Categorias
Alta Magia

Quando a magia cerimonial deixou de ser tão expressiva enquanto arte?

Este texto foi lambido por 324 almas esse mês

Por Robson Belli

Este artigo foi inspirado na revisão que fiz do livro Berço de palha” de Andre Correia (um bruxo e amigo), que me inspirou a pensar diferente a arte que eu pratico.

A jornada da magia através dos tempos é uma narrativa fascinante de transformação e adaptação. Inicialmente enraizada nas tradições ancestrais e na comunhão com o natural e o espiritual, a magia servia como um elo entre o humano e o divino, expressa através de rituais repletos de dança, música e canto. Essas práticas não eram apenas atos de fé ou invocações místicas; elas eram expressões vivas de cultura, arte e comunidade. Em muitas culturas, especialmente nas sociedades xamânicas, a magia era uma experiência coletiva, onde a comunidade se reunia para celebrar, curar e se conectar com o mundo além do físico.

Com o passar do tempo, porém, essas práticas vibrantes e comunitárias começaram a declinar na europa. A ascensão da igreja e sua “Santa inquisição”, as mudanças nas estruturas sociais e religiosas e a crescente secularização do mundo moderno também contribuíram para uma visão mais cética e restrita da magia. Ela deixou de ser uma prática aberta e comunitária, transformando-se em algo mais recluso, praticado em privado e muitas vezes desprovido de suas expressões artísticas outrora exuberantes. Este fenômeno não se limitou a uma cultura ou região; foi um movimento continental que viu a magia se tornando cada vez mais introspectiva e despojada de suas manifestações externas de alegria e criatividade.

Paralelamente a essa evolução, surge uma questão intrigante no panorama espiritual moderno: a tendência de associar a devoção a Deus ou ao divino com sacrifício, sofrimento e austeridade. Em várias tradições espirituais, a noção de oferecer dor e penitência como forma de reverência tornou-se proeminente, obscurecendo a ideia de que a devoção pode ser expressa igualmente através da alegria, do prazer e da gratidão. Essa perspectiva unidimensional não apenas limita a forma como nos conectamos com o divino, mas também como expressamos nossa espiritualidade e arte na prática mágica.

Este artigo procura explorar esse deslocamento na expressão da magia e discutir como podemos reavivar as dimensões perdidas da arte, da alegria e da comunidade em nossas práticas mágicas. Ao fazer isso, não apenas enriquecemos nossa própria experiência mágica, mas também abrimos caminho para uma relação mais equilibrada e jubilosa com o espiritual, onde a oferta de alegria e prazer tem tanto valor quanto a de sacrifício e sofrimento. A redescoberta da expressividade artística na magia não é apenas um retorno às suas raízes; é uma evolução para um entendimento mais holístico e integrado do que significa praticar a magia no mundo moderno.

Histórico de Expressividade e Mudança na Magia

Era da Expressividade: Inicialmente, a magia era uma experiência comunitária vibrante, incorporando dança, música e canto, refletindo a alegria e a celebração.

Transição para o Isolamento: Com o tempo, a prática da magia tornou-se mais reclusa e introspectiva, devido a criminalização perdendo seu aspecto comunitário e artisticamente expressivo.

No Judaísmo: eles cantam com o Coração e a Alma

No Judaísmo, o canto tem um papel central tanto nos serviços religiosos quanto nas práticas cotidianas. Os Salmos, por exemplo, são uma coleção de canções e poemas que expressam uma gama de emoções humanas – desde desolação até exaltação. Muitos Salmos, como o Salmo 150, concluem com um chamado jubiloso para louvar a Deus com música: “Louvai-o com o som da trombeta; louvai-o com o saltério e a harpa” (Salmos 150:3).

Festividades judaicas, como o Purim e o Simchat Torah, são celebradas com grande alegria. Durante o Purim, por exemplo, é comum o canto e a dança, celebrando a salvação dos judeus da perseguição, conforme narrado no Livro de Ester. Da mesma forma, o Simchat Torah, que marca a conclusão e o reinício da leitura anual da Torá, é uma celebração alegre com canto, dança e desfiles com rolos da Torá.

No Judaísmo, cantar é uma forma de elevar a alma e conectar-se com Deus. É uma expressão de gratidão, alegria e até mesmo de luta. A música é vista como uma ponte entre o terreno e o divino, uma maneira de expressar o que palavras sozinhas não podem.

Cristianismo: Celebração e Louvor Através da Música

No Cristianismo, a música é uma parte integral do culto. Hinos e cânticos são usados para louvar a Deus, para contar histórias bíblicas e para expressar fé e esperança. Em muitas denominações, o canto congregacional é uma parte essencial da liturgia, com hinos como “Amazing Grace” e “How Great Thou Art” sendo amplamente conhecidos e amados.

O Novo Testamento, especialmente nos Evangelhos, enfatiza a alegria como parte integrante da vida cristã. Jesus mesmo fala sobre a alegria em várias ocasiões, como em João 15:11: “Estas coisas vos tenho falado para que a minha alegria permaneça em vós, e a vossa alegria seja completa.”

Festas como o Natal e a Páscoa são celebradas com música e cânticos que refletem alegria e gratidão. No Natal, os cânticos natalinos celebram o nascimento de Jesus, enquanto na Páscoa, os hinos celebram sua ressurreição.

A música e a alegria são componentes vitais tanto no Judaísmo quanto no Cristianismo, servindo como meios de expressão espiritual, celebração e conexão com o divino. Essas tradições enfatizam que a adoração e a devoção não se limitam apenas a atos de penitência e sacrifício, mas também incluem momentos de alegria, celebração e expressão musical. Ao reconhecer e incorporar esses aspectos nas suas práticas espirituais e mágicas contemporâneas, podemos enriquecer nossa experiência e reforçar a ideia de que a espiritualidade abrange um espectro completo de emoções humanas, incluindo a profunda alegria e gratidão.

Percepção Tradicional: O Culto da Dor

Na história das práticas espirituais, há uma longa tradição que associa a dor e o sofrimento com uma maior proximidade a Deus. Essa percepção tem raízes em várias tradições religiosas, onde o sofrimento é frequentemente visto como um meio de purificação, humildade e renúncia ao materialismo.

Muitas doutrinas enfatizam a ideia de que o sacrifício pessoal – seja através do jejum, da penitência ou até da autoflagelação – é um caminho para a redenção espiritual. Essa noção é reforçada por histórias e mitos que retratam figuras santas e mártires que sofreram tremendamente por suas crenças.

Esta crença pode ter um impacto profundo na forma como as pessoas vivenciam sua fé. Ela pode levar a uma mentalidade de que a alegria e o prazer são menos sagrados ou valiosos do que a dor e o sofrimento. Além disso, pode criar uma dinâmica na qual os indivíduos sentem que devem sofrer para serem dignos de amor e atenção divina.

Contrapondo à visão tradicional, muitas escrituras e ensinamentos espirituais descrevem Deus como uma fonte de amor incondicional e alegria. No Cristianismo, por exemplo, Deus é frequentemente descrito como um pai amoroso, e no Judaísmo, há um foco na alegria de viver uma vida alinhada com os mandamentos divinos.

A Bíblia está repleta de versículos que falam sobre a alegria e o prazer como dons de Deus. Por exemplo, em Filipenses 4:4, é dito: “Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo, alegrai-vos.” Isso indica que a alegria não é apenas aceitável, mas desejada e incentivada como parte da experiência espiritual.

Há um crescente movimento nas comunidades espirituais modernas para redefinir o que significa oferecer algo a Deus. Em vez de focar apenas na dor e no sacrifício, há uma ênfase em oferecer a Deus nossas alegrias, talentos e gratidão. Isso pode incluir celebrar a vida, compartilhar nossos dons e expressar alegria e gratidão nas práticas religiosas e espirituais.

Esta mudança tem implicações profundas. Ao valorizar a alegria e a gratidão como ofertas válidas a Deus, as práticas espirituais podem se tornar mais inclusivas e holísticas. Isso pode ajudar a aliviar o fardo daqueles que sentem que devem constantemente provar seu valor através do sofrimento e encorajar uma relação mais saudável e amorosa com o divino.

Reconsiderar a relação entre dor, prazer e devoção espiritual é um convite para explorar uma dimensão mais rica e diversificada da nossa própria fé. Reconhecendo a alegria e o amor como centrais para a experiência espiritual, podemos abrir nossos corações para uma prática mais compassiva, jubilosa e gratificante. Em vez de ver a dor, Jejum e constrição como a única via para a conexão com o divino, podemos abraçar a alegria, a gratidão e o amor como expressões igualmente válidas e poderosas de nossa devoção.

Na magia, como prática de empoderamento, se beneficia imensamente quando abraçamos a alegria e a espiritualidade elevada como componentes centrais. Esta abordagem tem múltiplas razões e benefícios:

  1. Autonomia e Auto-expressão: A magia é uma ferramenta de autonomia e autoexpressão. Quando praticada com um espírito de alegria, ela se torna um meio de celebrar a própria força e capacidade de influenciar a realidade. Essa celebração do poder pessoal não apenas aumenta a eficácia da prática mágica, mas também reforça a autoestima e a confiança do praticante.
  2. Energia Positiva: A alegria é uma poderosa fonte de energia positiva. Em muitas tradições mágicas, acredita-se que as emoções e intenções do praticante influenciam diretamente o resultado de um feitiço ou ritual. Portanto, abordar a magia com um espírito alegre e esperançoso pode ajudar a infundir os trabalhos mágicos com energia positiva, potencializando seus efeitos.
  3. Comunhão Espiritual: Em muitas tradições, a magia é vista como uma forma de comunhão com o divino ou com as forças universais. Abordar a magia com alegria e reverência pode fortalecer essa conexão, tornando a prática mais significativa e enriquecedora.
  4. Superação e Transformação: A magia muitas vezes é buscada em momentos de desafio ou necessidade de transformação. Abordar esses momentos com alegria, em vez de medo ou desespero, pode proporcionar maior resiliência e abrir caminhos para soluções criativas e positivas.
  5. Celebração da Existência: Praticar magia com alegria é um ato de celebrar a própria existência e as maravilhas do universo. É um reconhecimento de que, apesar dos desafios e dificuldades, há beleza e alegria no mundo que merecem ser reconhecidos e amplificados.
  6. Impacto Coletivo: A energia positiva gerada por uma prática mágica alegre pode ter um efeito benéfico não apenas no praticante, mas também em seu ambiente e na comunidade. Isso pode criar um ciclo de positividade, onde a alegria e o empoderamento se espalham e influenciam os outros de maneira benéfica.

Comparar a importância da alegria e do espírito elevado na magia, olhando especificamente para tradições como o Candomblé, a Umbanda e o Vodu Haitiano, pode oferecer uma perspectiva enriquecedora sobre como diferentes culturas incorporam estes elementos em suas práticas espirituais e mágicas.

Candomblé

No Candomblé, uma religião afro-brasileira, a celebração é um aspecto central. Os rituais são frequentemente acompanhados de música, dança e cantos, criando um ambiente de alegria e exaltação. Essa expressão de alegria não é apenas para o bem-estar dos participantes, mas também uma forma de honrar os Orixás (deidades).

A energia positiva gerada através da alegria e da música é vista como essencial para estabelecer uma conexão forte com os Orixás. A alegria aqui atua como um catalisador para experiências espirituais mais profundas e significativas.

Umbanda

A Umbanda, outra religião afro-brasileira, também valoriza a alegria e a música em suas práticas. Os pontos (cantos) são uma parte vital dos rituais, ajudando a criar um espaço sagrado e convidativo.

A prática da Umbanda envolve a busca por cura espiritual, física e emocional, e a alegria desempenha um papel crucial nesse processo. A energia elevada e positiva gerada através da alegria é vista como fundamental para promover o equilíbrio e a harmonia.

Vodu Haitiano

No Vodu Haitiano, a música, dança e alegria são componentes vitais dos rituais. Esses elementos não são apenas expressões culturais, mas também meios de conectar-se com os Loa (espíritos ou deidades).

A alegria no Vodu é frequentemente ligada ao empoderamento e à resiliência. Considerando a história do Vodu como uma força de resistência e identidade para o povo haitiano, a celebração e a alegria têm um significado profundo, servindo como um ato de afirmação da vida e resistência espiritual.

Tanto nas tradições afro-brasileiras e haitianas quanto nas práticas mágicas cerimoniais, a energia positiva gerada pela alegria é vista como benéfica e potencializadora das práticas espirituais.

Enquanto tradições como o Candomblé, Umbanda e Vodu Haitiano enfatizam a celebração comunitária, muitas práticas mágicas cerimoniais modernas tendem a ser mais individualistas. Integrar elementos de alegria e celebração coletiva pode enriquecer essas práticas, trazendo uma dimensão de conexão comunitária que pode estar ausente.

Em todas essas tradições, a alegria é vista como uma ferramenta para transformação e cura. A diferença principal pode estar na forma como essa alegria é expressa e integrada às práticas rituais.

Em todas estas tradições – Candomblé, Umbanda, Vodu Haitiano e práticas mágicas cerimoniais – a alegria e o espírito elevado podem e devem desempenhar um papel crucial no empoderamento espiritual e na conexão com o divino. Embora as expressões específicas e as práticas possam variar, a importância da alegria como um elemento enriquecedor e vitalizador é uma constante universal. Integrar conscientemente esses elementos em práticas mágicas e espirituais pode levar a experiências mais profundas, significativas e transformadoras.

Declínio da Expressividade

Com o advento da inquisição, a prática da magia começou a mudar. E agora as sociedades se tornaram mais secularizadas, e a magia foi cada vez mais vista com ceticismo ou como um nicho esotérico.

A magia cerimonial tornou-se mais introspectiva e solitária. Muitos praticantes modernos se afastaram das expressões artísticas e comunitárias, preferindo rituais silenciosos e meditativos. A magia, que uma vez foi celebrada abertamente, passou a ser praticada em privado, muitas vezes sem o acompanhamento de música ou dança.

Revitalizando a Magia com a Arte

Há um crescente reconhecimento da necessidade de reintegrar as formas de arte nas práticas mágicas. Isso inclui o uso de música instrumental ao vivo, que tem um poder vibracional distinto e pode intensificar a experiência mágica.

Reviver os cantos e danças nos rituais pode ajudar a recriar a conexão perdida com as tradições mais antigas. Esses elementos podem facilitar estados alterados de consciência e ajudar os praticantes a se conectarem mais profundamente com suas intenções mágicas.

Ao tornar as práticas mágicas mais acessíveis e envolventes, os magistas podem recriar um senso de comunidade. Isso pode envolver a realização de rituais em grupos, compartilhando experiências e conhecimentos, e celebrando a magia como uma arte coletiva.

A magia, em sua essência, é uma forma de arte e expressão. Ao reintegrar a música, o canto e a dança nas práticas mágicas, os magistas podem não apenas enriquecer suas próprias experiências, mas também reconectar-se com as raízes comunitárias e expressivas da magia. Esta revitalização pode trazer uma nova profundidade e beleza às práticas cerimoniais, tornando-as não apenas um caminho espiritual, mas também uma celebração artística e comunitária.


Conheça as vantagens de se juntar à Morte Súbita inc.

Deixe um comentário


Apoie. Faça parte do Problema.