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André Correia (Conexão Pagã / @bercodepalha)
Minha primeira experiência “mediúnica” foi quando eu era muito pequeno. Eu estava levando as louças do jantar para a cozinha e tive a nítida impressão de ver um homem saindo do quarto dos meus pais. Eu corri, muito assustado e chorando muito, jogando tudo no chão e voltando para a sala. Meus pais nunca deram muita atenção para isso e a história passou.
Quando adolescente, já morando em outra casa, eu ouvia passos no corredor externo e eventualmente sentia movimentação dentro do meu quarto. Em alguns episódios, era tão intenso que eu conseguiria descrever a pessoa que estava lá.
Em uma situação em especial, no meio da madrugada meu irmão acordou gritando muito. Saí do meu quarto para ver o que estava acontecendo e encontrei meus pais ali tentando acalmá-lo e meu outro irmão mais novo branco igual papel, tamanho susto diante do grito. Me aproximei e tentei entender. Eis a descrição do caso: meu irmão estava dormindo e ouviu a sua garrafa de água caindo no chão. Ele abriu os olhos e viu uma pessoa parada aos pés da cama dele.
A reação do meu pai sempre foi muito cética, e sem muito o que fazer, dizia para o meu irmão se acalmar, que estava sonhando. Eu me aproximei, coloquei a mão no ombro do meu pai pedindo que ele se afastasse. Sentei do lado do meu irmão e disse “A mulher que você viu, não era para você ver. Ela estava aqui cuidando de você, te visitando, mas quando você acordou, você passou pela faixa vibratória dela, como um rádio que se sintoniza, e sem querer acabou vendo. Ela pediu desculpas, disse que iria embora e não tinha a intenção de te assustar”. Todo mundo ficou me olhando sem entender. Eu fiquei parado, sem entender o que estava acontecendo, pois nunca havia estudado aquele assunto até então.
Para um praticante de bruxaria, esse tema não deveria ser incomum, mas para mim era. Na verdade, creio que para muitos neopagãos o assunto é bastante vago.
Fui buscar ajuda com uma pessoa que sempre foi referência para mim, mas ouvi um sonoro “Ignore isso, não temos nenhum suporte para oferecer”. Mas como se ignora esse tipo de coisa? Foi extremamente frustrante perceber que eu estava desamparado não só pelas pessoas, mas na literatura também. Naquela época não existiam livros a respeito da necromancia dentro da bruxaria e livros importados eram uma realidade muito além dos meus padrões financeiros.
Recuei e fiquei “suspenso” nas minhas práticas de bruxaria, apenas estudando e fazendo exercícios mais intimistas. Duvidei de mim, da minha sanidade e tentei entender o momento do desenvolvimento pelo qual estava passando. Nesse período, fui convidado a visitar um grupo espírita Kardecista no bairro em que eu moro, aceitei o convite. Essa ida ao grupo me rendeu alguns anos de imersão na mediunidade, no passe espírita, desenvolvimento e muitos anos de trabalho com psicofonia, ou seja, a incorporação e comunicação pela fala. Na verdade, no Kardecismo, o conceito é que o espírito não adentra o corpo do médium, mas fica ao lado.
Por fim, acabei me retirando do grupo espírita, pois recebi muitos questionamentos sobre o meu paganismo dentro de um grupo cristão.
Já de volta às práticas de bruxaria, a princípio fiquei incomodado em trazer uma ferramenta kardecista para uma prática pagã. Eis que um dia, sapeando o Facebook vejo uma postagem do grande amigo e irmão bruxo Alexander Cabot, que postou a capa do Livro dos Espíritos do Allan Kardec. O chamei para uma conversar a respeito e dentre muitas descobertas, a fala que mais me chamou para compreensão foi “Todas as ferramentas que você aprende, são partes importantes da sua jornada de sabedoria como bruxo. Não tenha vergonha e nem medo de ser o que a vida te ensinou a ser”. Entendi nesse momento que a mediunidade educada, estava a disposição da minha bruxaria.
Mas pera aí. Bruxaria tem incorporação?
Chegamos nesse ponto tão importante e tabu. A Wicca não possui incorporação e isso deve ser entendido e respeitado. Eles possuem o “Puxar a lua para baixo” que é uma inspiração dos deuses, não consideram exatamente uma incorporação. Mas outras vertentes de bruxaria possuem sim a incorporação propriamente dita, de ancestrais, mentores, espíritos da natureza e até mesmo de deuses.
Historicamente, o xamanismo, que o pai e a mãe das espiritualidades pagãs, inclusive da bruxaria, já fazia intercâmbio de idéias com ancestrais mortos e espíritos de outras naturezas. Seja pela consulta de oráculos, rituais que levavam o espírito do sacerdote para outros planos ou trazendo os espíritos para dançar e abençoar o grupo social no qual o rito acontecia através de uma incorporação, um transe que o fazia acessar outras esferas.
O assunto que sempre foi um tabu na bruxaria, a incorporação não é bem quista por todos os bruxos e bruxas. Alguns ainda duvidam, menosprezam e crêem que a incorporação não deve ser levada a sério dentro da bruxaria, mas não devemos determinar um cenário extremamente mais amplo baseado na crença ou ausência de informação de um pequeno grupo.
Diferente da incorporação coletiva que acontece em rituais de origem afro, na bruxaria a incorporação é muito mais rara e acontece por um único sacerdote ou líder religioso, que veste a máscara dessa entidade, se prepara para dançar, abençoar e raramente conversar com os presentes.
Espíritos então em muitas esferas da nossa vida. Na minha crença e prática pessoal, a incorporação faz parte sim dos rituais de bruxaria, herdeiros de um antecedente xamânico europeu. Portanto não existe um método de treinamento na bruxaria para que haja a incorporação, o procedimento é lento e natural, surge com a necessidade, com a experiência e é sinalizado pelas entidades que te chamam para esse trabalho.
Não tenha medo. Esse intercâmbio entre mundos é possível, mas é necessária muita experiência e domínio para realizar essas práticas.
Antes de encerrar, quero deixar claro que, esse texto e baseado na minha experiência pessoal. Não é uma verdade absoluta, apenas a minha verdade.
André Correia. Psicólogo atuante em clínica desde 2007, adepto da bruxaria eclética, construtor de tambores ritualísticos. Participa dos projetos Conexão Pagã e Music, Magic and Folklore. Coordenador do Círculo de Kildare e autor da obra musical Tambores Sagrados.
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