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Luiz Howarth: o Papa e o cabaré

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Antes que alguns católicos mais radicais lancem pragas de lá pra cá, alertamos que o papa em questão é Luiz Howarth, um cearense que deu com os costados em Sergipe por acaso, foi ficando, ficando, até se autodenominar papa do diabo, “o primeiro e único na face da terra”, gabava-se. Com 81 anos, o nosso personagem está vivo e mora em Vitória do Espírito Santo. Apesar da idade, preserva a mesma fala mansa do final dos anos 70, quando aportou em Aracaju. Hoje, ele se ocupa de orientar casais com dificuldades no casamento e pessoas em busca do autoconhecimento.

Voltemos ao princípio dessa história: após sair do Ceará e ficar sem dinheiro para seguir viagem até o Rio de Janeiro, esse discípulo de Lúcifer decidiu passar um tempo em Aracaju, tendo estabelecido ponto como astrólogo. Alugou um horário na Rádio Liberdade/AM e passou a atender a clientela no centro astral, que levava o seu nome e ficava na área central da capital sergipana, bem próximo à rodoviária velha, na região dos mercados.

Para a alegria do fidalgo, o negócio começou a prosperar. Em 1981, após se assumir como papa, construiu uma igreja para reverenciar o mandatário do inferno. Aliás, Luiz Howarth parece ter saído do conto “A Igreja do Diabo”, no qual Machado de Assis narra a história do dia em que o demônio resolveu fundar um templo. Na obra machadiana, Lúcifer se dizia cansado de ser desorganizado, de ficar com as circunstanciais sobras das diferentes manifestações de fé. Fundando uma igreja, teria vantagem de ser única nesse tipo de pregação, ao passo que, para adorar deuses, havia várias.

Inauguração da Igreja do Diabo, em 1981. Apontados pelas setas, em pé, o correspondente do jornal Estadão, José Andrade, e agachado Adiberto de Souza, repórter do Jornal da Cidade. (Clique na foto para ampliar)

Pois bem, Luiz Howarth faturava como astrólogo, vendia dúzias e mais dúzias das grossas vela CE, que, feitas à base de petróleo, queimavam por mais de 15 dias, e, segundo ele, eram boas pra quase tudo. Essa atividade o ajudava a arregimentar generosos fiéis, desconsolados com a carência de milagres financeiros pras bandas da Igreja Católica. Na época, não havia a febre dos neopentecostais e suas falsas promessas milagrosas. A estranha igreja, construída no município de Nossa Senhora do Socorro, tinha o formato de caixão de defunto e a parte externa era toda pintada de preto. Coberta com telhas de amianto, fazia um calor do inferno.

O empreendimento chamou a atenção da Rede Globo, que mandou a Sergipe uma equipe do Fantástico para entrevistar o novo papa às avessas. Cabeleira loura, barbicha idem, Howarth foi para a entrevista vestido por Wilson do Gavetão, dono da mais afamada loja de roupa masculina de Aracaju e um excelente agitador cultural. Era muito amigo de Howarth. A reportagem saiu em rede nacional, no domingo à noite. Pense no escândalo!

Governador pressionado

Nem precisa dizer que a repercussão da entrevista de Luiz Howarth só fez aumentar o ciúme dos líderes católicos, principalmente do arcebispo metropolitano, o conservador dom Luciano Cabral Duarte. Injuriados com o concorrente, os reverendos e seus fiéis mais fervorosos pressionaram o governador Augusto Franco (PDS) a demolir a Igreja: “Onde já se viu uma coisa dessa? Sergipe com um templo para Lúcifer”, berrava o poderoso dom Luciano nas pregações da Catedral Metropolitana e no microfone da católica Rádio Cultura/AM.

 

O Centro Astral Prof. Luiz Howarth ficava na Avenida Doutor Carlos Firpo (Clique na foto para ampliar)

Não deu outra: o governador convidou Howarth ao Palácio Olímpio Campos, centro de Aracaju, e perguntou quanto ele queria para derrubar a igreja do diabo. Percebendo a pressão, o papa deu o preço, e o governo pagou sem pestanejar, pelo prazer de mandar demolir a esdrúxula edificação e ficar bem na fita com os católicos.

Negócio fechado, o governador sugeriu convidar o arcebispo metropolitano para referendar o ato, porém Howarth protestou na lata: “Eu sou o papa do diabo e não converso com arcebispo, bispo, freira nem padre. Talvez, com o papa deles, no mais e sendo assim está desfeito o negício”. Assustado com a repetina reação do representante do cão, Augusto Franco retirou a proposta e assinou o decreto desapropriando a inusitada igreja, com o discurso de que o terreno seria usado para a construção de uma escola pública, coisa que jamais aconteceu.

Com o dinheiro da venda depositado no Banco do Estado de Sergipe, o papa começou a gastar por conta. Na véspera do Natal, Luiz Howarth reuniu um grupo de amigos no Bar e Restaurante Cacique Chá, localizado na mesma praça da Catedral Metropolitana de Aracaju, e mandou servir cerveja, uísque e o diabo a quatro. A farra começou antes do meio-dia. À noite, com os católicos já passando para a Missa do Galo, o papa anunciou aos convivas da animada mesa que iria à Igreja Matriz discutir com os padres sobre o verdadeiro significado daquela celebração natalina.

Praticamente todos os bêbados discordaram da proposta maluca do reverendo do cão. Porém, foi o saudoso jornalista e radialista Zenóbio Melo quem conseguiu demover o papa da ideia de invadir a Igreja Católica.

Convencido de que uma invasão do lotado templo religioso por um grupo de bêbados seria um desastre, Howarth aboletou todo mundo na velha kombi azul, dirigida por seu fiel motorista Jesus, e mandou seguir para a saída de Aracaju, já na BR-101, onde existia a famosa Boate Bambu; na verdade, um caprichado cabaré. Nem precisa dizer que, diferente do que ocorreria na Missa do Galo, a comitiva foi alegremente recebida pelas “donas” do pedaço, principalmente porque Luiz Howarth anunciou, logo na chegada ao bordel, que naquela noite a despesa era toda por conta do papa do diabo. E foi um puta Natal!


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