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Por Nicholaj de Mattos Frisvold.
Há uma concepção comum, ao que parece, de que a Kiumbanda é uma abordagem maléfica e degenerada em relação ao reino dos Exus e Pomba Giras que é ‘desprovida de doutrina’, pois não está em conformidade com a ‘Lei da Umbanda’. A lei da Umbanda é amplamente entendida como enraizada em uma ideia universal da realidade de um karma cristão. Consequentemente, temos aqui algumas inconsistências que é útil apontar, relacionadas à “doutrina”, “karma” e “ordem divina”. Acredito que esses três fatores quebram muito bem as objeções que alguns ‘umbandistas’ têm com a kiumbanda.
Em primeiro lugar, é claro que a kiumbanda possui uma doutrina e até uma hierarquia. Essa hierarquia, depois do que vi, surpreenderá muitos praticantes por sua doutrina simples e impressionante. Fé sem doutrina não faz muito sentido. Karma, representam um termo complicado, e desde a chegada dos movimentos da Nova Era tem sido usado acriticamente para se referir a causa e ação em bases bastante mecanicistas (e modernas) e assim se tornar um símbolo linguístico esvaziado de seu significado original. O karma deve ser visto em relação ao dharma, “lei” ou, mais corretamente, a lei dada por seu elenco e destino que, em última análise, trará significado e realização à sua vida. Karma, simplesmente significa “ação”, e está estritamente relacionado à “ação ritual”, pois tais ações kármicas estão em uma categoria completamente diferente da ideia de “atos bons/atos ruins”. O karma da Nova Era que encontramos na Umbanda é, como em tantas frações modernas, desvinculado da fonte e da tradição. Após a amputação, o conceito cortado começa a ganhar vida própria, limitado a opiniões pessoais e ao que “parece certo”. Até certo ponto, isso também influencia a Umbanda, em vários graus de centro a centro – pois essa fragmentação moderna influencia todas as formas de fé moderna até certo ponto. Estou falando simplesmente de uma desintegração global da doutrina tradicional, do dom grego, chamado ‘modernidade’, e não da Umbanda em si. Mas como os equívocos estão em grande parte subindo desse ângulo, é mais claro abordar a questão de onde as vozes da crítica são mais altas.
Deixe-me aqui no início primeiro pegar a ideia de ‘kiumba’, que é uma palavra kikongo do grupo linguístico mais amplo dos bantu, significando ‘crânio’. Kiumbanda então traduzirá seu significado como “o caminho da caveira”. Que eu saiba, ‘kiumbanda’ foi usado pela primeira vez para designar um sistema de Kimbanda/Quimbanda mais completo, por mim mesmo, em 2006, do que era habitual. Essa ideia, porém, nasceu de conversas com Exu, meu padrinho, ao questionar comentários sobre kiumbas feitos por Fontenelle e Alves entre os anos 40 e 60 em seus livros publicados.
A doutrina da ‘Kiumbanda’ é a mesma da Quimbanda, não há diferença como tal, mesmo que haja um número crescente de opiniões buscando fazer uma distinção entre Kiumbanda e Quimbanda. Parece que ‘kiumbanda’ está prestes a substituir em certa medida o termo ‘macumba’, fazendo uma distinção onde a Quimbanda é um trabalho com ‘entidades negativas’, mas a kiumbanda é para trabalhar com espíritos malignos obsessivos. A entrada da Wikipédia em português chega a comentar que estes ‘kiumbanda’ são os mesmos que Egum, ou Egun, só para sublinhar o desconhecimento do autor desta entrada.
Egun é um termo iorubá que revela a complexa metafísica da morte e ancestralidade e está relacionado à nossa linhagem de sangue pessoal. Isso significa que o autor está simplesmente assumindo que todos nós viemos de uma longa linhagem de “entidades” obsessivas e malignas. No mesmo fôlego encontramos no blog de um tal Baba Egbé D’Oyafuna o seguinte comentário:
“Não podemos confundir a Quimbanda com a Kiumbanda (popularmente conhecida como magia negra). Isso porque a Kiumbanda não respeita os princípios fundamentais da Umbanda. Uma vez doutrina e uma linha de comando vezes realiza trabalhos que não crescem espiritualmente, inclusive muitas vezes tirando a vida de pessoas.”
Mais uma vez as perspectivas profanas estão obscurecendo as verdades espirituais, nesta observação absurda acrescentando que a ‘kiumbanda’ pode matar você – e com certeza, a vida é mortal…. O maior assassino é a vida e a natureza. Bem, posso concordar que é melhor andar com cuidado dentro dos domínios dos lares e das larvas, porque é isso que difere a ‘kiumbanda’ da quimbanda, a honestidade com os tipos de espírito que corremos o risco de encontrar nos reinos da noite e da sombra . Acho mais interessante que esse sujeito insistir na kiumbanda, que é o mesmo que magia negra para ele, é condenável porque não segue os princípios divinos da Umbanda. Para ele, isso significa que a “magia negra” é desprovida de doutrina e linha de comando e, o pior de tudo, não traz crescimento espiritual para as pessoas. A questão do crescimento espiritual é realmente interessante, pois a complexidade de sua natureza dificulta o crescimento espiritual, enquanto o conhecimento espiritual é facilmente ativado.
Meu caminhão com as opiniões recentes é que tudo é medido contra a Umbanda como possuidora e efetivadora da ‘lei divina’ sobre a terra. Nisso encontramos uma preocupação com o heterodoxo, a ideia de karma e o espiritismo. O que acho bastante curioso nisso é ver a ideia de Egum ser relegado a algo nefasto e assustador, enquanto ‘Egum’ certamente está na pedra fundamental da Umbanda. Novamente, ao retornar a origem linguística de Egum, o Yoruba Egun, seus ancestrais são chamados de ‘ara orun’, ‘habitante do céu’. Considerando que a Umbanda está sendo organizada com base em Zélio canalizando a cura e o conhecimento de um caboclo (o espírito de um índio morto), acredito que seja razão para entender a Umbanda como um culto Egun por direito próprio. Acredito que é a compreensão do que realmente são ‘egun’ e ‘kiumbas’ que deve ser reavaliado em premissas tradicionais.
Tradicionalmente, isso representa a ancestralidade e o espírito das pessoas que antes estavam vivas, agora mortas. Esses espíritos, dependendo de vários fatores, podem ser n’kulu (uma força ancestral positiva) ou n’kuyo (uma força ancestral negativa). Assumindo esses termos bantos de significado, abre-se uma encruzilhada queimando com o mistério dos gos, a classe sacerdotal encarregada dos ritos fúnebres, que possuía os segredos da Necromancia.
É nesta encruzilhada que a kiumbanda se desenvolve, e é na mesma encruzilhada que a kiumbanda encontra o kimbisa ou o Palo Mayombe. Aqui reside a doutrina tradicional que informa este trabalho em particular, mas hoje em dia, isso parece ser um legado, obscuro e para muitos esquecido nos caprichos da reconstrução teosófica moderna
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Fonte:
Kiumbanda/Quimbanda – Some distinctions, by Nicholaj de Mattos Frisvold
http://www.starrycave.com/2010
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Texto adaptado, revisado e enviado por Ícaro Aron Soares.
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