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Marjorie Cameron Parsons Kimmel (23 de abril de 1922 – 24 de junho de 1995), que usava profissionalmente o monônimo Cameron, foi uma artista, poeta, atriz e ocultista americana. Seguidora de Thelema, o novo movimento religioso estabelecido pelo ocultista inglês Aleister Crowley, ela foi casada com o pioneiro dos foguetes e companheiro thelemita, Jack Parsons.
Nascida em Belle Plaine, Iowa, Cameron se ofereceu para servir na Marinha dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, após o que se estabeleceu em Pasadena, Califórnia. Lá ela conheceu Parsons, que acreditava que ela era a mulher “elemental” que ele havia invocado nos estágios iniciais de uma série de rituais de magia sexual chamados Babalon Working, a Operação Babalon. Eles entraram em um relacionamento e se casaram em 1946. O relacionamento deles era muitas vezes tenso, embora Parsons tenha despertado seu envolvimento em Thelema e no ocultismo. Após a morte de Parsons em uma explosão em sua casa em 1952, Cameron passou a suspeitar que seu marido houvesse sido assassinado e iniciou rituais para se comunicar com seu espírito. Ao mudar-se para Beaumont, ela estabeleceu um grupo ocultista multirracial chamado The Children (As Crianças), que se dedicava a rituais de magia sexual com a intenção de produzir os “moon children”, as crianças da lua, uma espécie de crianças mestiças que seriam devotadas ao deus Hórus. O grupo logo se dissolveu, em grande parte porque muitos de seus membros ficaram preocupados com as previsões cada vez mais apocalípticas de Cameron.
Ao voltar para Los Angeles, Cameron fez amizade com o socialite Samson De Brier e se estabeleceu na comunidade artística de vanguarda da cidade. Entre seus amigos estavam os cineastas Curtis Harrington e Kenneth Anger. Ela apareceu em dois dos filmes de Harrington, The Wormwood Star (A Estrela Absinto) e Night Tide (A Noite do Terror), bem como no filme de Anger, Inauguration of the Pleasure Dome (A Inauguração da Cúpula do Prazer). Nos últimos anos, ela fez aparições em filmes de arte criados por John Chamberlain e Chick Strand. Raramente permanecendo em um lugar por muito tempo, durante as décadas de 1950 e 1960 ela morou em Joshua Tree, São Francisco e Santa Fé. Em 1955, ela deu à luz uma filha, Crystal Eve Kimmel. Embora os problemas de saúde intermitentes a impedissem de trabalhar, sua arte e poesia resultaram em várias exposições. Do final dos anos 1970 até sua morte de câncer em 1995, Cameron morou em um bangalô em West Hollywood, onde criou sua filha e netos, continuou seus interesses em esoterismo e produziu obras de arte e poesia.
O reconhecimento de Cameron como artista aumentou após sua morte, quando suas pinturas apareceram em exposições nos Estados Unidos. Em 2006, a Cameron–Parsons Foundation (Fundação Cameron-Parsons) foi criada para preservar e promover seu trabalho, e em 2011 foi publicada uma biografia de Cameron escrita por Spencer Kansa, Wormwood Star: The Magickal Life of Marjorie Cameron (A Estrela Absinto: A Vida Mágicka de Marjorie Cameron), publicada no Brasil com o título A Vida Mágika de Marjorie Cameron – Estrela Absinto, pela Editora Madras.
Os Primeiros Anos (1922-1945)
Cameron nasceu em Belle Plaine, Iowa, em 23 de abril de 1922. Seu pai, o ferroviário Hill Leslie Cameron, era filho adotivo de uma família escocesa-irlandesa; sua mãe, Carrie Cameron (nascida Ridenour), era de ascendência holandesa. Ela foi sua primeira filha, e foi seguida por três irmãos: James (n. 1923), Mary (n. 1927) e Robert (n. 1929). Eles viviam no lado norte e mais rico da cidade, embora a vida fosse difícil devido à Grande Depressão. Cameron frequentou a Whittier Elementary School e a Belle Plaine High School, onde se saiu bem em arte, inglês e teatro, mas falhou nas aulas de álgebra, latim e cívica. Ela também participou de atletismo, glee club (clube de coro para cantar obras corais curtas) e de corais. Cameron relatou que uma de suas amigas de infância havia cometido suicídio e que ela também o havia contemplado, ela se caracterizava como uma criança rebelde, alegando que “eu me tornei a pária da cidade… Ninguém deixaria seu filho perto de mim”. Ela teve relações sexuais com vários homens; depois que Cameron engravidou, sua mãe realizou um aborto ilegal em casa. Em 1940, a família Cameron mudou-se para Davenport para que Hill pudesse trabalhar na fábrica de munições da Rock Island Arsenal. Cameron completou seu último ano do ensino médio na Davenport High School. Ao deixar a escola, ela trabalhou como artista de exibição em uma loja de departamentos local.
Após a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, Cameron se inscreveu no Women Accepted for Volunteer Emergency Service, um setor da Marinha dos Estados Unidos, em fevereiro de 1943. Inicialmente enviada para um campo de treinamento no Iowa State Teachers College em Cedar Falls, ela foi posteriormente enviada para Washington, D.C., onde serviu como cartógrafa do Joint Chiefs of Staff. No curso desses deveres, ela conheceu o primeiro-ministro do Reino Unido, Winston Churchill, em maio de 1943. Ela foi transferida para a Naval Photographic Unit em Anacostia, onde trabalhou como figurinista para documentários de propaganda, e durante esse período conheceu várias estrelas de Hollywood. Quando seu irmão James retornou aos EUA ferido do serviço no exterior, ela deixou seu posto sem autorização prévia (uma modalidade de deserção temporária chamada em inglês Ausence Without License – AWOL, isto é, a Ausência Sem Licença) e retornou a Iowa para vê-lo, como resultado ela foi submetida à corte marcial e confinada a quartéis pelo resto da guerra. Por razões desconhecidas para ela, ela recebeu uma dispensa honrosa do serviço militar em 1945. Para se juntar a sua família, ela viajou para Pasadena, Califórnia, onde seu pai e irmãos encontraram trabalho no Jet Propulsion Laboratory (JPL).
Jack Parsons (1946-1952)
O casal Parsons e Cameron.
Em Pasadena, Cameron encontrou um ex-colega, que a convidou para visitar a grande casa de estilo American Craftsman onde ele estava hospedado, na 1003 Orange Grove Avenue, também conhecida como “The Parsonage”. A casa era assim chamada porque seu arrendamento era de propriedade de Jack Parsons, um cientista de foguetes que havia sido membro fundador do Jet Propulsion Laboratory e que também era um devoto seguidor de Thelema, um novo movimento religioso fundado pelo ocultista inglês Aleister Crowley em 1904. Parsons era o chefe da Loja Ágape, um ramo da thelemita Ordo Templi Orientis (O.T.O). Sem o conhecimento de Cameron, Parsons tinha acabado de terminar uma série de rituais usando Magia Enoquiana com seu amigo e inquilino L. Ron Hubbard (que mais tarde se tornou o fundador da Cientologia), todos com a intenção de atrair uma mulher “elemental” para ser sua amante. Ao encontrar Cameron com seu distinto cabelo ruivo e olhos azuis, Parsons a considerou a pessoa que ele havia invocado. Depois de se conhecerem no The Parsonage em 18 de janeiro de 1946, eles se sentiram instantaneamente atraídos um pelo outro e passaram as duas semanas seguintes juntos no quarto de Parsons. Embora Cameron não soubesse disso, Parsons viu isso como uma forma de Magia Sexual que constituía parte do Babalon Working, a Operação Babalon, um rito para invocar o nascimento da deusa thelemita Babalon, em forma humana na Terra.
Babalon.
Durante uma breve visita à cidade de Nova York para ver uma amiga, Cameron descobriu que estava grávida e decidiu fazer um aborto. Enquanto isso, Parsons fundou uma empresa com Hubbard e a namorada de Hubbard, Sara Northrup, a Allied Enterprises, na qual investiu suas economias. Tornou-se evidente que Hubbard era um trapaceiro “de confiança”, que tentou fugir com o dinheiro de Parsons, o que resultou no fim de sua amizade. Voltando a Pasadena, Cameron consolou Parsons, pintando um quadro de Northrup com as pernas cortadas abaixo do joelho. Parsons decidiu vender o The Parsonage, que foi demolido para reforma, e o casal se mudou para Manhattan Beach. Em 19 de outubro de 1946, ele e Cameron se casaram no tribunal de San Juan Capistrano em Orange County, em uma cerimônia testemunhada por seu melhor amigo, Edward Forman. Tendo uma aversão a todas as religiões, Cameron inicialmente não se interessou pelas crenças e práticas ocultistas de Parsons, embora afirmasse que ela tinha um destino importante, dando-lhe o nome mágico de “Candida”, muitas vezes abreviado para “Candy”, que se tornou seu apelido.
Cameron abraçou as ideias do ocultista inglês Aleister Crowley (foto).
No inverno de 1947, Cameron viajou de Nova York a Paris a bordo do SS America com a intenção de estudar arte na Académie de la Grande Chaumière, que ela esperava que a admitisse com uma carta de recomendação da Art Center School de Pasadena. Ela também queria visitar a Inglaterra e se encontrar com Crowley e explicar a ele a Operação Babalon de Parsons. Cameron soube ao chegar em Paris que Crowley havia morrido e que ela não havia sido admitida na faculdade. Ela achou a Paris do pós-guerra “extrema e sombria”, fez amizade com Juliette Gréco e passou três semanas na Suíça antes de voltar para casa. Quando Cameron desenvolveu catalepsia, Parsons sugeriu que ela lesse os livros de Sylvan Muldoon sobre projeção astral e a encorajou a ler The Golden Bough (O Ramo Dourado) de James Frazer, The King and the Corpse (O Rei e o Cadáver, em português: A Conquista Psicológica do Mal) de Heinrich Zimmer e The Hero with a Thousand Faces (O Herói de Mil Faces) de Joseph Campbell. Embora ela ainda não aceitasse Thelema, ela se interessou cada vez mais pelo ocultismo e, em particular, pelo uso do tarô.
O relacionamento de Parsons e Cameron estava se deteriorando e eles pensaram em se divorciar. Enquanto Cameron visitava a comuna artística de San Miguel de Allende no México e fazia amizade com a artista Renate Druks, Parsons se mudou para uma casa em Redondo Beach e se envolveu em um breve relacionamento com uma irlandesa chamada Gladis Gohan antes de Cameron retornar. Em março de 1951, Parsons e Cameron se mudaram para a casa localizada na 1071 South Orange Grove, enquanto ele começou a trabalhar na Bermite Powder Company, construindo explosivos para a indústria cinematográfica. Eles começaram a realizar festas mais uma vez, que eram frequentadas em grande parte por boêmios e membros da geração beat, e Cameron frequentava os clubes de jazz da Central Avenue com sua amiga, a escultora Julie Macdonald. Cameron produziu ilustrações para revistas de moda e vendeu algumas de suas pinturas, incluindo algumas compradas por um amigo, o artista Jirayr Zorthian. Parsons e Cameron decidiram viajar para o México por alguns meses. No dia anterior ao que planejavam partir – 17 de junho de 1952 – ele recebeu um pedido urgente de explosivos para um set de filmagem e começou a trabalhar no pedido em sua casa. No meio deste projeto, uma explosão destruiu o prédio, ferindo fatalmente Parsons. Ele foi levado às pressas para o hospital, mas foi declarado morto. Cameron não quis ver seu corpo e se retirou para San Miguel, pedindo a seu amigo George Frey que supervisionasse a cremação.
The Children (As Crianças), Kenneth Anger e Curtis Harrington (1952-1968)
Cameron.
Enquanto no México, Cameron começou a realizar rituais de sangue na esperança de se comunicar com o espírito de Parsons; durante estes, ela cortou seus próprios pulsos. Como parte desses rituais, ela alegou ter recebido uma nova identidade mágica, Hilarion. Quando ela ouviu que um objeto voador não identificado teria sido visto sobre o Capitólio de Washington D.C., ela considerou isso uma resposta à morte de Parsons. Depois de dois meses, ela voltou para a Califórnia e tentou suicídio. Cada vez mais interessada em ocultismo, ela lia os papéis do marido. Abraçando suas crenças thelêmicas, ela veio a entender seu propósito em realizar a Operação de Babalon e também passou a acreditar que o espírito de Babalon havia encarnado nela mesma. Ela passou a acreditar que Parsons havia sido assassinado pela polícia ou pelos anti-sionistas, e continuou suas tentativas de projeção astral para comungar com seu espírito.
Sua estabilidade mental estava se deteriorando, e ela se convenceu de que um teste nuclear no Atol Eniwetok resultaria na destruição da costa da Califórnia. Existem evidências inconclusivas de que ela foi internada em uma ala psiquiátrica durante esse período, antes de ter um breve caso com o músico de jazz afro-americano Leroy Booth, um relacionamento que teria sido ilegal na época. Em algum ponto deste período, ela ficou com o thelemita Wilfred Talbot Smith e sua esposa, embora ele pensasse que ela tinha “morcegos no campanário”, isto é, estava enlouquecendo, e ignorava o que ele descreveu como seus “Meandros Mentais Loucos”.
Em dezembro de 1952, Cameron mudou-se para um rancho abandonado em Beaumont, Califórnia, a cerca de 140 km de Redondo Beach. Com a ajuda de Druks e Paul Mathison, ela reuniu um grupo solto de praticantes de magia ao seu redor, que ela chamou de “The Children (As Crianças)”. Intencionalmente composta por membros de várias raças, ela supervisionou uma série de rituais de magia sexual com a intenção de criar uma raça de “moon children”, as crianças da lua, mestiços que seriam devotados a Hórus. Ela ficou grávida como resultado desses ritos, e denominou seu filho futuro de “The Wormwood Star (A Estrela de Absinto)”, embora a gravidez tenha terminado em aborto espontâneo. Com o tempo, muitos dos associados de Cameron dentro do The Children se distanciaram dela, em particular por causa de seus pronunciamentos cada vez mais apocalípticos; ela alegou que o México estava prestes a conquistar os EUA, que uma guerra racial estava prestes a eclodir no Velho Mundo, que um cometa atingiria a Terra e que um disco voador resgataria ela e seus seguidores e os levaria para Marte. Durante seus rituais mágicos, ela usou uma variedade de drogas psicoativas, incluindo maconha, peiote e cogumelos mágicos, e em junho de 1953 ela visitou Los Angeles para assistir a uma palestra de Gerald Heard sobre os usos de alucinógenos que expandem a mente. Cameron sofria de alucinações auditivas, crises frequentes de depressão e mudanças dramáticas de humor. Durante este período, ela se correspondeu com a thelemita Jane Wolfe, embora outros thelemitas e associados de Crowley, como Karl Germer e Gerald Yorke, a considerassem insana, como transcrito na carta abaixo:
“Em linguagem médica, Cameron é uma lunática. Elementais, forças e ideias como Babalon, quando descontroladas, são perigosas. Ela agora está descontrolada porque Jack (Parsons) está morto. Suas operações lunáticas de quatro ou cinco camadas em preto e branco das operações de moonchild (criança da lua) ou as tentativas de operações são resumidas pelo comentário de AC [Aleister Crowley]; ‘Fico bastante frenético quando contemplo a idiotice desses idiotas.’ Eu insistiria em um voto de santa obediência e proibiria todos os trabalhos. Na minha opinião, a pobre garota está longe demais para parar. Você deve dissolvê-la e excomungá-la se ela não fizer e manter o juramento… Ela será calada (internada) e com razão em um asilo de lunáticos assim que sair a céu aberto.” – Gerald Yorke, escrevendo para Karl Germer.
O auto-retrato de Cameron, The Black Egg (O Ovo Negro), foi colocado no centro de um altar durante o serviço memorial de Cameron em 1995.
Depois de usar o I Ching, o texto de adivinhação chinês, Cameron voltou para Los Angeles, indo morar com Booth até que a dupla foi presa por porte ilegal de drogas. Libertada sob fiança, mudou-se para a casa de Druks em Malibu e, através dela, juntou-se ao círculo artístico de vanguarda em torno do socialite Samson De Brier. Foi através desse círculo que Cameron conheceu o cineasta thelemita Kenneth Anger, e depois de uma festa intitulada “Come As Your Madness (Venha com a sua Loucura)”, organizada por Mathison e Druks, ele decidiu produzir um filme com Cameron e outros do grupo. O filme resultante foi o “Inauguration of the Pleasure Dome (A Inauguração da Cúpula do Prazer)”. Depois de ver o filme, o thelemita inglês Kenneth Grant escreveu para Cameron esperando que ela se mudasse para a Inglaterra e se juntasse ao seu grupo baseado em Londres, a New Isis Lodge (a Loja Nu-Ísis); Cameron nunca respondeu.
Através de amigos em comum, Cameron conheceu Sheridan “Sherry” Kimmel, e os dois entraram em um relacionamento. Um veterano da Segunda Guerra Mundial da Flórida, Kimmel sofria de transtorno de estresse pós-traumático, muitas vezes causando-lhe graves mudanças de humor. Ele desenvolveu um interesse em ocultismo e tornou-se intensamente ciumento da influência contínua de Parsons sobre Cameron, destruindo os registros de Parsons sobre a Operação de Babalon que ela mantinha. Cameron engravidou novamente, embora não tivesse certeza de quem era o pai. Ela deu à luz uma filha, Crystal Eve Kimmel, na véspera de Natal de 1955. Ela permitiu que sua filha se comportasse como quisesse, acreditando que essa era a melhor maneira de aprender. Com seu amigo, o cineasta Curtis Harrington, Cameron produziu um curta-metragem, The Wormwood Star (A Estrela Absinto), que foi filmado na casa do colecionador de arte multimilionário Edward James; o filme apresenta imagens das pinturas de Cameron e recitações de seus poemas:
No outono de 1956, foi realizada a primeira exposição de Cameron, no estúdio de Walter Hopps em Brentwood; várias pinturas foram destruídas quando a galeria pegou fogo. Nessa época, Cameron foi apresentada ao ator Dean Stockwell em um recital público de sua poesia; ele então a apresentou a seu amigo e colega ator Dennis Hopper. Ela também foi associada do artista Wallace Berman, que usou uma fotografia dela na capa do primeiro volume de seu diário de arte, Semina. O volume também incluiu o desenho de Cameron, Peyote Vision (A Visão do Peiote). Esta obra de arte foi apresentada na exposição de Berman em 1957 na Feris Gallery de Los Angeles, que foi invadida e fechada pela polícia. Oficiais de investigação alegaram que Peyote Vision, que apresentava duas figuras copulando, era pornográfico e indecente, legitimando assim suas ações:
Peyote Vision (A Visão do Peiote), 1955, Cameron.
No final de 1957, Cameron mudou-se para San Francisco com seus amigos Norman Rose e David Metzer. Lá, ela se misturou aos mesmos círculos sociais boêmios de muitos artistas e escritores da geração beat, e era uma pessoa regular em leituras de poesia de vanguarda. Ela começou um relacionamento com o artista Burt Shonberg do Cafe Frankenstein, e com ele se mudou para um rancho fora de Joshua Tree. Juntos, eles começaram a explorar o assunto da Ufologia e tornaram-se amigos do ufólogo George Van Tassel. Depois que Kimmel foi liberado de uma ala psiquiátrica, Cameron restabeleceu seu relacionamento com ele e, em 1959, eles se casaram em uma cerimônia civil na Prefeitura de Santa Monica; seu relacionamento foi tenso e eles se separaram logo depois.
O túmulo do companheiro de Cameron, Sheridan Kimmel, no Lakeside Memorial em Doral, Flórida.
Em 1960, Cameron apareceu ao lado de Hopper no primeiro longa-metragem de Harrington, Night Tide (A Noite do Terror). O filme foi um sucesso de crítica e — apesar de não receber uma ampla distribuição — tornou-se um clássico cult. Ela foi convidada para aparecer no próximo filme de Harrington, Games (Os Jogos), embora nunca o tenha feito. Depois que Cameron se mudou para Venice, Los Angeles, uma loja de artes local exibiu seu trabalho em agosto de 1961. Em seu retorno aos EUA da Europa, Anger foi morar com Cameron por um tempo, antes da dupla se mudar para um apartamento em Silverlake Boulevard no início de 1964; Anger permaneceu lá antes de partir para Nova York. De acordo com o biógrafo de Anger, Bill Landis, Cameron havia se tornado “uma figura materna bastante formidável” na vida de Anger. Em outubro de 1964, o Cinema Theatre em Los Angeles realizou um evento conhecido como The Transcendental Art of Cameron (A Arte Transcendental de Cameron), que exibiu sua arte e poesia e exibiu alguns de seus filmes; Anger chegou e interrompeu o evento ao se opor à exibição do filme A Inauguração da Cúpula do Prazer sem sua permissão:
https://www.youtube.com/watch?v=IgnRr170ERM
Ele então lançou uma campanha de pôsteres, The Cameron File (O Arquivo de Cameron), contra sua ex-amiga, rotulando-a de “Typhoid Mary of the Occult World” (A Mary Tifoide do Mundo Oculto). A dupla mais tarde se reconciliou, com Cameron visitando Anger em San Francisco, onde a apresentou a Anton LaVey, o fundador da Church of Satan, a Igreja de Satã. LaVey ficou encantada em conhecê-la, pois ele era fã do filme Night Tide (A Noite do Terror):
VIDA POSTERIOR (1969-1995):
Cameron em atuação.
Na última parte da década de 1960, Cameron e sua filha se mudaram para os pueblos de Santa Fé, Novo México, onde ela desenvolveu uma amizade com o escultor John Chamberlain e apareceu em seu filme de arte, Thumb Suck, que nunca foi lançado. Enquanto estava no Novo México, ela sofreu um colapso pulmonar e necessitou de hospitalização. Sua saúde era precária, pois ela sofria de bronquite crônica e enfisema (ambos agravados por seu hábito de fumar), enquanto tremores nas mãos a impediram de pintar por quatro anos. Retornando à Califórnia, em 1969 ela estava morando no setor Pioneertown de Joshua Tree. De lá, ela e sua filha se mudaram para um pequeno bangalô na North Genesee Avenue, na área de West Hollywood, em Los Angeles, que na época se tornara pobre e associada ao crime, sex shops e cinemas para adultos; ela permaneceu ali pelo resto de sua vida.
Em meados da década de 1980, Cameron estava se concentrando mais em sua vida familiar, particularmente em cuidar de seus netos, que eram conhecidos por passear em seu jipe. Os vizinhos se lembram dela tocando uma harpa celta em seu jardim e passeando lentamente com seu cachorro pelo quarteirão enquanto fumava um baseado de maconha. A certa altura, ela foi presa por cultivar cannabis (maconha) em sua casa. Cameron tornou-se um praticante regular de Tai chi, participou de sessões de grupo no Bronson Park sob a tutela de Marshall Ho’o e obteve um certificado de ensino no assunto. Ela ficou muito interessada em The Mayan Factor (O Fator Maia) de José Argüelles e The Lion Path (O Caminho do Leão) de Charles Musès, e empreendeu as práticas neo-xamânicas endossadas neste último. Ela também foi influenciada por afirmações feitas nos escritos da arqueóloga Marija Gimbutas sobre uma sociedade matriarcal pré-histórica dedicada a uma deusa. Cameron estava muito interessada em Woman and Superwoman (A Muher e a Supermulher) de A. S. Raleigh, gravou sua própria leitura do livro e enviou cópias para seus amigos e à rádio pública local para transmissão. Ao longo de todos esses interesses espirituais díspares, ela manteve a fé nas ideias thelêmicas de Crowley.
Além de entreter velhos amigos que vinham visitá-la em sua casa, Cameron também se encontrava com ocultistas mais jovens, como o thelemita William Breeze e o músico industrial Genesis P-Orridge. Cameron ajudou Breeze na co-edição de uma coleção de escritos ocultistas e libertários de Parsons, que foram publicados como Freedom is a Two-Gedged Sword (A Liberdade é uma Espada de Dois-Gumes) em 1989. Cameron conheceu o cineasta experimental Chick Strand e apareceu no projeto Loose Ends de 1979, durante o qual ela narrou a história de um exorcismo:
Em 1989, uma exposição de seu trabalho intitulada The Pearl of Reprisal (A Pérola da Represália) foi realizada na Los Angeles Municipal Art Gallery. Incluiu uma seleção de suas pinturas e uma exibição de Inauguration of the Pleasure Dome (Inauguração da Cúpula do Prazer) e The Wormwood Star (A Estrela Absinto), enquanto Cameron compareceu para fornecer uma leitura à luz de velas de sua poesia.
A MORTE DE MARJORIE CAMERON:
Em meados da década de 1990, Cameron foi diagnosticada com um tumor cerebral e passou por tratamento de radioterapia, complementado com medicamentos alternativos. O tumor era canceroso e metastatizou para os pulmões. Ela morreu aos 73 anos no VA Medical Center em 24 de julho de 1995, e se submeteu aos últimos ritos thelêmicos, realizados por uma suma sacerdotisa da Ordo Templi Orientis. Seu corpo foi cremado e suas cinzas foram espalhadas no deserto de Mojave. Um evento memorial foi realizado no Centro de Artes Literárias Beyond Baroque de Venice em agosto.
A PERSONALIDADE DE MARJORIE CAMERON:
Cameron em sua residência.
Cameron preferiu ser conhecida por seu sobrenome como um monônimo. De acordo com o historiador de Thelema, Martin P. Starr, “a personalidade muito dominante de Cameron não poderia tolerar rivais de qualquer tipo”. O escritor de moda Tim Blanks observou que Cameron era “uma mulher carismática” ativa no “mundo da arte machista” de meados do século XX, e que não era surpreendente o quão “sedutora e perigosa” ela deve ter parecido para Hopper e Stockwell.
Stockwell descreveu Cameron como “uma personalidade muito, muito intensa, mas também muito fascinante”. Considerando-a como “uma bruxa completa”, Hopper descreveu-a como tendo uma “personalidade infecciosa” através de sua presença; ela era alguém “que você sabia que [era] diferente e [ela] tinha uma qualidade magnética da qual você queria estar mais perto”. O fotógrafo Charles Brittin, que conheceu Cameron no circuito artístico de Los Angeles, a chamou de “uma pessoa doce com uma grande personalidade, não do jeito que alguns de seus amigos queriam que ela fosse”. Sua amiga Shirley Berman a descreveu como tendo “muitas multidões diferentes de amigos, e acho que ela tinha uma personalidade diferente com cada multidão … Ela não era uma personalidade uniforme, mas sempre foi uma pessoa muito graciosa”.
O teórico da mídia digital Peter Lunenfeld, descreveu Cameron como “uma daquelas pessoas para quem a arte era a vida e a vida era a arte”, e assim uma compreensão de sua vida é necessária para apreciar seu trabalho. As crenças ocultistas de Cameron afetaram fortemente suas obras de arte. De acordo com Priscilla Frank, escrevendo para o The Huffington Post, a arte de Cameron mescla “o ocultismo de Crowley com o surrealismo e o simbolismo dos poetas franceses, produzindo representações sombrias, mas caprichosas, cheias de poder sobrenatural”. O curador de arte Philippe Vergne descreveu seu trabalho como estando “à beira do surrealismo e da psicodelia”, incorporando “um aspecto da modernidade que duvida profundamente e desafia a lógica cartesiana em um momento da história em que esses valores mostraram suas próprias limitações”.
Lunenfeld comparou os desenhos em preto e branco de Cameron com os do artista inglês Aubrey Beardsley, observando que ela era capaz de um “trabalho de linha feroz e paradoxal – simultaneamente preciso e sedutoramente desenfreado – que funciona tanto como representação figurativa quanto como talismã emocional descarado”. Ele acreditava que tanto “paixão e ofício (arte)” podiam ser vistas em seu desenho, mas que também exibia “uma ingenuidade difícil de se relacionar em nosso momento pós-irônico”. Ele também discutiu suas pinturas em aquarela multicoloridas perdidas que foram apresentadas em The Wormwood Star (A Estrela Absinto) de Harrington, sugerindo que elas eram semelhantes a um storyboard de um filme não realizado do diretor Alejandro Jodorowsky.
Cameron em um de seus filmes.
O biógrafo de Cameron, Spencer Kansa, era da opinião de que Cameron exibia paralelos com a artista e ocultista australiana Rosaleen Norton, tanto em termos de sua aparência física quanto nas semelhanças entre seus estilos artísticos. Harrington também viu semelhanças no trabalho de Cameron e os artistas Leonora Carrington e Leonor Fini. No site da Fundação Cameron-Parsons, Michael Duncan expressou a opinião de que o trabalho de Cameron rivaliza com o de “colegas surrealistas” como Carrington, Fini, Remedios Varo e Ithell Colquhoun, ao mesmo tempo em que parece “fascinantemente presciente” das obras de artistas posteriores Kiki Smith, Amy Cutler, Karen Kilimmck e Hernan Bas. Nos últimos anos, Cameron muitas vezes seria erroneamente rotulada como uma artista beat porque ela habitava muitos dos mesmos círculos sociais que poetas e escritores beat proeminentes. Rejeitando esse rótulo, Kansa descreveu Cameron como “uma boêmia pré-beat, cujo coração estava no romantismo”.
O LEGADO DE MARJORIE CAMERON:
Cameron, na exposição Mystery Babylon (O Mistério de Babilônia)
A reputação de Cameron como artista cresceu após sua morte. Em 2006, seu amigo Scott Hobbs estabeleceu a Fundação Cameron-Parsons para servir como um arquivo que armazena e promove seu trabalho. Em 1995, sua pintura Peyote Vision (A Visão do Peiote) foi incluída como parte de uma exposição sobre “Beat Culture and the New American (A Cultura Beat e os Americanos Novos)” realizada no Whitney Museum of American Art em Nova York. Algumas de suas obras foram então exibidas junto com as de Crowley e outros thelemitas para a exposição de 2001 “Reflections of a New Aeon (Reflexões de um Novo Aeon)”, realizada na Eleven Seven Gallery em Long Beach, Califórnia. Em 2007, uma retrospectiva do trabalho de Cameron foi realizada na Galeria Nicole Klagsbrun, no bairro de Chelsea, em Nova York, enquanto nesse mesmo ano alguns de seus trabalhos apareceram na exposição itinerante “Semina Culture (A Cultura Seminal)”, dedicada a todos os artistas que contribuíram para o Jornal de Wallace Berman. Em 2008, sua pintura Dark Angel (O Anjo Negro) foi apresentada na exposição “Traces du Sacré (Traços do Sagrado)” no Centro Georges Pompidou em Paris:
Dark Angel (O Anjo das Trevas, uma representação de Jack Parsons), por Cameron.
Em 2014, outra retrospectiva, intitulada “Cameron: Songs for the Witch Woman (Cameron: Canções para a Mulher Bruxa)”, foi realizada no Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles. Naquele ano, a editora Fulgur Esoterica, sediada no Reino Unido, lançou um livro com imagens das obras de arte de Cameron e poemas de Parsons. Em 2015, uma retrospectiva de seu trabalho intitulada “Cameron: Cinderella of the Wastelands” (Cameron: A Cinderella das Terras Desoladas) foi realizada no Deitch Projects em Soho, Nova York, que incluiu uma noite na qual amigos de Cameron se reuniram para discutir publicamente seu legado. A estética de Cameron também influenciou o mundo da moda, as designers Pamela Skaist-Levy e Gela Nash-Taylor reconheceram Cameron como uma inspiração parcial para sua marca Skaist-Taylor.
A vida de Cameron foi trazida à maior atenção através da publicação de duas biografias sobre Parsons: Sex and Rockets (Sexo e Foguetes), de John Carter, e Strange Angel (O Anjo Estranho), de George Pendle. Uma dramatização da vida de Parsons foi retratada na peça Moonchild (A Criança da Lua), apresentada no The Access Theatre em 2004. Cameron foi retratada por Heather Tom. Em 2011, Wormwood Star (A Estrela Absinto, no Brasil, “Vida Mágika de Marjorie Cameron – A Estrela Absinto”, publicado pela Editora Madras), uma biografia de Cameron de autoria do britânico Spencer Kansa, foi publicada, embora não tenha sido autorizada pela Fundação Cameron-Parsons. Kansa passou quase três anos nos EUA fazendo pesquisas para o livro, entrevistando muitos dos que conheciam Cameron, incluindo vários que morreram pouco depois. Kansa afirmou que a maioria daqueles que ele entrevistou “foram imensamente generosos com seu tempo e suas lembranças”, mas que “um dos amigos mais excêntricos de Cameron” começou a alegar que Kansa não era um biógrafo, mas era realmente um agente do Federal Bureau of Investigation, o FBI. Escrevendo no Los Angeles Review of Books, Steffie Nelson observou que Kansa fez “sua devida diligência rastreando os conhecidos e amigos de infância de Cameron”, mas ao mesmo tempo criticou a falta de fontes ou de notas de rodapé.
Spencer Kansa, o biógrafo de Cameron, buscou resumir a arte e a vida dela com as seguintes palavras:
“A arte [de Cameron] e a vida espiritual eram uma coisa só. Elas eram indivisíveis… Mas dito isso, você pode ser um cético total ou ateu, ou não saber nada de sua prática espiritual, e ainda ser profundamente comovido ou deslumbrado por seus desenhos e pinturas primorosamente prestados e belos imaginados. É a obra que fica. Esses tesouros sublimes que ela parece ter capturado e trazido de um submundo para todos nós vermos.”
MAIS SOBRE MARJORIE CAMERON
Site da Cameron-Parsons Foundation, com pinturas, filmes, exposições, poesias de Marjorie Cameron.
Marjorie Cameron, no Internet Movie Database (IMDB)
Vida Mágika de Marjorie Cameron – Estrela Absinto, de Spencer Kansa, 256 páginas, publicado pela Editora Madras, eis a sinopse do livro:
“Na biografia nunca antes escrita a seu respeito, A Vida Mágika de Marjorie Cameron – Estrela Absinto, é apresentada a vida extraordinária da enigmática artista Marjorie Cameron (1922-1995), uma das figuras mais fascinantes que surgiram no mundo da arte norte-americana e no cinema underground. Por meio da elucidação das experiências vividas por Cameron no início de sua infância e no período de guerra, o livro também fornece uma nova perspectiva acerca de seu papel nos célebres rituais de mágika de Babalon Working, presididos por seu marido, o dissidente cientista de foguetes e discípulo de Aleister Crowley, Jack Parsons, e por aquele que seria o futuro fundador da Cientologia, L. Ron Hubbard. Após a morte de seu marido em uma explosão química, em 1952, Cameron herdou o manto mágiko do companheiro e embarcou em uma busca espiritual vitalícia, uma jornada refletida nas imagens transcendentais por ela retratadas – muitas desenhadas em consonância com o Reino Elemental e no plano astral. Além do talento artístico de Cameron, o livro também contempla suas aparições cinematográficas de maneira detalhada e retrata lembranças dos muitos amigos artistas, poetas e estrelas do cinema por ela inspirados ao longo do caminho. Com tanto de sua vida e trabalho envoltos em mistério, A Vida Mágika de Marjorie Cameron – Estrela Absinto irradia nova luz a respeito da artista mais extraordinária e ícone oculto evasivo.”
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Principais fontes:
Wormwood Star: The Magickal Life of Marjorie Cameron (A Estrela Absinto: A Vida Mágicka de Marjorie Cameron). Oxford: Mandrake.
Sex and Rockets: The Occult World of Jack Parsons (Sexo e Foguetes: O Mundo Oculto de Jack Parsons), por John Carter.
Strange Angel: The Otherworldly Life of Rocket Scientist John Whiteside Parsons, (Anjo Estranho: A Vida Sobrenatural do Cientista de Foguetes John Whiteside Parsons) por George Pendle.
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Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.
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