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Por Robson Belli
Este artigo foi inspirado na revisão que fiz do livro “Berço de palha” de Andre Correia (um bruxo e amigo), que me inspirou a pensar diferente a arte que eu pratico.
A jornada da magia através dos tempos é uma narrativa fascinante de transformação e adaptação. Inicialmente enraizada nas tradições ancestrais e na comunhão com o natural e o espiritual, a magia servia como um elo entre o humano e o divino, expressa através de rituais repletos de dança, música e canto. Essas práticas não eram apenas atos de fé ou invocações místicas; elas eram expressões vivas de cultura, arte e comunidade. Em muitas culturas, especialmente nas sociedades xamânicas, a magia era uma experiência coletiva, onde a comunidade se reunia para celebrar, curar e se conectar com o mundo além do físico.
Com o passar do tempo, porém, essas práticas vibrantes e comunitárias começaram a declinar na europa. A ascensão da igreja e sua “Santa inquisição”, as mudanças nas estruturas sociais e religiosas e a crescente secularização do mundo moderno também contribuíram para uma visão mais cética e restrita da magia. Ela deixou de ser uma prática aberta e comunitária, transformando-se em algo mais recluso, praticado em privado e muitas vezes desprovido de suas expressões artísticas outrora exuberantes. Este fenômeno não se limitou a uma cultura ou região; foi um movimento continental que viu a magia se tornando cada vez mais introspectiva e despojada de suas manifestações externas de alegria e criatividade.
Paralelamente a essa evolução, surge uma questão intrigante no panorama espiritual moderno: a tendência de associar a devoção a Deus ou ao divino com sacrifício, sofrimento e austeridade. Em várias tradições espirituais, a noção de oferecer dor e penitência como forma de reverência tornou-se proeminente, obscurecendo a ideia de que a devoção pode ser expressa igualmente através da alegria, do prazer e da gratidão. Essa perspectiva unidimensional não apenas limita a forma como nos conectamos com o divino, mas também como expressamos nossa espiritualidade e arte na prática mágica.
Este artigo procura explorar esse deslocamento na expressão da magia e discutir como podemos reavivar as dimensões perdidas da arte, da alegria e da comunidade em nossas práticas mágicas. Ao fazer isso, não apenas enriquecemos nossa própria experiência mágica, mas também abrimos caminho para uma relação mais equilibrada e jubilosa com o espiritual, onde a oferta de alegria e prazer tem tanto valor quanto a de sacrifício e sofrimento. A redescoberta da expressividade artística na magia não é apenas um retorno às suas raízes; é uma evolução para um entendimento mais holístico e integrado do que significa praticar a magia no mundo moderno.
Histórico de Expressividade e Mudança na Magia
Era da Expressividade: Inicialmente, a magia era uma experiência comunitária vibrante, incorporando dança, música e canto, refletindo a alegria e a celebração.
Transição para o Isolamento: Com o tempo, a prática da magia tornou-se mais reclusa e introspectiva, devido a criminalização perdendo seu aspecto comunitário e artisticamente expressivo.
No Judaísmo: eles cantam com o Coração e a Alma
No Judaísmo, o canto tem um papel central tanto nos serviços religiosos quanto nas práticas cotidianas. Os Salmos, por exemplo, são uma coleção de canções e poemas que expressam uma gama de emoções humanas – desde desolação até exaltação. Muitos Salmos, como o Salmo 150, concluem com um chamado jubiloso para louvar a Deus com música: “Louvai-o com o som da trombeta; louvai-o com o saltério e a harpa” (Salmos 150:3).
Festividades judaicas, como o Purim e o Simchat Torah, são celebradas com grande alegria. Durante o Purim, por exemplo, é comum o canto e a dança, celebrando a salvação dos judeus da perseguição, conforme narrado no Livro de Ester. Da mesma forma, o Simchat Torah, que marca a conclusão e o reinício da leitura anual da Torá, é uma celebração alegre com canto, dança e desfiles com rolos da Torá.
No Judaísmo, cantar é uma forma de elevar a alma e conectar-se com Deus. É uma expressão de gratidão, alegria e até mesmo de luta. A música é vista como uma ponte entre o terreno e o divino, uma maneira de expressar o que palavras sozinhas não podem.
Cristianismo: Celebração e Louvor Através da Música
No Cristianismo, a música é uma parte integral do culto. Hinos e cânticos são usados para louvar a Deus, para contar histórias bíblicas e para expressar fé e esperança. Em muitas denominações, o canto congregacional é uma parte essencial da liturgia, com hinos como “Amazing Grace” e “How Great Thou Art” sendo amplamente conhecidos e amados.
O Novo Testamento, especialmente nos Evangelhos, enfatiza a alegria como parte integrante da vida cristã. Jesus mesmo fala sobre a alegria em várias ocasiões, como em João 15:11: “Estas coisas vos tenho falado para que a minha alegria permaneça em vós, e a vossa alegria seja completa.”
Festas como o Natal e a Páscoa são celebradas com música e cânticos que refletem alegria e gratidão. No Natal, os cânticos natalinos celebram o nascimento de Jesus, enquanto na Páscoa, os hinos celebram sua ressurreição.
A música e a alegria são componentes vitais tanto no Judaísmo quanto no Cristianismo, servindo como meios de expressão espiritual, celebração e conexão com o divino. Essas tradições enfatizam que a adoração e a devoção não se limitam apenas a atos de penitência e sacrifício, mas também incluem momentos de alegria, celebração e expressão musical. Ao reconhecer e incorporar esses aspectos nas suas práticas espirituais e mágicas contemporâneas, podemos enriquecer nossa experiência e reforçar a ideia de que a espiritualidade abrange um espectro completo de emoções humanas, incluindo a profunda alegria e gratidão.
Percepção Tradicional: O Culto da Dor
Na história das práticas espirituais, há uma longa tradição que associa a dor e o sofrimento com uma maior proximidade a Deus. Essa percepção tem raízes em várias tradições religiosas, onde o sofrimento é frequentemente visto como um meio de purificação, humildade e renúncia ao materialismo.
Muitas doutrinas enfatizam a ideia de que o sacrifício pessoal – seja através do jejum, da penitência ou até da autoflagelação – é um caminho para a redenção espiritual. Essa noção é reforçada por histórias e mitos que retratam figuras santas e mártires que sofreram tremendamente por suas crenças.
Esta crença pode ter um impacto profundo na forma como as pessoas vivenciam sua fé. Ela pode levar a uma mentalidade de que a alegria e o prazer são menos sagrados ou valiosos do que a dor e o sofrimento. Além disso, pode criar uma dinâmica na qual os indivíduos sentem que devem sofrer para serem dignos de amor e atenção divina.
Contrapondo à visão tradicional, muitas escrituras e ensinamentos espirituais descrevem Deus como uma fonte de amor incondicional e alegria. No Cristianismo, por exemplo, Deus é frequentemente descrito como um pai amoroso, e no Judaísmo, há um foco na alegria de viver uma vida alinhada com os mandamentos divinos.
A Bíblia está repleta de versículos que falam sobre a alegria e o prazer como dons de Deus. Por exemplo, em Filipenses 4:4, é dito: “Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo, alegrai-vos.” Isso indica que a alegria não é apenas aceitável, mas desejada e incentivada como parte da experiência espiritual.
Há um crescente movimento nas comunidades espirituais modernas para redefinir o que significa oferecer algo a Deus. Em vez de focar apenas na dor e no sacrifício, há uma ênfase em oferecer a Deus nossas alegrias, talentos e gratidão. Isso pode incluir celebrar a vida, compartilhar nossos dons e expressar alegria e gratidão nas práticas religiosas e espirituais.
Esta mudança tem implicações profundas. Ao valorizar a alegria e a gratidão como ofertas válidas a Deus, as práticas espirituais podem se tornar mais inclusivas e holísticas. Isso pode ajudar a aliviar o fardo daqueles que sentem que devem constantemente provar seu valor através do sofrimento e encorajar uma relação mais saudável e amorosa com o divino.
Reconsiderar a relação entre dor, prazer e devoção espiritual é um convite para explorar uma dimensão mais rica e diversificada da nossa própria fé. Reconhecendo a alegria e o amor como centrais para a experiência espiritual, podemos abrir nossos corações para uma prática mais compassiva, jubilosa e gratificante. Em vez de ver a dor, Jejum e constrição como a única via para a conexão com o divino, podemos abraçar a alegria, a gratidão e o amor como expressões igualmente válidas e poderosas de nossa devoção.
Na magia, como prática de empoderamento, se beneficia imensamente quando abraçamos a alegria e a espiritualidade elevada como componentes centrais. Esta abordagem tem múltiplas razões e benefícios:
- Autonomia e Auto-expressão: A magia é uma ferramenta de autonomia e autoexpressão. Quando praticada com um espírito de alegria, ela se torna um meio de celebrar a própria força e capacidade de influenciar a realidade. Essa celebração do poder pessoal não apenas aumenta a eficácia da prática mágica, mas também reforça a autoestima e a confiança do praticante.
- Energia Positiva: A alegria é uma poderosa fonte de energia positiva. Em muitas tradições mágicas, acredita-se que as emoções e intenções do praticante influenciam diretamente o resultado de um feitiço ou ritual. Portanto, abordar a magia com um espírito alegre e esperançoso pode ajudar a infundir os trabalhos mágicos com energia positiva, potencializando seus efeitos.
- Comunhão Espiritual: Em muitas tradições, a magia é vista como uma forma de comunhão com o divino ou com as forças universais. Abordar a magia com alegria e reverência pode fortalecer essa conexão, tornando a prática mais significativa e enriquecedora.
- Superação e Transformação: A magia muitas vezes é buscada em momentos de desafio ou necessidade de transformação. Abordar esses momentos com alegria, em vez de medo ou desespero, pode proporcionar maior resiliência e abrir caminhos para soluções criativas e positivas.
- Celebração da Existência: Praticar magia com alegria é um ato de celebrar a própria existência e as maravilhas do universo. É um reconhecimento de que, apesar dos desafios e dificuldades, há beleza e alegria no mundo que merecem ser reconhecidos e amplificados.
- Impacto Coletivo: A energia positiva gerada por uma prática mágica alegre pode ter um efeito benéfico não apenas no praticante, mas também em seu ambiente e na comunidade. Isso pode criar um ciclo de positividade, onde a alegria e o empoderamento se espalham e influenciam os outros de maneira benéfica.
Comparar a importância da alegria e do espírito elevado na magia, olhando especificamente para tradições como o Candomblé, a Umbanda e o Vodu Haitiano, pode oferecer uma perspectiva enriquecedora sobre como diferentes culturas incorporam estes elementos em suas práticas espirituais e mágicas.
Candomblé
No Candomblé, uma religião afro-brasileira, a celebração é um aspecto central. Os rituais são frequentemente acompanhados de música, dança e cantos, criando um ambiente de alegria e exaltação. Essa expressão de alegria não é apenas para o bem-estar dos participantes, mas também uma forma de honrar os Orixás (deidades).
A energia positiva gerada através da alegria e da música é vista como essencial para estabelecer uma conexão forte com os Orixás. A alegria aqui atua como um catalisador para experiências espirituais mais profundas e significativas.
Umbanda
A Umbanda, outra religião afro-brasileira, também valoriza a alegria e a música em suas práticas. Os pontos (cantos) são uma parte vital dos rituais, ajudando a criar um espaço sagrado e convidativo.
A prática da Umbanda envolve a busca por cura espiritual, física e emocional, e a alegria desempenha um papel crucial nesse processo. A energia elevada e positiva gerada através da alegria é vista como fundamental para promover o equilíbrio e a harmonia.
Vodu Haitiano
No Vodu Haitiano, a música, dança e alegria são componentes vitais dos rituais. Esses elementos não são apenas expressões culturais, mas também meios de conectar-se com os Loa (espíritos ou deidades).
A alegria no Vodu é frequentemente ligada ao empoderamento e à resiliência. Considerando a história do Vodu como uma força de resistência e identidade para o povo haitiano, a celebração e a alegria têm um significado profundo, servindo como um ato de afirmação da vida e resistência espiritual.
Tanto nas tradições afro-brasileiras e haitianas quanto nas práticas mágicas cerimoniais, a energia positiva gerada pela alegria é vista como benéfica e potencializadora das práticas espirituais.
Enquanto tradições como o Candomblé, Umbanda e Vodu Haitiano enfatizam a celebração comunitária, muitas práticas mágicas cerimoniais modernas tendem a ser mais individualistas. Integrar elementos de alegria e celebração coletiva pode enriquecer essas práticas, trazendo uma dimensão de conexão comunitária que pode estar ausente.
Em todas essas tradições, a alegria é vista como uma ferramenta para transformação e cura. A diferença principal pode estar na forma como essa alegria é expressa e integrada às práticas rituais.
Em todas estas tradições – Candomblé, Umbanda, Vodu Haitiano e práticas mágicas cerimoniais – a alegria e o espírito elevado podem e devem desempenhar um papel crucial no empoderamento espiritual e na conexão com o divino. Embora as expressões específicas e as práticas possam variar, a importância da alegria como um elemento enriquecedor e vitalizador é uma constante universal. Integrar conscientemente esses elementos em práticas mágicas e espirituais pode levar a experiências mais profundas, significativas e transformadoras.
Declínio da Expressividade
Com o advento da inquisição, a prática da magia começou a mudar. E agora as sociedades se tornaram mais secularizadas, e a magia foi cada vez mais vista com ceticismo ou como um nicho esotérico.
A magia cerimonial tornou-se mais introspectiva e solitária. Muitos praticantes modernos se afastaram das expressões artísticas e comunitárias, preferindo rituais silenciosos e meditativos. A magia, que uma vez foi celebrada abertamente, passou a ser praticada em privado, muitas vezes sem o acompanhamento de música ou dança.
Revitalizando a Magia com a Arte
Há um crescente reconhecimento da necessidade de reintegrar as formas de arte nas práticas mágicas. Isso inclui o uso de música instrumental ao vivo, que tem um poder vibracional distinto e pode intensificar a experiência mágica.
Reviver os cantos e danças nos rituais pode ajudar a recriar a conexão perdida com as tradições mais antigas. Esses elementos podem facilitar estados alterados de consciência e ajudar os praticantes a se conectarem mais profundamente com suas intenções mágicas.
Ao tornar as práticas mágicas mais acessíveis e envolventes, os magistas podem recriar um senso de comunidade. Isso pode envolver a realização de rituais em grupos, compartilhando experiências e conhecimentos, e celebrando a magia como uma arte coletiva.
A magia, em sua essência, é uma forma de arte e expressão. Ao reintegrar a música, o canto e a dança nas práticas mágicas, os magistas podem não apenas enriquecer suas próprias experiências, mas também reconectar-se com as raízes comunitárias e expressivas da magia. Esta revitalização pode trazer uma nova profundidade e beleza às práticas cerimoniais, tornando-as não apenas um caminho espiritual, mas também uma celebração artística e comunitária.
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