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Antroposofia: Uma entrevista com Rudolf Lanz

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Nascido em 1915 em Budapeste, Hungria, de pais alemães, Rudolf Lanz passou sua infância e juventude em Berlim e formou-se em Direito em Londres, Friburgo, Munique e Genebra. Em 1939, imigrou para o Brasil para evitar servir no exército alemão, estabelecendo-se em São Paulo, onde descobriu a antroposofia. Filiou-se à Sociedade Antroposófica em 1940 e cofundou a Escola Higienópolis (hoje Escola Waldorf Rudolf Steiner) em 1956.

Abandonou sua carreira empresarial em 1969 para dedicar-se exclusivamente à antroposofia, contribuindo significativamente como docente, conferencista e presidente da Associação Pedagógica Rudolf Steiner e da Sociedade Antroposófica no Brasil. Foi tradutor de obras de Rudolf Steiner e autor de diversos livros sobre antroposofia, sendo uma figura central no movimento antroposófico no Brasil até seu falecimento em 1998, em São Paulo.

A entrevista abaixo foi publicada na antiga revista Ano Zero, edição de Dezembro de 1986:

Como o senhor define a antroposofia?

Rudolf Steiner, fundador da ciência antroposófica, disse uma vez que ela é um caminho do conhecimento que deve religar o espiritual existente no homem com o espiritual do universo. Deduz-se, portanto, que a antroposofia é, em primeiro lugar, um conhecimento que conduz a uma ciência que, de maneira alguma, põe em dúvida os resultados da ciência materialista, elaborada nos últimos dois ou três séculos. Contudo, ao se basear na existência de uma nova dimensão totalmente diferente, ela complementa as ciências comuns pelo conhecimento dessa outra região, que é um mundo extremamente rico de planos não-físicos que o homem pode conhecer usando suas capacidades de percepção (observação) e de pensamento.

Só que a observação não se dirige, neste caso, ao mundo físico que nos rodeia, mas ao espiritual, através do desenvolvimento – realizado com plena consciência pelo homem – de órgãos de percepção que existem em estado latente em todo ser humano. Tais órgãos podem ser levados ao pleno desenvolvimento através de um conjunto de exercícios, realizados conscientemente, ao qual poderíamos chamar de iniciação.

Mas a antroposofia não é apenas um caminho cognitivo. Com base nos conhecimentos supra-sensíveis obtidos, é possível levar seus resultados práticos a muitos domínios da nossa vida humana e social. Assim, existe na antroposofia um grande número de aplicações práticas que levaram, por exemplo, a uma medicina antroposófica, o mesmo ocorrendo com a farmacologia, a agricultura (chamada biodinâmica) e, principalmente, com a pedagogia, conhecida pelo nome de Waldorf, que se baseia no enfoque ao mesmo tempo físico e espiritual tanto da criança – quer dizer, do ser em evolução – como do seu mestre, o professor.

Esse aspecto prático levou à criação de centenas de escolas Waldorf no mundo inteiro (hoje existem aproximadamente 400 delas), a clínicas, à formação de médicos, a muitas fazendas biodinâmicas e a inúmeras instituições que se dedicam ao tratamento de crianças mentalmente atrasadas. Tudo isso, a meu ver, constitui algo particular da antroposofia, que, em geral, não existe em outras correntes espiritualistas modernas.

Qual deve ser a posição dos homens frente a essa ciência?

A antroposofia se dirige ao homem em busca de conhecimento, a um ser humano não satisfeito com os resultados da ciência comum e tampouco com os das religiões tradicionais. Ela não se oferece como uma panaceia, mas pressupõe o homem que realiza, busca, e ela quer satisfazer seu desejo de conhecimento. Nesse sentido, a antroposofia apela à plena presença de espírito – não à fé, à inconsciência ou a estados de consciência estáticos.

De que modo o ser humano é visto (ou constituído) segundo o pensamento antroposófico? O que o diferencia dos outros seres vivos?

Da observação espiritual resulta que o homem não é simplesmente um ser constituído por um corpo físico, aqueles 70 kg de proteínas que nós somos, mas que, para explicar o ser humano, é necessário recorrer a outros componentes.

Em primeiro lugar, há o fenômeno da vida. Todos os fenômenos vitais – como metabolismo, crescimento, forma, regeneração, etc. – não podem ser explicados apenas pelos produtos químicos que compõem o homem, mas pressupõem um princípio ordenador, superior, não-material, que na antroposofia é chamado corpo plasmador ou etérico. Esse corpo também é encontrado nas plantas e nos animais; ele é aquilo que produz um organismo, em oposição a um mecanismo.

Mas com isso fica explicado apenas o fenômeno da vida. O homem possui ainda outras atividades e qualidades, aquelas que podemos chamar de anímicas. Todas as impressões sensoriais, os sentimentos de alegria e tristeza, simpatia e antipatia, amor e ódio, inveja, etc. – tudo isso é algo que ultrapassa a vida e que não encontramos no mundo vegetal, mas que é resultado da atividade de mais um elemento constitutivo, chamado anímico ou astral. Este, também os animais o possuem. Os dois, o corpo etérico e o astral, são realidades que podem ser “vistas” através de uma percepção superior. Contudo, existe ainda no homem um elemento que nem o animal possui: o seu eu, sua personalidade, a entidade espiritual e eterna, aquilo que lhe transmite a plena consciência, a capacidade de raciocinar, de abstrair, de optar e, em consequência, a autêntica responsabilidade pelos seus atos.

Toda a moralidade, toda a problemática da responsabilidade moral decorre disso. A função humana, sua dignidade, consiste em superar o egoísmo, a simples busca do bem-estar; ele deve guiar-se por uma realidade espiritual.

Qual a sua opinião sobre as fotos Kirlian, que retratam a aura das pessoas?

Todas as observações espirituais são realizadas através de sentidos novos. Mas, depois, para verbalizar as sensações que teve, o iniciado (clarividente) recorre a palavras tiradas do nosso vocabulário comum, utilizado para o mundo material. Assim, ele descreve, por exemplo, com os termos “luz” ou “cores” um fenômeno que em si nem é colorido nem brilhante, que não é percebido pelo nosso olho – a chamada aura.

Ela corresponde à percepção do corpo astral e sua “coloração” indica o grau de pureza dos sentimentos e de evolução do ser humano. Tudo isso é uma indicação do homem para se elevar à realidade espiritual através de uma sensibilidade aumentada; e, para conseguir essa sensibilidade, há um longo preparo iniciático, baseado em um trabalho moral.

Na pesquisa de fenômenos parapsicológicos, tenta-se tornar visíveis, através de aparelhos e dispositivos físicos, determinadas realidades espirituais. A antroposofia discorda totalmente desse método de se investigar o espiritual, porque assim se chega apenas a uma projeção dele no mundo físico, a uma percepção de seus efeitos, quando, na realidade, o ser humano deveria elevar-se, por uma autêntica iniciação, à própria região do espiritual.

O que o homem poderia fazer hoje para restaurar a energia que está perdendo, não só no plano físico, como também no espiritual?

O funcionamento dos corpos de que é constituído está naturalmente perturbado. O homem deveria, a partir de sua consciência, de seu eu – através de uma certa busca de sintonia com o mundo espiritual, com o mundo das ideias – tentar pôr ordem nas atividades de seus corpos inferiores.

As perturbações que atingem o corpo etérico – uma infinidade de manifestações de nossa civilização moderna, como falta de ritmo, de consonância com as forças da natureza, nossa vida agitada, a ignorância de que o corpo etérico ou vital no homem precisa de harmonia e de descanso – causam complicação a nível de saúde física.

De que forma se pode desenvolver o lado espiritual?

Enquanto a iniciação não é buscada, o lado espiritual pode ser cultivado pela serenidade, domínio e disciplina no pensar, na dedicação a valores superiores. Estes valores não são os da nossa civilização atual, que prezam o consumo, o materialismo. É a busca de uma espiritualização no sentido mais amplo. A pessoa que realmente quer tentar chegar ao conhecimento superior precisa submeter-se a uma disciplina interior, a uma intensificação do pensar, do sentir, do querer, que tem enorme efeito terapêutico em toda sua vida anímica e espiritual.

A antroposofia acredita em entidades, seres superiores?

Ela não apenas acredita nesses seres; eles são uma realidade que se revela a uma observação superior. Há um universo espiritual, não-físico, repleto de seres espirituais – respeitando uma hierarquia – e de suas atuações, suas ações e da influência que exercem sobre todo o universo, incluindo o homem. Isso não é algo de fé; é um conhecimento, uma percepção.

Nessa hierarquia, como a antroposofia classifica Deus?

Existe todo um conjunto de seres ordenados hierarquicamente acima do homem. Esses anjos ou arcanjos, etc., aparecem em todas as religiões, em todas as liturgias, com outras denominações. Mas, acima de toda essa multidão de seres que a iniciação nos leva a vislumbrar e conhecer, existe um princípio estático, como a própria direção do mundo espiritual, que seria Deus. Mas a Deus não podemos conhecer. Podemos ter a sensação de que Ele existe, adivinhar talvez um ou outro de seus atributos, tentar dar-Lhe uma expressão humana. Mas compreender Deus obviamente não podemos, senão seríamos iguais a Ele.

Qual a visão antroposófica da vida após a morte? O senhor acredita na lei do carma?

Nós não acreditamos no carma, tampouco na vida depois da morte. Sabemos, pelo conhecimento iniciático, que são uma realidade. A morte aparece à observação do iniciado: ele percebe que o eu humano, depois daquilo que chamamos morte, passa para uma outra forma de existência fora da matéria, onde primeiro o corpo etérico, depois o físico, é deixado para trás. O corpo astral também segue o mesmo destino, e o eu passa então para uma existência realmente espiritual, convivendo com todos os seres hierarquicamente superiores. O iniciado pode não somente acompanhar, mas até certo ponto compreender o que se passou. E a reencarnação aparece não como um postulado lógico; ela surge como uma realidade. Em determinado momento de sua caminhada oculta, o iniciado – conscientemente, e não apenas como uma vaga reminiscência – assiste ao espetáculo de suas vidas passadas e das de outros indivíduos, mas suas investigações servem não para satisfazer sua curiosidade, e sim para mostrar certas leis e regularidades para um grande número de pessoas.

Naturalmente, isso foi sentido de maneira menos intelectual pelas crenças primitivas. Temos a ideia de reencarnação e carma em todas as religiões antigas, menos no cristianismo e no judaísmo. Isso porque o primeiro surgiu como religião numa época em que a humanidade já havia perdido essa capacidade de observação do espiritual; e o judaísmo era uma religião que fazia parte do carma dos homens e se destinava a desenvolver o intelecto, a abstração, e não a vivência direta.

De acordo com a antroposofia, como se teria processado a evolução do homem?

A evolução do homem não se processa, como afirma o darwinismo, pelo desenvolvimento de um ser mais complexo, espontaneamente, a partir de um outro mais simples. Essa evolução realmente ocorreu, mas havia necessidade de algo mais: uma colaboração – podemos dizer, uma dedicação e sacrifício – das hierarquias superiores.

Se o homem passou lentamente de um estado em que ainda não possuía um eu, e que correspondia vagamente ao estado animalesco, para o estado humano, é porque seres superiores de certa maneira instilaram nele como que uma partícula da sua própria substancialidade espiritual, a qual, através de milênios, se transformou no nosso ser espiritual.

Essa ideia da Bíblia de que Deus insuflou o seu próprio sopro divino nas narinas do homem é uma imagem apenas; ela significa que de um ser superior nós recebemos algo que depois foi desenvolvido com a ajuda de outros seres superiores. Nos últimos milênios, o homem, pouco a pouco, está se desprendendo dessas influências e se tornando autônomo, tomando em suas mãos as rédeas do seu destino. A capacidade de optar: pela direita ou esquerda, pelo bem ou o mal, o exercício do livre-arbítrio é uma conquista relativamente recente do homem em seu caminho evolutivo.

Então, como seriam consideradas nesse caminho as crises atuais?

As crises marcam exatamente o momento em que a humanidade sai da direção dos seres espirituais. Há imagens correspondentes em todas as religiões, como a da expulsão do paraíso ou do crepúsculo dos deuses. O homem se tornou cada vez mais autônomo, mas não possui ainda a verdadeira capacidade de tomar suas próprias decisões.

Então, nesse estado intermediário, temos essa situação caótica, principalmente porque sobre o homem atuam não somente seres espiritualmente chamados bons, mas também outros que estão em desacordo, em uma evolução diferente, simbolizados em todas as religiões como demônios, diabos, pouco importa o termo. Sua finalidade é impedir que o homem encontre o seu próprio caminho. Tendo que escolher entre as diversas influências que atuam sobre si, o homem se libera e adquire sua verdadeira liberdade.

O ser humano precisa desenvolver o conjunto de atitudes que podem ser resumidas na palavra amor. E, se não permear com essa manifestação mais elevada do seu eu humano todos os seus atos, ele não vai atingir o resultado que objetiva.

Qual seria esse resultado?

O homem emana de uma harmonia, que na Bíblia é simbolizada pelo paraíso. Mas então ele não tinha personalidade. Ao ser eliminado desse paraíso, ocorreu o despertar da personalidade e da inteligência – sua autoconsciência. E, na medida em que ele desenvolveu essas qualidades, afastou-se cada vez mais da sua origem espiritual e até do conhecimento daquele mundo. Agora, o homem chegou ao ponto mais baixo de uma parábola, de onde deveria subir novamente, numa ascendente. Contudo, dessa vez não no sentido de uma direção, de uma queda, mas através de um esforço próprio, lutando justamente contra essas influências de seres que o afastaram da sua origem.

Se não reencontrar a harmonia divina, com plena consciência e conservação do seu eu – o que deve ocorrer com cada indivíduo isoladamente –, o homem ficará a meio caminho e constituirá, numa evolução futura, uma espécie de reino inferior, como hoje o são os animais. Isto acontecerá com aqueles que permanecerem apenas humanos, quando outros tiverem atingido uma situação mais elevada, que corresponde hoje à escala mais baixa das hierarquias superiores.

O senhor acredita que essas entidades que não evoluíram são as forças que agem no homem hoje para levá-lo para o “mau caminho”?

Não vamos empregar a palavra mau, porque não é realmente mau – esse é um julgamento humano. É uma evolução diferente, por terem sido atrasados, por terem seguido um caminho diverso dos outros. Rudolf Steiner empregava os vocábulos “luciféricos” e “arimânicos” para designar duas espécies desses seres que atuam no homem em sua busca da consciência lúcida, serena, espiritual.

Na medicina, como os conhecimentos antroposóficos atuariam?

Para começar, nessa medicina adquire-se a compreensão de que muitas doenças que aparecem no físico, no corpo material, têm sua origem num distúrbio espiritual, ou psíquico ou vital, e que essas causas podem ser tratadas não através de substâncias químicas sintéticas, mas com produtos que atuam sobre esses corpos mais elevados. Além desses, utilizam-se como medidas terapêuticas, por exemplo, a arte, o ritmo, a música, a meditação. É dessa forma que podemos atuar.

Como a antroposofia realmente se aplica na pedagogia Waldorf?

A criança é considerada não como uma caixa vazia que se enche de conhecimentos e informações; a educação é a tarefa de levar um ser desde o seu início a um pleno desenvolvimento de sua personalidade. O professor Waldorf deve saber o que é o corpo etérico e como ele atua; deve saber como se manifesta o corpo astral e o eu. Tudo isso se obtém através de um longo estudo e, mesmo se o próprio mestre não for um clarividente, saberá pelas inúmeras informações que recebeu como atuam essas partes espirituais que existem no ser humano.

Qual seria a idade ideal para a criança começar a frequentar essa escola?

A idade é aquela considerada com muita sabedoria em todas as civilizações como a da escolaridade: 7 anos. Nesse período a criança realmente atinge a capacidade de aprender, segundo sua disponibilidade interior.

Uma criança mais velha pode ser colocada numa escola Waldorf?

Naturalmente. Mas a cada faixa etária corresponde uma constelação das suas disposições interiores, sejam biológicas, anímicas ou espirituais. Portanto, a cada ciclo será destinada uma abordagem específica, uma maneira de ensinar.

Como o senhor analisa o caso das crianças prodígio?

Elas são unilateralmente dotadas, o que naturalmente é resultado de um carma. Não devemos podar o que essas crianças têm, mas, para que não sejam unilateralmente desenvolvidas, devemos procurar arredondar esses indivíduos, completá-los, fazer desabrochar aquilo que lhes está faltando.

De forma resumida, o que os homens podem esperar da antroposofia para se ter um mundo melhor?

A antroposofia não se oferece aqui como uma doutrina qualquer, uma religião. Ela se dirige a pessoas que têm certas perguntas, aqueles que, cada vez mais numerosos em nossa época, querem ir mais além, que buscam caminhos novos, que sentem angústia. Ela se oferece como um método científico que corresponde ao mundo ocidental, a toda uma tradição de filosofia e de ciências que nós temos. Não é uma volta ao passado; é a continuação de um longo caminho que o homem tem de trilhar.

Como o senhor avalia a antroposofia no Brasil agora?

Posso dizer que a antroposofia deu um grande passo no sentido de ser divulgada neste país. Mas ela é muito exigente e, por isso, seu progresso é difícil. Contudo, nos dedicamos a certas atividades práticas: há duas escolas Waldorf, que são muito procuradas; algumas fazendas biodinâmicas; a Clínica Tobias, que não sabe como atender às centenas de pessoas que procuram pela medicina antroposófica; a Weleda do Brasil, responsável por produtos diversos, em particular, inúmeros remédios antroposóficos; entre outras.

E existem, naturalmente, muitos grupos de estudo, cursos e seminários, além de uma editora destinada a publicar, pouco a pouco, as principais obras de uma imensa literatura antroposófica.

Esse é o panorama atual da antroposofia no país.

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