a folhagem dourada surgia na azinheira cerrada e suas folhas brilhantes balançavam ao vento ligeiro”. Nesse trecho, Virgílio descreve sem dúvida o ramo de ouro que cresce no carvalho e o compara ao visco. A dedução quase inevitável é a de que o ramo de ouro era apenas o visco percebido através do véu poético de uma superstição popular.
Mostramos haver boas razões para acreditar que o sacerdote de Arícia — o rei do bosque — personificava a árvore na qual crescia o ramo de ouro. Portanto, se essa árvore era o carvalho, o rei do bosque deve ter sido uma personificação do espírito do carvalho. É fácil compreender, então, por que, antes que ele pudesse ser morto, era necessário quebrar o ramo de ouro. Como um espírito do carvalho, sua vida ou morte estava no visco do carvalho, e, enquanto este permanecesse intacto, o rei do bosque, como Bálder, não poderia morrer. Para matá-lo, portanto, era necessário quebrar o galho de visco e provavelmente, como no caso de Bálder, lançá-lo sobre a vítima. Para completar o paralelo, é necessário apenas supor que o rei do bosque era originalmente queimado, morto ou vivo, na festa dos fogos do solsticio de verão que, como já vimos, realizava-se anualmente no bosque ariciano. O fogo perpétuo que ardia no santuário do bosque, como o fogo perpétuo do templo de Vesta em Roma, era provavelmente alimentado com madeira do carvalho sagrado; e assim, ao que tudo indica, era numa grande fogueira de carvalho que o rei do bosque, em épocas remotas, encontrava o seu fim. Numa época posterior, seu ofício sacerdotal anual foi estendido, ou reduzido, de acordo com as circunstâncias, pela regra que lhe permitia viver enquanto pudesse provar seu direito divino pela força. Mas ele só escapou do fogo para perecer pela espada.
Parece, portanto, que, numa época remota, no coração da Itália, ao lado do plácido lago de Nemi, representava-se anualmente a mesma tragédia do fogo que os mercadores e soldados italianos mais tarde testemunhariam entre seus rudes parentes, os celtas da Gália, e que, se as águias romanas jamais tivessem chegado à Noruega, veriam repetir-se, com pequenas diferenças, entre os árias bárbaros do norte. O rito era provavelmente um traço essencial do antigo culto ariano do carvalho.
Resta, apenas, perguntar por que o visco era chamado de ramo de ouro. O amarelo esbran- quiçado das suas bagas não é suficiente para justificar o nome, pois Virgílio diz que o ramo era totalmente dourado, tanto o caule como as folhas. O nome talvez venha da rica tonalidade amarelo- dourada que um ramo de visco ganha ao ser cortado e guardado durante alguns meses. Esse tom vivo não se limita às folhas, estendendo-se também ao caule, de modo que todo o ramo parece ser, realmente, um ramo de ouro. Os camponeses bretões penduram grandes ramalhetes de visco na frente de suas casas, e, no mês de junho, eles se destacam pelo tom dourado- vivo de sua folhagem. Em certas áreas da Bretanha, especialmente em Morbihan, os ramos de visco são pendurados sobre as portas de estábulos e cocheiras para proteger o gado e os cavalos, provavelmente de feitiçaria.
A cor amarela do ramo, quando seco, talvez explique em parte por que o visco foi considerado, por vezes, como dotado da propriedade de revelar os tesouros enterrados, pois, segundo os princípios da magia homeopática, há uma afinidade natural entre um ramo amarelo e o amarelo do ouro. Essa sugestão é confirmada pela analogia com as maravilhosas propriedades atribuídas popularmente à semente ou inflorescencia míticas do feto. Acredita-se que a semente do feto reluz como ouro ou como fogo na véspera do solsticio de verão. Assim, na Boêmia, afirma-se que “no dia de
São João a semente do feto floresce em botões dourados que brilham como o fogo”. É propriedade dessa mítica semente do feto que a pessoa que a possuir ou que subir uma montanha com ela nas mãos, na véspera do solsticio de verão, descobrirá um filão de ouro ou verá os tesouros da terra resplandecerem com uma aura azulada.
Ora, como a semente do feto, o visco é colhido no Solsticio de Verão ou no Natal — isto é, nos solsticios de verão e de inverno — e, como a semente do feto, acredita-se que tenha o poder de revelar os tesouros encerrados na terra. Na véspera do solsticio de verão fazem-se, na Suécia, varinhas mágicas de visco ou de quatro tipos diferentes de madeira, um dos quais deve ser o visco. Depois do pôr-do-sol, aqueles que desejam localizar tesouros vão colocando a varinha no chão em diferentes lugares, e, quando ela passa em cima de um tesouro, começa a movimentar-se como se estivesse viva. Ora, se o visco descobre ouro, deve ser por seu caráter de ramo de ouro; é colhido nos solsticios, e provavelmente se julgava que, como a semente do feto, só adquiria esse aspecto dourado em determinadas épocas, particularmente no solsticio de verão, quando se ateava fogo ao carvalho para acender o sol. Em Pulverbatch, no condado de Shrop, sempre se acreditou que o carvalho floresce na véspera do solsticio de verão e que as flores desaparecem antes do nascer do dia. Uma virgem que desejar conhecer que sorte terá no casamento deve estender uma toalha branca sob a árvore, à noite, e, pela manhã, encontrará um leve pó, tudo o que resta da flor. Deve colocar esse pó sob o seu travesseiro, e o seu futuro marido lhe aparecerá em sonhos. Essa flor fugaz do carvalho, se estivermos certos, era provavelmente o visco em seu caráter de ramo de ouro. Tal conjetura é confirmada pela observação de que, no País de Gales, um pequeno ramo do próprio visco, colhido igualmente na véspera do solsticio de verão, é também colocado sob o travesseiro para provocar sonhos proféticos; e ainda, a maneira de recolher a flor imaginária do carvalho numa toalha branca é exatamente igual ao sistema empregado pelos druidas para recolher o próprio visco quando o cortavam do carvalho com suas foices de ouro.
Essas considerações podem explicar parcialmente por que Virgílio faz com que Enéias leve um resplandecente ramo de visco ao descer ao sombrio mundo subterrâneo. O poeta conta como, diante das próprias portas do inferno, estendia-se uma grande e sombria floresta, e como o herói, segundo as duas pombas que o guiavam, penetrou nas profundezas da floresta imemorial até descortinar ao longe, por entre as sombras das árvores, o trêmulo reluzir do ramo de ouro iluminando os ramos sobre ele trançados. Se o visco, como um dourado galho seco das tristes florestas outonais, continha, segundo se acreditava, a semente do fogo, que melhor companhia poderia um viajante solitário levar consigo em sua jornada entre as trevas do que esse ramo que seria uma lâmpada para seus pés, bem como um bastão e uma lança para suas mãos? Armado com ele, poderia enfrentar ousadamente os terríveis espectros que lhe atravessariam o caminho em sua aventurosa viagem. Portanto, quando Enéias, surgindo da floresta, chega às margens do Estige, cujas águas turvas fluem vagarosamente pelos pântanos infernais, e o sinistro barqueiro lhe recusa passagem em seu barco, ele só precisa retirar do peito o ramo de ouro e mostrá-lo; à sua vista, o fanfarrão recua e, humildemente, recebe o herói em sua insensata barca, que mergulha profundamente nas águas sob o peso excepcional de um homem vivo. Mesmo em épocas recentes, o visco tem sido considerado como uma proteção contra bruxas e duendes, e os antigos bem lhe podem ter atribuído a mesma virtude mágica. Se a parasita pode, como acreditam os nossos camponeses, abrir fechaduras, por que não teria servido como um “abre-te-Sésamo”, nas mãos de Enéias, para abrir as portas da morte?
Podemos agora imaginar também por que Vírbio, em Nemi, chegou a ser confundido com o sol. Se ele era, como procuramos mostrar, um espírito da árvore, deve ter sido o do carvalho onde crescia o ramo de ouro, pois a tradição o apresenta como o primeiro dos reis do bosque. Existindo a suposição de que um espírito do carvalho reacendesse periodicamente o fogo do sol, ele poderia, por isso, ser facilmente confundido com o próprio sol. Da mesma forma, podemos explicar por que Bálder, um espírito do carvalho, era descrito como “tão belo de rosto e tão brilhante que dele emanava uma luz”, e por que deve ter sido confundido tantas vezes com o sol. E em geral podemos dizer que nas sociedades primitivas, onde a única maneira conhecida de fazer o fogo era pelo atrito da madeira, o selvagem deveria necessariamente conceber o fogo como uma propriedade armazenada, tal como o suco ou a resina, nas árvores, das quais tinha de ser extraído penosamente. Os índios senals da Califórnia “afirmam acreditar que todo o mundo foi outrora um globo de fogo e que esse elemento se transferiu para as árvores e delas sai quando dois pedaços de madeira são atritados”.
É plausível a teoria de que a reverência pelo carvalho evidenciada pelos povos antigos e a ligação que estabeleciam entre essa árvore e o seu deus dos céus viessem da freqüência com a qual o carvalho é mais atingido por raios do que qualquer outra árvore das florestas européias. Esse fato pode, por si mesmo, ter atraído a atenção de nossos rústicos antepassados que viviam nas grandes florestas então existentes em grande parte da Europa. E eles poderiam muito bem explicar naturalmente esse fato, em sua simplória religiosidade, supondo que o grande deus dos céus, a quem adoravam e cuja terrível voz ouviam no troar do trovão, amava o carvalho mais do que a todas as outras árvores e, com freqüência, sobre ele descia, das nuvens carregadas sob a forma de um raio, deixando como sinal de sua presença ou de sua passagem o tronco fendido e enegrecido e a folhagem derrubada. Essas árvores eram, a partir de então, cercadas por uma aura de glória, enquanto moradas visíveis do trovejante deus dos céus. É fora de dúvida que, como certos selvagens, tanto os gregos como os romanos identificavam seu grande deus dos céus e do carvalho com o relâmpago e o raio que golpeavam o chão e, regularmente, cercavam o local atingido e pas- savam a tratá-lo como sagrado. Não será exagero supor que os ancestrais dos celtas e dos germanos, nas florestas da Europa central, tivessem, pelo carvalho calcinado, o mesmo respeito e pelas mesmas razões.
Minha teoria é a de que o deus dos céus e do trovão era a grande divindade original de nossos ancestrais arianos, e que sua associação com o carvalho era apenas uma dedução baseada na freqüência com que essa árvore era atingida pelo raio. Se os árias, como acreditam alguns autores, percorreram as amplas estepes da Rússia ou da Ásia central com seus rebanhos antes de mergulhar nas sombras das florestas européias, podem ter adorado o deus do firmamento azulado ou nublado e do tronco relampejante muito antes de pensar em associá-lo aos carvalhos queimados por raios em sua nova terra.
Talvez essa teoria tenha ainda a vantagem de lançar luz sobre a particular sacralidade atribuída ao visco que cresce num carvalho. A simples raridade desse fenômeno não seria suficiente para explicar as proporções e a persistência da superstição. Um indício de sua verdadeira origem nos é possivelmente proporcionado pela afirmação feita por Plínio de que os druidas adoravam a planta porque acreditavam ter ela caído do céu e afirmavam que a árvore onde crescia havia sido escolhida pelo próprio deus. Poderiam ter pensado que o visco caiu sobre o carvalho num raio? A hipótese é confirmada pelo nome de vassoura-do- trovão, aplicado ao visco no cantão suíço de Aargau, pois o epíteto indica claramente uma ligação entre a parasita e o trovão; na verdade, “vassoura-do-trovão” é o nome popular na Alemanha para qualquer parasita que, com ramagem emaranhada e espessa, cresça num galho de árvore, porque os ignorantes acreditam que se trata do produto de um raio. Se houver qualquer verdade nessa conjetura, a razão efetiva pela qual os druidas adoravam os carvalhos sobre os quais houvesse nascido o visco mais do que todas as árvores da floresta era a crença de que todos esses carvalhos não só haviam sido atingidos pelo raio, como tinham, entre seus ramos, uma emanação visível do fogo celeste; assim, ao cortarem o visco com ritos místicos, os druidas estavam assenhoreando-se de todas as propriedades mágicas do trovão. Se foi assim, devemos concluir que o visco era considerado uma emanação do raio.
Concluindo esta pesquisa, devemos dizer que, se Bálder era realmente, como supusemos, uma personificação do carvalho em que cresce o visco, sua morte por um golpe dessa planta poderia ser explicada como uma morte por um golpe do raio. Enquanto o visco, no qual vibrava a chama do raio, ficava entre os ramos, nenhum mal poderia ocorrer ao bondoso deus do carvalho que conservava sua vida guardada, para a sua segurança, entre a terra e o céu, numa parasita misteriosa. Mas, quando esse depositário da sua vida, ou da sua morte, era arrancado do ramo e lançado sobre o tronco, a árvore tombava — o deus morria — golpeada por um raio.
E o que dissemos de Bálder nas florestas de carvalhos da Escandinávia talvez seja também aplicável, com todas as reservas que exige uma questão tão obscura e incerta, ao sacerdote de Diana, o rei do bosque de Arícia, nos bosques de carvalhos da Itália. Ele pode ter personificado, em carne e osso, o grande deus italiano do céu, Júpiter, que bondosamente desceu do firmamento no relâmpago para viver entre os homens no visco — a planta do trovão — o ramo de ouro — que cresce no carvalho sagrado à beira das águas tranqüilas do lago de Nemi. Se foi assim, não nos deve surpreender o fato de que o sacerdote guardasse com a espada nua o ramo místico que continha a vida do deus e a sua própria vida. A deusa a quem ele servia e que desposou era, se estamos certos, a própria rainha dos céus, a verdadeira esposa do deus dos céus. Pois também ela amava a solidão dos bosques e dos montes solitários, e, pairando no ar, nas noites claras, à semelhança da lua prateada, contemplava prazerosamente a beleza de sua própria imagem refletida na calma e reluzente superfície do lago, o espelho de Diana.
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