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Sar Naquista
Segundo Eliphas Levi a existência de Deus é um mistério que a ciência não pode resolver. A fé é a única forma de conhecer a divindade. Esta é também a posição de Santo Agostinho, autor que de muitas formas Levi tentou imitar e que de certa maneira complementa a compreensão de seu trabalho. A proposta de Levi quase pode ser definida como uma “cabala agostiniana”.
Os cabalistas acreditam que Deus é a unidade absoluta que cria e anima os números. Eles acreditam que os números são a chave para compreender o universo e a natureza de Deus. Acreditam que a Torá é um livro de símbolos que contém mensagens secretas sobre Deus e seus números são a chave para decifrar esses símbolos. Essa interpretação cabalistas Cristãos como Paolo Ricius e Pico della Miradondola extrapolaram para os evangelhos.
Daqui se mostra a importância que os números tem na compreensão da Alta Magia ensinada por Levi. Podemos escolher se acreditamos ou não nas suas exposições de Magia Transcendental. Mas não podemos negar o poder dos números e sua presença em tudo o que existe, incluindo em nós mesmos.
Os trechos abaixo exploram os simbolismo dos 10 primeiros números segundo a Alta Magia. Todos eles foram tirados das obras de Levi: “la Clef des grands mystères suivant Hénoch, Abraham, Hermès Trismégiste et Salomon” (A Chave dos Grande Mistérios) e Dogme et Rituel de la Haute Magie (Ritual e Dogma da Alta Magia):
- A Unidade
- O Dualidade
- O Ternário
- O Quartenário
- O Quinário
- O Senário
- O Setenário
- Octonário
- O Nonário
- A Década
1 − A Unidade
A unidade é o princípio e a síntese dos números, é a idéia de Deus e do homem, é a aliança da razão e da fé.
A fé não pode ser oposta à razão, é exigida pelo amor, é idêntica à esperança. Amar é acreditar e esperar, e esse triplo ímpeto da alma é chamado virtude, porque é preciso coragem para realizá−lo. Mas haveria coragem nisso se a dúvida não fosse possível? Ora, poder duvidar é duvidar. A dúvida é a força equilibrante da fé e tem todo o seu mérito.
A própria natureza nos induz a crer, mas as fórmulas de fé são constatações sociais das tendências da fé numa época dada. É o que dá a infalibilidade à Igreja, infalibilidade de evidência e de fato.
Deus é necessariamente o mais desconhecido de todos os seres, uma vez que só é definido em sentido inverso de nossas experiências, é tudo o que não somos, é o infinito oposto ao finito por hipótese contraditória.
A fé e, por conseguinte, a esperança e o amor são tão livres que o homem, longe de impô−los aos outros, não os impõe a si mesmo.
São graças, diz a religião. Ora, será concebível que se exija a graça, isto é, que se queira forçar os homens ao que vem livre e gratuitamente do céu? É preciso desejar−lhes isso.
Raciocinar sobre a fé é disparatar, uma vez que o objeto da fé é externo à razão. Se me perguntam: “Existe um Deus?”, eu respondo: “Acredito que sim.” “Mas o senhor tem certeza disso?” “Se tivesse certeza, não acreditaria nele, eu o saberia.”
Formular a fé é admitir termos da hipótese comum.
A fé começa onde a ciência acaba. Ampliar a ciência é aparentemente suprimir a fé, e, na realidade, é ampliar igualmente seu domínio, pois é ampliar sua base.
Só se pode adivinhar o desconhecido por suas proporções supostas ou passíveis de serem supostas do conhecido.
A analogia era o dogma único dos antigos magos. Dogma verdadeiramente mediador, pois é metade científico, metade hipotético, metade razão e metade poesia. Esse dogma foi e será sempre o gerador de todos os outros.
O que é o Homem−Deus? É o que realiza na vida mais humana o ideal mais divino.
A fé é uma adivinhação da inteligência e do amor dirigidos pelos índices da natureza e da razão.
Faz parte, portanto, da essência das coisas de fé serem inacessíveis à ciência, duvidosas para a filosofia e indefinidas para a certeza.
A fé é uma realização hipotética dos fins últimos da esperança. É a adesão ao signo visível das coisas que não se vê.
Sperandarum substantia rerum Argumentum non apparentium
Para afirmar sem disparate que Deus existe ou não, é preciso partir de uma definição sensata ou insensata de Deus. Ora, essa definição para ser sensata deve ser hipotética, analógica e negativa do finito conhecido. Pode−se negar um Deus qualquer, mas o Deus absoluto não se nega tanto quanto não se prova; é sensatamente suposto e nele se acredita.
Bem−aventurados os que têm o coração puro, pois verão a Deus, disse o Mestre; ver com o coração é acreditar e, se essa fé se relaciona ao verdadeiro bem, não pode ser enganada contanto que não procure definir muito seguindo as induções arriscadas da ignorância pessoal. Nossos julgamentos, em matéria de fé, aplicam−se a nós mesmos, será para nós como tivermos acreditado. Isto é, nós próprios nos fazemos à semelhança de nosso ideal.
Quem faz os deuses torna−se semelhante a eles, assim como todos aqueles que lhes dão sua confiança.
O ideal divino do velho mundo fez a civilização que acabou, e não se deve desesperar ao ver o deus de nossos bárbaros pais tornar−se o diabo de nossos filhos mais esclarecidos. Fazem−se diabos com deuses de refugo, e Satã só é assim tão incoerente e tão disforme porque é feito com todos os retalhos das antigas teogonias. É a esfinge sem palavra, é o enigma sem solução, é o mistério sem verdade, é o absoluto sem realidade e sem luz.
O homem é o filho de Deus, porque Deus, manifestado, é chamado o filho do homem.
Foi depois de ter feito Deus em sua inteligência e seu amor que a humanidade compreendeu o verbo sublime que disse: Faça−se a luz!
O homem é a forma do pensamento divino, e Deus é a síntese idealizada do pensamento humano. Assim, o Verbo de Deus é o que revela o homem, e o Verbo do homem é o que revela Deus.
O homem é o Deus do mundo, e Deus é o homem do céu. Antes de dizer: Deus quer, o homem quis.
Para compreender e honrar Deus todo−poderoso, é preciso que o homem seja livre.
Obedecendo e abstendo−se por temor ao fruto da ciência, tendo sido inocente e estúpido como o cordeiro, curioso e rebelde como o anjo de luz, o homem cortou o cordão de sua ingenuidade e, caindo livre sobre a terra, arrastou Deus em sua queda.
E é por isso que, do fundo dessa queda sublime, revela−se glorioso com o grande condenado do calvário e entra com ele no reino do céu.
Pois o reino do céu pertence à inteligência e ao amor, ambos filhos da liberdade!
Deus mostrou ao homem a liberdade como uma amante, e, para pôr seu coração à prova, fez passar, entre ela e ele, o fantasma da morte.
O homem amou e sentiu−se Deus; deu por ela isto que Deus acabava de nos dar: a esperança eterna.
Lançou−se em direção de sua noiva através da sombra da morte e o espectro desapareceu. O homem possuía a liberdade; tinha abraçado a vida.
Expia agora tua glória, ó Prometeu!
Teu coração devorado sem cessar não pode morrer; é o teu abutre e Júpiter que morrerão.
Um dia despertaremos enfim dos sonhos penosos de uma vida atormentada, a obra de nossa provação terá acabado, seremos fortes o bastante contra a dor para sermos imortais.
Então viveremos em Deus, numa vida mais abundante, e desceremos às suas obras com a luz de seu pensamento, seremos levados ao infinito pelo sopro de seu amor.
Seremos, sem dúvida, os primogênitos de uma nova raça; anjos do porvir. Mensageiros celestes, vogaremos na imensidão e as estrelas serão nossas brancas naus.
Transformar−nos−emos em doces visões para acalmar os olhos dos que choram; colheremos lírios resplandecentes em prados desconhecidos e espargiremos seu orvalho sobre a terra.
Tocaremos a pálpebra da criança que dorme e alegraremos docemente o coração de sua mãe com o espetáculo da beleza de seu filho bem−amado.
2 − O Dualidade
Alguns filósofos vêem o número 2 como um símbolo da dualidade. A dualidade é a ideia de que tudo no mundo é composto de duas partes opostas, como luz e escuridão, masculino e feminino, vida e morte. Os filósofos que vêem o número 2 como um símbolo da dualidade acreditam que a compreensão dessas duas partes opostas é essencial para entender o mundo. Outros filósofos veem o número 2 como um símbolo da oposição. A oposição é a ideia de que duas coisas são diferentes ou conflitantes. Os filósofos que veem o número 2 como um símbolo da oposição acreditam que a compreensão dessas duas coisas diferentes ou conflitantes é essencial para entender o mundo. O número 2 também é um símbolo de equilíbrio. O equilíbrio é a ideia de que duas coisas são iguais ou proporcionais. A compreensão do equilíbrio é essencial para viver uma vida feliz e plena.
O binário é mais particularmente o número da mulher, esposa do homem e mãe da sociedade. O homem é o amor na inteligência, a mulher é a inteligência no amor.
A mulher é o sorriso do criador contente de si próprio, e foi depois de tê−la feito que ele descansou, diz a parábola celeste.
A mulher está antes do homem, porque é mãe e tudo lhe é perdoado de antemão porque dá à luz com dor.
A mulher foi quem primeiro se iniciou na imortalidade pela morte; o homem, então, a viu tão bela e a compreendeu tão generosa, que não quis sobreviver a ela, e amou−a mais do que sua vida, mais do que sua felicidade eterna.
Feliz proscrito! já que lhe foi dada como companheira de seu exílio.
Mas os filhos de Caim revoltaram−se contra a mãe de Abel e escravizaram sua mãe. A beleza da mulher tornou−se uma presa para a brutalidade dos homens sem amor.
Então, a mulher fechou seu coração como um santuário desconhecido e disse aos homens indignos dela: “Sou virgem, mas quero ser mãe, e meu filho ensinar−vos−á a me amar.”
Ó Eva! sê saudada e adorada em tua queda!
Ó Maria! sê abençoada e adorada em tuas dores e em tua glória!
Santa crucificada que sobrevivia a teu Deus para enterrar teu filho, sê para nós a última palavra da revelação divina!
Moisés chamava Deus de Senhor, Jesus chamava−o de meu Pai, e nós, pensando em ti, diremos à Providência: “Sois nossa mãe!”
Filhos da mulher, perdoemos a mulher decaída. Filhos da mulher, adoremos a mulher regenerada.
Filhos da mulher, que dormimos em seu seio, que fomos embalados em seus braços e consolados por seus carinhos, amemo−la e amemo−nos entre nós!
3 − O Ternário
A tríade é uma poderosa força que permeia o universo. Ela é composta por três elementos: enxofre, sal e mercúrio. Esses elementos são emanados da imaginação e intenção do Criador. As diferentes combinações desses elementos produzem os elementos que constituem os corpos celestes e terrestres, bem como os organismos vivos. O infinito é a abundância dos “princípios espirituais” e suas manifestações. No entanto, todos esses princípios sempre nos trazem de volta às três substâncias primárias. O número ternário nos ensina a conhecer a unidade ternária das essências espirituais, usadas pelo Criador para criar as diferentes formas materiais (visíveis) aparentes. Bezaleel e seus dois assistentes na construção da Arca fizeram uma verdadeira alusão ao número ternário. Eles representam os três espíritos inferiores, produtores das três essências espirituais das quais todas as formas corporais se originaram.
A tripla combinação também é encontrada no corpo do homem. O corpo humano está dividido em três partes: cabeça, tronco e ventre. Cada parte tem suas próprias características e faculdades que fazem uma perfeita alusão aos três reinos que conhecemos na Natureza: animal, vegetal e mineral.
O corpo do homem também tem três tipos de vida: a vida da matéria, a vida do instinto e a vida passiva. A vida da matéria é a vida física do corpo. A vida do instinto é a vida animal que anima os animais. A vida passiva é a vida demoníaca que pode se incorporar dentro da vida passiva. A vida espiritual divina preside sobre as outras duas.
O ternário é uma força poderosa que permeia o universo. Ele está presente em tudo o que existe, desde os corpos celestes e terrestres até o corpo humano. O ternário é o sinal da Palavra, a razão da criação de toda e qualquer forma.
O ternário é o número da criação.
Deus criou a si próprio eternamente e o infinito que ele preenche com suas obras é uma criação incessante e infinita.
O amor supremo contempla−se na beleza como em um espelho, e experimenta todas as formas como enfeites, pois é o noivo da vida.
O homem também afirma e cria a si próprio: enfeita−se com suas conquistas, ilumina−se com suas concepções, reveste−se com suas obras como que com vestes nupciais.
A grande semana da criação foi imitada pelo gênio humano divinizando as formas da natureza.
Cada dia forneceu uma revelação nova, cada rei progressivo do mundo foi por um dia a imagem e a encarnação de Deus! Sonho sublime que explica os mistérios da Índia e justifica todos os simbolismos!
A elevada concepção do homem−Deus corresponde à criação de Adão, e o cristianismo, à semelhança dos primeiros dias do homem típico no paraíso terrestre, foi apenas uma aspiração e uma viuvez.
Esperamos o culto da esposa e da mãe, aspiramos às núpcias da nova aliança.
Então os pobres, os cegos, todos os proscritos do velho mundo serão convidados para o festim e receberão um traje nupcial; e olhar−se−ão uns aos outros com uma grande doçura e um inefável sorriso, porque terão chorado muito tempo.
4 − O Quartenário
O quaternário é o número da força. É o ternário completado por seu produto, é a unidade rebelada reconciliada à trindade soberana.
No ardor primeiro da vida, o homem, tendo esquecido sua mãe, compreendeu Deus apenas como um pai inflexível e cioso.
O sombrio Saturno, armado com sua foice parricida, põe−se a devorar seus filhos.
Júpiter teve cenhos que abalaram o Olimpo, e Jeová, trovões que ensurdeceram as solidões do Sinai.
E, no entanto, o pai dos homens, embriagado às vezes como Noé, deixava o mundo perceber os mistérios da vida.
Psiquê, divinizada por suas aflições, tornava−se esposa do Amor; Adônis ressuscitado reencontrava Vênus no Olimpo; Jó, vitorioso ao mal, recuperava mais do que tinha perdido.
A lei é uma prova de coragem. Amar a vida mais do que se teme as ameaças da morte é merecer a vida.
Os eleitos são os que ousam; ai dos tímidos!
Assim, os escravos da lei que se fazem os tiranos das consciências, e os servidores do temor, e os avaros de esperança, e os fariseus de todas as sinagogas e de todas as igrejas, estes são os réprobos e os malditos do Pai!
Cristo não foi excomungado e crucificado pela sinagoga?
Savonarola não foi queimado por ordem de um pontífice da religião cristã? Os fariseus não são hoje o que eram no tempo de Caifás?
Se alguém lhes fala em nome da inteligência e do amor, escutá−lo−ão?
Foi arrancando os filhos da liberdade à tirania dos Faraós que Moisés inaugurou o reino do Pai.
Foi quebrando o jugo insuportável do farisaísmo mosaico que Jesus convidou todos os homens à fraternidade do filho único de Deus.
Quando caírem os últimos ídolos, quando se quebrarem as últimas correntes materiais das consciências, quando os últimos matadores de profetas, quando os últimos sufocadores do Verbo forem confundidos, será o reino do Espírito Santo.
Glória, pois, ao Pai, que enterrou o exército do Faraó no mar Vermelho!
Glória ao Filho que rasgou o véu do templo e cuja cruz extremamente pesada posta sobre a coroa dos Césares quebrou contra a terra a fronte dos Césares!
Glória ao Espírito Santo que deve varrer da terra com seu sopro terrível todos os ladrões e todos os carrascos para dar lugar ao banquete dos filhos de Deus!
Glória ao Espírito Santo que prometeu ao anjo da liberdade a conquista da terra e do céu.
O anjo da liberdade nasceu antes da aurora do primeiro dia, antes mesmo do despertar da inteligência, e Deus o denominou estrela da manhã.
Ó Lúcifer, tu te desligaste voluntária e desdenhosamente do céu onde o sol te inundava com sua claridade, para sulcar com teus próprios raios os campos agrestes da noite.
Brilhas quando o sol se põe e teu olhar resplandecente precede o nascer do dia. Cais para de novo levantar; experimentas a morte para melhor conhecer a vida.
És, para as glórias antigas do mundo, a estrela da noite; para a verdade renascente, a bela estrela da manhã!
A liberdade não é a licença: a licença é a tirania.
A liberdade é a guardiã do dever, porque ela reivindica o direito.
Lúcifer, cujas idades das trevas fizeram o gênio do mal, será verdadeiramente o anjo da luz quando, tendo conquistado a liberdade ao preço da reprovação, fizer uso dela para se submeter à ordem eterna, inaugurando assim as glórias da obediência voluntária.
O direito é apenas a raiz do dever, é preciso possuir para dar. Ora, eis como uma elevada poesia explica a queda dos anjos.
Deus tinha dado aos espíritos a luz e a vida, depois lhes disse: Amai.
- O que é amar?, responderam os espíritos.
- Amar é dar−se aos outros, respondeu − Os que amarem sofrerão, mas serão amados.
- Temos o direito de não dar nada, e nada queremos sofrer, disseram os espíritos inimigos do amor.
- Estais em vosso direito, respondeu Deus −, e separemo−nos. Eu e os meus queremos sofrer e morrer, mesmo para amar. É nosso dever!
O anjo caído é pois aquele que desde o princípio recusou amar; não ama, e é todo o seu suplício; não dá, e é toda a sua miséria; não sofre, e é seu nada; não morre, e é seu exílio.
O anjo caído não é Lúcifer, o porta−luz, é Satã, o caluniador do amor.
Ser rico é dar; não dar nada é ser pobre; viver é amar, não amar nada é estar morto; ser feliz é devotar−se; existir somente para si é reprovar a si próprio, é seqüestrar−se no inferno.
O céu é a harmonia dos sentimentos gerais; o inferno é o conflito dos instintos lassos.
O homem do direito é Caim, que matou Abel por inveja; o homem do dever é Abel, que morre para Caim por amor.
E tal foi a missão do Cristo, o grande Abel da humanidade. Não é pelo direito que devemos ousar em tudo, é pelo dever.
O dever é a expansão e a fruição da liberdade; o direito isolado é o pai da servidão. O dever é a obrigação, o direito é o egoísmo.
O dever é o sacrifício, o direito é a rapina e o roubo. O dever é o amor, o direito é o ódio.
O dever é a vida infinita, o direito é a morte eterna.
Se é preciso combater pela conquista do direito, é somente para adquirir a potência do dever: e por que seríamos livres se não fosse para amar, devotarmo−nos e, assim, assemelharmo−nos a Deus?
Se é preciso infringir a lei, é quando ela submete o amor ao medo.
Aquele que quiser salvar sua alma perdê−la−á, diz o livro santo, e aquele que consentir em perdê−la salvá−la−á.
O dever é amar: pereça todo aquele que cria obstáculos ao amor! Silêncio aos oráculos do ódio! Aniquilamento aos falsos deuses do egoísmo e do medo! Vergonha aos escravos avaros de amor!
Deus ama os filhos pródigos!
5 − O Quinário
O quinário é o número religioso, pois é o número de Deus reunido ao da mulher. A fé não é a credulidade estúpida da ignorância maravilhada.
A fé é a consciência e a confiança do amor.
A fé é o grito da razão que persiste em negar o absurdo, mesmo diante do desconhecido.
A fé é um sentimento necessário à alma como a respiração à vida: é a dignidade do coração, é a realidade do entusiasmo.
A fé não consiste na afirmação deste ou daquele símbolo, mas na aspiração verdadeira e constante às verdades veladas por todos os simbolismos.
Um homem rejeita uma idéia indigna da divindade, quebra suas falsas imagens, revolta−se contra odiosas idolatrias, e dizeis que é um ateu?
Os perseguidores da Roma decaída também chamavam os primeiros cristãos de ateus, porque não adoravam os ídolos de Calígula ou de Nero.
Negar toda uma religião e mesmo todas as religiões de preferência a aderir a fórmulas que a consciência reprova é um corajoso e sublime ato de fé.
Todo homem que sofre por suas convicções é um mártir da fé.
Talvez se explique mal, mas prefere a justiça e a verdade a qualquer coisa; não o condeneis sem entendê−lo.
Acreditar na verdade suprema não é defini−la, e declarar que nela se crê é reconhecer ignorá−la.
O apóstolo São Paulo limita toda fé a estas duas coisas: acreditar que Deus existe e que ele recompensa aqueles que o procuram.
A fé é maior que as religiões, porque precisa menos dos artigos da crença.
Um dogma qualquer constitui apenas uma crença e pertence a uma comunhão especial; a fé é um sentimento comum a toda a humanidade.
Quanto mais se discute para precisar, menos se acredita; um dogma a mais é uma crença de que uma seita se apropria e eleva assim, de alguma maneira, à fé universal.
Deixemos os sectários fazerem e refazerem seus dogmas, deixemos os supersticiosos detalharem e formularem suas superstições, deixemos os mortos enterrarem seus mortos, como dizia o Mestre, e acreditemos na verdade indizível, no absoluto que a razão admite sem compreender, no que pressentimos sem saber.
Acreditemos na razão suprema.
Acreditemos no amor infinito e tenhamos piedade das estupidezes da escola e das barbáries da falsa religião.
Ó homem! dize−me o que esperas, e eu dir−te−ei o que vales.
Rezas, jejuas, velas e crês que escaparás assim sozinho, ou quase sozinho, à perda imensa dos homens devorados por um Deus cioso. És um hipócrita e um ímpio.
Fazes da vida uma orgia e esperas o nada como sono, és um doente ou um insano.
Estás pronto a sofrer como os outros e pelos outros e esperas a salvação de todos, és um sábio e um justo.
Esperar não é ter medo.
Ter medo de Deus! Que blasfêmia! O ato de esperança é a oração.
A oração é o derramar−se da alma na sabedoria e no amor eternos.
É o olhar do espírito para a verdade e o suspiro do coração para a beleza suprema. É o sorriso da criança para a mãe.
É o murmúrio do bem−amado que se debruça para os beijos de sua bem−amada. É a doce felicidade da alma amante que se dilata num oceano de amor.
É a tristeza da esposa na ausência do novel esposo. É o suspiro do viajante que pensa em sua pátria.
É o pensamento do pobre que trabalha para alimentar a mulher e os filhos.
Oremos em silêncio e ergamos em direção de nosso Pai desconhecido um olhar de confiança e de amor; aceitemos com fé e resignação a parte que nos cabe nas penas da vida, e todas as batidas de nossos corações serão palavras de oração.
Necessitamos acaso informar a Deus que coisas lhe pedimos, já não sabe ele o que nos é necessário?
Se choramos, apresentemos−lhe as nossas lágrimas; se nos regozijamos, dirijamos−lhe o nosso sorriso; se ele nos atinge, baixemos a cabeça; se nos acaricia, adormeçamos em seus braços!
Nossa oração será perfeita, quando orarmos sem sequer saber que oramos.
A oração não é um ruído que fere os ouvidos, é um silêncio que penetra no coração.
E doces lágrimas vêm umedecer os olhos, e suspiros escapam como a fumaça dos incensos.
Fica−se tomado por um inefável amor a tudo o que é beleza, verdade, justiça; palpita−se de uma nova vida e não se teme mais morrer. Pois a oração é a vida eterna da inteligência e do amor; é a vida de Deus na terra.
Amai−vos uns aos outros, eis a lei e os profetas! Meditai e compreendei essa palavra.
E, quando tiverdes compreendido, não leiais mais, não procures mais, não duvideis mais, amai!
Não mais sejais sábios, não mais sejais eruditos, amai! Essa é a doutrina da verdadeira religião; religião quer dizer caridade, e o próprio Deus não é senão amor.
Eu já vos disse: amar é dar.
O ímpio é aquele que absorve os outros.
O homem pio é aquele que se expande na humanidade.
Se o coração do homem concentra em si próprio o fogo com o qual Deus o anima, é um inferno que devora tudo e que só se preenche de cinzas; se ele o faz resplandecer fora, torna−se um doce sol de amor.
O homem doa−se à família; a família doa−se à pátria; a pátria, à humanidade.
O egoísmo do homem merece o isolamento e o desespero, o egoísmo da família merece a ruína e o exílio, o egoísmo da pátria merece a guerra e a invasão.
O homem que se isola de todo amor humano ao dizer: Eu servirei a Deus, este se engana. Pois, diz o apóstolo São João, se ele não ama ao próximo que vê, como amará a Deus que não vê?
É preciso dar a Deus o que é de Deus, mas não se deve recusar mesmo a César o que é de César. Deus é quem dá a vida, César é quem pode dar a morte.
É preciso amar a Deus e não temer a César, pois está dito no livro sagrado: Quem com ferro fere com ferro perecerá.
Quereis ser bons, sede justos; quereis ser justos, sede livres!
Os vícios que deixam o homem semelhante à besta são os primeiros inimigos da sua liberdade. Olhai o bêbado e dizei−me se essa besta imunda pode ser livre!
O avaro maldiz a vida de seu pai e, como o corvo, tem fome de cadáveres.
O ambicioso quer ruínas, é um invejoso em delírio; o devasso escarrou no seio da mãe e encheu de abortos as entranhas da morte.
Todos esses corações sem amor são punidos pelo mais cruel dos suplícios: o ódio. Pois, saibamo−lo bem, a expiação está contida no pecado.
O homem que faz o mal é como um vaso de barro defeituoso, quebrar−se−á, a fatalidade o quer. Com os escombros do mundo, Deus refaz estrelas; com os escombros da alma, refaz anjos.
6 − O Senário
O senário é o número da iniciação pela prova; é o número do equilíbrio, é o hieróglifo da ciência do bem e do mal.
Quem procura a origem do mal procura o que não é.
O mal é o apelativo da desordem do bem, é a tentativa infrutífera de uma vontade inábil. Cada um possui o fruto de suas obras, e a pobreza é somente o aguilhão do trabalho.
Para o rebanho dos homens, o sofrimento é como o cão pastor que morde a lã das ovelhas para recolocá−las no caminho.
É por causa da sombra que podemos ver a luz; é por causa do frio que sentimos o calor; é por causa da dor que somos sensíveis ao prazer.
O mal é, portanto, para nós, a ocasião e o começo do bem.
Mas, nos sonhos de nossa inteligência imperfeita, acusamos o trabalho providencial, por não o compreender.
Assemelhamo−nos ao ignorante que julga o quadro no começo do esboço e diz, quando a cabeça está feita: “Então esta figura não tem corpo.”
A natureza continua calma e realiza sua obra.
A relha não é cruel quando rasga o seio da terra, e as grandes revoluções do mundo são a lavoura de Deus.
Tudo tem seu tempo: aos povos ferozes, senhores bárbaros; ao gado, açougueiros; aos homens, juizes e pais.
Se o tempo pudesse transformar os carneiros em leões, eles comeriam os açougueiros e os pastores. Os carneiros nunca se transformam porque não se instruem, mas os povos instruem−se.
Pastores e açougueiros dos povos, tendes razão, portanto, em ver como inimigos aqueles que falam a vosso rebanho.
Rebanhos que conheceis ainda apenas vossos pastores e que quereis ignorar seu comércio com os açougueiros, sois desculpáveis por apedrejar aqueles que vos humilham e que vos inquietam ao falarem de vossos direitos.
Ó Cristo! Os grandes condenam−te, teus discípulos renegam−te, o povo amaldiçoa−te e aclama teu suplício, somente tua mãe chora, Deus abandona−te!
Eli! Eli! Lamma Sabachtani!
7 − O Setenário
O setenário é o grande número bíblico. É a chave da criação de Moisés e o símbolo de toda a religião. Moisés deixou cinco livros, e a lei resume−se em dois testamentos.
A Bíblia não é uma história, é uma coletânea de poemas, é um livro de alegorias e imagens.
Adão e Eva são somente tipos primitivos da humanidade; a serpente que tenta é o tempo que põe à prova; a árvore da ciência é o direito; a expiação pelo trabalho é o dever.
Caim e Abel representam a carne e o espírito, a força e a inteligência, a violência e a harmonia. Os gigantes são os antigos usurpadores da terra; o dilúvio foi um imensa revolução.
A arca é a tradição conservada numa família: a religião, nessa época, torna−se um mistério e a propriedade de uma raça. Caim é maldito por ser seu revelador.
Nemrod e Babel são duas alegorias primitivas do désposta único e do império universal sempre sonhado desde então; empreendido sucessivamente pelos assírios, os medas, os persas, Alexandre, Roma, Napoleão, os sucessores de Pedro, o Grande, e sempre inacabado por causa da dispersão de interesses, figurada pela confusão das línguas.
O império universal não deveria realizar−se pela força, mas pela inteligência e pelo amor. Por isso, a Nemrod, homem do direito selvagem, a Bíblia opõe Abraão, homem do dever, que se exila para buscar a liberdade e a luta numa terra estrangeira de que se apodera pelo pensamento.
Tem uma mulher estéril, é seu pensamento, e uma escrava fecunda, é sua força; mas, quando a força produz seu fruto, o pensamento torna−se fecundo, e o filho da inteligência exila o filho da força. O homem de inteligência é submetido a duras provas; deve confirmar suas conquistas pelo sacrifício. Deus quer que ele imole seu filho, isto é, a dúvida deve pôr à prova o dogma e o homem intelectual deve estar pronto a tudo sacrificar diante da razão suprema. Deus, então, intervém: a razão universal cede aos esforços do trabalho, mostra−se à ciência e apenas o lado material do dogma é imolado. É o que representa o carneiro preso pelos chifres entre os arbustos. A história de Abraão é pois um símbolo à moda antiga e contém uma elevada revelação dos destinos da alma humana. Tomada ao pé da letra, é um relato absurdo e revoltante. Santo Agostinho não tomava ao pé da letra o Asno de Ouro de Apuleu! Pobres grandes homens!
A história de Isaac é uma outra lenda. Rebeca é o tipo de mulher oriental, laboriosa, hospitaleira, parcial em suas afeições, astuta e ardilosa em suas manobras. Jacó e Esaú são ainda os dois tipos
reproduzidos de Caim e Abel; mas aqui Abel se vinga; a inteligência emancipada triunfa pela astúcia. Todo o gênio israelita está no caráter de Jacó, o paciente laborioso suplantador que cede à cólera de Esaú, torna−se rico e compra o perdão de seu irmão. Quando os antigos queriam filosofar, contavam, nunca se deve esquecer.
A história ou lenda de José contém em germe todo o gênio do Evangelho, e Cristo, desconhecido por seu povo, teve de chorar mais de uma vez ao reler esta cena em que o governador do Egito lança−se ao pescoço de Benjamim dando um grito e dizendo: “Eu sou José!”
Israel torna−se o povo de Deus, isto é, o conservador da idéia e o depositário do Verbo. Essa idéia é a da independência humana e a da realeza pelo trabalho, mas é ocultada com cuidado, como um germe precioso. Um signo doloroso e indelével é imprimido nos iniciados, toda imagem da verdade é proibida, e os filhos de Israel velam, segurando o sabre em torno da unidade do tabernáculo. Hermor e Siquém querem introduzir−se pela força na família sagrada e perecem com seu povo em conseqüência de uma falsa iniciação. Para dominar os povos, é preciso que o santuário já esteja cercado de sacrifícios e terror.
A servidão dos filhos de Jacó prepara sua libertação: eles têm uma idéia, e não se acorrenta uma idéia; têm uma religião, e não se violenta uma religião; são por fim um povo, e não se acorrenta um verdadeiro povo. A perseguição suscita vingadores, a idéia encarna−se num homem, Moisés levanta, o Faraó cai e a coluna de nuvens e chamas que precede um povo livre avança majestosamente no deserto.
O Cristo é o pai e o rei pela inteligência e pelo amor.
Recebeu a unção santa, a unção do gênio, a unção da fé, a unção da virtude que é a força.
Ele vem quando o sacerdote está esgotado, quando os velhos símbolos não têm mais virtudes, quando a pátria da inteligência está extinta.
Vem para fazer Israel voltar à vida e, se não puder galvanizar Israel, morto pelos fariseus, ressuscitará o mundo abandonado ao culto morto dos ídolos.
Cristo é o direito do dever!
O homem tem o direito de cumprir o seu dever e não tem outro.
Homem, tens o direito de resistir até a morte a quem quer que te impeça de cumprir o teu dever!
Mãe! teu filho afoga−se; um homem impede−te de socorrê−lo; feres esse homem e corres a salvar teu filho!… Quem ousará condenar−te?…
Cristo veio para opor o direito do dever ao dever do direito.
O direito para os judeus era a doutrina dos fariseus. E, com efeito, pareciam ter adquirido o privilégio de dogmatizar; não eram eles os legítimos herdeiros da sinagoga?
Tinham o direito de condenar o Salvador, e o Salvador sabia que seu direito era o de resistir−lhes. O Cristo é a protestação viva.
Mas protestação de quê? Da carne contra a inteligência? Não! Do direito contra o dever? Não!
Da atração física contra a atração moral? Não! não!
Da imaginação contra a razão universal? Da loucura contra a sabedoria? Não, mil vezes não, ainda uma vez!
O Cristo é o dever real que protesta eternamente contra o direito imaginário. É a emancipação do espírito que quebra a servidão da carne.
É a devoção revoltada contra o egoísmo.
É a modéstia sublime que responde ao orgulho: Eu não te obedecerei!
O Cristo é viúvo, o Cristo é só, o Cristo é triste: por quê? É que a mulher prostituiu−se. É que a sociedade é acusada de roubo.
É que a felicidade egoísta é ímpia.
Cristo é julgado, condenado, executado, e nós o adoramos! Isso se passou num mundo talvez tão sério quanto o nosso.
Juizes do mundo em que vivemos, sede atentos e pensai naquele que julgará vossos julgamentos. Mas, antes de morrer, o Salvador legou a seus filhos o símbolo imortal da salvação: a comunhão. Comunhão! União comum! Última palavra do Salvador do mundo.
O pão e o vinho repartidos entre todos, disse ele, é minha carne e meu sangue! Ele deu sua carne aos carrascos, seu sangue à terra que quis bebê−lo: e por quê?
Para que todos repartam o pão da inteligência e o vinho do amor. Ó signo da união dos homens! Ó mesa comum! Ó banquete da fraternidade e da igualdade! quando enfim serás melhor compreendido?
Mártires da humanidade, vós que destes a vida para que todos tivessem o pão que alimenta e o vinho que fortifica, também não dizeis ao impor a mão sobre esses símbolos da comunhão universal: Isso é nossa carne e nosso sangue!
E vós, homens do mundo inteiro, vós a quem o Mestre chama irmãos: oh, não sentis que o pão universal é Deus!
Devedores do crucificado.
Vós todos que não estais prontos para dar à humanidade vosso sangue, vossa carne e vossa vida não sois dignos da comunhão do Filho de Deus! Não o façais derramar seu sangue sobre vós, pois faria nódoas sobre vossa fronte!
Não aproximeis vossos lábios do coração de Deus, ele sentiria vossa mordedura.
Não bebais o sangue do Cristo, queimaria vossas entranhas; já é suficiente que ele o tenha derramado inutilmente por vós!
8 − Octonário
O octonário é o número da reação e da justiça equilibrante. Toda ação produz uma reação.
É a lei universal do mundo.
O cristianismo devia produzir o anticristianismo.
O anticristo é a sombra, é o contraste e a prova do Cristo.
O anticristo já se produzia na Igreja na época dos apóstolos: Aquele que resiste agora resiste até a morte, dizia São Paulo, e o filho da iniqüidade manifestar−se−á.
Os protestantes disseram: O anticristo é o papa. O papa respondeu: Todo herege é um anticristo.
O anticristo não é mais o papa do que Lutero: o anticristo é o espírito oposto ao do Cristo.
É a usurpação do direito pelo direito; é o orgulho da dominação e o despotismo do pensamento.
É o egoísmo pretensamente religioso dos protestantes da mesmíssima maneira que a ignorância crédula e imperiosa dos maus católicos.
O anticristo é o que divide os homens ao invés de os unir; é o espírito de disputa, é a teimosia dos doutores e dos sectários, o desejo ímpio de se apropriar da verdade e dela excluir os outros, o de forçar todo o mundo a sofrer a estreiteza de nossos julgamentos.
O anticristo é o pai que amaldiçoa ao invés de abençoar, que afasta ao invés de aproximar, que escandaliza ao invés de edificar, que condena ao invés de salvar.
É o fanatismo odioso que desencoraja a boa vontade. É o culto da morte, da tristeza e da fealdade.
Que futuro daremos a nosso filho? disseram os pais insensatos; ele é fraco de espírito e de corpo e seu coração não dá ainda sinal de vida: faremos dele um padre, a fim de que viva do altar. E não compreenderam que o altar não é uma manjedoura para os animais preguiçosos.
Por isso, olhai os padres indignos, contemplei esses pretensos servidores do altar. O que é que dizem a vossos corações esses homens gordos ou cadavéricos, de olhos inexpressivos, de lábios cerrados ou escancarados?
Escutai−os falarem: o que vos ensina esse ruído desagradável e monótono? Rezam como dormem e sacrificam como comem.
São máquinas de pão, de carne, de vinho e de palavras vazias de sentido.
E, quando se regozijam, como ostras ao sol, por estarem sem pensamento e sem amor, diz−se que têm paz de espírito.
Têm a paz da besta e, para o homem, a do túmulo é melhor; são os padres da tolice e da ignorância, são os ministros do anticristo.
O verdadeiro padre do Cristo é um homem que vive, que sofre, que ama e que combate pela justiça. Não briga, não reprova, difunde o perdão, a inteligência e o amor.
O verdadeiro cristão é estranho ao espírito de seita; ele é tudo para todos e vê todos os homens como filhos de um pai comum que quer salvar a todos; o símbolo inteiro tem para ele somente um sentido de doçura e amor: deixa para Deus os segredos da justiça e só compreende a caridade.
Vê os maus como doentes de quem é preciso ter pena e cuidar; o mundo com seus erros e seus vícios é, para ele, o hospital de Deus, e ele quer ser seu enfermeiro.
Não se acha melhor que ninguém, apenas diz: Enquanto eu for melhor, sirvamos os outros, quando for preciso cair e morrer, outros talvez tomarão meu lugar e nos servirão.
9 − O Nonário
Eis o eremita do tarô; eis o número dos iniciados e dos profetas. Os profetas são solitários, pois seu destino é nunca serem ouvidos.
Vêem muito mais que os outros; pressentem as desgraças por vir. Assim, são aprisionados, mortos ou vilipendiados, são rejeitados como leprosos, ou deixam−nos morrer de fome.
Depois, quando os eventos ocorrem, dizemos: Foram essas pessoas que nos trouxeram desgraça. Agora, como sempre, na véspera dos grandes desastres, nossas ruas estão plenas de profetas.
Encontrei alguns nas prisões; vi outros que morriam esquecidos em pardieiros.
Toda grande cidade viu algum cuja profecia silenciosa era girar incessantemente e andar sempre coberto de andrajos no palácio do luxo e da riqueza.
Vi um cujo rosto resplandecia como o do Cristo: tinha as mãos calejadas e a roupa do trabalhador e moldava epopéias como argila. Torcia juntos o gládio do direito e o cetro do dever e, sobre esta coluna de ouro e aço, inaugurava o símbolo criador do amor.
Um dia, numa grande assembléia do povo, desceu a rua, segurando um pão que partia e distribuía, dizendo: Pão de Deus, faze−te pão para todos!
Conheço outro que gritou: Não quero mais adorar o Deus do diabo; não quero um carrasco como Deus! E acreditou−se que ele blasfemava.
Não; mas a energia de sua fé transbordava em palavras inexatas e imprudentes.
Dizia ainda, na loucura de sua caridade ferida: Todos os homens são solidários e expiam uns pelos outros, da mesma forma que se merecem uns aos outros.
O castigo para o pecado é a morte.
O próprio pecado é, aliás, um castigo, e o maior dos castigos. Um grande crime é apenas uma grande desgraça.
O pior dos homens é o que se acredita melhor do que os outros.
Os homens apaixonados são escusáveis, uma vez que são passivos. Paixão significa sofrimento e redenção pela dor.
O que chamamos de liberdade é somente a onipotência da atração divina. Os mártires diziam: Mais vale obedecer a Deus que aos homens.
O menos perfeito ato de amor vale mais ao que a melhor palavra de piedade. Não julgueis, falai pouco, amai e agi.
Um outro que veio disse: Protestai contra as más doutrinas por boas obras, mas não vos separeis de ninguém.
Restabelecei todos os altares, purificai todos os templos e estai prontos para a visita do espírito do amor.
Que cada um reze seguindo seu rito e comungue com os seus, mas não condeneis os outros. Uma prática de religião nunca é desprezível, pois é o símbolo de um grande e santo pensamento. Rezar em conjunto é comungar na mesma esperança, na mesma fé, na mesma caridade.
O signo não é nada para si próprio: é a fé que o santifica.
A religião é o laço mais sagrado e mais forte da associação humana, e fazer um ato de religião é fazer um ato de humanidade.
Quando os homens compreenderem, enfim, que não se deve discutir sobre coisas que se ignora; Quando sentirem que um pouco de caridade vale mais que muita influência e dominação;
Quando todos respeitarem o que o próprio Deus respeita na menor de suas criaturas: a espontaneidade da obediência e a liberdade do dever;
Então, só haverá uma religião no mundo, a religião cristã e universal, a verdadeira religião católica que não renegará mais a si própria por restrição de lugares ou de pessoas.
Mulher, dizia o Salvador à samaritana, em verdade te digo que virá o tempo em que os homens não adorarão mais a Deus nem em Jerusalém nem sobre esta montanha, pois Deus é espírito, e seus verdadeiros adoradores devem servi−lo em espírito e em verdade.
10 – A Década
Tal é, conforme a Cabala, o fundamento de todas as religiões e de todas as ciências, a ideia prima e imutável das coisas: um tríplice triângulo e um círculo, a ideia do ternário explicada pela balança multiplicada por si mesma nos domínios do ideal, depois a realização desta ideia nas formas. Ora, os antigos uniram as noções primárias desta simples e grandiosa teologia à própria ideia dos números, e qualificaram, assim, todos os algarismos da década primitiva.
1. Kether – A Coroa, o poder equilibrante.
2. Hocmah – A Sabedoria, equilibrada na sua ordem imutável pela iniciativa da Inteligência.
3. Binah – A Inteligência ativa, equilibrada pela Sabedoria.
4. Chesed – A Misericórdia, segunda concepção da Sabedoria, sempre benévola, porque é forte.
5. Geburah – O Rigor necessitado pela própria Sabedoria e pela Bondade. Sofrer o mal e é impedir o bem.
6. Tiphereth – A Beleza, concepção luminosa do equilíbrio nas formas, o intermediário entre a coroa e o reino, o princípio mediador entre o criador e a criação. (Que sublime idéia não achamos aqui da poesia e do seu soberano sacerdócio!)
7. Netsah – A Vitória, isto é, o triunfo eterno da inteligência e da justiça.
8. Hod – A Eternidade das vitórias do espírito sobre a matéria, do ativo sobre o passivo, da vida sobre a morte.
9. Yesod – O Fundamento, isto é, a base de toda crença e de toda verdade, é o que chamamos em filosofia o Absoluto .
10. Malkuth – O Reino, é o universo, é a criação inteira, a obra e o espelho de Deus, a prova da razão suprema, a conseqüência formal que nos força a remontar às premissas virtuais, o enigma cuja palavra é Deus, isto é: razão suprema e absoluta.
Estas dez noções primárias, unidas aos dez primeiros caracteres do alfabeto primitivo, significando, ao mesmo tempo, princípios e números, são os que os mestres da Cabala chamam as dez Sephiroth.
Alimente sua alma com mais:
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