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por V.H. Frater A.M.A.G. (Israel Regardie – “Ad Majorem Adonai Gloriam“)
Tradução de Frater Goya
Nosso conhecimento mais antigo desse alfabeto e dessa língua é derivado das pesquisas de Sir Edward Kelley e do Dr. John Dee no final do século XVI. Isso ocorreu na época de Mary, rainha dos escoceses, e da rainha Elizabeth, a primeira da Inglaterra. De fato, o Dr. John Dee tornou-se amigo, astrólogo e confidente da Rainha Elizabeth. De acordo com algumas das pesquisas mais recentes, o Dr. John Dee não era um espiritualista crédulo e ingênuo que alguns críticos alegam, mas era de fato um verdadeiro homem da Renascença – um cientista competente, geógrafo e, curiosamente, um agente secreto sob a tutela de Sir Francis Walsingham.
Esse alfabeto e essa linguagem são chamados de angélicos ou enoquianos, pois os anjos que instruíram Dee e Kelley alegavam ser aqueles que haviam conversado com o patriarca Enoque da Bíblia. Kelley era o especialista e usava uma pedra de visão ou bola de cristal, que hoje se encontra no Museu Britânico. Nessa bola, ele via anjos que o instruíam a fazer grandes gráficos e desenhos que o Dr. Dee tinha diante de si em uma escrivaninha, enquanto Kelley fazia a leitura. Quando um Anjo na Bola de Cristal apontava para uma determinada letra em uma de suas tabelas, Kelley, por sua vez, passava a informação ao Dr. Dee, como por exemplo Tabela B, Coluna 7, Fileira 11, etc. O Dr. Dee localizava a letra e a anotava, aguardando a próxima.
Esse era um método lento e tedioso de obter informações. Todas essas conversas e instruções foram registradas pelo Dr. Dee em diários que ainda se encontram no Museu Britânico, na coleção de manuscritos Sloane e Harleian. No ano de 1659, Meric Casaubon publicou um grande volume reproduzindo os detalhes de algumas dessas conversas e instruções. Nesse livro, encontram-se dezenas de orações oferecidas humildemente por Dee para que ele seja guiado na direção certa; muitas são belas, outras são longas e tediosas.
A partir desse material básico, cresceu um dos mais completos sistemas de magia que já foi organizado de forma tão bela e sistemática, além até mesmo dos sonhos mais loucos de Dee e Kelley, pela Ordem Hermética da Aurora Dourada, no final do século XIX.
Como pode ser visto ao consultar Meric Casaubon, muitas das invocações – ou Chamadas, como são chamadas – ditadas pelos Anjos, eram dadas ao contrário. Sentiu-se que as palavras Enoquianas eram tão poderosas que o ditado direto invocaria poderes e forças que não eram desejados. O dicionário presente neste volume da língua Enoquiana1 foi compilado a partir das palavras usadas nas dezenove invocações que foram dadas a Dee e Kelley. Com o passar do tempo, tornou-se possível separar os prefixos e sufixos das palavras Enoquianas básicas. Como não sou filólogo, essa não foi uma tarefa fácil, especialmente porque logo se reconheceu que, no processo de cópias repetidas, por membros desinformados da Golden Dawn, muitos erros haviam se infiltrado no texto. As palavras de uma invocação tinham de ser comparadas com palavras semelhantes em outra invocação para se chegar a alguma aparência de precisão.
Recentemente, as palavras deste dicionário foram comparadas com as encontradas no enorme tomo de Casaubon. Mesmo aqui, um número fantástico de erros foi percebido e eu me dei conta de como foi importante a tarefa de compilar esse dicionário em meados dos anos trinta.
Embora normalmente eu tenha evitado assiduamente o autoelogio, devo confessar, ao examinar esse dicionário após um intervalo de tempo de quase cinquenta anos, que, no que diz respeito a dicionários simples, ele não é um trabalho tão ruim assim. A separação dos sufixos e prefixos dos devidos radicais não foi, por si só, um feito insignificante, especialmente quando se considera que nenhuma pista foi encontrada nos documentos da Golden Dawn ou nas interpretações de Crowley das Chamadas em Equinox I, nº 8. Os idiomas não estão entre minhas poucas realizações. Meu inglês é bom, meu francês é execrável (como o maître de um restaurante francês que eu costumava frequentar pode atestar), e sei pouco latim e grego. No que diz respeito ao hebraico, embora eu o tenha estudado intensamente anos atrás, com a intenção de traduzir alguns textos cabalísticos antigos, esse projeto se desvaneceu antes do fim de minha segunda década de vida.
A língua Enoquiana não é apenas uma combinação e compilação aleatória de nomes divinos e angelicais extraídos das Tábuas. Aparentemente, é um idioma verdadeiro com uma gramática e sintaxe próprias. Apenas um estudo superficial das invocações é suficiente para indicar que isso é um fato. As invocações não são sequências de palavras e nomes bárbaros, mas são frases que podem ser traduzidas de forma significativa e não meramente transliteradas.
A língua Enoquiana não tem nenhuma história anterior à criação de Edward Kelley e John Dee. Não há registro de sua existência anterior, independentemente de algumas teorias fantasiosas que foram inventadas para explicá-la. Muitos filólogos atuais têm apontado com frequência que é impossível para um único ser humano inventar uma linguagem própria, completa com erros, como os que encontramos na transcrição dos diários do Dr. Dee. Qualquer inventor de hoje seria cuidadoso o suficiente para ser mais minucioso na construção de sua linguagem do que Dee e Kelley, ou os anjos que originalmente ditaram as Chamadas.
O alfabeto enoquiano consiste em vinte e uma letras que podem ser transpostas para o inglês. As letras individuais são conhecidas por nós tanto no estilo impresso ou elaborado quanto na forma escrita ou cursiva.
Uma das curiosas anomalias desse alfabeto enoquiano é que cada letra tem um nome, como em outros idiomas, como o grego: Alfa, Beta, Gama, etc., mas esse nome enoquiano não tem absolutamente nenhuma relação com o valor sonoro da letra em si. Em grego, Alfa recebe o valor sonoro de A; em hebraico, Gimel recebe o valor sonoro de G, etc., mas em enoquiano, Veh tem o valor sonoro de C ou K, e não de V, como se poderia supor em um primeiro momento.
Como os nomes das letras não são comumente usados, recomenda-se o uso da ordem alfabética e da pronúncia em inglês2 para evitar confusão ou complicações desnecessárias. O texto mostra o alfabeto enoquiano tanto no estilo elaborado quanto no estilo cursivo e também na ordem dada pela tradição. De passagem, devo observar que o estilo cursivo é usado muito raramente e, por essa razão, não vale a pena memorizá-lo.
Nos documentos originais da Golden Dawn, escritos por Mac Gregor Mathers e William Wynn Wescott, foram estabelecidas certas regras para a pronúncia das palavras Enoquianas: Mathers aconselhou que as consoantes deveriam ser seguidas pela vogal que aparece nas letras hebraicas correspondentes. Por exemplo: a palavra “sobha” poderia ser pronunciada soh-bay-hah. Os nomes de Deus, como MPH ARSL GAIOL, encontrados na Tábua de Água, são pronunciados como: Em-pay-hay Ar-sel Gah-ee-Ohl. A única grande exceção a todas as regras é que a letra Z é sempre pronunciada como zoad. Assim, a palavra Zamran é pronunciada como Zoad-ah-mer-ah-noo.
O Dr. Wescott estabeleceu regras semelhantes em outro documento que escreveu para o Adeptus Minor, mas sua versão apresenta diversas variações que devem ser observadas. Considerei essas últimas válidas, proporcionando maior eufonia3 e facilidade de manuseio. Ele disse: “M é pronunciado EM; N é pronunciado EN (também Nu ou Noo – já que em hebraico é usada a vogal que segue a letra equivalente Nun); A é pronunciado ah; P é PEH; S é ESS; D é DEH.” Essa regra, de fato, simplifica todo o procedimento. Se não houvesse outras regras além dessas, todo o assunto da pronúncia Enoquiana, que foi desnecessariamente obscurecido e tornado tão difícil, poderia ser tratado com facilidade.
Outra variação é que Y, J e I são semelhantes ao Yod em hebraico, assim como U e V são semelhantes ao Vau em hebraico. O X às vezes tem o valor de Samekh e, em outras, de Tzaddi, embora não haja razão para não usá-lo como em inglês.
O uso e a experiência acabarão por ditar qual deles deve ser empregado. Vou dar vários exemplos de palavras escolhidas de forma relativamente aleatória para exemplificar a simplicidade do processo de pronúncia. Esses nomes podem ser encontrados no Tabela da União:
EXARP Ex-ar-pay
HCOMA Hay-coh-mah
NANTA En-ah-en-tah
BITOM Bay-ee-toh-em
Embora tenha sido sugerido por Wescott que cada letra deveria ser pronunciada separadamente, essa ideia causa desajeitamento, falta de eufonia e comprimento desnecessário, o que cria fadiga e monotonia. Outros exemplos são:
CHIS Cah-hee-sah
CHISGE Cah-his-jee
O aluno deve usar não apenas essas regras, mas também seu próprio senso de eufonia e intuição em relação a esse assunto. Lembre-se de que não existe uma versão final que seja absolutamente autorizada.
No Grau do Portal do The Complete Golden Dawn System of Magic (Falcon Press, Phoenix, 1983) há uma invocação Enoquiana muito curta que é abreviada da Primeiro Chamada, mas também contém os nomes de três Arcanjos extraídos da Tábua de União. Apresento primeiro a invocação, seguida de sua transliteração em frases pronunciáveis.
“OL SONUF VAORSAGI GOHO IADA BALTA. LEXARPH, COMANAN, TABITOM. ZODAKARA EKA ZODAKARE O D ZODAMARAN. ODOKIKLE QAA, PIAPE PIAMOEL OD VAOAN”.
Isso significa: “Eu reinarei sobre você, diz o Deus da Justiça. Lexarph, Comanan, Tabitom. Movam-se, portanto. Mostrem-se e apareçam. Declarem-nos os mistérios de sua criação, o equilíbrio da retidão e da verdade”.
A pronúncia dessas poucas linhas da linguagem Enoquiana não é nem de longe tão formidável quanto pode parecer à primeira vista. A seguir, a pronúncia que utilizo. De passagem, devo acrescentar que essa é uma invocação que tenho usado com frequência nos últimos quarenta e tantos anos, principalmente em relação à prática da técnica do Pilar do Meio (que melhorei e aprimorei para ser publicada pela Falcon Press com o título The Sceptre of Power [O Cetro do Poder]) e ao Ritual da “Cerimônia de Torre de Vigia4” neste volume.
“Oh-el Soh-noof Vay-oh-air-sah-jee, Goho Ee-ah-dah Baltah. El-ex-arpayhay. Cohmah-nah-noo. Tah-bee-toh-em. Zoad-a-kah-rah ay-kah zoad-akah-ray oh-dah Zoad-a-mer-ah-noo. Oh-dah kee-klay kah-ah. Pee-ah-paypee-ah-moh-el oh-dah vay-oh-ah-noo”.
Usando isso como exemplo, o aluno empreendedor deve ter pouquíssima dificuldade em lidar com quaisquer palavras ou frases encontradas nas várias chamadas ou neste dicionário. O maior obstáculo encontrado no início é simplesmente a estranheza do aparecimento das palavras e a falta de experiência em seguir as regras estabelecidas. No início, os sons podem parecer pura algaravia. No entanto, se persistir, o aluno logo aprenderá a separar os sons do caos aparente e se verá diante de uma linguagem e um conjunto de invocações significativos. De qualquer forma, lembre-se de que não existe uma interpretação absoluta ou final da maneira de pronunciar esses chamados. Se ele puder se aproximar das instruções aqui apresentadas, sua própria versão será tão confiável quanto qualquer outra.
Em 1976, um Dicionário Enoquiano foi publicado por Leo Vinci, intitulado GMICALZOMA, pela Regency Press, na Inglaterra. Não tenho comentários a fazer sobre ele, a não ser o fato de ser um dicionário funcional e útil. Ele é muito anterior ao meu dicionário, pois o meu começou a circular nos EUA e no Reino Unido alguns anos antes.
Não muito tempo depois, a Askin Publishers, da Inglaterra, se interessou pelo meu dicionário, e iniciou-se uma correspondência para que publicassem o meu. Um amigo, filólogo, prometeu escrever uma introdução ao dicionário com o objetivo de elucidar as origens do idioma enoquiano. Novamente, ocorreram uma série de contratempos que impediram que a introdução fosse escrita. Isso fez com que a Askin Publishers assumisse a liderança e se oferecesse para que o Dr. Laycock (um filólogo australiano que havia entrado em contato comigo algum tempo antes disso) fizesse uma introdução para o livro. Quando a introdução chegou, fiquei muito desapontado com ela, sentindo que exalava desprezo e ridículo.
Meu próximo passo foi telefonar para a Askin Publishers, em Londres, para confessar minha total decepção e declarar que, se eles insistissem em publicar a introdução de Laycock com meu dicionário, eu retiraria o dicionário. Assim, a pedido meu, a Askin Publishers devolveu meu Dicionário. Em algum momento no período imediatamente posterior, eles devem ter formulado um dicionário que publicaram com a introdução de Laycock.
Esses fatos precisam ser mencionados apenas para estabelecer a prioridade do meu Dicionário. Não que isso tenha muita importância. Havia uma necessidade desse Dicionário entre os estudantes de Magia, e alguém chegou lá primeiro.
A história do Dicionário Enochiano que está sendo publicado aqui não deve ser desinteressante.
Pouco depois de ter sido elevado ao Grau de Adeptus Minor, comecei a estudar intensamente o sistema enoquiano, incluindo o início de um Dicionário. O estudo desse sistema resultou na redação de um artigo intitulado An Addendum to the Book of the Concourse of Forces (Adendo ao Livro do Concurso das Forças), incluído neste volume. Em alguns anos, o Dicionário alcançou uma forma bem definida, ou seja, em 1940-41. Em seguida, ocorreu a Segunda Guerra Mundial, quando ele foi colocado de lado com vários outros projetos semelhantes até a década de 1950. Durante esse período, o dicionário foi emprestado a várias pessoas diferentes em ambos os lados do Atlântico. Normalmente, eu não usaria nomes, mas, neste caso, sinto que devo fazer isso.
Havia um jovem em Surrey, protegido de um amigo osteopata meu, A.E. Charles, a quem emprestei o dicionário no início da década de 1950, além de alguns estudantes aqui nos EUA. Por volta de 1956, recebi em Los Angeles a visita da Srta. Tamara Bourkoun, uma estudante muito fervorosa e conhecedora da Maçonaria e do ocultismo. Entre outras coisas, inclusive o Baralho de Tarô da Golden Dawn, emprestei a ela o Dicionário Enoquiano com minha permissão para copiá-lo para seu uso, se ela assim o desejasse. A partir de então, ele teve algum tipo de circulação aqui e ali entre os estudantes mais sérios de magia que levavam o sistema enoquiano a sério.
No início da década de 1970, a Sangreal Foundation, que já havia publicado várias das minhas obras, estava brincando com a ideia de fazer com que o Dicionário Enochiano fosse finalmente publicado. No entanto, novamente ocorreram alguns eventos imprevistos que impediram que isso acontecesse.
Agora, sob a direção da Israel Regardie Foundation e da Falcon Press, essa obra há muito esperada foi impressa, neste volume em particular.
1Regardie, Israel, The Complete Golden Dawn System of Magic, Falcon Press, 2003.
2Note-se que aqui, o autor oferece essa pronúncia por ser um falante da língua inglesa.
3Qualidade acústica favorável da emissão e/ou da audição de um significante pela articulação de certos fonemas.
4Também conhecido como “Ritual da Abertura das Atalaias”, ou “Ritual de Abertura das Torres Enoquianas”.
fonte: https://cih.org.br/?p=1841
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